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N.º 19
SESSÃO DE 23 DE AGOSTO DE 1897
Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Julio Carlos de Abreu e Sousa
Secretarios - os dignos pares
Julio Carlos de Sousa
Luiz Augusto Rebello
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O sr. presidente propõe que se consigne na acta um voto de sentimento pela morte de Manuel Firmino de Almeida Maia. - Por parte do governo, o sr. ministro da fazenda associa-se a esta proposta, a qual é approvada. - O digno par D. Luiz da Camara Leme manda para a mesa um requerimento de Francisco Gonçalves da Silva, major das praças de guerra, queixando-se das disposições do parecer n.º 29. - O digno par Agostinho de Ornellas insta pela remessa de uns documentos referentes aos presos de Moçambique, commenta um d'esses documentos que viu publicado n'um jornal de Lisboa e termina apresentando uma proposta, que tem por fim auctorisar a mesa a nomear uma commissão que, com urgencia, conclua o inquerito destinado a averiguar qual o emprego da som ma destinada a satisfazer as reclamações dos portadores do emprestimo de 1832. - Fallam sobre este assumpto os dignos pares visconde de Chancelleiros, Ernesto Hintze Ribeiro, Thomaz Ribeiro, ministro da fazenda e, por ultimo, o digno par Agostinho de Ornellas, que pede para retirar a sua proposta, o que lhe .é concedido. - O digno par visconde de Chancelleiros pede que se prolongue a linha telegraphica até Veiros. - O sr. ministro da fazenda promette dar conta d'este pedido ao seu collega das obras publicas.
Ordem do dia: orçamento do estado. - É lida e admittida á discussão a moção apresentada pelo digno par Moraes Carvalho na sessão auteceedente. - Discursa sobre o assumpto em ordem do dia o digno par conde de Macedo. - O digno par D. Luiz da Camara Leme apresenta uma moção e duas propostas. Foram lidas e admittidas á discussão. - O digno par conde de Lagoaça manda para a mesa um parecer da commissão de negocios externos. Vae a imprimir. - Responde ao digno par D. Luiz da Camara Leme o sr. ministro da guerra. - Encerra-se a sessão, designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.
Pelas duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, verificando-se a presença de 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão antecedente.
Mencionou-se o seguinte expediente:
Uma representação de depositarios dos tabacos do Porto, pedindo que a companhia seja obrigada a respeitar as clausulas do contrato celebrado com o governo.
Para a commissão de petições.
Officio da sr.ª D. Maria de Arrabida de Vilhena Almeida Maia, participando o fallecimento de seu esposo Manuel Firmino de Almeida Maia.
O sr. Presidente: - No officio que acaba de ser lido participa-se á camara dos dignos pares o fallecimento do sr. conselheiro Manuel Firmino de Almeida Maia, que foi um distincto membro das duas casas do parlamento. A camara quer de certo que se lance na acta da sessão um voto de profundo sentimento pela perda d'aquelle cavalheiro, e que se communique á familia do finado esta resolução. (Apoiados.)
O sr. Ministro da fazenda (Ressano Garcia): - Pedi a palavra para me associar, por parte do governo, ao voto de sentimento que v. exa. acaba de propor.
Luiz Augusto Rebello da Silva
O sr. D. Luiz da camara Leme: - Mando para a mesa um requerimento de um major do exercito, Francisco Gonçalves da Silva, que pertenceu ao quadro das praças de guerra, queixando-se de algumas disposições do parecer n.° 29.
Crendo que este parecer está dado para ordem do dia, peço a v. exa. que de ao requerimento o destino conveniente.
O sr. Agostinho de Ornellas: - Sr. presidente, desejava que v. exa. me dissesse se os documentos que pedi, relativos aos presos de Moçambique, já foram remettidos á mesa.
O sr. Presidente: - Ainda não vieram.
O Orador (continuando): - Peço a v. exa. que insista pela remessa d'esses documentos.
E faço isto, para que a camara mantenha a sua dignidade e a sua prerogativa de tomar conhecimento de todos os actos dos poderes publicos que não são de caracter confidencial, e de os apreciar segundo os seus meritos. Eu faço este pedido unicamente pela necessidade de que a camara affirme os seus direitos, e não porque precise da remessa do famoso accordão, pois já tenho conhecimento do seu conteúdo.
Não sei por que motivo nem por que meios conseguiu um jornal de Lisboa, O Tempo, de 13 do corrente, publicar o accordão do supremo conselho de justiça militar a que me refiro.
Não me dei immediatamente ao trabalho de o apreciar, porque não tinha garantia alguma da sua authenticidade; mas, desde que decorreram dez dias sem haver a minima reclamação, parece-me que tenho o direito de considerar o documento publicado como authentico.
Sei os deveres que me impõe o logar onde estou fallando, e procurarei por isso fazer as minhas considerações nos termos mais moderados, mais respeitosos e mais concisos. Mas confesso a v. exa. que fiquei... pasmado quando li aquella sentença em materia de tanta gravidade e emanando de corporação tão conspicua.
N'uma occasião tão grave como a actual, quando nos esforçamos por estabelecer de uma maneira effectiva o nosso dominio em Moçambique, onde até agora era puramente nominal, no momento em que os nossos soldados se estão cobrindo de gloria, tendo o parlamento, repetidas vezes, votado louvores a esses briosos militares, uma corporação, composta principalmente de militares, embora nenhum d'elles fosse o relator do processo, toma conhecimento de um recurso illegal e dá como fundamento para tão arbitraria decisão as allegações dos réus, que ousam accusar dos actos mais atrozes e infames, homens que têem, com risco da propria vida, honrado o nome portuguez!
O accordão publicado está em contradicção com as leis e com o processo estabelecido pelos codigos em vigor no ultramar, admittindo um recurso que não podia interpor-se e estabelecendo uma doutrina das mais extraordinarias que é possivel conceber, porque sustenta que em tempo de guerra os commandantes das forças ultramarinas e os governadores geraes não têem mais poder que em tempo
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de paz; quer dizer, generalisa uma disposição de um artigo da lei de 26 de maio de 1896, que só se applica a determinados funccionarios militares e em serviços especiaes, mas que de maneira nenhuma póde querer estabelecer o principio de que em tempo de guerra, nas colonias, não é possivel a qualquer commandante militar exercer as mesmas faculdades que lhe concede o codigo de justiça militar no continente do reino, n'uma guerra europêa.
Não ha nada como a luz publica para reduzir o valor de um documento ás verdadeiras proporções.
Appareceu esse accordão impresso, o publico conhece-o e eu não desejo mais nada, tanto mais que sei que não está applicada no ultramar essa doutrina extraordinaria, nem entre nós, nem entre as nações mais civilisadas do universo.
Ainda ha pouco o sr. governador da Zambezia, depois de ter reprimido uma revolta, mandou fuzilar um indigena que tinha sangue branco nas veias e era provavelmente christão.
Esse mosungo, como lá lhe chamam, era culpado de ter assassinado a tripulação de uma embarcação portugueza e de se ter apoderado de duas peças de artilheria que ella conduzia, a bordo. Era indispensavel que soffresse o castigo prompto e energico, unico que comprehendem os indigenas um conselho de guerra que não podesse condemnar á morte a fazer sem delongas executar a sentença, seria absurdo e ridiculo.
