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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 29 DE FEVEREIRO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios - os Srs.

Conde da Louzã (D. João)

Conde de Fonte Nova.

(Assistiam os Srs. Presidente do Conselho, e Ministros, do Reino, dos Estrangeiros, e da Fazenda.)

Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 33 Dignos Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde de Fonte Nova deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio do Ministerio do Reino acompanhando 60 exemplares das contas do mesmo Ministerio, relativas á gerencia do anno economico de 1853-1854, e as do exercicio de 1852 a 1853. — Distribuiram-se os exemplares.

O Sr. Visconde de Sá — Pedi a palavra para chamar a attenção do Sr. Ministro do Reino, sobre uma noticia publicada n'um jornal desta cidade, A Patria, relativa a uma occorrencia que teve logar no Porto, e da qual eu já tinha noticia (leu).

Eu não sei bem a historia deste preto, mas parece-me que elle veio a Portugal em um navio brasileiro, e que, fugindo para terra, fóra requisitado pelo Capitão do navio, como desertor; o homem declarou ser escravo, e que, portanto, achando-se na terra de Portugal, se tinha tornado livre por effeito da Lei, e que, portanto, não devia ser entregue. Parece-me que é este o caso (leu).

Agora eu desejava que o Sr. Ministro do Reino me dissesse o que ha sobre este objecto; e peço a palavra para, depois de ouvir S. Ex.ª, apresentar um projecto de lei, a fim de que, factos desta natureza, se não tornem a repetir.

O Sr. Ministro do Reino disse que o facto, ou antes a historia, era a seguinte: — O prelo que se soube depois ser escravo, mas que era marinheiro de um navio do Brasil, tendo commettido um crime a bordo do mesmo navio, fugiu para terra. O Capitão requereu-o como marinheiro desertor, o elle (repete) era escravo. A auctoridade competente fez procurar o criminoso, não para o entregar desde logo, mas na consideração de que tinha commettido um crime neste paiz, para tomar conhecimento devidamente desse crime; e ao mesmo tempo o Capitão recorreu ao representante da sua nação para que o auxiliasse na sua reclamação. A auctoridade administrativa consultou o Governo, sobre se poderia applicar aquelle individuo a legislação mui clemente do Senhor D. José I, no Alvará de Setembro de 1761, que declara libertos todos os escravos que puzerem os pés em terra portugueza; mas offereceram-se algumas considerações que pareceram serias, sobre se tal legislação poderia vigorar para com estrangeiros, quaes os subditos do imperio do Brasil; e por conseguinte se poderiam ser declarados livres os escravos marinheiros da guarnição de um navio brasileiro surto em porto deste paiz.

E mais se notou que, além dessa legislação havia um Decreto posterior, de 1800, que, limitando o beneficio do primeiro Alvará, exceptua os escravos que servirem de marinheiros das guarnições dos navios mercantes. Entretanto o fugitivo foi entregue ao poder judicial, por cuja decisão veio a ser entregue ao Capitão do navio, a cuja guarnição pertencia. Quando isto se resolveu, já o mesmo navio tinha saído, e então ao Consul brasileiro foi entregue o escravo. Se não o engana a lembrança, não se tomou conhecimento do crime, ou se se tomou, não houve o sufficiente para a imposição da pena. O que lhe parece poder asseverar é que a decisão do poder judicial, na cidade do Porto, foi que o preto marinheiro, José, devia ser entregue ao Capitão do navio, a cuja guarnição pertencia. Para tornar effectiva esta ordem, o Consul, na ausencia do Capitão do navio, guardou e sustentou o marinheiro, e nem podia deixar de ficar assim; como tinha fugido da embarcação era necessario restitui-lo. Quando esta restituição se fazia, aconteceu o referido pelo Digno Par, fazendo a leitura do artigo de um jornal do Porto: não dirá elle Ministro que foi tal qual alli se vê, não porque esteja falsificado, mas porque tem um certo colorido, que raras vezes é a cópia fiel do successo. Fosse, porém, o que fosse, o facto principal é — que o preto, armado de um ferro (parece haver sido a bayoneta que tirara de surpreza a um soldado), accommetteu os seus guardas, e manifestou furioso a determinação de assassinar quantos se oppozessem á sua fuga. Feriu alguns soldados e marinheiros; e para o segurar foi necessario usar de força com elle, o que em taes casos é indispensavel, por não haver outro meio de reprimir os furores de um infeliz que não hesita em commetter quaesquer crimes para conseguir o seu fim. Mas parece-lhe que o instrumento de que se serviu quem segurou o preto, não foi um machado, como se lê na correspondencia, porque o Governador civil do Porto, que deu parte do acontecimento, não diz que de tal instrumento se servira ninguem; e apenas refere que a um golpe que o preto recebêra, se seguiu lançar-se ao rio; e segundo consta a elle Sr. Ministro, sendo perseguido, foi colhido ás mãos, e levado á enfermaria da cadêa, para ser curado. Este é o facto tal como lhe consta O que sabe é que o Governo não decidiu da liberdade, ou continuação do serviço deste escravo, por arbitrio seu. A opinião dos Ministros, que se manifestou logo que a fuga teve logar, foi que o preto devia ser considerado livro; mas examinando-se mais pausadamente a legislação, e attendendo-se a que este homem, de que se tracta, era marinheiro de um navio estrangeiro, esperou-se; decisão do Poder judicial, á qual estava entregue, e depois della é que foi enviado ao Consul do Brasil, como fica referido.

