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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 149

provou não conhecer, e que eu não resisto a ler á camara, por ser a resposta mais cabal ás arguições de s. exa.

Diz o artigo 30.° "O governo incumbirá opportunamente a uma commissão formada era cada comarca do respectivo delegado, recebedor e escrivão de fazenda do concelho sede daquelle, o exame da todos os documentos de cobrança existentes na respectiva recebedoria ainda não satisfeitos, com o fim de se apurarem aquelles que a fazenda nacional tenha direito e conveniencia de fazer executar immediata mente, dando parte ao governo do resultado- do seu trabalho.

"§ 2.° Cada uma destas commissões poderá ouvir os parochos, regedores e dois homens dos mais probos e conhecedores de cada uma das freguezias da respectiva area, quando o entenda necessario, lavrando-se o respectivo auto.

"§ 3.° Apresentado ao governo o respectivo relatorio, tomar-se-hão as providencias necessarias para a prompta execução dos referidos documentos.

"§ 4.° Sobre a importancia liquida que a fazenda receber em virtude das execuções assim intentadas, contar-se-ha; uma percentagem de 10 por cento, que será igualmente distribuida entre os funccionarios que fizerem parte da commissão, por virtude de cujo trabalho se intentou a respectiva execução."

Parecia-me, era vista de quanto acabo- de ler á camara, que não devia ter incorrido nas censuras do digno par, e que antes poderia esperar da sua benevolencia e justiça algumas phrases mais animadoras do que o foram aquellas que s. exa. me dirigiu, suppondo que eu permanecia sempre nas regiões da phantasia, viajando nas minhas lucubrações e estudos pelos paizes estrangeiros, e estranho ás necessidades praticas do meu paiz.

Creio haver respondido ao sr. visconde de Chancelleiros de modo a poder julgar justificado o meu procedimento e o do governo. Agora dirigir-me-hei especialmente ao sr. Visconde de Valbom, procurando combater os seus argumentos, e acompanhai-o na desenvolvida exposição financeira que s. exa. fez ante hontem perante esta camara. Más antes disso, pedirei a v. exa. e aos dignos pares que me relevem de uma culpa em que incorri na passada sessão.

Parece que eu atribuí falsamente a Catullo um verso que era de Ovidio, e que roubei por essa forma uma legitima gloria ao poeta sulmonense, ao elegante auctor dos Fastos, das Metamorphoses, das Elegias do Ponto, e de tantas outras composições que sempre foram e serão lidas como modelo de estylo, e de boa e formosa latinidade.

Privei assim, ainda que involuntariamente, esse poeta querido de todos os humanistas de uma gloria que lhe pertencia.

Para me justificar, ou antes para me desculpar, lembrarei á camara que, ao fazer a citação, logo indiquei que a fora buscar, não ás obras do poeta, mas sim ás paginas aliás brilhantes de um livro de Montalembert. Nas condições em que me encontro, não me seria facil distrahir-me de trabalhos mais graves, preferindo-lhes a leitura das poesias ligeiras de Catullo, e, ainda quando o podesse fazer, confesso-me tão fraco latinista que não seria para mim tarefa facil o interpreta-lo; mas conservando quando fallei, e ainda muito viva, a reminiscencia de algumas paginas de Montalembert que percorrera na véspera, e nas quaes encontrara, aquelle verso do poeta latino, não duvidei, firmado em auctoridade litteraria tão distincta, repetil-o, referindo-o ao poeta que era dado como seu auctor.

E perdoe-me v. exa., .sr. presidente, se de novo lhe fallo no conde de Montalembert. Sei que na opinião de alguem a leitura das suas obras só é propria para as consciencias timoratas como a minha, por exemplo; no entanto afigura-se-me, que esse homem assim tratado mais que sobranceiramente, não deixou de ser um espirito eminente, que tentou conciliar as crenças, que todos nós respeitámos como catholicos que somos, com um amor intenso pela liberdade. Era elle que, dirigindo-se, á Inglaterra, ácerca da qual escrevia o livro que eu por acaso passei pelos, olhos, invocara esse nobre paiz exprimindo-se assou: Salve potens libertate.