Quem conhece o que é a guerra no ultramar, quem se recorda dos cipaes amarrados pelos inglezes á bôca dos canhões, quando foi da revolta da India, e o que fizeram os francezes ainda ha pouco em Madagascar, onde o general Gallieni logo ao tomar o governo da colonia mandou fnsilar dois dos mais altos personagens da côrte da rainha Ranavalo, por cumplicidade com os rebeldes fahovalos, não póde approvar o procedimento de um tribunal militar que pretende contestar o direito que têem os officiaes commandantes superiores das forças em hostilidades abertas no ultramar, de julgar era ultima instancia os crimes militares, confirmando e mandando cumprir as sentenças dos conselhos de guerra. É esta a lei em vigor; assim o prescrevem os artigos 523.°, 525.° e 527.° do codigo penal militar que dá aos governadores geraes das provincias ultramarinas as mesmas attribuições que tem na metropole os generaes commandantes das divisões militares e o ministro da guerra, e até os do supremo conselho de justiça militar.
A nova doutrina não carece de mais commentarios: expol-a é o mesmo que condemnal-a.
Agora, sr. presidente, é outro o assumpto de que me vou occupar
V. exa. lembra-se que o digno par e meu amigo o ar. Thomaz Ribeiro, n'uma das sessões passadas, se referia a um inquerito parlamentar a que se mandou proceder por deliberação da camara dos senhores deputados, para verificar o destino de uma somma que o governo portuguez tinha destinado, a instancias do francez, a acabar por uma vez com as reclamações dos portadores do emprestimo de 1832, feito quando governava de facto o sr. D. Miguel de Bragança. Pela resposta do sr. ministro da justiça tivemos conhecimento de que esse inquerito estava quasi concluido e pouco faltava para a commissão apresentar á camara tios senhores deputados o seu relatorio.
Se felizmente essa camara foi dissolvida, cessou o mandato que d'ella emanara e os trabalhos da commissão estão archivados na secretaria da camara dos senhores deputados.
Ora, parece-me urgente que se conclua esse inquerito para que o parlamento tenha conhecimento d'elle, e saiba a quem pretencem as responsabilidades, e para que se saiba tambem que o governo portuguez nunca teve obrigação moral ou juridica de natureza alguma para com os portadores dos titulos de similhante divida. Eu mando para a mesa uma proposta sobre este assumpto, e peço a v. exa., sr. presidente, que a submetta á votação da camara com urgencia, acrescentando que, se acaso a camara dos senhores deputados tomar uma deliberação analoga, a nossa commissão deve ceder o passo á commissão da camara dos senhores deputados, pois a esta, segundo a carta, pertence a iniciativa nos inqueritos aos actos da administração publica. Mas, não acontecendo assim, parece-me que é dever d'esta camara fazer luz sobre o assumpto.
Leu-se na mesa a proposta do digno par, que é do theor seguinte:
Proposta
Proponho que a camara auctorise a mesa a nomear uma com missão que com urgencia conclua o inquerito quasi terminado pela respectiva commissão parlamentar, sobre o emprego da somma destinada a satisfazer as reclamações do governo francez a favor dos portadores do emprestimo os 1832. = O par do reino, Ornellas.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que dispensam o regimento para que a proposta do digno par o sr. Ornellas entre já em discussão, tenham a bondade de se levantar.
Fui admittida á discussão.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Crê que a proposta apresentado pelo digno par, o sr. Ornellas, significa o desejo de se nomear uma commissão que continue os trabalhos não concluidos pela outra casa do parlamento. Parecia-lhe conveniente additar a proposta no sentido de que os documentos fechados em carta lacrada fossem remettidos á commissão; mas seria melhor quebrar os sellos e ver o que a carta diz, para que a camara possa sufficientemente instruir-se ácerca do negocio de que se trata.
A sua opinião firme e segura é que os trabalhos de commissões não dão nada; e de mais a mais acceito o precedente de que, dissolvida uma camara, não seja aproveitado o trabalho que as commissões fazem, pois se considera tambem terminada a sua duração.
Não quer tomar tempo á camara, mas dirá que em sessão publica de um congresso, teve occasião de affirmar que a primeira vez que fallou no parlamento, foi sobre a questão da emigração.
Nomeou-se então uma commissão para discutir e estudar o assumpto, e quarenta annos depois nomeou-se outra cem missão para continuar esse estudo, mas a final nada se apurou de definitivo.
A seu juizo, a questão dos titulos do emprestimo D. Miguel é importantissima, e ter-se-ia liquidado com toda a facilidade se não houvesse o mau sestro de adiar, sem resolver questões impertinentes como aquella (Apoiados.)
O sr. Presidente: - O digno por quer fazer alguma proposta?
O sr. Visconde de Chancelleiros: - O que eu proponho é que se mande a carta á commissão, ou deixando-a como está ou abrindo-a primeiramente.
O sr. Presidente: - Pedia ao digno par o favor de mandar a sua praposta por escripto para a mesa.
O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Eu lembrava o seguinte sobre o assumpto.
Effectivamente, em tempo foi nomeada uma commissão de inquerito parlamentar ácerca do que se passara quanto aos titulos do emprestimo D. Miguel.
Qual foi a camara que nomeou essa commissão? A camara dos senhores deputados.
Onde é que este assumpto ficou pendente? Na camara dos senhores deputados. Onde é que se deve concluir, porque a sua conclusão se torna conveniente e necessaria? Na camara dos senhores deputados. O que me parecia correcto era que, desde que o assura-
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pto começou a ser examinado pela outra camara, deixássemos tambem á sua iniciativa o nomear, se julgasse conveniente, nova commissão para proseguir no exame e no estudo que a outra commissão, anteriormente eleita, não póde continuar por motivo de dissolução de côrtes.
Era isto o que eu lembrava, a fim de não irmos nós, camara de pares, completar um estudo iniciado pela camara dos senhores deputados.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Peço a palavra para uma explicação.
Não tenho já que mandar para a mesa a proposta de additamento, por isso que eu estava na supposição de que a commissão que se dissolveu não era da camara dos senhores deputados, era da camara dos pares; e nós não devemos envolver-nos em trabalhos da outra camara.
O sr. Thomaz Ribeiro: - Sr. presidente, v. exa. comprehende que na minha posição acceito todas as averiguações que se possam fazer, tanto por parte d'esta camara, como por parte da camara dos senhores deputados.
Comquanto reconheça a justiça das ponderações apresentadas pelo sr. Hintze Ribeiro, não tenho duvida em votar, e voto de muito boa vontade a proposta do sr. Ornellas.
Permitta-me v. exa. que lhe lembre que eu já pedi ao sr. ministro, não como ministro, mas como deputado, que fizesse com que a camara dos senhores deputados desvendasse este mysterio. Portanto, repito, continuarei pedindo que se faça toda a luz n'este negocio. E agora que está: presente o sr. ministro da fazenda direi que não sei como, deixaram correr este negocio sem lhe ligar grande importancia depois de ser tal o desejo de conhecer as malfeitorias do ministerio a que tive a honra de pertencer, que até submetteram este negocio ao julgamento do poder judicial! Peço ao sr. ministro da fazenda que, por intermedio do seu collega da justiça, saiba o que a justiça apurou a tal respeito, porque desejo ter a certeza se fui ou não condemnado ás galés.
