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SESSÃO N.° 19 DE 8 DE SETEMBRO DE 1905 231

Nos jornaes, nem essa alçada lhe cabe. A sua existencia é regulada pela lei especial que lhes é referente.

Se da maneira indesculpavel como tem sido tratada a imprensa, passarmos a apreciar o carinho e affecto dedicados á reacção, salienta-se, em logar marcante, a portaria de 26 de junho de 1905, em que o Sr. Ministro do Reino desenterrou as Ordenações Filipinas — e por que forma, deuses immortaes!

N'ella se faz referencia ao § 48.° do titulo 66.° das mesmas Ordenações, de 11 de janeiro de 1603, mandadas publicar por D. João IV, e assim concebido:

PROCISSÕES

Item, mandamos aos Juizes & Vereadores, que em cada hu anno aos dous dias do mes de julho, ordemnem hua procissão solemne á honra da Visitação de Nossa Senhora. E assi mesmo farão em cada hu anno no terceiro Domingo do mes de Julho outra Procissão solemne por commemoração do Anjo da Guarda que tem cuidado de nos guardar, & defender, para que sempre seja em nossa guarda & defensão. As quaes Procissões se ordenarão & farão com aquella festa & solemnidade com que se faz a do Corpo de Deus: para as quaes, & para quaesquer outras, que de antigo se costumam fazer, ou para outras que nós mandarmos fazer ou forem ordenadas dos Prelados, ou Conselhos, & Camaras, não serão constrangidos a vir a ellas nenhuns moradores do Termo de alguma cidade, ou villa, salvo os que morarem ao redor hua legoa. E os dittos Vereadores não levarão dos fês do Conselho dinheiro, nem percalço algum, por fazerem as ditas Procissões, ou hirem nellas. E não consentirão nellas representações de cousas profanas, nem mascaras, não sendo ordenadas para provocar a devoção. E a pessoa que nas dittas Procissões fôr, por qualquer dos modos acima defesos, pagará da cadêa mil réis, ametade para o conselho, e a outra metade para quem o accusar.

N'essa peça archeologica sobresae a indicação, não de que se faça a procissão do Corpo de Deus, porque não recommenda tal acto, mas que se realizem procissões ao Anjo da Guarda, e em honra da Visitação de Nossa Senhora. N'estas manifestações do culto externo, tanto do agrado do carolismo cultivado pelo Sr. Ministro do Reino, torna-se patente que se siga o formulario das solemnidades do Corpus Christi.

Assim, conforme o beatifico conceito do Sr. Eduardo Coelho, teremos mais duas procissões; e, lançado n'esta pendente, não admirará que S. Exa. as decrete a diario!

Consoante a letra das anachronicas Ordenações do Reino, os fieis que residirem até a distancia de uma legua serão obrigados a encorporar-se nos prestitos processionaes.

Nem outra cousa nos faltava!

Emfim, como instrumento para combater a veia sorumbatica indigena, vale quanto pesa a locubração do Sr. Ministro do Reino. Até mascaras se permittem.

Mas o peor é que a portaria famosa apenas representa uma manifestação do ultramontanismo dominante, que se acoberta com o decreto de 18 de abril de 1901, — o que reintegrou, sob o eufemismo de associações, as ordens religiosas, para nacionaes e estrangeiros.

Tenha-se presente o que praticam os frades do Espirito Santo, cujos processos de captação de heranças ainda este anno foram denunciados pelo Baixo Clero, de que era director um erudito e um liberal, o padre João Pessanha, ha pouco fallecido.

Conforme escrevia essa publicação, os frades a que me refiro obtiveram a dadiva de 200 contos de réis da finada Condessa de Camarido, para edificarem um convento nas circumvizinhanças da Avenida da Liberdade.

Á Camara Municipal afigurou-se escandalosa a pretenção, e negou a licença. Os frades, por sua parte, conservaram o dinheiro, e influenciaram para que se organizasse a associação, cujo fim é construir um templo á Conceição Immaculada.

Nas condições para a erecção do monumento, figura uma, para que chamo desde já a attenção dos Srs. Ministros do Reino e da Justiça. Refiro-me á que estabelece que a basilica, se não estiver construida ao cabo de vinte annos, passará em posse aos herdeiros da fallecida Condessa.

Ora, sendo estes os frades do Espirito Santo, necessario se torna, para evitar escandalos futuros, que a construcção do monumento não seja auctorizada sem haver cobrados os fundos necessarios para que ella se realize em todo o ponto no prazo estabelecido.

É o menos que se pode exigir por parte dos liberaes, porque, se elles tivessem partilha no poder, cumpria-lhes dar vida de novo ao decreto pombalino de 3 de setembro de 1759, que expulsou os jesuitas, e ao decreto de 28 de maio de 1834, de Joaquim Antonio de Aguiar, que extinguiu as ordens religiosas.

Mas não se pode pensar em tal n'este momento, consoante se vae observar.

O Sr. Ministro da Justiça, querendo corrigir, porventura, as aspirações absorventes dos prelados do reino, chamou-os, é certo, á comprehensão dos seus deveres pela portaria de 7 de junho de 1905. Mas, simultaneamente, as reconhece, citando-as, as sentenças do concilio de Trento — que as não ha mais despoticas, no seu tem geral.

A isto chegámos! Muito se tem descido, na verdade!

Na parte politica, não é melhor, conforme circumstanciadamente tenho provado, o estado actual das cousas. Haja em vista o que succede com respeito á promettida lei de responsabilidade ministerial. Nunca ella se tornará effectiva, emquanto não mudarem radicalmente os costumes hodiernos. Até n'isso a Russia se nos avantaja!

Segundo um telegramma, expedido hontem de S. Petersburgo, o czar vae criar a responsabilidade collectiva para os seus Ministros.

Attentem bem n'isto os Srs. Presidente do Conselho e Ministro da Justiça; e o paiz aguarde a opportunidade, que ha de vir, para ser dotado com medida similar tão moralizadora.

No momento actual, é positivamente impossivel que se effectue essa aspiração. Até a forma como são geridas as finanças do Estado o attestam.

Já se realizou por acaso a reforma da contabilidade publica, em condições de que as operações de thesouraria não encubram o que hoje encobrem?

A despeito das minhas ininterruptas instancias, não ha meio de chegar a essa solução salubrizadora.

Por causa dos esbanjamentos d'isso derivantes, e dos denunciados ainda hoje pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, mantem-se cruelmente a lei de salvação publica, de 26 de fevereiro de 1892, que devia ter vigorado simplesmente um anno.

Na sua constancia, são esbulhados dos seus legitimos haveres os prestamistas do fundo interno de 3 por cento, e os funccionarios publicos, para se gastar fartamente, em vida regalada, por parte de quem devia dar o exemplo da continencia e da sobriedade.

É preciso, é indispensavel, que se dê reparação immediata, completa, com a abolição de tal lei, a quem tão justos motivos tem para ser attendido.

Depois d'este cancro, outro ha a mencionar que affecta profundamente a nossa situação financeira. Refiro-me á nota dos titulos vendidos da divida publica.

Dois annos levei campanha seguida para que os valores caucionantes de operações de thesouraria não fossem lançados no mercado, depois d'ellas ultimadas. Consegui que no orçamento de 1903-1904 fosse introduzida uma providencia salutar a tal respeito.

As auctorizações, porem, que se lhe teem seguido, prejudicaram-n'a em grande parte.

A seguinte nota dá d'isso testemunho cabal: