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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 19

EM 8 DE SETEMBRO DE 1905

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente. — A Camara, previamente consultada, auctoriza o Digno Par Mattozo Santos a ausentar-se do Reino.— O Digno Par Teixeira de Sousa apresenta diversas considerações de caracter financeiro. — O Sr. Ministro da Fazenda pede que lhe seja permittido responder ao Digno Par na sessão seguinte, visto ter já passado a hora de se entrar na ordem do dia. — O Digno Par Sebastião Baracho envia para a mesa dois requerimentos pedindo esclarecimentos pelos Ministerios da Guerra e Estrangeiros. São expedidos. — O Digno Par Frederico Laranjo participa achar-se constituida a commissão de fazenda. — O Digno Par Francisco Machado communica a constituição da commissão de guerra.

Ordem do dia. — Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da Corôa. — Continua o seu discurso, começado na sessão antecedente, o Digno Par Sebastião Baracho. — No final da sessão trocam-se explicações entre os Dignos Pares Hintze Ribeiro, Sebastião Baracho, Ministro dos Negocios Estrangeiros e João Arroyo sobre documentos existentes relativos á questão Reilhac. — Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiram á sessão os Srs. Presidente do Conselho e Ministros do Reino, Estrangeiros, Obras Publicas, Justiça e Fazenda.

Ás 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando-se a presença de 24 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Fazenda, satisfazendo pedido de documentos do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Officio pelo Ministerio da Fazenda, satisfazendo pedido de documentos do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Officio pelo Ministerio do Reino, satisfazendo pedido de documentos do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Officio pelo Ministerio das Obras Publicas, satisfazendo pedido de documentos do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Officio pelo Ministerio do Reino, sobre pedido de documentos do Digno Par Costa Lobo.

Á secretaria.

O Sr. Presidente: — Está sobre a mesa um officio do Digno Par Mattozo Santos pedindo á Camara que o auctorize a ausentar-se do paiz durante alguns dias. Os Dignos Pares que annuem a este pedido tenham a bondade de se levantar.

Pausa, e depois de verificar a votação:

Está concedida.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Desejo iniciar a apreciação de uma serie de questões de interesse publico, mas hoje somente chamarei a attenção da Camara e do paiz para um assumpto que é da maior e da mais extraordinaria gravidade.

Assisti n'esta casa do Parlamento a longa discussão relativa a uma crise politica.

Não venho fazer reviver nada do que n'essa discussão tão tristemente celebre se passou; mas desejo accentuar simplesmente que depois d'ella se tornou bem evidente que o Governo não pode manter-se á frente dos negocios publicos, porque isso seria deprimente para a dignidade do Parlamento, inconveniente para os interesses do paiz e das instituições.

Mais de uma vez se tem dito ao Governo que comprehenda que não pode ser mais difficil a sua situação.

Tudo porém tem sido baldado. Como a Camara sabe, a discussão tem gravitado em volta de uma crise politica, em volta de assumptos que se prendem com o contrato dos tabacos; mas o que até agora ainda ninguem accentuou foi que, se o actual Governo se mantiver no poder e se forem convertidas em lei as propostas que estão commettidas á sancção parlamentar, a ruina do Thesouro será completa.

Não venho levantar discussão sobre a questão de fazenda, não venho apresentar-me como iniciador d'ella; venho apenas chamar a attenção do Parlamento e do paiz para o que se prepara á situação da fazenda publica, e que é nem mais nem menos que a sua ruina completa.

Não vou fazer aggravos nem dirigir doestos a nenhum dos Srs. Ministros, mas a verdade é que elles não teem sido felizes na sua administração, quer pelo motivo do contrato dos tabacos, quer por outras providencias. Sobre o Ministerio e nomeadamente sobre o Sr. Presidente do Conselho tem-se levantado uma viva campanha que tornou a situação do Governo impossivel

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perante a opinião publica, e o Governo, para desfazer essa impressão, para captar adhesões, para até certo ponto contrabalançar o que d'esta campanha lhe resultou, lança-se a lisonjear as differentes classes e a reformar todos os serviços por maneira que d'essa catadupa de propostas de lei deriva a ruina do Thesouro, se forem convertidas em lei.

É por isso que as condições em que se apresentam algumas das propostas são muito tristes.

Em abril ou maio, antes do adiamento das Côrtes, o Sr. Ministro da Guerra apresentou á camara dos Senhores Deputados propostas de lei de sua iniciativa. Todos sabem como essas propostas foram recebidas pela classe militar, se não com manifesto desfavor, é certo que friamente, e que, a proposito d'ellas, se disse mais de uma vez que a situação do Sr. Ministro da Guerra era insustentavel, tal era a nenhuma sympathia com que essas propostas tinham sido acolhidas no meio da classe militar.

Passaram-se tres mezes e, tendo-se levantado uma gravissima campanha contra o Governo e contra o contrato de 4 de abril, que faz o Sr. Ministro da Guerra?

Traz a camara uma proposta de lei, aliás sympathica no fundo, mas cujo intuito não podia ser o mais proprio nem para a dignidade dos que recebem, nem para a dignidade do que propõe.

Quero referir-me á proposta de lei que augmenta os vencimentos dos officiaes do exercito.

Depois, veja a camara apressa com que se procedeu; o primeiro parecer pedido á commissão de fazenda foi precisamente o que incidia sobre essa proposta.

Parecia que se queria dominar descontentamentos graves do exercito, que se queria por esta forma impedir manifestações contra o contrato de 4 de abril.

Mas para o exercito portuguez, que é respeitador da lei, para o exercito portuguez, que está sempre disposto a verter o seu sangue, a fazer toda a ordem de sacrificios pela bandeira do seu paiz, foi uma grave injustiça.

Se alguem pensou que abafava a consciencia do exercito, augmentando os seus vencimentos, fez ao exercito uma injustiça que elle não merece.

O meu desejo é significar á camara que a opportunidade de semelhante proposta não podia ser peor escolhida, e com tanta maior isenção o digo, quanto reconheço o amor e dedicação com que o exercito serve a bandeira portuguesa e por isso a justiça do beneficio que se propõe.

Não ha medida de mais sympathia para mim que aquella que visa a augmentar os diminutos vencimentos d'essa briosa classe, mas e condemnavel o intiuito com que ella foi apresentada.

Entrando propriamente no assumpto, que é da mais extraordinaria gravidade, peço a attenção da Camara para o relatorio de fazenda apresentado recentemente ás Côrtes pelo Sr. Ministro da Fazenda.

Como se vê da respectiva proposta de lei de receita e despesa, fecha-se o balanço da administração da fazenda publica para o exercicio de 1905-1906 com um saldo de 351 contos de réis.

É singular que, tendo sido o partido a que tenho a honra de pertencer violentamente increpado de ser pessimo administrador da Fazenda, succede agora, sem que o actual Governo tenha feito cousa alguma para augmentar as receitas, nem diminuir as despesas, que esse mesmo Governo apresenta um balanço de receita e despesa com um saldo positivo.

A conclusão a tirar é que não podiam ser nem mais injustas, nem mais infundadas as accusações que os membros do partido que actualmente está no poder faziam ao Governo transacto.

Se, no meu entender, o orçamento não pode fechar com o annunciado saldo de 351 contos de réis, é certo que as circumstancias da Fazenda Publica se teem modificado favoravelmente.

Tomando, para apreciar o estado da questão, a divida fluctuante do anno economico de 1903-1904, 1904-1905, reconhece-se que neste ultimo anno apenas teve um augmento de 345 contos de réis, e ainda não ha melhor meio de reconhecer o estado da Fazenda Publica, do que apreciar quanto alem da receita orçamental proveio da divida fluctuante ou de outro recurso extraordinario.