O Sr. Conde de Thomar — Sr. Presidente, o negocio que faz objecto da interpellação ou pergunta do Sr. Visconde de Sá, e um negocio grave, e por isso é necessario que seja examinado com toda a attenção; eu vejo a grande discordancia que ha no modo de avaliar esta questão na imprensa, e no relatorio que acaba de fazer o Sr. Ministro do Reino. Geralmente attribue-se a uma decisão do Governo a entrega do preto do que se tracta, e se o negocio fosse como a imprensa o tem apresentado, seguramente cabia uma grande responsabilidade ao Governo, e eu já tinha formado tenção de chamar a attenção do mesmo Governo sobre este objecto, estimei que o Sr. Visconde da Sá me precedesse. Vejo que as circumstancias aggravantes de que a imprensa revestiu este facto, ficam muito attenuadas se forem exactas todas as informações que acaba de dar o Sr. Ministro do Reino.

Em obsequio aos principios de humanidade e á execução das leis, quero acreditar tudo quanto se disse, mas visto que o negocio foi trazido á Camara, o que ha a fazer quanto ao passado não é um projecto de lei, que só serve para remediar no futuro, é necessario saber se este negocio seguiu o caminho que devia seguir, para assim se pedir a responsabilidade a quem competir, eu intendo e julgo absolutamente indispensavel, que o Governo manda a esta Camara todos os papeis, que dizem respeito a este assumpto, o Governo deve mandar á Camara não só a Portaria que expediu, em virtude da qual foi entregue o preso ao vice-Consul brasileiro, mas todos os papeis que fundamentaram a decisão do Poder judicial, e esta mesma decisão. Se fôr preciso um requerimento, peço a S. Ex.ª o Sr. Ministro, que o declare, porque eu estou prompto a faze-lo; mas se se promptifica a manda-los, então dispensar-me-hei de fazer, e mandar para a Mesa o dito requerimento.

O Sr. Ministro do Reino — Não tem duvida em os mandar, e em declarar qual foi a Portaria que se expediu pela sua repartição, e que só o foi depois da decisão do Poder judicial. A primeira opinião do Governo, quando lhe constou a fuga do escravo, foi que elle devia ser considerado liberto, porque não tinha presente a legislação restrictiva de 1800 (parece-lhe que é um Decreto de Março do dito anno), e a ordem expedida para que o mesmo escravo fosse entregue ao Consul, procedeu da ausencia do navio, a cuja guarnição pertencia, e de não ser possivel rete-lo em custodia, nem haver fundamento para o considerar livre. Declara elle Ministro que muito a seu pezar expedira esta ordem, depois da decisão do Poder judicial.

O Sr. Visconde de Sá — Á vista das informações do Sr. Ministro do Reino, parece-me que o Governo não merece censura por este caso, e a auctoridade judicial tambem não; as minhas razões fundam-se em um Alvará com força de Lei de 1761, o qual determina, que todos os pretos e pardos escravos que viessem a Portugal ficassem livres, e que não fosse preciso mais do que uma simples certidão da alfandega, para servir de carta de alforria; mas este Alvará foi em parte revogado por outro de 10 de Março de 1800, o qual declarou, que as disposições do precedente se não intendiam com os escravos que formassem parte das tripulações dos navios, os quaes continuariam a ser considerados da condição de escravos.

Sendo esta a Lei, segue-se que o Juiz determinando a entrega do preto ao capitão obrou bem. O que eu tenho a propôr é, primeiramente, que o negro seja comprado pelo Governo, para que fique livre do azurrague do seu senhor; e em segundo logar, que a Camara admitia o projecto de lei que vou apresentar, que tem por fim revogar o Alvará de 10 de Março de 1800, ficando portanto livres os escravos que pisarem a terra de Portugal e das ilhas adjacentes, India e Macau, embora elles façam parte dos navios que entrarem nos seus portos. Vou lêr o projecto de lei (leu).