Maravilhei-me por ver entregue este assumpto ao exame ou veredictum do poder judicial, depois de se ter nomeado uma commissão de inquerito, e é por isto, repito, que eu desejo saber o que a justiça apurou.
Peço todos os dias aos srs. ministros, que são membros da outra camara, que me ajudem n'este meu empenho de ver liquidada esta questão; no entretanto, como já disse, voto a proposta do sr. Ornellas como todas as que tendam ao fim a que ella se destina.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Pedi a palavra para dar uma explicação ao digno par o sr. Thomaz Ribeiro.
Eu não me esqueci do pedido de s. exa., e, se o não satisfiz immediatamente, é porque, desde que ha sessões nocturnas na camara dos senhores deputados, o espaço de tempo antes da ordem da noite não chega para tratar d'estes assumptos. Todavia, logo que haja ensejo prometto satisfazer os desejos do digno par.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Agostinho de Ornellas: - Sr. presidente, o meu fim era chamar a attenção do parlamento para este assumpto e parece-me que o consegui.
Naturalmente o governo tem de recorrer ao credito nas praças estrangeiras, e eu desejava que antes d'isso estivesse restabelecida a confiança d'essas praças em nós e annullada a campanha de descredito que contra nós se move e de que são principaes fautores os que se dizem portadores de titulos não resgatados do emprestimo de que se trata.
Em todo o caso concordo com o digno par e meu amigo o sr. Hintze Ribeiro porque é certo que a carta constitucional confere á camara dos senhores deputados a iniciativa n'estes inqueritos. Portanto o que eu desejo é que esse inquerito seja concluido antes da approvação da proposta para a renovação do contrato com a companhia dos tabacos.
Peço, por consequencia, licença para retirar temporariamente a minha proposta, até ver se na camara dos senhores deputados alguem apresenta uma proposta parati nomeação de uma nova commissão de inquerito, desejando eu que a essa commissão sejam presentes todos os documentos tanto lacrados como não lacrados a que se referiu o sr. visconde de Chancelleiros.
Parece-me tambem que devemos contar com a acção da outra camara á vista do que acaba de declarar o sr. ministro da fazenda. S. exa. reconheceu ter promettido ao digno par sr. Thomaz Ribeiro fazer como deputado uma proposta para este fim, e acrescentou que por falta de opportunidade deixou até agora de cumprir a sua palavra.
Retiro, portanto, se a camara me permitte a minha proposta confiando que a camara dos senhores deputados não quererá deixar incompleto um inquerito de tanta consequencia.
Se todavia a minha esperança se não realisar, renoval-a-hei.
Consultada a camara, annuiu esta a que o digno par retirasse a sua proposta.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Poço ao sr. ministro da fazenda, uma vez, sr. presidente, que não vejo presente o sr. ministro das obras publicas, que recommende ao seu collega o assumpto que passo a expor.
Em Veirós estava para se abrir uma estação telegraphica. Já havia casa, pessoal nomeado, material, emfim, já havia tudo o que era preciso para o estabelecimento da estação; mas na véspera das eleições mandaram encaixotar tudo e tudo mandaram recolher a Extremoz.
Isto é resultado de uma vingança eleitoral, de que o governo, segundo creio, não tem conhecimento; mas em todo o caso, é em resultado d'essa vingança e intrigas eleitoraes que aquella estação se encontra sem estação postal.
Peço, pois, ao sr. ministro da fazenda que lembro este negocio ao seu collega das obras publicas, no que prestará um especial serviço aquella povoação.
S. exa. não reviu.
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Declaro ao digno par que transmittirei ao meu collega das obras publicas as observações que s. exa. acaba de fazer.
ORDEM DO DIA
Continuação da proposição de lei que tem por fim fixar as receitas e despezas do estado na metropole para o exercicio de 1897-1898
O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia.
Vae ler-se a- moção que o digno par sr. Moraes Carvalho mandou para a mesa quando concluiu o seu discurso.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
Moção
A camara, convencida de que o plano financeiro do governo deve, quando convertido em lei, aggravar a crise actual, passa á ordem do dia.
Sala da camara dos dignos pares, em 1 de agosto de 1897. = Moraes Carvalho.
Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.
O sr. Conde de Macedo: - Elogia o discurso proferido pelo orador que o antecedeu no debate; mas, sendo-lhe impossivel responder a toda a oração de s. exa., limitar-se-ha a simples reparos.
Nota que os argumentos por s. exa. apresentados, foram na sua maior parte completamente estranhos ás conclusões
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do parecer da commissão, e até ao proprio conteúdo da moção mandada para a mesa.
Explica que o actual orçamento não obedeceu a intuitos politicos, e teve unicamente por fim apreciar melhor a situação financeira e a situação economica.
O orador apresenta diversas considerações tendentes a rebater os argumentos adduzidos pelo orador que o precedeu no uso da palavra.
(O discurso a que se refere este resumido extracto será publicado na integra, e em appendice, quando o digno par haja revisto as notas tachygraphicas.)
O sr. D. Luiz da camara Leme: - Começo por mandar para a mesa uma moção e duas propostas, que peco a v. exa. mande ler na mesa, e depois usarei da palavra.
Foram lidas na mesa.
O Orador: - Sr. presidente, não espere v. exa. nem a, camara que eu vá fazer alguma dissertação sobre economia politica, para o que me considero incompetente, sobretudo depois do discurso academico que tão brilhantemente proferiu o meu illustre amigo, que encetou esta discussão, e com quem aprendi verdades economicas.
Fallou s. exa. em muitas cousas e ainda tenho na memoria que considerou como base da nossa reorganisação da fazenda publica a importação e a exportação.
No fim do seu discurso o digno par apresentou mais um elixir para salvar a fazenda publica.
Já n'esta - eu ia dizer na outra casa, é a mesma, porém com outros representantes - um illustre deputado apresentou tambem um elixir para salvar as finanças do paiz; e desculpe a camara se eu tiver a ousadia de propor um elixir meu. Tem sido propostos muitos, todos inefficazes; mas permitia-se que eu diga, se adoptarem o meu elixir e se o applicarem á fazenda publica, podem v. exas. crer que ella fica regenerada.
Vejam v. exas. que ousadia a minha! que ousadia esta!
Querem saber qual é o meu elixir? Resume-se em quatro palavras: exportar syndicatos e monopolios, importar economias e moralidade politica. (Apoiados.)
Digam-me v. exas. em sua consciencia se, applicando este elixir ao estado gravissimo em que está o paiz, elle não melhorava, pelo menos?
Sr. presidente, sinto-me cansado de estar sempre em opposição aos governos, de ver-me na necessidade de permanecer em lucta aberta contra s. exas. Estou fatigado, e desejava descansar.
No horisonte escuro surgiu ha tempos um meteoro, um ponto luminoso; mas desappareceu, e, por consequencia, eis-me de novo na brecha, aqui, onde creio que terei de passar o resto dos meus dias.
Ha membros do gabinete a quem eu dedico uma grande estima pessoal. O sr. ministro dos negocios estrangeiros considero-o como irmão, e o sr. ministro da guerra tenho-o na conta de um grande amigo; ruas, desculpem s. exas., n'essas cadeiras não vejo amigos; vejo só ministros, e assim dir-lhes-hei que a orientação dada aos negocios publicos não tem correspondido á minha espectativa.
Como a discussão do orçamento é arida, permitta-me a camara que eu traga ao debate alguma nota alegre.