Mas o actual Ministro da Fazenda, alem d'este recurso, teve os que lhe provieram da venda de titulos da divida publica, pois obteve de inscripções vendidas por intermedio do Banco de Portugal 199 contos de réis e de inscripções vendidas na Belgica 435 contos de réis.

É notavel a melhoria financeira.

Evidentemente, sem querer desmerecer nas qualidades de nenhum dos Srs. Ministros, ninguem poderá dizer que foi da administração do actual Governo que resultou esta situação, mas das medidas promulgadas na gerencia regeneradora, quer no que diz respeito ás despesas, quer no que se refere á remodelação da cobrança dos impostos, ao facto do convenio com os credores externos, o que muito concorreu para a melhoria do cambio. Se a camara averiguar o que se despendeu com o premio do ouro no exercicio do anno economico de 1904-1905, encontra logo ahi uma notavel economia.

O agio passou de 22 por cento para 10 por cento, o que trouxe para o Thesouro uma economia de cêrca de 1:000 contos de réis.

O rendimento aduaneiro teve n'esse exercicio tambem um excesso importante de cêrca de 1:650 contos de réis, devido á importação de cereaes e melhor arrecadação dos direitos da pauta.

Tudo isto se, por um lado, mostra quanto tem melhorado a situação da Fazenda Publica, por outro lado leva-nos a reconhecer que, apesar d'isso, ella não é firme nem pode deixar de merecer os mais escrupulosos cuidados. Basta uma queda do cambio do Brasil, ou quaesquer outras circumstancias economicas, que determinem o aggravamento do premio do ouro, para os encargos do Thesouro augmentarem a ponto de se converter o desequilibrio orçamental, que hoje ainda existe, em outro muito mais avultado.

Não creio que haja saldo positivo e por isso não podemos deixar de empregar todos os nossos esforços para o conseguirmos.

Ha seis ou oito mezes, os representantes do partido a que pertence o actual Governo levantaram-se e proclamavam, a proposito de todos os projectos submettidos á discussão, que do que se devia cuidar, de preferencia a tudo, era da Fazenda Publica, que estava completa e absolutamente arruinada; eu, que tive a honra de trazer ás Camaras uma proposta de lei tendente a modificar a situação cambial, ouvi os mais importantes membros do partido progressista, nos quaes se comprehendia o actual Sr. Ministro da Fazenda, dizerem que o que era preciso era melhorar a Fazenda Publica e approximal a de um saldo positivo; o tudo que não fosse isso só levaria á ruina do paiz.

De repente, como por encanto, appareceram os saldos; e o deficit, que diziam enorme, transformou-se n'um consideravel saldo, de modo que nem o Governo tem meio de saber que applicação ha de dar ao dinheiro!

Diz-se n'um relatorio apresentado ha poucos dias á camara dos Senhores Deputados:

(Leu).

A resposta que o Sr. Ministro da Fazenda dá a este periodo, em que affirma que é preciso perseverarmos no proposito de não aggravar as despesas, é tomar a iniciativa e concordar com as propostas que, convertidas em lei, trazem um desequilibrio de cêrca de 4:000 contos de réis. E não são calculos meus.

É o que dizem os algarismos que apparecem na maior parte das propostas que os Srs. Ministros apresentam á sanc-

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ção parlamentar. Se, pois, conseguir demonstrar que d'essas propostas resulta para a Fazenda Publica um desequilibrio superior a 3:500 contos de réis, pergunta o orador se ha politica que possa justificar este facto, se ha continencia de linguagem que possa commentar tal abuso; se haverá paiz que, tendo-se visto arrastado, ainda ha pouco tempo, aos mais graves perigos da situação financeira, consinta que succeda isto que por dignidade do Parlamento e por dignidade propria não classificarei como deveria.

Quero fazer esta demonstração, não no meu interesse, mas no interesse do meu paiz; quero mostrar á camara que n'esta serie de medidas, n'este plano financeiro e economico, a respeito do qual o Sr. Presidente do Conselho dizia que, se lh'o embaraçassem, procederia como entendesse, não ha uma unica medida que não traga, quando não é diminuição de receita, real aggravamento de despesa com um desequilibrio, não de 100, de 300 ou de 1:000 contos de réis, mas de mais de 3:500 contos de réis.

O Sr. Presidente da Camara, que é muito lido em assumptos d'esta natureza, se estudar essas propostas de lei, terá ensejo de ver que sempre que se diz, por exemplo, que ha um augmento de despesa de 20 contos de réis, o correspondente excesso sobe a 30 contos de réis.

Quando tive a honra de fazer parte do Governo, um illustre collega meu houve de pedir a minha annuencia para uma proposta de lei em que se inscrevia a verba de 300 contos de réis, destinados a transformar as installações hospitalares de Lisboa.

Clamou se logo, e algumas vozes eram de parlamentares que fazem hoje parte do Governo, que não havia meia duzia de dias que se tinha liquidado a nossa situação com os credores externos; que não se tinha ainda conseguido tirar os credores internos da situação difficil em que permaneciam; que o Governo se via ainda a braços com questões difficeis que se prendiam com a situação do Thesouro, e n'estas circumstancias havia de se ir votar uma lei que augmentava a divida em 300 contos de réis?!

E deve a Camara notar que este emprestimo não era para um serviço menos justificado, mas destinava-se nada menos do que a melhorar installações hospitalares da capital.

Este Governo, porém, já contrahiu um emprestimo de 2:000 contos de réis destinados ao caminho de ferro da Suazilandia.

Mas a Camara vae ouvir: não é este o unico emprestimo de que o Governo tomou a iniciativa; das propostas submettidas á approvação do Parlamento pedindo emprestimos: um de 1:500 contos de réis para o caminho de ferro de Mossamedes a Chella, a respeito do qual eu, apesar da opinião em contrario do Sr. Ministro da Marinha, tenho justificado receio de que tudo quanto n'elle se gastar será dinheiro inteiramente perdido. Embora se diga que esta via de communicação em breve estará concluida, e será utilizada para a repressão do gentio, é certo que os seus trabalhos, não só de construcção, mas até de estudo de parte do percurso, aliás considerados urgentes, estão em grande atraso, como ha pouco informava um jornal de Mossamedes.

Outro emprestimo é para o caminho de ferro de Quelimane a Port-Herald. Este é de 4:500 contos de réis.

Pede-se tambem auctorização para contrahir um emprestimo de 2:650 contos de réis para caminhos de ferro em S. Thomé!

Não é necessario ter ido a S. Thomé para saber que aquella ilha constitue a nossa colonia mais florescente, graças ás boas circumstancias economicas em que se encontra. Tenho conversado com muitos cavalheiros que teem lá interesses e todos são unanimes em affirmar que do que mais se precisa naquella ilha é de estradas.

Os caminhos de ferro em S. Thomé são inteiramente inuteis, são caminhos de ferro da sala para a cozinha, caminhos de ferro de centenas de metros, porque nenhum poderá ser de dezenas de kilometros, A prova é que já se fez uma concessão para um caminho de ferro e ninguem quiz aproveital-a, apesar das condições vantajosas.

Já quando eu tive a honra de gerir a pasta da Marinha o que se pedia para a ilha de S. Thomé eram estradas que pudessem servir as propriedades. Pois apesar d'isto o Governo pede 2:600 contos de réis, não para estradas, mas para caminhos de ferro!

