O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

90 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES no REINO

transmittido por direito canonico, estabelecido pela igreja e acceito pelo estado. S. exa. póde castigar os conegos, póde matar-lhes o corpo, mas não lhes mata a alma...

O sr. Miguel Osorio: — Peço a v. exa. que consulte a camara se consente que eu tome parte nesta interpellação.

O sr. Ornellas: — Igual pedido faço a v. exa.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Peço a palavra.

O sr. Barros e Sá: — Peço tambem a palavra.

O Orador (continuando): — Ora, o sr. ministro da justiça, em todo o seu violento procedimento contra o cabido de Bragança, teve em vista que elle retrocedesse no caminho, e que elegesse o insinuado por s. exa. Este era o pensamento do sr. ministro, e o processo instaurado tem por fim annullar o acto que o cabido praticou.

S. exa. póde tomar nota de todas as minhas palavras; eu fallo de vagar e claro, e como não quero fazer uma questão politica, mas uma questão de principios, estou em plena liberdade de dizer o que entendo, folgando que o sr. ministro tome as suas notas o mais completamente possivel.

Os actos praticados pelo cabido são validos, bem como os actos do vigario eleito, e a despeito de qualquer processo estou convencido de que esses actos hão de ser confirmados pelo futuro bispo. Ê esta uma prophecia que eu faço ao sr. ministro, não porque me repute com o direito de as poder fazer, mas pela consciencia do direito, e o tempo mostrará quem se engana — se o sr. ministro no seu proceder, se eu na minha prophecia.

Quer a camara saber o que se passou em circumstancias iguaes com o cabido de Vizeu?

Esses factos que vou narrar confirmam o que avancei, e é necessario não confundir o que se reputa direito com o que de facto se julga o direito. Ha muitas cousas que correm com fôro de verdade sem que o devam ter, admittindo-se como principios liberaes o que importa muitas vezes a negação delles. A insinuação vejo que se considera como um preito á liberdade, quando pelo contrario representa um ataque a ella. O que deve, pois, prevalecer — o direito de eleger ou a obrigação de acceitar a insinuação?

Passemos, porem, á questão do cabido de Vizeu, e vejamos a força que teem os srs. ministros em questões desta ordem, força que eu lamento profundamente que não possam ter, e lamento-o pelo bem da corôa.

Quando ficou vaga a sé de Vizeu passou, segundo os canones, a jurisdicção para o cabido, que dentro de oito dias devia nomear dois economos para o serviço do tem poral da diocese. Segundo os principios estabelecidos deve proceder se depois á eleição do vigario capitular, passando o direito, no caso de não ser cumprida esta prescripção, para o metropolitano, e na sua falta para o bispo mais antigo. O governo não tem nada com isto, cem póde ter, porque nós não estamos em paiz protestante, felizmente. O governo não póde exercer os direitos espirituaes.

O cabido de Vizeu, investido na jurisdicção, foi insinuado pelo governo para nomear vigario capitular o actual bispo de Coimbra; por motivos, porém, que foram presentes ao cabido que então era, não póde o referido cabido obtemperar á insinuação, e nomeou outro conego, que não o insinuado pelo governo. Seguiu-se da parte do poder executivo o mesmo procedimento que o actual sr. ministro das justiças julgou dever ter com o cabido de Bragança, por elle não eleger o seu insinuado. Suspenderam-se os ordenados aos conegos; poz-se-lhes um sequestro; e elles, que eram pobres, que não tinham para viver senão os seus ordenados, ficaram reduzidos a morrer de fome, vendo-se ameaçados deste castigo se continuassem a insistir na sua resolução. Passados tres ou quatro mezes, vendo-se os membros do cabido nas mais tristes circumstancias, não tendo de comer, foram procurar o vigario eleito e patentearam-lhe o seu estado desgraçado. Fizeram-lhe ver que não tinham meios nenhuns de conjurar a tempestade que contra elles se levantara, e que portanto o melhor era elle ceder da jurisdicção, para saírem das difficuldades em que se achavam, e evitar maiores males.