Ha pouco um jornal, fazendo apreciações pouco lisonjeiras á politica do governo, dizia que tudo estava na mesma; tudo como dantes, quartel general nos Navegantes.
Quem são estes navegantes? São os que foram tripular a nau do estado, esse pobre e misero barco constantemente a balouçar-se n'um mar procelloso de contradicções.
Mas tomem cuidado no rumo que leva a embarcação, porque, segundo as prophecias de experimentados mareantes, póde ella ir despedaçar-se nos baixios da bancarrota.
Querem evitar que isto aconteça?
Então adoptem o meu elixir. Adoptem-no, e eu asseguro a s. exas. que a embarcação não dá á costa.
Sr. presidente, agora me lembrei de repente do que succedeu ha pouco em Franca com um homem politico importante, o sr. Remusat, que, querendo fazer espirito com o seu antagonista que tinha saído do ministerio, disse: «Nós tocâmos ambos na mesma flauta, sómente eu toco melhor do que o meu antecessor».
Ora, se a camara me permitte, eu applico este dito aos illustres ministros que se succedem no poder.
Eu direi que s. exas. desafinam por vezes no parlamento, mas são muito harmoniosos no seio das sociedades anonymas.
Sr. presidente, tenho aqui o orçamento geral do estado.
Cá está elle.
Desgraçado de v. exa. se pretendesse entrar n'este labyrinto, porque sairia de lá doido.
O volume tem capa verde.
Que irrisão esta quando nem sequer nos dá o vislumbre de uma esperança!
Eu continuo com as notas alegres, porque o assumpto é muito arido.
Sabe v. exa. o que isto é?
Eu comparo-o a um kaleidoscopio.
Toda a camara sabe o que é este instrumento, mas, como póde haver alguem nas galerias que não o conheça, eu faço d'elle uma pequena descripção.
Kaleidoscopio é um instrumento de physica á similhança de um óculo, e que tem dentro differentes objectos de cores, como fragmentos de vidro, papeis, etc.
Pelo movimento rotatorio que se dá ao referido instrumento, vê-se uma infinidade de desenhos regulares.
Ora apparece um, ora outro.
Agora imaginem os dignos pares uma cousa.
Vem primeiro o sr. Hintze Ribeiro, e encontra um saldo de 110 contos de réis, e vem em seguida o sr. Ressano Garcia, e descobre um deficit immensamente maior.
Fallando do sr. Ressano Garcia, cumpre-me elogiar o seu relatorio de fazenda, embora em phrase menos eloquente e vernacula do que a que empregou o meu illustre amigo o sr. Moraes de Carvalho.
O relatorio do sr. ministro da fazenda é um trabalho que honra o seu talento.
Sei o que custam trabalhos d'esta ordem, porque ainda ha pouco tive a honra de apresentar um; insignificante, sim, pequeno, mas que visava á realisação de uma economia incontestavel, trabalho de que aliás se não fez caso.
Mas ao mesmo tempo que elogio o relatorio de a. exa., permitta-me que lhe diga que elle não corresponde á espectativa do paiz.
É um trabalho primoroso, bem escripto, bem coordenado, mas as medidas que o acompanham, e as providencias que propõe, podem muito bem constituir um adiamento das difficuldades que nos assoberbam, mas nunca uma solução d'ellas.
Quer v. exa. ver como lá fora são apreciadas as suas medidas de fazenda?
Veja-se o que se encontra no jornal financeiro Paris bourse de julho passado:
Analyse das medidas financeiras apresentadas ao parlamento portuguez na presente sessão; extrahida do jornal financeiro Paris-Bourse de 19, 21, 22, 24 e 26 de julho proximo passado.
Na apreciação que vamos fazer das medidas financeiras apresentadas ao parlamento portuguez, o fim que temos em vista é esclarecer com toda a imparcialidade o publico francez e o mundo financeiro sobre os projectos do governo d'esse paiz.
Portugal é um paiz que nos é extremamente sympathico e, ainda que possamos reprovar a sua vida passada de filho prodigo, estamos convencidos de que, governado com intelligencia, ainda um dia nos poderá indemnisar dos prejuizos que nos causou.
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Analysando todos os seus actos economicos e financeiros dos vinte annos passados, não podemos deixar de attribuir a sua posição anormal não sómente á sua administração dispendiosa, mas ainda ás exigencias exorbitantes dos seus pretendidos amigos, que o arrastam a programmas pomposos de obras publicas, de expedições coloniaes, etc.
Ora vemos hoje nos seus projectos de reconstituirão economica reapparecer as manobras antigas, que podem aniquilar definitivamente, as esperanças dos portadores de titulos da divida nacional, podendo chegar mesmo a comprometter a autonomia administrativa do paiz.
Com effeito o projecto de conversão da divida é absolutamente contrario ás negociações sanccionadas pela maioria dos portadores da divida publica, como breve demonstraremos em artigo especial.
Segundo as condições do arrendamento dos caminhos de ferro, as companhias rendeiras são obrigadas a construir varios ramaes de linhas ferreas; como estas construcções demandam capitães importantes, as companhias não os poderão obter senão com um emprestimo estrangeiro, e sendo certo que nenhum emprestimo estrangeiro poderá ser feito a Portugal sem que o governo tenha regularisado a situação dos portadores da divida externa, e evidente que nenhuma proposta, emanando de grupos serios, poderá ser submettida ao governo.
Se um syndicato pouco escrupuloso sobre o emprego de meios de illudir as clausulas do contrato se apresentar e obtiver a concessão, o governo mais tarde ver se-ha obrigado a rescindir o contrato e a pagar á companhia as suas reivindicações, como aconteceu em Lourenço Marques, etc., etc.
Pretendem que a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes tem tenção de apresentar-se ao concurso; mas como é que a companhia real dos caminhos de ferro poderá fazer admittir o emprestimo nas bolsas estrangeiras, nas circumstancias criticas, que o seu credito atravessa?
No projecto de emprestimo baseado sobre modificações no contrato da companhia dos tabacos, o que é singular é que a companhia impõe as suas condições ao governo.
O monopolio da fabricação do assucar de beterraba tem o inconveniente de introduzir no paiz uma nova industria inutil que modificará muito as relações commerciaes de Portugal com as suas colonias e com o Brazil, aniquilará os esforços dos agricultores que querem augmentar a cultura do trigo para diminuir a exportação do oiro.
O que é mais grave é que a introducção d'esta industria em Portugal diminuirá de cerca 3:800 contos annuaes os rendimentos das alfandegas, quando os portadores da divida estão interessados nos excedentes a 1:200 contos no rendimentos das alfandegas.
Emquanto á reorganisação do banco de Portugal o governo pretende encarregar o banco, de todo o serviço do pagamento da divida externa, com poderes para estabelecer succursaes nas praças estrangeiras.
Parece-nos que o governo portuguez faz tudo quanto póde para precipitar a ruina do paiz, pois póde elle ignorar que o credito do banco está completamente identificado com o do paiz? que a intervenção do banco poderá ser acceita como garantia dos actos do governo pelos portadores da divida. Se o governo portuguez quer mandar consultar o mundo financeiro por um dos seus melhores amigos breve se convencerá da inutilidade d'este projecto.»
O sr. ministro da fazenda olhou por um kaleidoscopio e deparou-se-lhe um deficit de 2:000 e tantos contos.