Não acabam ainda os emprestimos! O Sr. Ministro do Reino pede tambem um emprestimo de 1:500 contos de réis, destinado a edificios escolares!

Nesta exposição não aprecio as medidas que se pretendem adoptar, apenas desejo pôr bem em relevo que, da approvação d'ellas, resultará a ruina dó Thesouro Publico.

O Governo pede, com relação a emprestimos, nem mais nem menos que um total de 12:150 contes de réis, apesar dos representantes do partido progressista, que actualmente está no poder, terem, em tempo, considerado como acto de pessima administração um emprestimo de 300 contos de réis para reformar as instituições hospitalares de Lisboa!

As propostas de lei apresentadas pelo Governo são um jubileu, como dizia o Sr. Dias Ferreira; não ha nenhuma que não produza centenas de contos de réis de prejuizo para a Fazenda Publica!

O Sr. Presidente, que já foi Ministro, que já honrou a pasta da Fazenda, com o seu saber e a sua competencia, sabe tão bem como eu, que igualmente a geri durante alguns meses, os martyrios, as dificuldades, os desgostos que passa por vezes o homem de Estado que administra a Fazenda Publica, nas occasiões em que, precisando solver compromissos impreteriveis, o dinheiro... ha de pedir-se.

Bastava esta situação, por demais difficil e angustiosa, para que nenhum Governo se atrevesse a augmentar as despesas, ou a reduzir as receitas, pela maneira por que eu vou mostrar á Camara.

Logo na proposta de lei da receita e despesa o Sr. Ministro da Fazenda propõe a reducção das taxas do imposto de rendimento da classe B!

É facil, lendo a nota dos rendimentos da classe B, por um calculo rapido, concluir que só da approvação d'estas providencias resulta uma diminuição de receita de 275 contos de réis.

Avaliarei de fugida as propostas do Sr. Ministro da Fazenda, e a primeira será a que diz respeito ao imposto do consumo.

Reservo-me porém para uma outra occasião tratar mais largamente d'este assumpto, com o interesse de quem lutou com muitas difficuldades, de quem supportou muitos desgostos e repelliu com desdem todas as violencias de que o ameaçavam.

Vou mostrar á Camara o que resulta para a Fazenda Publica do capricho de qualquer Ministro que entende que é preciso modificar a situação do imposto do consumo em Lisboa.

A primeira proposta é para poder gastar 173 contos de réis na construcção de uma estrada fiscal.

É facil, mesmo sem dar prova de paciencia benedictina, reconhecer que da diminuição das taxas d'este imposto resulta logo a diminuição de receita de 200 contos de réis.

Reduzindo a area fiscal de Lisboa e confrontando o rendimento actual com o da nova area reduzida, é facil de calcular que deve haver diminuição de receita de cerca de 400 contos de réis. Não venho agora discutir as medidas em si, mas apreciar a influencia que ellas podem ter na diminuição de receita ou augmento de despesa, e por isso, se não concordo com a reducção da area fiscal de Lisboa, não me repugna louvar a reducção das taxas em toda a Lisboa para que todos gozem dos mesmos beneficios.

Propõe-se a conversão dos titulos da divida publica interna, calculando o

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Sr. Ministro da Fazenda o augmento de juros a pagar em 199 contos de réis.

Propõe-se a modificação do imposto de mercê; a respectiva diminuição de receita não vem calculada, mas basta observar que se alarga o limite da isenção e se estabelece o pagamento do imposto de mercê proporcionalmente ao exercicio durante um, dois ou tres annos, para se ver que ha uma diminuição de receita.

Não me demorarei tambem na analyse da proposta para a construcção de hoteis, proposta em que se estabelecem diversas isenções de imposto.

Da reforma da pauta geral das alfandegas que se apresentou no Parlamento resulta a diminuição de receita, que se pode calcular em 500:000$000 réis, comparativamente á pauta vigente.

O Sr. Presidente: — Previno o Digno Par de que, segundo determina o regimento, tem de se passar á ordem do dia meia hora depois da leitura da correspondencia.

Ora essa meia hora já passou, não podendo, pois, o Digno Par continuar com a palavra sem previa auctorização da Camara. Convido, pois, os Dignos Pares que permittem que continue no uso da palavra o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa a que tenham a bondade de se levantar.

A Camara accedeu.

O Orador: — Agradeço á Camara a sua acquiescença, e ao Sr. Presidente o attencioso aviso. Na verdade o assumpto de que me estou occupando de corrida é de uma capital importancia, não se devendo deixar sem protesto que de uma situação de difficuldades e de sacrificios de toda a ordem se passe para um perfeito jubileu, de que resulta augmento de despesa e diminuição de receitas.

O Sr. Ministro do Reino tem tres propostas dependentes da sancção parlamentar, de que resulta consideravel augmento de despesa.

A primeira é o decreto que se refere á instrucção secundaria.

N’este decreto de instrucção secundaria ha um artigo cuja execução depende da sancção do poder legislativo.

D'elle resulta um augmento de despesa.

Em primeiro logar temos o augmento de vencimentos dos professores por cada cinco annos de exercicio do magisterio.

Em segundo logar, a equiparação dos professores de desenho aos seus restantes collegas dos lyceus. D'estas providencias resulta um augmento consideravel de despesa, que attinge a somma de 77:588$000 réis.

Mas o Sr. Ministro do Reino pede tambem uma auctorização para contrahir um emprestimo de 1:500 contos de réis para a construcção de edificios escolares. Se o limite da taxa do juro for o usual de 5,25 por cento, o encargo que resulta d'esta providencia cifra-se na importancia de 77:750$000 réis.

Mas não param aqui as propostas do Sr. Ministro do Reino, que na opposição foi um paladino das liberdades publicas, um propugnador das reducções de despesa, condição essencial de salvação; é no Governo, como a Camara está vendo, portador de propostas que só á sua parte redundam n'um acrescimo de encargos para o Thesouro na importancia de 377:944$000 réis.

S. Exa. propõe ainda melhoria de vencimento aos professores de instrucção primaria por maneira a crear um augmento de despesa na importancia de 221:600$000 réis.

Eu não discuto a medida, antes com ella concordo.

Aprecio unicamente a opportunidade e sobretudo a conjuncção de providencias que se podem considerar talvez sympathicas e justificadas, com outras que são absolutamente dispensaveis, nada justificadas, e que repugnam até a quem administra com seriedade os dinheiros publicos.

Passando ao Ministerio da Guerra, eu, embora leigo em assumptos militares, direi que ha uma proposta tão nitida e tão claramente apresentada, que não me julgo dispensado de fazer a respeito d'ella algumas reflexões.

E á proposta que augmenta os vencimentos dos officiaes do exercito.

Tenho ouvido dizer que esta proposta de lei não está elaborada com justiça, mas não é isso o que eu venho agora discutir; o que vejo é que d'ella resulta augmento de despesa na importancia de 167 contos de réis.

É justo?

É; mas exactamente por ser justo é que me repugna tal proposta de lei apresentada n'esta occasião.

Noto que ella teve logo parecer da commissão de fazenda da outra casa do Parlamento, sendo por ahi que se iniciaram as discussões parlamentares na Camara dos Senhores Deputados.

As propostas que o Sr. Ministro da Guerra apresentou primitivamente tinham sido recebidas como é sabido, mas depois do adiamento das Côrtes, e depois de se levantar uma viva campanha contra o Governo a proposito do contrato de 4 de abril, é que apparece esta proposta de lei, como se o exercito, para honrar as suas gloriosas tradições e cumprir honradamente os seus deveres, precisasse do estimulo de augmento de vencimentos.