Neste projecto dá-se o prazo de seis mezes para começar a ser executado, porque é preciso dar tempo sufficiente para tomarem as suas medidas aos armadores do Brasil, dos Estados-Unidos, de Hespanha e Hollanda, que possam empregar escravos como marinheiros, a fim de não allegarem ignorancia; devendo desse prazo em diante os negros que saltarem em terra, ficarem ipso facto livres, que era a intenção do Alvará de 1761. Os Estados-Unidos não poderão dizer cousa alguma contra uma tal medida, porque nos Estados do Sul, como na Carolina do Norte, na Carolina do Sul e na Georgia, os individuos de côr que vão a bordo dos navios estrangeiros, francezes, inglezes e de outras nações, logo que chegam aos portos, são tirados dos navios o mettidos na cadêa publica, em quanto os navios se demoram nos portos, e os capitães são obrigados a pagar toda a despeza feita com elles nas prisões se os querem levar outra vez comsigo, senão, são vendidos em hasta publica como escravos, e a Inglaterra e a França teem soffrido estas indignidades até agora, porque se diz que as Leis daquelles Estados particulares são Leis municipaes por elles feitas que o Congresso da Confederação não póde annullar.

Agora o Governador de um dos ditos Estados apresentou á legislatura respectiva uma proposta, para se modificar aquella resultante legislação.

Mando para a Mesa o seguinte projecto do lei:

(Leu-se na Mesa.)

O Sr. Presidente — Parece-me que a Camara concordará, em que vá ás duas commissões juntas de legislação e administração publica.

(Assim se resolveu.)

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Sr. Presidente, este negocio passou principalmente pela repartição do Ministerio do Reino, e pela dos Negocios Estrangeiros posso assegurar a V. Ex.ª e á camara que a vontade do Governo foi desde logo, que aquelle homem, que tivera a fortuna de saltar em paiz onde não ha escravidão, deixasse de ser escravo. Eu mesmo, na ignorancia do Alvará de 1800, cheguei a comprometter a minha palavra, de que elle não voltaria para bordo, e menos ainda para ser escravo; com tudo, examinado o caso, e sendo mandado ao Poder Judicial, como me mostrou que era necessario que o fosse o Ministro do Brazil, foi julgado na conformidade das leis; e eu creio que o meu nobre amigo o Sr. Visconde de Sá não acha que se procedesse mal, pois o governo está absolutamente de accôrdo com S. Ex.ª. e direi mais, para conhecimento da Camara e do Digno Par, que eu, e o Sr. Duque de Saldanha Presidente do Concelho, proposemos, que aquelle escravo nos fosse vendido, a fim de se lhe dar a liberdade; correndo porém o processo é certo, que antes de elle acabar não podia o governo levar a diante a sua proposta, e não podemos obrigar o proprietario a vir a este porto; esperamos porém que isso se possa fazer quando partir para o seu destino.

Póde pois o Digno Par ter a certeza de que os desejos do governo vão tão longe como S. Ex.ª acaba de manifestar, e ainda mais alguma cousa: V. Ex.ª e a Camara sabe quanto a Inglaterra manifesta sempre por todos os modos o interesse em que a escravidão acabe, e que se algum escravo apparece na Europa fique livre ipo facto; mas eu comprometti-me com os meus collegas perante os Ministros estrangeiros, a apresentar nesta sessão um projecto de lei com o fim de acabar com as disposições do Alvará de 1800. Esse projecto de lei é o que em principio apresenta o Digno Par o sr. Visconde de Sá, e por tanto eu em nome do Governo declaro que acceito o projecto offerecido por S. Ex.ª

O Sr. Visconde de Sá — Vou referir em poucas palavras um facto que vem a proposito.

Ha dois, ou tres annos, embarcou no Rio de Janeiro um negro ao serviço de uma familia: esteve em Portugal, foi depois a Inglaterra, e dahi, partindo para o Brasil, chegou a Pernambuco; então o dono, ou o supposto dono, reclamou o negro como seu escravo, foi reconhecido e entregue; mas o negro dirige-se ao Consul de Inglaterra, invoca a circumstancia de ter estado em Portugal, reclama-se a liberdade do negro perante o Presidente da provincia, magistrado benemerito, e este examinando o caso, declarou que o negro era livre, visto ter estado em Portugal, em consequencia do que lhe foi dada a carta de liberdade.