Pois senhores, ainda não são exactas estas cifras, porque eu, tendo a veleidade de analysar o orçamento, trabalho insano que podia levar-me a Rilhafolles, reconheci que o deficit orçamental ha de ir muito alem da quantia indicada.
Veja v. exa., como as figuras do kaleidoscopio variam segundo o movimento rotatorio que lhe imprimem as pessoas que n'elle pegam.
O meu illustre amigo o sr. Moraes de Carvalho viu no kaleidoscopio cores muito lisonjeiras, em que foi magnifica a gerencia do sr. Hintze Ribeiro, mas um outro illustre financeiro que lançou mão do mesmo instrumento, descobriu uma sombra sinistra: a da reducção dos juros da divida publica e a bancarrota.
Mas, sr. presidente, ha na minha opinião um outro deficit peior do que o orçamental.
É o deficit da coherencia. Esse é que é muito grande e para esse é que eu chamo a attenção da camara.
Permitta-me a camara que lhe cite um facto que se deu commigo em um dos dias em que foram apprehendidos varios jornaes.
Vindo n'um carro americano, chega-se ao pé de mim um rapaz e diz-me em segredo: - O senhor quer comprar um jornal que vem muito escamado com o governo? (Riso.)
Cito as proprias palavras do garoto.
Espicaçado pela curiosidade disse ao rapaz que sim, que comprava o jornal, mas o rapaz acrescentou: - Tome porém cuidado, olhe que vae ahi no carro um policia e tira-lhe o jornal.
Tira-o?! Isso ha de ser depois de me desfazer! E quanto queres pelo jornal?
Meio tostão.
Meio tostão?! Quatrocentos por cento!...
Então o senhor não sabe o que é a offerta e a procura?
O sr. Visconde de Chancelleiros (interrompendo): - Já!... Que precocidade!
O sr. D. Luiz da camara Leme (continuando): - Já!
E o caso é que eu dei o meio tostão; dei uma cedula por signal bem sebenta crente de que a trocava por um jornal limpo.
Mas qual!... O rapaz tirou de um sitio que eu não direi á camara, um lenço muito enxovalhado, e de dentro d'esse lenço o tal jornal, muito amarrotado. Era um numero do Paiz. Triste ironia ao paiz propriamente dito!
Abri esse jornal, e quer a camara saber o que li?
Transcripções de um jornal do governo!
Eis o que transcrevia esse jornal
(Leu.)
E agora, sr. presidente, deixe-me v. exa. e a camara lamentar que o illustre ministro da justiça, um advogado distincto, um parlamentar tão experimentado, apresentasse á camara uma proposta de lei sobre a imprensa peior do que a de 1890.
«Vejâmos o que o Correio da noite dizia em 26 de outubro do anno passado, quando protestava contra o emprestimo de 3:000 contos de réis que os regeneradores estavam negociando e respondia á Tarde, que accusava os progressistas de menos patriotas por empregarem os seus melhores esforços para fazerem naufragar a operação de que se tratava e que reputavam funesta. O orgão official do partido progressista exprimia-se assim:
«Falta de patriotismo!
«São elles, são os governantes que se atrevem a fallar em patriotismo!
«Justamente no momento em que a verdade se impõe esmagadora, em que a nossa situação financeira está agonisante, em que o governo... anda lá por fóra mendigando dinheiro, sujeitando-se a todos os vexames, dobrando a cerviz a todas as imposições!
«Offerece em penhor os ultimos recursos do thesouro; arrasta a dignidade nacional, sujeita-se ás mais estranhas condições e conserva-se de joelhos á espera que lhe lancem na escudela a esmola de alguns milhares de contos de réis que o paiz ha de pagar carissimo, tanto pelo lado
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monetario, como pela sua dignidade, cada vez mais enxovalhada.
«E então impõe cá dentro silencio...
«Entretanto, lá por fóra contam os jornaes as humilhações por que vamos passando; descrevem as condições exigidas e, confundindo Portugal todo com uma cotterie de aventureiros politicos, dizem do paiz e do seu credito o que só poderiam justificadamente dizer dos ministros que contratam essa negociata, independentes da vontade do paiz e no unico intuito de prolongar por mais algum tempo a orgia governamental.»
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Peior? Com certeza muito peior.
O Orador: - Realmente parece impossivel. Pois s. exa. não sabe que a reputação que tem de parlamentar distincto e de abalisado jurisconsulto tanto dimana das orações que pronuncia como dos escriptos que lança á publicidade?
Se não fosse a escripta não conheciamos as Philippicas de Demosthenes nem as Catilinarias de Cicero.
Aquelles que conhecem a historia, sabem muito bem que, ás vezes, as repressões exageradas precipitam, os acontecimentos que ellas tinham por fim evitar.
Eu sou ainda do tempo do jornal O Espectro, escripto por um homem que pertenceu ao partido regenerador, partido em que eu então militava.
Tentaram abafar a voz do ousado jornalista, mas elle só, n'uma trapeira escreveu artigos que prepararam o movimento de 1846.
A camara sabe muito bem o que então succedeu, e não precisa de que eu me alongue em narrativas a tal respeito.
Quanto ao deficit de moralidade publica, permitta-me a camara que eu use de uma linguagem rude propria de soldado que quer sempre dizer a verdade.
Disseram os jornaes que um dos primeiros actos do sr. ministro da fazenda foi mandar reintegrar dois altos funccionarios do seu ministerio, que tinham sido suspensos, não sei se com rasão ou sem ella abonando-lhes todos os vencimentos que tinham deixado de receber no periodo da suspensão.
Folgarei de que o sr. ministro, me diga se este facto é inexacto.
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Não é verdade.
O Orador: - Eu estimo muito que o facto não seja verdadeiro, mas o que é certo, o que o sr. ministro não póde contestar, é que um dos primeiros actos do governo foi nomear para o banco hypothecario um vice-governador, o sr. Hintze Ribeiro, contra o espirito e contra a letra dos estatutos.
Havemos de aqui tratar esta questão, e então eu direi á camara quem são os gansos do Capitolio que se tornam em patos mudos quando lhes deitam o milho das sociedades anonymas.
Tenho pena de que o sr. João Franco Castello Branco não tenha assento n'esta camara, porque s. exa. havia de me ajudar. Foi s. exa. quem estabeleceu uma pequenina lei de incompatibilidades, um dos melhores actos de s. exa., e que muitos qualificam de utopia.
Quando este assumpto vier á tela do debate, eu hei de provocar todos para que discutam commigo a questão das incompatibilidades, e então a camara verá que eu me enfileiro ao lado dos mais abalisados jurisconsultos e dos mais eminentes philosophos.
Vamos a isso. Eu cá estou. Já agora, se tenho de morrer aqui, quanto mais depressa melhor.
Sr. presidente, estou ancioso por ouvir o sr. visconde de Chancelleiros, que falla primorosamente, como toda a camara sabe.
Limitando, portanto, o muito que poderia dizer, vou dirigir-me ao meu illustre amigo o sr. ministro da guerra, a proposito de palavras proferidas pelo sr. Moraes Carvalho.
Disse este digno par que nós podiamos realisar grandes economias no ministerio da guerra; mas que isso ia contender com a questão de ordem publica.
Ora, sr. presidente, a reorganisação do exercito nada tem com a ordem publica. A ordem publica mantem-se com tres ou quatro regimentos. O que não ha é organisação militar completa. Temos officiaes, mas não ha soldados!
