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SESSÃO N.° 19 DE 23 DE AGOSTO DE 1897 233

Analysando todos os seus actos economicos e financeiros dos vinte annos passados, não podemos deixar de attribuir a sua posição anormal não sómente á sua administração dispendiosa, mas ainda ás exigencias exorbitantes dos seus pretendidos amigos, que o arrastam a programmas pomposos de obras publicas, de expedições coloniaes, etc.

Ora vemos hoje nos seus projectos de reconstituirão economica reapparecer as manobras antigas, que podem aniquilar definitivamente, as esperanças dos portadores de titulos da divida nacional, podendo chegar mesmo a comprometter a autonomia administrativa do paiz.

Com effeito o projecto de conversão da divida é absolutamente contrario ás negociações sanccionadas pela maioria dos portadores da divida publica, como breve demonstraremos em artigo especial.

Segundo as condições do arrendamento dos caminhos de ferro, as companhias rendeiras são obrigadas a construir varios ramaes de linhas ferreas; como estas construcções demandam capitães importantes, as companhias não os poderão obter senão com um emprestimo estrangeiro, e sendo certo que nenhum emprestimo estrangeiro poderá ser feito a Portugal sem que o governo tenha regularisado a situação dos portadores da divida externa, e evidente que nenhuma proposta, emanando de grupos serios, poderá ser submettida ao governo.

Se um syndicato pouco escrupuloso sobre o emprego de meios de illudir as clausulas do contrato se apresentar e obtiver a concessão, o governo mais tarde ver se-ha obrigado a rescindir o contrato e a pagar á companhia as suas reivindicações, como aconteceu em Lourenço Marques, etc., etc.

Pretendem que a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes tem tenção de apresentar-se ao concurso; mas como é que a companhia real dos caminhos de ferro poderá fazer admittir o emprestimo nas bolsas estrangeiras, nas circumstancias criticas, que o seu credito atravessa?

No projecto de emprestimo baseado sobre modificações no contrato da companhia dos tabacos, o que é singular é que a companhia impõe as suas condições ao governo.

O monopolio da fabricação do assucar de beterraba tem o inconveniente de introduzir no paiz uma nova industria inutil que modificará muito as relações commerciaes de Portugal com as suas colonias e com o Brazil, aniquilará os esforços dos agricultores que querem augmentar a cultura do trigo para diminuir a exportação do oiro.

O que é mais grave é que a introducção d'esta industria em Portugal diminuirá de cerca 3:800 contos annuaes os rendimentos das alfandegas, quando os portadores da divida estão interessados nos excedentes a 1:200 contos no rendimentos das alfandegas.

Emquanto á reorganisação do banco de Portugal o governo pretende encarregar o banco, de todo o serviço do pagamento da divida externa, com poderes para estabelecer succursaes nas praças estrangeiras.

Parece-nos que o governo portuguez faz tudo quanto póde para precipitar a ruina do paiz, pois póde elle ignorar que o credito do banco está completamente identificado com o do paiz? que a intervenção do banco poderá ser acceita como garantia dos actos do governo pelos portadores da divida. Se o governo portuguez quer mandar consultar o mundo financeiro por um dos seus melhores amigos breve se convencerá da inutilidade d'este projecto.»

O sr. ministro da fazenda olhou por um kaleidoscopio e deparou-se-lhe um deficit de 2:000 e tantos contos.

Pois senhores, ainda não são exactas estas cifras, porque eu, tendo a veleidade de analysar o orçamento, trabalho insano que podia levar-me a Rilhafolles, reconheci que o deficit orçamental ha de ir muito alem da quantia indicada.

Veja v. exa., como as figuras do kaleidoscopio variam segundo o movimento rotatorio que lhe imprimem as pessoas que n'elle pegam.

O meu illustre amigo o sr. Moraes de Carvalho viu no kaleidoscopio cores muito lisonjeiras, em que foi magnifica a gerencia do sr. Hintze Ribeiro, mas um outro illustre financeiro que lançou mão do mesmo instrumento, descobriu uma sombra sinistra: a da reducção dos juros da divida publica e a bancarrota.

Mas, sr. presidente, ha na minha opinião um outro deficit peior do que o orçamental.

É o deficit da coherencia. Esse é que é muito grande e para esse é que eu chamo a attenção da camara.

Permitta-me a camara que lhe cite um facto que se deu commigo em um dos dias em que foram apprehendidos varios jornaes.

Vindo n'um carro americano, chega-se ao pé de mim um rapaz e diz-me em segredo: - O senhor quer comprar um jornal que vem muito escamado com o governo? (Riso.)

Cito as proprias palavras do garoto.

Espicaçado pela curiosidade disse ao rapaz que sim, que comprava o jornal, mas o rapaz acrescentou: - Tome porém cuidado, olhe que vae ahi no carro um policia e tira-lhe o jornal.

Tira-o?! Isso ha de ser depois de me desfazer! E quanto queres pelo jornal?

Meio tostão.

Meio tostão?! Quatrocentos por cento!...

Então o senhor não sabe o que é a offerta e a procura?

O sr. Visconde de Chancelleiros (interrompendo): - Já!... Que precocidade!

O sr. D. Luiz da camara Leme (continuando): - Já!

E o caso é que eu dei o meio tostão; dei uma cedula por signal bem sebenta crente de que a trocava por um jornal limpo.

Mas qual!... O rapaz tirou de um sitio que eu não direi á camara, um lenço muito enxovalhado, e de dentro d'esse lenço o tal jornal, muito amarrotado. Era um numero do Paiz. Triste ironia ao paiz propriamente dito!

Abri esse jornal, e quer a camara saber o que li?

Transcripções de um jornal do governo!

Eis o que transcrevia esse jornal

(Leu.)

E agora, sr. presidente, deixe-me v. exa. e a camara lamentar que o illustre ministro da justiça, um advogado distincto, um parlamentar tão experimentado, apresentasse á camara uma proposta de lei sobre a imprensa peior do que a de 1890.

«Vejâmos o que o Correio da noite dizia em 26 de outubro do anno passado, quando protestava contra o emprestimo de 3:000 contos de réis que os regeneradores estavam negociando e respondia á Tarde, que accusava os progressistas de menos patriotas por empregarem os seus melhores esforços para fazerem naufragar a operação de que se tratava e que reputavam funesta. O orgão official do partido progressista exprimia-se assim:

«Falta de patriotismo!

«São elles, são os governantes que se atrevem a fallar em patriotismo!

«Justamente no momento em que a verdade se impõe esmagadora, em que a nossa situação financeira está agonisante, em que o governo... anda lá por fóra mendigando dinheiro, sujeitando-se a todos os vexames, dobrando a cerviz a todas as imposições!

«Offerece em penhor os ultimos recursos do thesouro; arrasta a dignidade nacional, sujeita-se ás mais estranhas condições e conserva-se de joelhos á espera que lhe lancem na escudela a esmola de alguns milhares de contos de réis que o paiz ha de pagar carissimo, tanto pelo lado

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