«Ceda s. sa., disseram-lhe, para nós nomearmos a pessoa insinuada pelo governo, para assim nos livrarmos do castigo que nos foi applicado.» O vigario capitular disse-lhes que não cedia, porque não o podia fazer conscienciosamente, não se dando na sua pessoa o caso de impedimento physico ou moral. «Haja a fome ou os castigos que houver, ponderou elle, não posso nem devo ceder». Todavia, á força de instancias, e á vista do estado desgraçado dos conegos, cujo castigo continuava em todo o seu rigor, o vigario eleito veiu a final a ceder, declarando que o fazia para evitar maiores males. Cedeu, pois, debaixo de uma pressão não só moral, mas tambem material, e o cabido debaixo da mesma pressão elegeu então o conego insinuado pelo governo. Deu se parte d’isto á nunciatura, e esta communicou para Roma o occorrido.

Eleito o novo vigario, foi elle governar a diocese; porem ninguem o procurou; todos íam ter com o primeiro eleito. Os governos podem decretar o que entendem; mas a consciencia dos povos reage contra o que não póde acceitar, e elles seguem o caminho que ella lhes indica. O governo obrigou o cabido de Vizeu a retroceder e a eleger quem o poder civil indicara; mas o povo não reconheceu senão a jurisdicção do primeiro eleito, e era a elle que todos procuravam. Havia um ou outro individuo que recorria ao vigario nomeado pela segunda eleição; mas esses mesmos faziam-no pro fórma, e com medo de algum castigo do governo, não deixando todavia de tambem ir ao primeiro eleito. Este scisma durou muito tempo.

Veiu depois a decisão do Roma, que é o verdadeiro juiz nestas questões. Os tribunaes e juizos ordinarios nada teem que ver nellas, não lhes compete conhecer das causas de jurisdicção espiritual, só podem julgar de certos abusos que podem ter relação com quem o exerce, e a isso se chama recursos á corôa. O que decidiu, pois, Roma n’esta questão a que me estou referindo? Assim que ali tiveram conhecimento do negocio annullaram a segunda eleição, pela qual foi nomeado vigario capitular a pessoa insinuada pelo governo, e ordenou-se que se intimasse ao ministro competente que esta decisão se ia executar, e foi igualmente intimado o vigario capitular insinuado para não exercer a jurisdicção, e elle obedeceu, como não podia deixar de obedecer, porque não ha nenhum ecclesiastico que deva desobedecer ás prescripções do chefe da igreja.

A eleição do vigario capitular insinuado pelo governo ficou nulla, porque tinha sido feita debaixo de pressão. Se agora o vigario capitular de Bragança debaixo d’est’outra pressão desistir do seu direito, e o cabido eleger o insinuado pelo governo, esse acto é tambem nullo. E quando o governo de então castigou o cabido de Vizeu, e fez eleger pelos meios violentos o vigario capitular da sua escolha, essa eleição foi annullada e a prerogativa da corôa ficou affrontada,

O governo não tem meios nenhuns para fazer valer essa prerogativa, quando se der divergencia do cabido quanto á pessoa do insinuado.

Aqui está o que eu penso sobre a questão. Isto que digo não tem côr politica, não é d’este nem daquelle partido; isto são idéas minhas, de que s. exa. póde tomar nota e combater; se as notas que tomar não forem boas, eu torno a repetir. (Riso.)

A sua obra ha de caír, porque é obra de iniquidade, porque é obra contra direito.

Aqui está um homem que pertence á escola liberal, e que em pleno parlamento ousa proferir todas estas cousas; podem offender os ouvidos de s. exa., vão certamente de encontro aos seus actos, mas estão na minha consciencia, e tenho obrigação de lh’as dizer.

(Pausa.)

Já de outra vez que tomei a liberdade de aqui fallar, na sessão passada, sobre a questão dos julgados, eu vi que