Referindo-me em seguida ao Ministerio da Marinha, direi que não é a mais harmonica com os interesses da Fazenda a administração do respectivo titular.

A Camara sabe que quando não ha dinheiro na administração ultramarina, quem supporta as consequencias é a metropole.

Pois foi á custa de muito trabalho e de muito sacrificio que o Governo transacto conseguiu melhorar a situação financeira do ultramar.

E a prova está nos orçamentos publicados pelo actual Ministro, que, se não fosse o decretarem-se obras extraordinarias, que nunca poderiam ser despesas ordinarias, apresentavam-se com saldo muito importante.

Muitas vezes affirmei na Camara que a administração colonial havia melhorado consideravelmente; que o deficit de 2:000 contos de réis havia desapparecido.

Não ha uma unica proposta de lei de que não resulte augmento de despesas ou diminuição de receita!

O Sr. Ministro da Marinha pede auctorização para contrahir um emprestimo de 1:500 contos, destinado á construcção do caminho de ferro de Mossamedes á Chella.

Não entro na apreciação do caminho de ferro; o que vejo é que do computo do juro e amortização deriva um augmento de despesa annual de 78 contos de réis.

O Sr. Ministro da Marinha pede ainda auctorização para contrahir um emprestimo de 4:500 contos de réis, destinados á construcção do caminho de ferro de Quelimane a Port-Herald.

A despesa que d'esta proposta resulta para pagamento de encargos sobe á importancia de 236 contos réis.

Pede-se ainda pela pasta da Marinha auctorização para contrahir um emprestimo de 2:650 contos de réis para a construcção do caminho de ferro de S. Thomé, cujos encargos annuaes são de 149 contos de réis.

A utilidade d'estes caminhos de ferro, no que diz respeito a S. Thomé, é que eu impugno, como já disse.

Mas o que eu desejo salientar é que, ao lado de despesas justificadas e necessarias, ha uma catadupa de propostas de lei que são inconvenientes e prejudiciaes á Fazenda Publica.

Pelo contrato de navegação para as colonias ha um augmento de despesa de 10 contos de réis para cabotagem na provincia de Angola e 36 contos de réis para cabotagem na provincia de Moçambique.

Propõe o Sr. Ministro o ensino colonial na metropole, e sem me demorar a mostrar como deve ser curioso estar em Lisboa a ensinar a cultura do cacau, do café, das quinas ou a ensaiar a do cravo de Zanzibar no jardim das Laranjeiras, o que é certo é que este

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diploma redunda n'um encargo annual de 4 contos de réis.

O ensino profissional nas colonias traz tambem um acrescimo de despesa annual de 14:450$000 réis e a reorganização dos serviços agronomicos coloniaes acarretará um augmento de despesa de 18 contos de réis.

Propõe-se uma providencia acêrca do assucar, em virtude da qual se dará o alargamento da quantidade do assucar sobre que ha de incidir o differencial, elevando-se o limite de importação de 12:000 toneladas para-as duas provincias de Angola e de Moçambique, estabelecido no decreto que eu tive a honra de referendar, de 2 de setembro de 1901, para 24:000, nas duas provincias de Angola e Moçambique.

Conforme o artigo 2.° da respectiva proposta de lei, os assucares importados pagarão, até 6:000 toneladas, para cada uma d'aquellas provincias, 50 por cento dos direitos da pauta vigente; de 6:000 a 9:000 toneladas o direito é de 70 por cento, e de 9:000 a 12:000 80 por cento. Comparando este differencial com o que estava em vigor pelo decreto de 1901, reconhece-se immediatamente uma importante diminuição de receita em prejuizo do Thesouro, diminuição que eu calculo em 360 contos de réis, segundo o direito para o assucar areado.

Estas minhas considerações não constituem rhetorica parlamentar; estão provadas com documentos que possuo e posso apresentar á Camara.

É bom estabelecer a liberdade do commercio e das industrias, mas é preciso primeiro reconhecer se essa liberdade está em harmonia com as circumstancias financeiras do Thesouro.

Então poderiam supprimir-se os monopolios do sal, do peixe sêco, da venda da carne de porco em Macau.

Mas podia eu fazer isso? Não, porque acima de tudo estava no meu espirito o convencimento de que a primeira obrigação que tinha a cumprir, sem preterir as conveniencias economicas das coloniaes, era aproximar-me tanto quanto fosse possivel do equilibrio orçamental.

Quando eu entrava para a gerencia da pasta da Marinha em 1900, achava um deficit de 2:000 contos de réis, que vinha avolumar o da metropole, e hoje pode apresentar o Sr. Ministro da Marinha os seus orçamentos com saldo.

Pergunto: pois porventura não concorreu para esta situação o que herdaram das situações anteriores?

O Sr. Ministro da Marinha propoz a extincção do monopolio do peixe, da venda da carne de porco, e do sal em Macau, resultando d'ahi uma grande diminuição de receita na importancia annual de 54:900$000 réis.

Por que meio se hão de contrabalançar estes prejuizos?

O Sr. Eduardo José Coelho era Ministro das Obras Publicas quando quiz pela primeira vez fomentar, e veio fomentar com o decreto de 14 de janeiro d'este anno, de que eu hei de tratar mais largamente em outra occasião, para o que já mandei uma nota de interpellação para a mesa.

O Sr. Ministro das Obras Publicas decretou um augmente de imposto de consumo sobre o vinho, para dar premios destinados aos vinicultores, mas por outro lado o Sr. Ministro da Fazenda propõe a reducção da area fiscal de Lisboa, que diminue o rendimento do imposto, do consumo.

E quanto aos premios de exportação do vinho, premios de 250 réis por cada hectolitro, lá está a receita geral para lhes fazer face.

O Sr. Ministro das Obras Publicas augmentou o imposto de consumo, modificando a escala alcoolica dos vinhos, e calculou em 319 contos de réis esse augmento, estabelecendo que metade d'esta quantia fosse applicada a premios de vinhos de pasto que entrarem na cidade de Lisboa, e a outra metade, 159 contos de réis, iria constituir um fundo a que o Sr. Ministro das Obras Publicas chama o fundo de fomento agricola.

Ficam, portanto, os premios para o vinho de pasto exportado a sair das receitas geraes do Thesouro.

Ora fazendo o calculo pelo vinho de pasto exportado em 1903, na totalidade de 511:000 hectolitros, o augmento de despesa que d'ahi resulta cifra-se em cerca de 127 contos de réis.

O decreto destinado a armazens de alcool e aguardente, com os augmentos de pessoal, encargos de armazens e vasilhas, e outras despesas proprias da nossa administração, não trará um encargo inferior a 100 contos de réis.

Mas param aqui os encargos que nos traz o Governo com as suas propostas de lei?

Ainda não

O Sr. Eduardo José Coelho era Ministro das Obras Publicas e quando estava a caminho do Ministerio do Reino publicou uma portaria auctorizando que se celebrasse um contrato provisorio, que havia de ser submettido á sancção parlamentar, relativo ao caminho de ferro do Valle do Vouga.

Para a execução d'essa portaria fez se o contrato que estabeleceu a garantia de juro de 5 por cento por 20 contos de réis para cada kilometro; o encargo que resulta para o Thesouro é de 170 contos de réis por anno.

Apresenta-se outra proposta de lei destinada a favorecer a construcção de bairros operarios.

Estabelecem-se n'esse documento subsidios de construcção e até garantia de juros.