Sr. presidente, eu chamo a attenção da camara e do sr. ministro da fazenda para uma pobre memoria que publiquei.
Eu digo ao sr. ministro: Quer s. exa. entrar no campo restricto das economias? Se quer, olhe para o que eu indico no meu trabalho. Chamo a attenção do governo para differentes ramos da administração publica, mas este é da minha competencia.
Pois v. exas. acham que se póde justificar que o exercito gaste em treze annos, pelas minhas contas, 100:000 contos de reis!? Dizendo que se gasta esta verba, creio que não estou muito longe, da verdade, pois as contas que estão publicadas mostram mais de 70:000 contos de réis!
Posso provar com as estatisticas das outras nações que nós podiamos ter um exercito modelo e que satisfizesse á defeza nacional, gastando apenas metade.
Ha aqui n'este capitulo (folheando o orçamento) um cifrão, onde devia estar a verba das remissões a dinheiro!!
Sabe v. exa. a quanto monta a verba das remissões no exercicio de 1896-1897? A 784 contos de réis.
Querem saber o que tem rendido desde 1892 a 1897? Aqui está a conta:
Contos de réis
1892-1893 74
1893-1894 136
1894-1895 39
1895-1896 132
1896-1897 784
Total 1:165
Eu, sr. presidente, sou um inimigo figadal das remissões. Já uma vez citei aqui, e repito agora, a opinião de um illustradissimo general francez, que no parlamento d'aquella nação, em 1848, disse que a remissão a dinheiro é a compra de um documento cobarde, e que elle não queria que o exercito francez se compozesse de cobardes.
Não é só isto, sr. presidente; as remissões a dinheiro representam uma expoliação violentissima, porque vão muitas vezes arrancar os brincos ás orelhas das mães e das irmãs. E para quê? Como se ha de saber em que se gasta o dinheiro que ellas rendem? A lei diz ao que se deve applicar. Mas cumpre-se a lei?!
A ultima vez que aqui se fallou em remissões disse o sr. ministro da guerra que acceitava as remissões como uma necessidade transitoria.
Comprehendo que o sr. ministro da guerra se veja forçado a fazer muita cousa de que não goste, e creio por isto que s. exa. reprova as remissões a dinheiro, porque eu proprio, quando fui governador civil, me vi forçado a fazer aquillo que não me agradava, em materia de recrutamento.
E agora chamo a attenção do sr. ministro da fazenda para o seu quadro XVIII, que parece destinado a servir de pasto ás traças da camara dos senhores deputados. Refiro-me ás classes inactivas, á verba que se gasta com os reformados.
Aqui tem s. exa. o que foi a administração do sr. Pimentel Pinto:
«Vê-se pelo quadro XVIII, relativo ás despezas com as classes inactivas, que acompanha o relatorio do sr. minis-
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tro da fazenda, que no anno economico de 1891-1892 as despezas com os reformados do exercito foram de réis 283:910$686.
«Em janeiro de 1893 entra no poder, como ministro da guerra, o sr. Pimentel Pinto, e as mesmas despezas sobem logo a 715:316$303 réis.
«Em 1895-1896, ultima gerencia do sr. Pimentel Pinto, ficaram essas despezas em 769:691$838 réis.
«Elevaram-se, pois, as despezas com os reformados do exercito, depois da entrada do sr. Pimentel Pinto no ministerio da guerra, na enorme somma de 485:781$752 réis.
«Deve-se notar que estas despezas devem continuar a a augmentar até que a lei dos limites de idade produza todos os seus effeitos.
«Só durante o periodo transitorio deve essa lei provocar um augmento de despezas de 204 contos de réis. Ora, como em 1893 o sr. Pimentel Pinto deixou as despezas com os reformados do exercito em 715 contos, com mais de 204 do periodo transitorio do limite de idade, ficarão as referidas despezas elevadas a 919 contos de réis por anno!
«Eis a nota das despezas com os reformados no anno anterior á entrada do sr. Pimentel Pinto no governo e durante o periodo da sua administração (cifras redondas):
1891-1892 283 contos
1892-1893 715 »
1893-1894 740 »
1894-1895 750 »
1895-1896 769 »
«E hão de continuar a augmentar emquanto vigorar a lei do limite de idade que encurta o numero de annos para a reforma.»
919 contos de réis por anno! Assombroso! Valha-nos Deus, sr. presidente. 919 contos de réis, quando o sr. ministro da guerra disse aqui outro dia que não tinha mantas para cobrir os soldados!...
Não acceitem, não votem a minha proposta acabando com o limite de idade, mas s. exas. têem de passar por debaixo das forcas caudinas.
Eu ainda tenho esperança no bom senso do sr. ministro e em que reconhecerá que isto é impossivel continuar.
No exercito de um paiz que não está em circumstancias de fazer a guerra, e quando não temos nenhuma probabilidade de que possa havel-a, estar a reformar officiaes e generaes, a ponto de que estes chegam já para 600:000 homens!... Isto justifica-se?
Sabe v. exa. o que aconteceu ha pouco no parlamento italiano? Um dos mais notaveis generaes do exercito, o sr. Ferrero, pronunciou no senado um discurso, que não posso ler á camara, porque é muito longo, em que reprova completamente o limite de idade.
Acabem com isso; appliquem-lhe o elixir que proponho.
Sr. presidente, eu fallo com um certo fogo e póde ser que seja errada a minha convicção, mas creia v. exa. que estou convencido do que digo.
Não quero levar a palavra para casa. Alem d'isso, por certo que os dignos pares se aborrecem de me ouvir, porque estou n'uma posição tão desgraçada que não posso agradar a ninguem n'esta camara.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Está como eu.
O Orador: - Sou um caturra. É o que me chamam a mim e ao sr. visconde de Chancelleiros, quando vimos aqui dizer as verdades: somos uns caturras.
Pois vamos caturrando.
Sr. presidente, preciso terminar, porque estou cansado. De mais a mais tenho a consciencia de que a camara não gosta nada de me ouvir, não posso agradar a ninguem.
O sr. Thomaz Ribeiro: - Agrada a todos.
O Orador: - Sr. presidente, quer v. exa. que lhe diga francamente a minha opinião em relação ao governo, para quem desejava ter uma espectativa benevola?
Este governo, que era uma esperança para mim, tornou-se n'uma triste decepção.
Mas para onde havemos de appellar. Essa é que e a minha profunda tristeza.
Pede-se á Divina Providencia, de que falla sempre o discurso da corôa? Pede-se á Padroeira do reino que um membro d'esta camara disse que era Santa Apolonia? Será essa santa que está a proteger o projecto sobre os caminhos de ferro, projecto que vae comprometter grandes e importantes rendimentos do paiz em grave detrimento da defeza nacional!
Tomem cuidado!
O digno par, o sr. Moraes Carvalho, disse que ainda não tinham nascido os representantes da nação que votavam a favor de uma administração estrangeira.
É verdade. Ainda não nasceram esses pares e deputados, mas tambem é verdade que os governos encaminham o paiz a passos agigantados para essa pungente e dolorosissima situação.
Oxalá que isto não succeda, e, para que tal facto se não de, é que eu recommendo muita prudencia.
Sr. presidente, tenho a consciencia de que fico mal com os membros dos differentes partidos.
Mas sabe v. exa. o que eu quero?