E como estamos em materia de citações, peço licença para ler mais uma, a qual encerra palavras que servirão sempre de consolação e bálsamo no meio das agruras inherente ao cargo que desempenho, inevitaveis para quem tem de se sentar nestas cadeiras. Diz Montalembert: "A publicidade inglesa nem é imposta, nem garantida ou sequer limitada pelas leis. Radicasse nos costumes; vive no espirito publico; é producto immediato de uma pratica prolongada da liberdade. Tornou-se necessidade primaria, o habito mais imperioso do paiz. Esperemos debalde que a justiça e a moderação presidam aos julgamentos proferidos pelo jornalista inglez; mas contae com a narração fiel e minuciosa dos factos que aprecia, e tende a certeza que a reproducção exacta das palavras ou dos, escriptos accusados figurarão sempre nas suas columnas ao lado dos seus artigos de fundo, restabelecidos por este modo os direitos da verdade."

Santas e eloquentes palavras! Oxalá que ellas se impozessem a todas as consciencias, e que por todos podessem ser observadas!

Sr. presidente, na minha curtissima carreira publica tenho-me visto obrigado, como já o disse em outra sessão, a entregar-me sempre a trabalhos e estudos, que teem como objectivo-o augmentodas receitas publicas por meio de novos encargos para o contribuinte. Tenho seguido esse caminho comsentimento natural e só. o amor que sinto pelo paiz me poderia levar a pôr de banda o explicável desejo de manter a popularidade, e a persistir no pedido de sacrificios que eu sinto tanto como os que mais sentem, ver-me na necessidade de impor, parecendo esquecer o interesse e sympathia, que inspiram sempre as classes populares.

De certo que me seria mais agradavel, se por acaso eu tivesse ambições, deixar-me guiar como homem novo pelo impulso natural, pelo desejo innato em todos nós de alliviar o mais possivel o povo dos tributos, em vez de tentar aggrava-los, procurando impor-lhe novos e pesados encargos.

Seria isso mais grato para todos, e para mim talvez motivo de gloria e origem de popularidade, mas por similhante forma não cumpriria o meu dever, não conseguiria modificar favoravelmente as condições embaraçosas do thesouro. Não me arrependo, pois, do que tenho feito no intuito de melhorar essas condições recorrendo ao imposto, a minha consciencia diz-me que tenho satisfeito aos deveres do meu cargo, e esta satisfação serve-me de lenitivo ás accusações injustas que por vezes me teem sido dirigidas, e que ainda hoje fui victima por modo para mim cruelissimo.

Não, sr. presidente, eu não venho aqui animado pelo desejo de espremer o povo; não venho, como ainda ha pouco li em um jornal, tirar-lhe a ultima gota do seu suor, como no lagar se tira a uva, espremendo-a sob o peso da vara, todo o sumo que ella póde dar; são injustos, são crueis os que falsamente me accusam de invocar exemplos estranhos para introduzir em Portugal systemas absurdos de uma fiscalisação vexatoria e condenável; nada disto faço. Outros são os meus intuitos. Diverso é o fim a que miro, e até cumpre-me declara-lo á camara - nem me falta, para me defender, a auctoridade e o voto de homens eminentes a quem consultei ácerca desse mesmo projecto que estamos discutindo, e do qual se disse aqui e na imprensa que tudo o condemnava, que tudo protestava contra elle, imaginando-se impossivel pô-lo em execução, negando-se-lhe toda a vantagem fiscal, para só se ver nelle um odioso, que devia reflectir sobre o ministro que ousara apresenta-lo.

Portanto, tranquillo na minha consciencia, embora sinta profundo desgosto abalar-me o animo, em frente da injustiça com que sou tratado, irei buscar ás palavras de Mon-