Aqui está como esta mesma Lei do Senhor Rei Dom José aproveitou aquelle miseravel, unicamente por ter já posto o pé em terra portugueza. É isto mesmo o que, pelo meu projecto, se faz extensivo aos escravos empregados a bordo dos navios que vierem aos nossos portos. E pois com grande satisfação vejo que o Governo apoia o projecto.

O Sr. Visconde de Laborim (sobre a ordem) — Eu, apesar de estar gravemente doente, vim hoje á Camara, porque quiz dar mais esta prova, de que desejo, quanto cabe em minhas poucas forças, cumprir com o meu dever.

Sr. Presidente, eu ouço fallar em julgado do poder judicial; é cousa que me toca, e que eu considero muito respeitavel! Levanto-me pois para apoiar a indicação do meu nobre amigo o Sr. Conde de Thomar; porque pedindo mui sensatamente S. Ex.ª que nos seja presente todo esse processo, relativo á questão, é só em presença delle, que a podemos decedir, não só pela sua entidade, mas porque observamos que se nos falla em actos de um poder independente. Isto é cousa muito séria, se é que não ha confusão entre julgado e parecer. Se ha um julgado, isso é funcção propria do judicial, com o que o poder legislativo nada tem, por consequencia venha o processo, e na presença delle se decedirá o negocio com exacto conhecimento de causa. Apoio portanto, torno a dizer a indicação do meu nobre amigo o Sr. Conde de Thomar.

O Sr. Visconde de Ourem — Eu requeiro que seja convidado o Sr. Ministro dos Negocios da Marinha e Ultramar para responder a uma interpellação que lhe pertendo fazer, sobre conflictos de auctoridade de Gôa no logar de presidencia.

O Sr. Presidente — Quando o Digno Par mandar para a Mesa a nota competente, far-se-ha a communicação ao Sr. Ministro na fórma do estylo.

O Sr. Visconde de Ourem mandou para a Mesa a seguinte nota:

«Requeiro que seja prevenido o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar para responder a uma interpellação que lhe pretendo fazer, sobre um conflicto que houve em Gôa entre duas auctoridades, a respeito de precedencia de logar no Conselho do Governo. — Visconde de Ourem.»

Mandaram-se fazer as communicações convenientes.

(O Sr. Presidente convidou o Sr. Marquez de Loulé a tomar a cadeira da Presidencia, e desceu a tomar logar na sala.)

ORDEM DO DIA.

CONTINUA A DISCUSSÃO DO PROJECTO DE RESPOSTA AO DISCURSO DA CORÔA.

O Sr. Barão de Porto de Moz — Depois que eu tive a honra de usar da palavra, oradores muito elloquentes se me seguiram; primeiro foi o sr. Ministro dos Negocios da Fazenda, ao qual algumas reflexões teria a fazer se elle estivesse agora presente; o orador que se seguio a S. Ex.ª, creio que já na sessão immediata, foi o Digno Par o Sr. Visconde de Castro, que n'uma grande parte do seu discurso, referindo-se ás palavras que eu havia dito, fallou de lai maneira, e explicou as suas opiniões de tal sorte, que eu declaro muito solemnemente não ter já nada que lhe responder, simplesmente me limitarei a agradecer-lhe o modo urbano com que me tractou. Effectivamente as reflexões que eu tinha feito sobre duas proposições do anterior discurso de S. Ex.ª mereceram a sua attenção. S. Ex.ª conveio comigo, e explicou-se duma maneira satisfatoria, primeiramente em quanto á omissão por mim notada (e sem censura) sobre a divida interna, á qual eu me persuadia que pertenciam compensações, á similhança do que se tinha pactuado para a divida externa.

O Digno Par declarou, que estava prompto a votar por qualquer compensação que fosse de justiça, em harmonia com o que se fizesse para a divida externa.

Quanto á proposta de lei sobre a admissão de cereaes, o Digno Par não desistiu da sua opinião, que póde ser tão boa como qualquer outra; e é mesmo provavel, attenta a sua illustração, que seja melhor do que a minha. S. Ex.ª declarou, que ainda não tinha formado a sua idéa a ponto de poder dizer que havia de votar a proposta. Depois disto declaro novamente que nada tenho a reflectir sobre o discurso do Digno Par, e que unicamente me limito a agradecer o modo urbano com que fez favor de me tratar. Assim já se vê, que eu não precisava entreter mais a Camara, e não linha tenção disso, mas veio depois o sr. Marquez de Ficalho, que se sabia que vinha á Ca-