É ficar bom com a minha consciencia, e muito bem com o paiz.
Mando para a mesa as minhas moções.
Tenho dito.
(O orador foi muito comprimentado.)
Foram lidas na mesa a moção e as propostas, que são do teor seguinte:
A camara, considerando que nas circumstancias gravissimas em que se encontra o paiz, as economias que é possivel realisar em todos os ramos da administração publica constituem o principio fundamental da sua regeneração financeira e economica, concorrendo efficazmente para restabelecer o credito nacional tão depreciado, continua na ordem do dia.
Sala da camara, 23 de agosto de 1897. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.
Nenhum official do exercito, qualquer que seja a sua patente, poderá ser reformado senão em virtude da sua incapacidade physica, apreciada por uma junta militar.
Aquelles que se julgarem lesados, poderão requerer respeitosamente ao ministro da guerra, a fim de serem submettidos a uma nova junta mixta, composta de tres facultativos militares e tres civis.
No caso de empate, sem appellação, terá voto de qualidade o presidente do supremo tribunal de justiça militar, que desempenhará as funcções de presidente.
Sala da camara, 23 de agosto de 1897. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.
Os officiaes do exercito, qualquer que seja a sua graduação, que foram reformados em virtude da carta de lei de 13 de maio de 1896, que estabeleceu o limite de idade, poderão voltar ao serviço effectivo do exercito, se não tiverem nota alguma nos livro de matricula e forem julgados aptos physicamente por uma junta de saude nas condições da primeira proposta.
Sala da camara, 23 de agosto de 1897. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.
O sr. Conde de Lagoaça: - Mando para a mesa um parecer da commissão de negocios externos.
Leu-se na mesa e foi a imprimir.
O sr. Presidente: - O sr. ministro da guerra pediu
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a palavra, mas, como a hora está muito adiantada, não sei se s. exa. quererá aproveitar o pouco tempo que falta, fazendo uso da palavra.
O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Se a camara consente, eu direi ainda hoje algumas palavras em resposta ao sr. Camara Leme.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Sr. presidente, a sessão está adiantada, não obstante fallarei até dar a hora; e, ou v. exa. e a camara me permittem que conclua, depois, o que tenho de dizer em resposta ao digno par o sr. Camara Leme, ou pedirei a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
Sr. presidente, eu não sou orador, não sei empregar no que digo flores de rhetorica, que quasi sempre fallam mais ao coração do que á consciencia e á rasão. O digno par divagou por differentes assumptos, em linguagem vehemente, mais exaltada do que justa; mais apaixonada que verdadeira.
Devo declarar a v. exa., por parte do governo, que não posso acceitar a moção mandada para a mesa pelo digno par, que é uma manifesta moção de desconfiança, injusta e inutil, porque o governo tem dado provas de desejar economias, realisando já as que cabiam nas suas attribuições e pedindo, n'esse intuito, na lei de meios, auctorisação para reformar os serviços publicos.
Disse ainda o digno par que os ministros fazem profissão de fé no parlamento, mas que não se escusam a protoger sociedades anonymas; e fallou ainda em moralidade e em syndicatos. A estas referencias, não responderei eu, porque s. exa. faz mais injustiça a si do que ao governo, e, em geral, aos homens publicos do paiz, mostrando não lhes conhecer o caracter.
O digno par passou em seguida a referir-se aos negocios da guerra e começou por dizer que para sustentar a ordem publica, não é bastante um exercito com officiaes e sem soldados. E avança s. exa. isto, quando temos 140:000 homens alistados, sendo approximadamente 81:000 passados pelas fileiras e quando o governo augmenta de 3:000 o numero de praças com vencimento, isto é, a 21:000 homens o effectivo do exercito, por entender que com 18:000 era impossivel satisfazer ao serviço que se exige do exercito e proporcionar-lhe a devida instrucção e quando temos approximadamente 2:000 nas provincias ultramarinas, sacrificando saude e vidas pela integridade da patria.
(Áparte do sr. Camara Leme.)
O digno par não faz só injustiça a mim, fal-a tambem a todos os meus antecessores; mas não admira, porque s. exa. é singular nas suas apreciações sobre cousas do exercito, não obstante a sua muita illustração e os seus conhecimentos sobre arte e preceitos militares. Eu tenho muito pezar em que s. exa. não occupe este logar, para ver se repetia daqui o que affirma d'ahi.
Entende o digno par que o exercito gasta muito e que comparadas as forças dos exercitos estrangeiros e as suas despezas com as do nosso, deveriamos despender metade.
Sr. presidente, é ainda uma apreciação errada, permitta-me o digno par que lh'o note. S. exa. compara as forças no completo dos exercitos estrangeiros e não attende a que lá tambem ha praças licenciadas; e compara as despezas, não attendendo a que na maior parte dos paizes a verba com os reformados não é incluida nos orçamentos dos ministerios da guerra e a que se reduz nos orçamentas pelas praças licenciadas, não é a que mais avulta, pois ficam as destinadas ás praças no effectivo, aos quadros, a todos os elementos da administração, que são constantes e que representam a maior somma.
O exercito é caro, é; mas não creio possivel diminuir a despeza que com elle se faz; o que é necessario é aproveital-a melhor.
O sr. Camara Leme: - Então reforme-se.
O Orador: - É o que eu considero instante; mas o digno par sabe que estou ha seis mezes no ministerio e que é tão complexo o trabalho de uma organisação do exercite, que é necessario fazel-a sem precipitação e com muito estudo e reflexão. Mas a organisação não reduzirá a despeza.
Devem diminuir as unidades administrativas, augmentando as unidades tacticas. Não ha opiniões desencontradas, sobre o assumpto.
É indispensavel dar tambem ás reservas organisação conveniente e a precisa instrucção, e para isso serão aproveitados os officiaes que sobrarem pela reducção das unidades administrativas, para que se constituam os districtos de recrumento e reserva, independentes dos corpos, com o pessoal preciso para superintender n'esses serviços e no de instrucção, auxiliados por officiaes destacados dos corpos nos periodos de descanso da instrucção d'estes. Or-ganisar-se-hão serviços, mas não diminuirá a despeza.
Sr. presidente, fallou o digno par das remissões, disse tel-as combatido sempre e não as acceitar ainda hoje; e pergunta onde estava o dinheiro d'esta proveniencia e porque não figurava no orçamento a respectiva receita.
Tambem eu não concordo em principio com as remissões, tambem as combati sempre e dizia n'esta camara, na sessão de 21 de abril de 1880 (leu), e assignei, como deputado, em 1873, o parecer sobre a proposta que as abolia; e recordei tambem então o que o sempre chorado estadista Fontes Pereira de Mello pensava sobre o assumpto, condemnando-as.
(Leu.)
Mas este estadista acceitou-as depois e dizia que votava o serviço pessoal e obrigatorio a quem o propozesse e fizesse executar, mas que o não propunha.
Eu acceito-as como transição, até porque as remissões não têem verdadeiramente o caracter que tinham então, que dispensavam do serviço em geral, emquanto que hoje só dispensam do serviço activo, porque todos os remidos são obrigados ao da segunda reserva; e acceito-as ainda como meio de obter recursos para acquisição de material de guerra de que tanto carecemos.
Sr. presidente, as receitas das remissões nunca figuraram nos orçamentos, mesmo porque não é facil prever a sua importancia; mas não acho inconveniente em que sejam publicadas.
