236 DIARIO DOS DA CAMARA DIGNOS PARES DO REINO
a palavra, mas, como a hora está muito adiantada, não sei se s. exa. quererá aproveitar o pouco tempo que falta, fazendo uso da palavra.
O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Se a camara consente, eu direi ainda hoje algumas palavras em resposta ao sr. Camara Leme.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Sr. presidente, a sessão está adiantada, não obstante fallarei até dar a hora; e, ou v. exa. e a camara me permittem que conclua, depois, o que tenho de dizer em resposta ao digno par o sr. Camara Leme, ou pedirei a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
Sr. presidente, eu não sou orador, não sei empregar no que digo flores de rhetorica, que quasi sempre fallam mais ao coração do que á consciencia e á rasão. O digno par divagou por differentes assumptos, em linguagem vehemente, mais exaltada do que justa; mais apaixonada que verdadeira.
Devo declarar a v. exa., por parte do governo, que não posso acceitar a moção mandada para a mesa pelo digno par, que é uma manifesta moção de desconfiança, injusta e inutil, porque o governo tem dado provas de desejar economias, realisando já as que cabiam nas suas attribuições e pedindo, n'esse intuito, na lei de meios, auctorisação para reformar os serviços publicos.
Disse ainda o digno par que os ministros fazem profissão de fé no parlamento, mas que não se escusam a protoger sociedades anonymas; e fallou ainda em moralidade e em syndicatos. A estas referencias, não responderei eu, porque s. exa. faz mais injustiça a si do que ao governo, e, em geral, aos homens publicos do paiz, mostrando não lhes conhecer o caracter.
O digno par passou em seguida a referir-se aos negocios da guerra e começou por dizer que para sustentar a ordem publica, não é bastante um exercito com officiaes e sem soldados. E avança s. exa. isto, quando temos 140:000 homens alistados, sendo approximadamente 81:000 passados pelas fileiras e quando o governo augmenta de 3:000 o numero de praças com vencimento, isto é, a 21:000 homens o effectivo do exercito, por entender que com 18:000 era impossivel satisfazer ao serviço que se exige do exercito e proporcionar-lhe a devida instrucção e quando temos approximadamente 2:000 nas provincias ultramarinas, sacrificando saude e vidas pela integridade da patria.
(Áparte do sr. Camara Leme.)
O digno par não faz só injustiça a mim, fal-a tambem a todos os meus antecessores; mas não admira, porque s. exa. é singular nas suas apreciações sobre cousas do exercito, não obstante a sua muita illustração e os seus conhecimentos sobre arte e preceitos militares. Eu tenho muito pezar em que s. exa. não occupe este logar, para ver se repetia daqui o que affirma d'ahi.
Entende o digno par que o exercito gasta muito e que comparadas as forças dos exercitos estrangeiros e as suas despezas com as do nosso, deveriamos despender metade.
Sr. presidente, é ainda uma apreciação errada, permitta-me o digno par que lh'o note. S. exa. compara as forças no completo dos exercitos estrangeiros e não attende a que lá tambem ha praças licenciadas; e compara as despezas, não attendendo a que na maior parte dos paizes a verba com os reformados não é incluida nos orçamentos dos ministerios da guerra e a que se reduz nos orçamentas pelas praças licenciadas, não é a que mais avulta, pois ficam as destinadas ás praças no effectivo, aos quadros, a todos os elementos da administração, que são constantes e que representam a maior somma.
O exercito é caro, é; mas não creio possivel diminuir a despeza que com elle se faz; o que é necessario é aproveital-a melhor.
O sr. Camara Leme: - Então reforme-se.
O Orador: - É o que eu considero instante; mas o digno par sabe que estou ha seis mezes no ministerio e que é tão complexo o trabalho de uma organisação do exercite, que é necessario fazel-a sem precipitação e com muito estudo e reflexão. Mas a organisação não reduzirá a despeza.
Devem diminuir as unidades administrativas, augmentando as unidades tacticas. Não ha opiniões desencontradas, sobre o assumpto.
É indispensavel dar tambem ás reservas organisação conveniente e a precisa instrucção, e para isso serão aproveitados os officiaes que sobrarem pela reducção das unidades administrativas, para que se constituam os districtos de recrumento e reserva, independentes dos corpos, com o pessoal preciso para superintender n'esses serviços e no de instrucção, auxiliados por officiaes destacados dos corpos nos periodos de descanso da instrucção d'estes. Or-ganisar-se-hão serviços, mas não diminuirá a despeza.
Sr. presidente, fallou o digno par das remissões, disse tel-as combatido sempre e não as acceitar ainda hoje; e pergunta onde estava o dinheiro d'esta proveniencia e porque não figurava no orçamento a respectiva receita.
Tambem eu não concordo em principio com as remissões, tambem as combati sempre e dizia n'esta camara, na sessão de 21 de abril de 1880 (leu), e assignei, como deputado, em 1873, o parecer sobre a proposta que as abolia; e recordei tambem então o que o sempre chorado estadista Fontes Pereira de Mello pensava sobre o assumpto, condemnando-as.
(Leu.)
Mas este estadista acceitou-as depois e dizia que votava o serviço pessoal e obrigatorio a quem o propozesse e fizesse executar, mas que o não propunha.
Eu acceito-as como transição, até porque as remissões não têem verdadeiramente o caracter que tinham então, que dispensavam do serviço em geral, emquanto que hoje só dispensam do serviço activo, porque todos os remidos são obrigados ao da segunda reserva; e acceito-as ainda como meio de obter recursos para acquisição de material de guerra de que tanto carecemos.
Sr. presidente, as receitas das remissões nunca figuraram nos orçamentos, mesmo porque não é facil prever a sua importancia; mas não acho inconveniente em que sejam publicadas.
Eu vou dar ao digno par e á camara os precisos esclarecimentos sobre a applicação d'essas receitas.
De julho de 1896 a junho de 1897 subiram essas receitas a 942:721$070 réis. No anno economico de 1896 a a 1897 levantaram-se os seguintes creditos:
De 25 contos de róis para acquisição de artigos de mobilia e utensilios para alojamento das praças da reserva, chamadas a instrucção;
De 8:460$000 réis, para compra de dois mil canos de espingarda;
De 22 contos de réis, para acquisição de aço cupro-nikelado, para camisas de balas;
De 80 contos de réis, para manufactura de cinco mil equipamentos de infanteria, de frascos e téla impermeavel;
De 260 contos de réis, para manufactura e acquisição de equipamentos para infanteria e cavallaria; de espadas, cantinas, material de enfermeiros; de carros de munições, de aço cupro-nickelado; de carabinas Mannlicher, etc.;
De 30 contos de réis, para compra de machinas e sua installação na fabrica de polvora sem fumo;
De 35 contos de réis, para acquisição de material de telegraphia para a respectiva companhia do regimento de engenheria.
D'estes creditos só os dois ultimos são de minha responsabilidade, o que não quer dizer que não esteja de accordo com a applicação que deram aos outros os meus antecessores.