Por mais modesto que seja o projecto do Sr. Ministro das Obras Publicas, por mais modesto que seja o capital que se destina á construcção, não pode ser inferior a 1:000 contos de réis, e tomando para base o typo de encargo attribuido a outros emprestimos, de 5,25, resultaria um augmento de despesas de 52 contos de réis. Quer dizer, que das propostas do Sr. Ministro das Obras Publicas, convertidas em lei, resultaria um augmento de despesas ou um desequilibrio de 452 contos de réis.

Resumindo: se as propostas de lei apresentadas á sancção parlamentar forem approvadas, o desequilibrio resultante para o Orçamento do Estado não se pode computar em menos de 3:750 contos de réis.

Como a camara vê, todos estes algarismos são extrahidos de documentos officiaes existentes nos archivos ou emanados das proprias propostas e relatorios dos Srs. Ministros.

Pergunto:

É para isto que o actual Governo se conserva no poder?

É esta a obra de regeneração economica e financeira que o Sr. Presidente do Conselho tanto apregoava, como pedra de toque para aferir a lealdade e a dedicação com que os seus amigos politicos o acompanham?

Tenho ouvido discutir vehementemente tudo quanto diz respeito ao contrato dos tabacos, e notei que uns argumentavam que se abrisse concurso pois que d'elle adviriam mais uns centos de contos de réis; outros que se conjugassem as duas operações e assim se arranjariam mais centos de contos de réis. Outros ainda que se garantam as obrigações com a receita dos tabacos e com o monopolio.

Mas para que serve tudo isto?

Que importa, que se afunde a propria dignidade do poder executivo para tirar algumas centenas de contos do contrato dos tabacos, se por uma imprevidencia, por uma irreflexão condemnavel, se vêem trazer ao Parlamento propostas de lei que desequilibram o orçamento em perto de 4:000 contos de réis?

Para que é que os homens publicos do meu paiz se digladiam numa campanha vivissima como de outra me não recordo?

Para que é que o Sr. Presidente do Conselho, com a sua longa vida publica, com o seu longo trabalho, se tem sujeitado á situação mais dolorosa a que jamais se sujeitou um homem publico d'este paiz?

É porque S. Exa. entende que com este sacrificio conseguirá que se approve o que acabo de passar deante

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dos olhos de S, Exa., á sombra de uma indifferença que eu não classificarei de criminosa por não querer ferir as susceptibilidades de ninguem.

Não quero abusar da permissão do Sr. Presidente e do voto da Camara, mas não ficaria satisfeito com a minha consciencia se não tivesse pedido para este assumpto a attenção do Parlamento e do paiz.

Não vim fazer um discurso politico, como a camara decerto reconhece, nem tão pouco quiz ser desagradavel aos Srs. Ministros.

Não me recusarão a justiça de acreditar que, se quizesse fazer um discurso politico, disporia nesta occasião de assumpto para tudo.

Vim cumprir o que entendo ser um dever sagrado: proclamar ao Parlamento e ao paiz que pela approvação das propostas de lei a que me referi, o Governo conduz esta nação á completa e inteira ruina no que diz respeito ás suas finanças.

S. Exa. foi muito cumprimentado.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: — Mando para a mesa dois requerimentos.

Foram lidos e expedidos os requerimentos, que são do teor seguinte:

Pelo Ministerio da Guerra:

1.° Copia do officio do general inspector, com que este finalizou a ultima inspecção geral, ao Asylo dos Invalidos de Runa.

2.° Copia das ordens dadas pelo commandante d'esse estabelecimento, em cumprimento das recommendações feitas pelo general inspector.

Pelo Ministerio dos Estrangeiros:

1.° Copia da nota do Governo da França enviada á nossa chancellaria em outubro de 1903, acêrca da proposta formulada de arbitragem para resolver a questão dos portadores de titulos do emprestimo D. Miguel, isto é, a questão Reilhac.

2.° Copia da resposta dada pelo Governo Portuguez; e ainda de outra qualquer concernente ao mesmo assumpto.

3.° Um exemplar do Livro Branco, em que se trata da questão respeitante a legislação privativa contra a internacional, e seja sequencia do volume, que já recebi relativo a 1873.»

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Não quero alterar a ordem dos trabalhos da Camara. Desejava responder hoje mesmo ás observações que o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa acaba de fazer, mas a Camara comprehende que a minha resposta não pode ser em poucas palavras.

Por isso peço a V. Exa. me reserve a palavra para antes da ordem do dia da primeira sessão.

O Sr Frederico Laranjo: — Participo a V. Exa. e á Camara que se constituiu a commissão de fazenda, escolhendo para seu presidente o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro e a mim para secretario.

O Sr. Francisco Machado: — Participo a V. Exa. e á Camara que está constituida a commissão de guerra, tendo nomeado para presidente o Digno Par Sr. Francisco Maria da Cunha e a mim para secretario.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de resposta ao discurso da Corôa

O Sr. Presidente: — Vae-se entrar na ordem do dia. Continua no uso da palavra, que lhe ficou reservada da sessão antecedente, o Digno Par Sr. Dantas Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: — Sr. Presidente: não faço recapitularão do meu anterior discurso para menos tempo tomar á Camara. Consigno porem quanto o fim do seculo passado e o começo d'este vão trabalhados pelo despotismo e pela reacção.

Na peninsula iberica, principalmente, é onde mais se affirmam as manifestações d'essa indole, depois que faltaram os chefes prestigiosos, e os antigos partidos se transformaram em bandos e cooperativas.

Cá, ainda mais que na Hespanha, se ostenta essa degeneração, a que dá triste realce o rotativismo.

No vizinho reino, já este anno, em junho, se exaltaram principios no Parlamento em todo o ponto contrarios ao Governo pessoal. O general Liñares, Ministro da Guerra do Gabinete Maura, assegurou no Senado que o Rei não podia intervir na nomeação dos altos cargos militares.

Maura, pela sua parte, no Congresso, confirmou esta asserção, e accrescentou que os Governos teem o dever de intervenção, até nos actos pessoaes do Rei.

Villaverde, então chefe do Gabinete, e que dissentiu d'esta doutrina, foi arrastado do poder por uma maioria esmagadora — 204 votos contra 45 — que rejeitou a moção de confiança a elle dedicada.

Aprendam com estes exemplos salutares os nossos homens publicos, e teem que aprender, porque ali ainda vigora a classica formula monarchico-constitucional: — «o Rei reina; mas não governa».

Entre nós, os instrumentos de absolutismo estão mais preparados para a derruição dos bons principios, do que entre os nossos vizinhos. Eu, pela minha parte, esmero me em patenteal-o, em que pese á imprensa ministerial, especialmente á de carreira, que tanto parece incommodar-se com as minhas insistencias, que, de resto, desappareceriam logo que fossem attendidas as legitimas aspirações que formulo.

Em taes circumstancias, vou referir-me de novo á perseguição á imprensa, e vou fazel-o em sentido mais generico do que anteriormente, visto ter acabado para com o Mundo o regimen de excepção a que estava illegalmente submettido. Derivava este da censura ou leitura previa, condemnada em absoluto pelo § 3.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, e pelos artigos 2.° e 39.° da lei de 7 de julho de 1898.

Está isto dito e redito, provado e demonstrado; e todavia, se não ha na actualidade periodico algum perseguido em Lisboa, não succede outro tanto na provincia, em Guimarães, para precisar, onde o redactor das Noticias do Minho está na cadeia pela exigencia do juiz, de uma fiança de 6:000$000 réis.

E sabe V. Exa. porquê, Sr. Presidente?

Porque este jornal verberou a vida libertina do chefe da policia local, e porque estranhou que o administrador do concelho, um abbade authentico, exigisse 800$000 réis para haver jogo de azar em Vizella, e ser essa verba destinada aos concertos de uma igreja.

