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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
SESSÃO DE 14 DE FEVEREIRO DE 1865
PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO
VICE-PRESIDENTE
Secretarios, os dignos pares
Conde de Peniche
Mello e Carvalho
(Presente o sr. ministro da guerra.)
Ás duas horas e meia da tarde sendo presentes 39 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.
Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Deu-se conta da seguinte correspondencia:
Um officio do ministerio da fazenda, enviando, para serem distribuidos pelos dignos pares, 80 exemplares da conta da gerencia d'este ministerio no anno economico de 1863-1864, e da do exercicio do anno economico anterior.
Outro officio do mesmo ministerio, enviando, para serem distribuidos na camara dos dignos pares, 80 exemplares da conta da receita e despeza do thesouro publico, respectiva ao anno economico de 1863-1864.
O sr. Margiochi: — Pedi a palavra para mandar para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda (leu).
E agora peço a V. ex.ª que os mande imprimir para se distribuirem brevemente.
Por esta occasião cumpre-me participar a V. ex.ª e á camara que a commissão de fazenda se acha installada, e nomeou para seu presidente o sr. conde d'Avila, para secretario o sr. Braamcamp, havendo relatores especiaes para cada projecto.
O sr. Presidente: — Vão ler-se, e depois irão a imprimir para se distribuirem.
Vamos entrar na ordem do dia, e tem a palavra o digno par o sr. Luiz Augusto Rebello da Silva.
ORDEM DO DIA
CONTINUAÇÃO DA INTERPELLAÇÃO AO SR. MINISTRO DA GUERRA
O sr. Rebello da Silva: — (Publica-se por extracto, não tendo sido possivel ao orador rever as notas tachygraphicas do seu discurso.) Principiou declarando que pedíra a palavra para cumprir um dever que se impoz, e tomava parte n'este debate para fundamentar o seu voto, tendo, como sempre se preza de o haver feito, o cuidado de desviar de si, em qualquer das reflexões que passava a fazer, a menor insinuação, allusão ou phrase com que possa, por qualquer modo, ir offender presentes ou ausentes, porque as reputaria menos proprias da dignidade da camara e do decoro pessoal. No entanto dizia que confiadamente os dignos pares se podem occupar do assumpto, porque se refere mais a principios do que a uma hypothese particular.
Em referencia ao sr. ministro, que n'aquella occasião estava collocado nos bancos do ministerio, e que mais directamente foi aggredido na questão que se debatia, devia dizer que elle, orador, não tem a respeito de s. ex.ª senão sentimentos de sympathia. Nunca entre ambos houve relações familiares e intimas, mas desde muito tempo elle, orador, ha tido occasião de respeitar as suas qualidades particulares. Nas suas observações, portanto, não havia esquecer-se de que s. ex.ª póde ter errado, porque não é infallivel, e mesmo o orador acredita que errou; mas isso não é defeito, e esse erro na sua opinião procede mais do erro de um affecto do que da propria vontade. Esse affecto, longe de concorrer para incriminar o individuo, salva as suas intenções.
Ha ainda outra rasão pela qual o orador não podia ser severo na apreciação dos actos do sr. ministro. S. ex.ª passou repentinamente da acção da vida particular para a acção da vida publica, sem ter a pratica da gerencia dos negocios publicos, pratica que, na sua opinião, é essencialissima. Não duvida pois que s. ex.ª muitas vezes tenha peccado, e possa ainda peccar, porque lhe faltam aquellas noções que só a experiencia póde suggerir ao homem d'estado.
Começaria por um ponto que desde logo declarava não ser da competencia d'elle, orador, mas que se anima a tratar na camara, pedindo desculpa aos illustres cavalheiros que são officiaes do exercito, da ousadia com que tratava tal assumpto. Reportava-se ás representações que foram dirigidas ao general alludido n'esta discussão, umas comprimentando-o na sua nomeação, outras respondendo a artigos da imprensa, e sendo-lhe dirigidas como uma especie de satisfação; todas ellas assignadas pela officialidade de alguns corpos de artilheria.
Pedia licença á camara, não para fazer uma dissertação de direito publico, o que seria improprio do logar, e sim para apresentar algumas observações que lhe pareciam a proposito.
Todos sabem qual é a elevação das funcções que a força armada exerce no estado, e todos sabem que em todas as nações cultas são mui strictos os vinculos que presidem á acção d'essa força, de modo que ella se não possa empregar senão em defender a independencia do paiz e a tranquillidade publica, mas que nunca ella venha a gravitar nos negocios do estado, nem a pender nos negocios publicos, por meio de insinuações ou por meio de elogios, o que muitas vezes é peior. Pedia venia á camara para dizer que uma felicitação, que n'outras circumstancias se diria a cousa mais innocente, no presente caso o não era, porque se tal exemplo se multiplicasse, felicitando os corpos militares os seus coroneis ou o sr. ministro da guerra, por certas considerações que adduziu, presumia uma situação nada normal. Não se prenda a camara com as denominações; chamem-lhe embora felicitações, elle orador aventurar-se-ia a chamar-lhe demonstrações collectivas (apoiados).
Citaria a ordem do exercito de 26 de julho de 1811. Disseram uns que ella vigora ainda, por não estar revogada; disseram outros que esta revogada, porque no regulamento de um decreto se declara revogada toda a legislação em contrario. Mais se acrescentava, por outra parte que, ainda mesmo não revogada, não vinha para a hypothese. Encontrava n'isto novamente o sophysma, e passava a ler essa parte da ordem do dia, para se conhecer o fundamento que adduzia (leu).