Eu vou dar ao digno par e á camara os precisos esclarecimentos sobre a applicação d'essas receitas.
De julho de 1896 a junho de 1897 subiram essas receitas a 942:721$070 réis. No anno economico de 1896 a a 1897 levantaram-se os seguintes creditos:
De 25 contos de róis para acquisição de artigos de mobilia e utensilios para alojamento das praças da reserva, chamadas a instrucção;
De 8:460$000 réis, para compra de dois mil canos de espingarda;
De 22 contos de réis, para acquisição de aço cupro-nikelado, para camisas de balas;
De 80 contos de réis, para manufactura de cinco mil equipamentos de infanteria, de frascos e téla impermeavel;
De 260 contos de réis, para manufactura e acquisição de equipamentos para infanteria e cavallaria; de espadas, cantinas, material de enfermeiros; de carros de munições, de aço cupro-nickelado; de carabinas Mannlicher, etc.;
De 30 contos de réis, para compra de machinas e sua installação na fabrica de polvora sem fumo;
De 35 contos de réis, para acquisição de material de telegraphia para a respectiva companhia do regimento de engenheria.
D'estes creditos só os dois ultimos são de minha responsabilidade, o que não quer dizer que não esteja de accordo com a applicação que deram aos outros os meus antecessores.
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Foi levantado recentemente um credito de 300 contos de réis, com destino á compra de carabinas, de revolvera, de folhas de espada e de espoletas; de machinas para o fabrico de espoletas e de capsulas; de tornos e de uma machina a vapor para torneamento de projecteis; de uma outra machina a vapor e martello pilão para o fabrico de reparos; de arreios para artilheria e cavallaria; de equipamentos para cavallaria e artilheria, etc.
Conserva-se em cofre a quantia de 173:579$931 réis para substituição do material de artilheria das baterias a cavallo.
Ahi tem o digno par satisfeito o seu empenho, ou satisfeita a sua curiosidade.
Deu a hora; mas se v. exa., sr. presidente, e a camara, mo permittem, eu concluirei o que tenho a dizer, procurando ser quanto possivel laconico.
Sr. presidente, segundo me indicam os meus apontamentos, o digno par referiu-se depois á despeza com os reformados, que diz ser exagerada, a que julga necessario pôr cobro e que considera aggravada com a feita com os officiaes attingidos pelo limite de idade, principio que condemna.
Sr. presidente, a verba a despender com os reformados é a que admitte menos previsões; calcula-se pela lista dos officiaes n'esta situação e pelos vencimentos que lhes correspondem: é a expressão da lei.
O sr. D. Luiz da camara Leme: - Quando a lei é má deroga-se.
O Orador: - Não é facil derogar a lei de reformas. Como quer o digno par derogal-a? Estabelecendo o cabimento; augmentando alem de trinta e cinco annos o termo para a reforma mais vantajosa, quando a aspiração do exercito é que seja reduzido a trinta annos, como é para os empregados civis? Quer s. exa. que se conservem no effectivo os officiaes que a junta de saude considerar incapazes do serviço?
É necessario notar que na verba destinada a reformados, não se comprehende só a despendida com os officiaes propriamente do exercito, mas com os empregados civis, com os lentes aposentados, com as praças de pret, com os operarios, com pensões, etc.
O sr. D. Luiz da Camara Leme: - É facil no systema de reformar.
O Orador: - O digno par refere-se ao limite de idade. Eu, sr. presidente, sustento o principio do limite de idade, mas não o discuto agora. O que preciso dizer a s. exa. e á camara é que a despeza com os officiaes attingidos por esse limite, não aggrava muito o thesouro.
O sr. Pimentel Pinto: - No orçamento estão os 119 contos de réis para reformados.
O sr. D. Luiz da camara Leme: - Mas o que quer dizer essa verba de 119 contos de réis?
O Orador: - Eu vou explicar a minha asserção. Desde janeiro de 1895 até ha pouco, reformaram-se por limite de idade trinta e nove officiaes dos quadros e doze fóra dos quadros, importando a verba d'estas reformas em réis 63:151$200. Era igual periodo reformaram-se por consulta da junta de saude cento e trinta e dois officiaes, importando a despeza com elles em 105:733$200 réis e morreram, no mesmo periodo cento e trinta e seis, que venciam 115:908$000 réis. Houve, portanto, um augmento de 52:976$400 réis. Mas levando em conta os vencimentos de tres generaes de divisão e quatro de brigada, reduzidos no quadro do generalato, para modificar a despeza com a applicação do limite de idade; os soldos dos reformados n'estas condições, pertencentes a outros ministerios, por isso que, continuando a exercer n'elles as commissões que exerciam, deixam de perceber estes vencimentos pelos ministerios em que servem, passando a recebel-os pelo da guerra; a differença de vencimento dos officiaes que já se teriam reformado voluntariamente por lhes ter pertencido promoção a postos mais avançados; e os dos que tendo sido reformados por o limite de idade, já o teriam sido por incapacidade reconhecida pela junta; fica a despeza com os officiaes reformados por limite de idade muito attenuada, relativamente pequena.
Não póde, pois, dizer-se que a verba de reformados tem augmentado excessivamente.
O sr. D. Luiz da camara Leme: - Eu a este respeito tenho uma opinião completamente contraria a v. exa.
O Orador: - Pelo menos o limite de idade tem a vantagem de acabar com as arbitrariedades a que o digno par faz referencia na sua memoria sobre a organisação da força publica, processo a que diz chamar-se nos quarteis, processo do canudo.
O sr. D. Luiz da camara Leme: - É melhor não tocar n'esse ponto.
O Orador: - Não proseguirei; mas é necessario que a camara saiba que me não cabe responsabilidade n'esse processo.
O digno par advoga a pratica de mandar á junta de saude todos os officiaes antes de serem promovidos, pratica que foi revogada antes da reforma de 1864, na intenção talvez de attenuar quanto possivel o vexame da apresentação dos officiaes á junta, o que sendo um mal necessario, não deixa de ser contrario ao prestigio dos mesmos officiaes.
O sr. D: Luiz da camara Leme: - Eu condemno a junta, porque alguns dos officiaes que ella inspeccionou... Peço ao illustre ministro que me não obrigue a fallar do processo do canudo.
O Orador: - Já disse ao digno par que me não referiria mais a esse processo.
Sr. presidente, a camara está, de certo, cansada e eu estou fallando precipitadamente com receio de a enfadar. Peço, pois, a v. exa. que me permitia pôr termo aqui.
O sr. Presidente: - Ámanhã ha sessão e continua a mesma ordem do dia de hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e um quarto da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 23 de agosto de 1897
Exmos. srs.: José Maria Rodrigues de Carvalho, Marino João Franzini; Marquezes, de Alvito, da Graciosa; Bispo Conde de Coimbra; Condes, do Casal Ribeiro, de Lagoaça, de Macedo, de Magalhães; Visconde de Athouguia, de Chancelleiros; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Antonio de Azevedo, Egypcio Quaresma, Telles de Vasconcellos, Cypriano Jardim, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Francisco Maria da Cunha, Jeronymo Pimentel, José Maria dos Santos, Abreu e Sousa, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Camara Leme, Luiz Bivar, Pereira Dias, Vaz Preto, Thomaz Ribeiro.
O redactor = Urbano de Castro.