Por estas accusações, cairam sobre o desgraçado jornalista tres querelas, que o levaram á cadeia, onde jaz entre os criminosos de direito commum.

Chamo a attenção dos Srs. Ministros do Reino e da Justiça para as tristes occorrencias que deixo narradas, a fim de que providenciem, como se torna mister.

Tem feito escola a doutrina do Sr. Ministro do Reino, de que a imprensa, nos seus desmandos, suppostos ou reaes, está dependente exclusivamente da policia, em conformidade com o decreto de 20 de janeiro de 1898.

Nada ha comtudo mais inexacto.

Semelhante decreto regula unicamente os actos ordinarios policiaes. Cousa alguma menciona com respeito á censura ou leitura previa, para com os jornaes e para com os theatros.

Nos theatros, apenas lhe cumpre fazer a policia respeitante á manutenção da ordem.

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SESSÃO N.° 19 DE 8 DE SETEMBRO DE 1905 231

Nos jornaes, nem essa alçada lhe cabe. A sua existencia é regulada pela lei especial que lhes é referente.

Se da maneira indesculpavel como tem sido tratada a imprensa, passarmos a apreciar o carinho e affecto dedicados á reacção, salienta-se, em logar marcante, a portaria de 26 de junho de 1905, em que o Sr. Ministro do Reino desenterrou as Ordenações Filipinas — e por que forma, deuses immortaes!

N'ella se faz referencia ao § 48.° do titulo 66.° das mesmas Ordenações, de 11 de janeiro de 1603, mandadas publicar por D. João IV, e assim concebido:

PROCISSÕES

Item, mandamos aos Juizes & Vereadores, que em cada hu anno aos dous dias do mes de julho, ordemnem hua procissão solemne á honra da Visitação de Nossa Senhora. E assi mesmo farão em cada hu anno no terceiro Domingo do mes de Julho outra Procissão solemne por commemoração do Anjo da Guarda que tem cuidado de nos guardar, & defender, para que sempre seja em nossa guarda & defensão. As quaes Procissões se ordenarão & farão com aquella festa & solemnidade com que se faz a do Corpo de Deus: para as quaes, & para quaesquer outras, que de antigo se costumam fazer, ou para outras que nós mandarmos fazer ou forem ordenadas dos Prelados, ou Conselhos, & Camaras, não serão constrangidos a vir a ellas nenhuns moradores do Termo de alguma cidade, ou villa, salvo os que morarem ao redor hua legoa. E os dittos Vereadores não levarão dos fês do Conselho dinheiro, nem percalço algum, por fazerem as ditas Procissões, ou hirem nellas. E não consentirão nellas representações de cousas profanas, nem mascaras, não sendo ordenadas para provocar a devoção. E a pessoa que nas dittas Procissões fôr, por qualquer dos modos acima defesos, pagará da cadêa mil réis, ametade para o conselho, e a outra metade para quem o accusar.

N'essa peça archeologica sobresae a indicação, não de que se faça a procissão do Corpo de Deus, porque não recommenda tal acto, mas que se realizem procissões ao Anjo da Guarda, e em honra da Visitação de Nossa Senhora. N'estas manifestações do culto externo, tanto do agrado do carolismo cultivado pelo Sr. Ministro do Reino, torna-se patente que se siga o formulario das solemnidades do Corpus Christi.

Assim, conforme o beatifico conceito do Sr. Eduardo Coelho, teremos mais duas procissões; e, lançado n'esta pendente, não admirará que S. Exa. as decrete a diario!

Consoante a letra das anachronicas Ordenações do Reino, os fieis que residirem até a distancia de uma legua serão obrigados a encorporar-se nos prestitos processionaes.

Nem outra cousa nos faltava!

Emfim, como instrumento para combater a veia sorumbatica indigena, vale quanto pesa a locubração do Sr. Ministro do Reino. Até mascaras se permittem.

Mas o peor é que a portaria famosa apenas representa uma manifestação do ultramontanismo dominante, que se acoberta com o decreto de 18 de abril de 1901, — o que reintegrou, sob o eufemismo de associações, as ordens religiosas, para nacionaes e estrangeiros.

Tenha-se presente o que praticam os frades do Espirito Santo, cujos processos de captação de heranças ainda este anno foram denunciados pelo Baixo Clero, de que era director um erudito e um liberal, o padre João Pessanha, ha pouco fallecido.

Conforme escrevia essa publicação, os frades a que me refiro obtiveram a dadiva de 200 contos de réis da finada Condessa de Camarido, para edificarem um convento nas circumvizinhanças da Avenida da Liberdade.

Á Camara Municipal afigurou-se escandalosa a pretenção, e negou a licença. Os frades, por sua parte, conservaram o dinheiro, e influenciaram para que se organizasse a associação, cujo fim é construir um templo á Conceição Immaculada.

Nas condições para a erecção do monumento, figura uma, para que chamo desde já a attenção dos Srs. Ministros do Reino e da Justiça. Refiro-me á que estabelece que a basilica, se não estiver construida ao cabo de vinte annos, passará em posse aos herdeiros da fallecida Condessa.

Ora, sendo estes os frades do Espirito Santo, necessario se torna, para evitar escandalos futuros, que a construcção do monumento não seja auctorizada sem haver cobrados os fundos necessarios para que ella se realize em todo o ponto no prazo estabelecido.

É o menos que se pode exigir por parte dos liberaes, porque, se elles tivessem partilha no poder, cumpria-lhes dar vida de novo ao decreto pombalino de 3 de setembro de 1759, que expulsou os jesuitas, e ao decreto de 28 de maio de 1834, de Joaquim Antonio de Aguiar, que extinguiu as ordens religiosas.

Mas não se pode pensar em tal n'este momento, consoante se vae observar.

O Sr. Ministro da Justiça, querendo corrigir, porventura, as aspirações absorventes dos prelados do reino, chamou-os, é certo, á comprehensão dos seus deveres pela portaria de 7 de junho de 1905. Mas, simultaneamente, as reconhece, citando-as, as sentenças do concilio de Trento — que as não ha mais despoticas, no seu tem geral.

A isto chegámos! Muito se tem descido, na verdade!

Na parte politica, não é melhor, conforme circumstanciadamente tenho provado, o estado actual das cousas. Haja em vista o que succede com respeito á promettida lei de responsabilidade ministerial. Nunca ella se tornará effectiva, emquanto não mudarem radicalmente os costumes hodiernos. Até n'isso a Russia se nos avantaja!

Segundo um telegramma, expedido hontem de S. Petersburgo, o czar vae criar a responsabilidade collectiva para os seus Ministros.

Attentem bem n'isto os Srs. Presidente do Conselho e Ministro da Justiça; e o paiz aguarde a opportunidade, que ha de vir, para ser dotado com medida similar tão moralizadora.

No momento actual, é positivamente impossivel que se effectue essa aspiração. Até a forma como são geridas as finanças do Estado o attestam.

Já se realizou por acaso a reforma da contabilidade publica, em condições de que as operações de thesouraria não encubram o que hoje encobrem?

A despeito das minhas ininterruptas instancias, não ha meio de chegar a essa solução salubrizadora.

Por causa dos esbanjamentos d'isso derivantes, e dos denunciados ainda hoje pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, mantem-se cruelmente a lei de salvação publica, de 26 de fevereiro de 1892, que devia ter vigorado simplesmente um anno.

Na sua constancia, são esbulhados dos seus legitimos haveres os prestamistas do fundo interno de 3 por cento, e os funccionarios publicos, para se gastar fartamente, em vida regalada, por parte de quem devia dar o exemplo da continencia e da sobriedade.

