O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

174 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Camaras d aquelle grande paiz essa j quanto faz parte d'um maior numero lei, a qual estatue que as reuniões publicas se podem celebrar a qualquer hora, sem pedido de licença á autoridade. Esta era a proposta do Governo.

Foi-lhe acrescentada, por indicação de um Deputado, a prescripção de que as municipalidades porão ao serviço do povo, para as suas reuniões; os recintos de que para esse fim possam dispor. Esta liberdade politica é conforme á sciencia politica moderna. Convida o Sr. Presidente do Conselho a apresentar uma proposta de lei sobre o direito de reunião. É deveras urgente, Mas, se ha de ser animada do espirito conservador e antiquado da proposta em discussão, se ella ha de traduzir o mesmo desconhecimento da evolução scientifica por que tem passado o direito de associação, melhor e que nada providencie.

O nobre chefe do Governo, em materia de liberdade de associação, está muito áquem do que é defendido pelos publicistas e já se vae traduzindo nas legislações estrangeiras. Ainda o apavora o reconhecimento da liberdade geral de associação. Não é talvez muito para admirar, visto como na propria França apenas de ha seis annos a esta parte existe real e praticamente nas leis esse direito, o qual foi consignado n'um documento legal, e pela primeira vez, em 1848. A pura doutrina revolucionaria, di-lo Hauriou, sendo essencialmente anti-corporativista, foi preciso muito tempo para que o estado de espirito criado pela diffusão d'essa doutrina se modificasse. Os redactores da Declaração de 1879 não viam na liberdade de associação uma consequencia necessaria da liberdade individual, mas, pelo contrario, a associação parecia lhes um attentado contra o proprio principio d'esta liberdade. As associações profissiouaes, decerto por temor das antigas e odiadas corporações de officiaes, foram prohibidas pela Revolução : e hoje, são uma das maiores forças das sociedades modernas. Esta falsa comprehensão do individualismo prevaleceu por largo tempo r de ha 30 annos para cá, di-lo Duguit, passou na Europa inteira uma rajada associacionista que se estendeu a todas as manifestações da actividade humana. O desenvolvimento do estudo da historia e da philosophia social, a comprehensão do papel necessario dos corpos espontaneos na vida social, as necessidades economicas modificaram a antiga ideia individualista: hoje, a doutrina scientifica é que «a formação cada dia mais intensa das associações não tende a diminuir ou absorver a personalidade individual: favorece pelo contrario o seu mais largo desenvolvimento. Com effeito, a individualidade do homem é tanto mais complexa e comprehensiva quanto faz parte d’um maior numero de grupos sociaes. Elle é individuo trabalhador como membro de uma corporação profissional, individuo artista ou sabio como membro de uma corporação artistica
Ou scientifica.

Assim, a sua actividade individual cresce em razão do numero das associações de que faz parte.

Não se diga, pois, que a individualidade de um homem se perde nos grupos corporativos. É o grande erro da escola liberal e individualista Esta escola individualista, a que, n'estas tão conceituosas palavras, se reporta Duguit, olhava cem desconfiança as associações, que, no dizer d'este publicista, se podem dividir, fundamentalmente, em dois grupos differentes — associações formadas no proposito de realizar um beneficio pecuniario a repartir entre os seus membros, e associações com fias diversos da realização d'esse beneficio. Para estas ultimas, os Governos da França tiveram sempre uma pronunciada má vontade, por medo que ellas não prejudicassem a sua acção, e as suas tendencias auctoritarias e centralizadoras. Hoje, uma melhor comprehensão scientitica do papel das associações determinou uma cambiante radical no espirito do legislador. Caminha-se para a plena liberdade de associação a passos agigantados, querendo ata já alguns publicistas que as associações, costituidas n'um fim licito, possam adquirir a titulo oneroso ou gratuito, todos os bens mobiliarios ou immobiJiarios5 sob esta unica condição : — que esses bens sejam affectos ao fim da associação.

Ha quem defenda scientificamente esta doutrina em nome da liberdade da associação, achando que o perigo de mão - morta, nas sociedades modernas, é chimerico. Mão vem isso, agora, para ali. O certo é que, obedecendo a uma moderna concepção de philosophia social, os homens de Estado de varios paizes vão alargando o direito de liberdade de associação. Porque se não inspirou o Governo n'essa doutrina e exemplo? Porque não adoptou as doutrinas da lei francesa das associações de 1 do julho de 1901? Essa é amplamente liberal. Não queremos a sua applicação inteira e absoluta, porque a transplantação de uma lei sem attender aos costumes e tendencias de um povo é um erro profundo. Mas poder-se-hia adaptar nas suas linhas geraes, na sua estructura de bloco, porque ella é conforme ao que scientificamente é defendido pelos mais sabios mestres do direito politico.

Em França, pela lei de Waldeck - Rousseau — cujo nome evoca no nosso coração uma das mais nobres figuras moraes e intellectuaes da França, tão cedo retrahida nas sombras da Morte ! — pela lei de Waldeck - Rousseau, de 1 de julho de 1905, as associações dividem-se, sob o ponto de vista da sua fundação ou constituição, em dois grandes grupos — as associações não declaradas e as associações declaradas.

Aquellas são reguladas no artigo 2.° da lei. Diz este:

«As associações de pessoas poderão formar-se livremente, sem auctorização ou declaração previa ».

As outras exigem o caracter de publicidade dado pelos seus fundadores. Tem de ser feita a declaração previa; só esta é que lhes dá a capacidade juridica. Qual é, entre outras, a vantagem enorme que d'aqui resulta? E que as associações politicas, as ligas, os clubs, ficam fora da obrigação da declaração previa. Não a pedem, não indicam as suas sedes, não indicam o seu regimen interno, teem uma inteira liberdade na sua organização e funccionamento. Pela sua organização, as associações não declaradas propõem-se a fins que ficam desconhecidos do Governo. O Governo não será advertido por declaração alguma, terá de recorrer ás investigações da policia. Nota Hauriou que a lei das associações leva o seu espirito de liberdade a um ponto tal que abrogou o artigo de uma lei anterior, prohibindo as sociedades secretas. A categoria das associações não declamadas ó, sob o ponto de vista scientifico e liberal, uma grande conquista. ' •

Não vinha esse principio na lei apresentada por Waldeck - Rousseau, mas foi introduzida no Parlamento, que não é, em França, uma continuação do poder executivo e, portanto, subserviente. Resultou da discussão. Conhece o admiravel discurso de Ribot defendendo a criação das associações não declaradas. Funda-se em tres argumentos para combater a auctorização previa. São os seguintes: — que ella, contra vontade de associações, que não precisam, para nada, da personalidade juridica, lh'a quer impor — que a declaração é uma formalidade incommoda, complicada, que só serve para criar difficuldades — que as associações não declaradas existem n'outros paizes, Italia, Belgica, Inglaterra. E,, hoje, depois de 1901, na Allemanha, após a publicação do novo Codigo Civil. No seu discurso, Ribot não se refere, por tal motivo, a esse paiz. Como é que, em Portugal, isto se desconhece e como 'ó que se chama liberal esta proposta de lei?

Liberal! E nem ao menos reconhece o principio consagrado pelos tratadistas modernos e estabelecido na legislação da Franca: — a dissolução das