Que significam pois estas manifestações em que se louva o zêlo, a energia e o caracter de um official? Não são se não attestados; são certidões das boas qualidades que tem esse general.
Perguntava portanto: precisa este general d'estes attestados? Precisa a auctoridade do poder executivo que aquelles que têem de obedecer-lhe venham elogiar os seus actos? Parecia a elle, orador, que a unica felicitação que, tanto o sr. ministro da guerra, como o general de quem fallava, devem querer, é o silencio no cumprimento zeloso dos seus deveres (apoiados).
Apresentou-se outra hypothese, a que se refere uma ordem do dia de 1841.
Alguns officiaes, sentindo que tivesse sido desligado o coronel de infanteria n.° 27, publicaram algumas observações em que faziam o elogio das qualidades d'esse official.
Leu parte d'essa ordem do dia e proseguiu:
Aqui não havia tambem senão elogio, mas é que o elogio neste caso é uma censura indirecta. Já se via portanto que a ordem do dia de 1811 não queria que os officiaes inferiores passassem certificados aos seus superiores, porque os julgava contrarios á disciplina. Mas o governo tambem em 1841 entendeu que quaesquer artigos de elogio que podem dar indirectamente censura» deviam ser interdictos, e a repetição do acto severamente punido.
Expondo quaes as leis que reprovam estas manifestações, continuou dizendo ser esse o principio consignado em todos os codigos militares, e julgava, pois, não ser ousadia sua o concluir que mesmo perante a legislação patria estas representações collectivas não são permittidas. Ainda que o fossem, pelo silencio da legislação, o interesse publico ordenava que não sé fizessem.
Observava que n'uma d'essas felicitações, como se lhes chama, havia uma phrase, não tão innocente como se observou (leu).
Aqui se reportou ao sr. general Baldy para mostrar que este ex.mo sr. quando se despedira do commando geral da artilheria, não dissera quasi o mesmo, que na alludida felicitação, mas só usara de expressões de benevolencia para com os seus inferiores. E dissertando sobre a significação da palavra marasmo, expoz que ella n'este caso tinha gravidade.
Pedia, em conclusão d'estas primeiras observações, a s. ex.ª o sr. ministro da guerra que não permitta que se repitam taes demonstrações collectivas, porque elle, orador, tem a certeza de que a sua repetição ha de amargurar no futuro aquelles que hoje espalham a semente, julgando que ha de ser productiva; mas que comtudo ficarão condemnados a colher fructos venenosos.
O orador alludiu a factos que se deram na corveta D. João, expoz o procedimento que n'essa occasião houve, e notou que no mesmo gabinete se apresentassem opiniões tão differentes nos ministerios da marinha e da guerra, como n'aquelle e no presente caso.
Passou depois ao assumpto relativo á concessão da medalha, pedindo primeiro ao sr. ministro da guerra explicações do facto de serem mandadas tirar todas as notas a um official do exercito, sob pretexto de serem politicas.
Fazendo largas considerações sobre a alteração de decretos por meio do portarias, expoz como se seguira o processo para a concessão da medalha ao general que se tratava; e, o intuito e o fim por que tal medalha se creara, demonstrando que na lei estavam tomadas as necessarias providencias para que as concessões de tal distinctivo fossem revestidas das garantias que o legislador lhe quiz dar, adduzindo que não se podia conformar no caso sujeito com o procedimento do sr. ministro da guerra.
Tendo o orador fundamentado o seu voto pediu ao sr. ministro que se lembre de que na arte de governar não ha só o momento de hoje. Muitas vezes se é obrigado pelas recordações partidarias, ou pelos desejos expontaneos, a assentar padrões na respectiva carreira publica, os quaes ficam lembrando sempre, porque mais tarde são invocados.
Por consequencia entendia que todas as demonstrações collectivas militares, quer elogiem, quer censurem, quer venham a respeito dos artigos da imprensa, quer queiram significar o desgosto, descontentamento ou esperança pelo estado de adiantamento em que se acha qualquer arma do exercito, podem ter consequencias gravissimas.
Concluiu rogando a s. ex.ª o á camara, que por uma vez se firme a jurisprudencia de que um decreto rubricado pelo Rei, e referendado por um ou mais ministros, não póde ser alterado ou revogado senão por um diploma da mesma indole e da mesma natureza. Estas portarias modificando, alterando, restringindo ou ampliando, sem attender á disposição da lei, são uma infracção de lei. Tencionava finalmente elle, orador, apresentar uma moção de ordem, porém desejaria primeiro ouvir as observações do sr. presidente do conselho, que já tinha pedido a palavra.
O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, tarde pedi a palavra, e mais tarde ainda vou fazer uso d'ella, em consequencia das justas prescripções regimentaes. Declaro muito solemnemente á camara que vou fallar sem a menor pretenção de lhe apresentar idéas novas. E que novidades poderia eu apresentar a uma assembléa tão eminente em experiencia e illustração?!
Mas, sr. presidente, os deveres que me impõe o mandato politico que aqui desempenho, inhibem-me de ficar silencioso e de calar minha humilde opinião n'uma conjuctura tão grave, em que com apparato verdadeiramente bellicoso, e com preparo tão estudado como reflectido, acaba de verificar-se o objecto da ameaça, — uma censura ao ministerio, ferindo particularmente um dos membros de um dos poderes politicos da carta, o sr. ministro da guerra.
Sr. presidente, se não possuo o cabedal de luzes bastante para contrabalançar a vastidão das idéas com que oradores tão discretos como illustrados têem pertendido inculcar de boa a sua causa, tenho por mim a minha consciencia que,