É preciso, é indispensavel, que se dê reparação immediata, completa, com a abolição de tal lei, a quem tão justos motivos tem para ser attendido.

Depois d'este cancro, outro ha a mencionar que affecta profundamente a nossa situação financeira. Refiro-me á nota dos titulos vendidos da divida publica.

Dois annos levei campanha seguida para que os valores caucionantes de operações de thesouraria não fossem lançados no mercado, depois d'ellas ultimadas. Consegui que no orçamento de 1903-1904 fosse introduzida uma providencia salutar a tal respeito.

As auctorizações, porem, que se lhe teem seguido, prejudicaram-n'a em grande parte.

A seguinte nota dá d'isso testemunho cabal:

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Titulos vendidos da Divida Publica

Internos Externos

Desde 1 de março de 1903 a 30 de setembro de 1904, realizaram-se em moeda corrente 3.651:399$000 1.458:272$000

Idem, desde 30 de setembro de 1904 até 31 de março de 1905 760:722$470 -

Somma 4.412:121$470 1.458:272$000

Externos 1.458:272$000 -

Total da venda em 2 annos e 1 mez 5.870:393$470

Mas os esbanjamentos não param aqui. Affirmam-se ainda, por exemplo, com a partilha de lucros da Companhia dos Tabacos.

Um tribunal arbitral resolveu a questão. O Sr. Ministro da Fazenda, em logar de dar cumprimento á sentença, mandou ouvir a Companhia.

Esta conformou-se, como era de calcular, com o que lhe era favoravel, e não respondeu ainda — que eu saiba — ao restante. Preparou-se naturalmente por esta forma o motu continuo orbital, com detrimento do credito do tribunal, cujo ultimo presidente — diga-se em homenagem á verdade — goza dos mais subidos creditos de recto e de honesto.

Com tão estranho expediente, perde nos seus redditos o Estado, e perdem nos seus legitimos interesses os operarios dos tabacos, cuja causa eu advogo sempre com calor, porque elles me merecem a maior sympathia e consideração.

O polvo tabaqueiro, entretanto, triumpha em toda a linha, com a condescendencia, se não com a cumplicidade, do Sr. Conselheiro Espregueira, que, ao que parece, lhe procura ser agradavel... na actualidade.

Tenha porem S. Exa. presente que, consoante o Evangelho, não se podem servir dois amos ao mesmo tempo.

E é ainda do Evangelho — do de S. Matheus — o conceituoso e expressivo aphorismo: Quem não é por mim, é contra mim.

Mais e tão bom, em parabolas e assertos, poderá ainda encontrar o Sr. Espregueira, se se dedicar á leitura das letras biblicas.

Compulse S. Exa. a Vulgaia, de S. Jeronymo, que é volumosa, mas substancial; e ella lhe facultará, quiçá, refugio para o seu espirito attribulado e. .. incerto.

Quanto a tabacos, para notar é ainda a arrogancia de Reilhac, manifestada na Presse, quando affirma que a chancellaria franceza propor, por intermedio do Sr. Delcassé, o recurso á arbitragem, para resolver a questão dos portadores de titulos do emprestimo de D. Miguel.

D'este documento requeri copia hoje, e rogo n'este momento ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que se digne dar provimento ao meu pedido.

S. Exa. fita me, ri-se, e isso me encanta. Mas não se quêde só por essas manifestações amaveis, e dê andamento ao meu requerimento, que bem o merece, peço-lh'o.

Fazendo contraste com a Presse, orgão do Reilhac, que supõe ter já á cinta os milhares de contos de réis que pretende lucrar com o contrato de 4 de abril, o Temps, de 4 do corrente, aparece-nos, na sua ultima Semana Financeira, assaz desanimado.

Julga que a conversão e o contrato actual para o exclusivo estão muito combalidos, perante o ataque de que tem sido alvo o Governo nos ultimos dias.

Exprime-se textualmente n'estes termos:

«A adopção do contrato dos tabacos e a da conversão são duvidosas n'este momento. As scenas escandalosas e as disputas pessoaes a tal respeito, em pleno Parlamento, entre Ministros do mesmo Gabinete, fazem recear que falte auctoridade moral ao Ministerio actual para fazer discutir e adoptar essas medidas, apesar da maioria effectiva de que elle dispõe na Camara dos Deputados...»

Remire-se n'este espelho o Sr. Presidente do Conselho. Até ao contrato de 4 de abril falta o apoio integral que o orgão da finança cosmopolita, com sede em Paris, lhe dispensou sempre!

Não é possivel, pode o Sr. José Luciano crel-o, que o monstro tabaqueiro da sua predilecção seja convertido em lei.

Os mais caros interesses publicos, e a dignidade nacional, oppõem se radical mente a isso, - mais uma vez o consigno.

Sr. Presidente: Para concluir com a perfunctoria analyse que tenho feito aos negocios respeitantes á pasta da Fazenda, vou referir-me aos creditos especiaes concernentes ao anno economico de 1903-1904.

Segundo o meu tradicional costume, colleccionei esse creditos, cuja cifra, nos seus pormenores, poderá ser apreciada no mappa que elaborei, e que ha de ser publicado n'estes Annaes l.

1 Este mappa vae publicado no fim d'esta sessão.

Por agora, referir-me-hei ás verbas consumidas com as recepções do Rei Eduardo, de Inglaterra, e de Affonso XIII, de Hespanha. Elevam-se ellas, em numeros redondos, a 302 contos de réis, e foram legalizadas tarde e a más horas, a despeito de eu ter instado, opportunamente, para que a legalização se fizesse em tempo util.

Outras verbas devem merecer tambem a attenção da Camara. São as relativas á compra de material de guerra, e satisfeitas, conforme o dizer official, pela 1.ª e 2.ª emissões de 900 contos de réis, cada uma, do emprestimo auctorizado, de 4:500 contos de réis, pela carta de lei de 30 de junho de 1903.

De onde sae a importancia de taes verbas, quando é certo que semelhantes emissões se não realizaram?

O Sr. Teixeira de Sousa: — Da venda de titulos.

O Orador: — Já o sabia. Já conhecia essa illegalidade.

Na verdade, não tem justificação, nem sequer desculpa — permita se-me a expressão — uma tão grande carrapata.

O Sr. Presidente: — Previno a V. Exa. de que deu a hora. Mas se V. Exa. quizer, fica com a palavra reservada ...

O Orador: — V. Exa. quer que en fique na carrapata? Pois far-lhe-hei a vontade! Reserve-me V. Exa. a palavra.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Sr. Presidente: o Digno Par o Sr. Baracho alludiu a um artigo do jornal a Presse, em que se referia a um pedido de arbitragem feito pelo Sr. Reilhac ao Governo Portuguez.

O Sr. Sebastião Baracho: — V. Exa. dá me licença? Não é de Reilhac o pedido que a Presse refere ter sido dirigido ao Governo Portuguez. O Sr. Delcassé é que dirigiu uma nota a esse respeito ao Governo Portuguez.

O Orador: — O Digno Par, a esse respeito, pediu documentos ao Sr. Ministro dos Estrangeiros, que não lh'os pôde remetter, por uma unica razão: é porque não existem.

Eu posso a esse respeito, visto que esse facto se passou no tempo em que tive a honra de ser Presidente do Conselho, dar a V. Exa. explicações cabaes e completas.

Dou-as a V. Exa. e ao paiz, e dou-as promptamente, a fim de esclarecer um facto, que é importante, realmente.

Não houve nota alguma diplomatica

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dirigida ao Governo, em outubro de 1903, acêrca da questão Reilhac. O que se passou foi isto:

Em outubro de 1903, procurou-me a mim, então Presidente do Conselho, o Sr. Ministro de França n'esta Côrte, para me entregar em mão uma carta do Sr. Reilhac, em que elle pedia a arbitragem na sua questão, entendendo tambem o Sr. Ministro de França que esta sua demarche nada tinha de official, e tanto que nem se dirigia ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros, perante o qual estava acreditado n'esta Côrte.

Ouvi os meus collegas, como era natural (Apoiado dos Srs. Pimentel Pinto e Teixeira de Sousa), e em conferencia com o Sr. Rouvier, Ministro de França, disse e mostrei que, sobretudo depois do que se passara em 1891, nenhum fundamento podia ter o Governo Francez para fazer qualquer instancia, sequer officiosa, n'este assumpto, e que o Governo Portuguez nenhum direito reconhecia ao Sr. Reilhac.

Desde, então absolutamente nada mais se passou a este respeito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Ha poucos dias troquei explicações com respeito á affirmação feita por Reilhac, e essas explicações foram dadas tambem pelo Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro. Agora foi o mesmo Digno Par tambem, com a auctoridade que tem no assumpto, visto que foi com S. Exa. que se passou esta tentativa de reapparecimento da questão Reilhac, que veio explicar esta circumstancia concernente aos interesses d'aquelle homem e seus sequazes.

Folgo sempre, Sr. Presidente, de provocar explicações d'este genero, sobretudo n'um assumpto como é este.

Folgo ainda de ter ouvido as explicações que o Digno Par acaba de dar; folgo que S. Exa. fosse chamado a terreno indirectamente, a fim de que S. Exa. explicasse da sua parte o que constava do tempo do seu Governo.

Agora falta-me ouvir o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros dizer de sua justiça, a respeito da outra parte.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para declarar a V. Exa. e á Camara que, desde que assumi a Pasta dos Negocios Estrangeiros, não recebi nota alguma relativamente á questão Reilhac e não me consta tambem que no meu Ministerio exista a nota a que se refere a noticia publicada no jornal parisiense La Presse.

O Sr. Sebastião Baracho: - As palavras do Sr. Hintze Ribeiro teem muito valor n'este assumpto, e vejo que S. Exa., da forma como responde, confirma a declaração. Confirma?

O Orador: - Confirmo.

O Sr. Hintze Ribeiro referiu-se á epoca em que S. Exa. estava á frente da situação politica, dizendo que não tinha nota absolutamente nenhuma d'essa epoca; e eu, desde que estou no Ministerio, não recebi nota alguma sobre esse assumpto.

Desde que tomei a gerencia da Pasta dos Negocios Estrangeiros, não recebi nota absolutamente nenhuma sobre esta questão, e no Archivo do Ministerio não conheço a existencia de nota tambem nas mesmas condições.

É claro que na parte anterior á minha gerencia bastava que o Digno Par Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro fizesse as declarações que fez, de que não recebeu nota alguma; e eu digo que, desde que assumi a direcção da pasta dos Negocios Estrangeiros até agora, não recebi nota alguma.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Ainda uso da palavra unicamente para deixar accentuado claramente este facto: O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros não encontrou no seu Ministerio nota a respeito da questão Reilhac, pela simples razão de que nunca existiu.

O que se passou foi o que eu disse. A minha resposta foi a que já dei, e desde então, outubro de 1903, até que deixei o Ministerio, absolutamente mais nenhuma instancia se fez pelo Ministro de França.

Fique isto bem claro.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: pedi a palavra simplesmente para fazer um pedido ainda acêrca do assumpto Reilhac. Não me referirei n'este momento ao ponto especial que acaba de ser tratado pelo Digno Par o Sr. Baracho, pelo chefe do Gabinete transacto, e pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O assumpto Reilhac tem sido tratado em ambas as casas do Parlamento e teem-se feito acêrca d'elle muitas affirmações, por parte dos representantes do Governo, contendo, segundo me parece, algumas incorrecções diplomaticas. Chegou porém o momento de se saber ao certo quaes são os antecedentes, propriamente de chancellaria, ou de archivo, sobre a questão Reilhac. Eu pedia ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros a fineza de mandar fazer as necessarias buscas na secretaria a seu cargo, onde S. Exa. não encontrará um dossier especial sobre a questão Reilhac, mas onde encontrará, nos dossiers relativos ao convenio com os credores externos e a assumptos ligados com o porto de Lisboa, todos os antecedentes de chancellaria que podem ter reflexo sobre a mencionada questão.

Pedia a S. Exa. a fineza de, sem demora, mandar proceder a essa colleccionação, porque talvez me seja preciso fazer um requerimento para taes documentos virem ao Parlamento.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Deu a hora. A seguinte sessão é na proximo segunda feira, 11, continuando a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 8 de setembro de 1905

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Duque de Loulé; Marquezes: de Avila e de Bolama, do Lavradio; Condes: do Bomfim, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, de Tarouca; Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Ressano Garcia, Almeida Garrett, D. João de Alarcão, Mendonça Cortez, João Arroyo, Gusmão, Jorge de Mello, Dias Ferreira, Frederico Laranjo, Fernandes Vaz, José Luciano de Castro, José Vaz de Lacerda, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso Espregueira, Pedro Victor, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho, Ornellas Bruges, Wenceslau de Lima.

Os Redactores,

FELIX ALVES PEREIRA.

(De pag. 225, a pag. 230, col. l.ª)

ALBERTO BRAMÃO

(De pag. 230, col. l.ª, a pag. 233, col. 3.ª);

Rectificações

Sessão n.° 11 :

Pag. 132, col. 3.ª, lin. 70, onde se lê: (De pag. 121 a pag. 125, col. 3ª), leia se: (De pag. 127, col. l.ª, a pag. 132, col. 3.ª).

Sessão n.° 13:

Pag. 151, col. 3.ª, lin. 46, onde se lê: (De pag. 147 a pag. 149, col. 2.ª), acrescente-se: (e de pag. 150, col. 2.ª a pag. 151, col. 3.ª)

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234 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Creditos especiaes no exercicio de 1903-1904

[ver valores da tabela na imagem]

Ministerios Numero e data do Diario do Governo Data dos decretos Importancias dos creditos Somma por Ministerios A abater por compensação de receita Somma por Ministerios Differenças Applicação

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SESSÃO n.º 19 DE 8 DE SETEMBRO DE 1905 235

[ver valores da tabela na imagem]

(a) Pelo n.° 5 do artigo 47.º da lei de 24 de novembro de 1904, as despesas com as recepções dos dois Soberanos supra-indicados decompunha-se assim:

Para despesas com as recepções 224:513$225
Com a preparação das equipagens de gala 77:670$609

Somma 302:183$834

A somma dos dois decretos a que se faz esta annotação é identica á que resulta do n.º 5 do artigo 47.°, já citado. As parcellas é que são differentes, conforme se observa, na importancia de cada uma.

(b) Alguns d'estes creditos teem applicação no exercicio de 1904-1905, mas a sua responsabilidade cabe aos gerentes das pastas respectivas, no exercicio de 1903-1904.

(c) Não tendo podido emittir-se serie alguma do emprestimo de 4.500:000$000 réis, venderam-se, desde 1 de março de 1903 a 30 de setembro de 1904, titulos da divida publica interna na posse da Fazenda, na importancia 3.651:399$000, em grande parte applicada á acquisição de material de guerra. Nestas circumstancias, a illegalidade commettida é manifesta.

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