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N.º 20
SESSÃO DE 1 DE MARÇO DE 1880
Presidencia do exmo. Sr. Duque d'Avila e de Bolama
Secretarios - os dignos pares, Francisco Simões Margiochi, Conde da Ribeira Grande.
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - Não houve correspondencia. - Approvação do parecer n.° 26. - Discussão na generalidade do parecer n.° 23. - Considerações do digno par visconde de Chancelleiros. - Resposta do sr. ministro da fazenda (Barros Gomes).
As duas horas da tarde, sendo presentes 21 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não houve correspondencia.
(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda, e entrou durante a sessão o sr. ministro do reino.)
O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, e começaremos pelo parecer n.° 26.
ORDEM DO DIA
Parecer n.º 26
Senhores - Foi presente á vossa commissão de verificação de poderes a carta regia de 29 de janeiro de 1880, que elevou á dignidade de par do reino o conselheiro visconde de S. Januario.
O diploma de nomeação está passado em harmonia com os artigos 74.° § 1.° e 110.° da carta constitucional.
As certidões juntas, extrahidas dos archivos dos ministerios da marinha, reino é dos negocios estrangeiros, provam que o par nomeado desempenhou as commissões de ministro plenipotenciario, enviado extraordinario e governador geral das possessões ultramarinas por espaço superior a cinco annos, e de governador civil do districto do Funchal de 15 de janeiro, a 20 de outubro de 1862; de Braga, por transferencia, de 20 de outubro de 1862 a 26 de dezembro de 1864, e do Porto, tambem por transferencia, de 26 de dezembro de 1864 a 20 de maio de 1865, e novamente nomeado por decreto de 8 de setembro do mesmo anno, servindo até janeiro de 1868.
Não offerece duvida que estão verificados os requisitos ã que se refere o artigo 4.° do regulamento, e assim é á vossa commissão de parecer, em vista do artigo 6.° da lei de 3 de maio de 1878, que o par nomeado, o conselheiro visconde 4§ S. Januario, está comprehendido nas categorias fio artigo 4.° da lei do partido, devendo ser admittido a prestar juramento e a fazer parte da camara dos dignos pares do reino.
Sala das sessões da commissão de verificação de poderes da camara dos dignos pares do reino, em 25 de fevereiro de 1880 = Vicente Ferreira Novaes = Visconde de Alves de Sá = Barros e Sá = Conde de Castro = Conde de Rio Maior = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto, relator.
Carta regia
Visconde de S. Januario, Januario Correia de Almeida, do meu conselho, tenente coronel do estado maior, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario em missão extraordinaria. Amigo Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de governador geral de possessões ultramarinas, ministro plenipotenciario e governador civil, com exercicio de mais de dez annos nestes cargos, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino.
O que me pareceu participar-vos para vossa inteligência e devidos effeitos.
Escripta no paço da Ajuda, em 29 de janeiro de 1880.= EL-REI. = José Luciano de Castro.
Para o visconde de S. Januario, Januario Correia de Almeida, do meu conselho, tenente coronel do estado maior enviado extraordinario, e ministro plenipotenciario em missão extraordinaria.
Documentos
Senhor. - O visconde de S. Januario, precisando documentar o tempo de serviço que conta, pelo ministerio da marinha e ultramar, nos cargos de governador geral da provincia de Cabo Verde e do estado da Índia - Roga a Vossa Magestade haja por bem ordenar que se lhe passe ã competente certidão. - E. R. M.
Lisboa, 14 de fevereiro de 1880. = Visconde de S. Januario.
Passe do que constar não ha vendo, inconveniente.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 16 de fevereiro de 1880. = Francisco Costa, director geral.
Certifico, em virtude do despacho retro, que o visconde de S. Januario, como consta dos livros archivados n'esta secretaria d'estado, foi, por decreto de 11 de julho de 1860, nomeado provisoriamente para o cargo de governador geral de Cabo Verde, tomou posse em 8 de agosto do mesmo anno; foi exonerado por decreto de 26 de fevereiro de 1861, e entregou o governo em 23 de março seguinte, contando, portanto, sete mezes e quinze dias de serviço.
Outrosim consta que foi, por carta regia de 9 de fevereiro de 1870, nomeado governador geral do estado da India, tomou posse em 7 de maio do mesmo anno, foi exonerado por decreto de 10 de novembro de 1871, e entregou o governo em 12 de dezembro seguinte, contando, portanto, um anno, sete mezes e cinco dias de serviço.
Total do tempo que serviu - dois annos, dois mezes e vinte dias.
E para constar, fiz passar a presente certidão, que vae por mim assignada e sellada com o sello das armas reaes que serve nesta secretaria d'estado.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha se ultramar, em 17 de fevereiro de 1880. = Henrique Joaquim de Abranches Bizarro, chefe da 6.ª repartição.
Senhor.- O visconde de S. Januario precisando documentar o tempo de serviço que conta pelo ministerio dos negocios estrangeiros no cargo de enviado extraordinario e ministro plenipotenciario em missão ordinaria na China - Roga a Vossa Magestade haja por bem ordenar que se lhe passe a respectiva certidão - E. R. M.
Lisboa, 14 de fevereiro de 1880 = Visconde de S. Januario,
Passe não havendo inconveniente.
Lisboa, 16 de fevereiro de 1880 = Braamcamp.
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A requerimento do visconde de S. Januario e por despacho de s. exa. o ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, datado de 15 do fevereiro de 1880 se passou a seguinte certidão:
Emilio Achilles Monteverde, do conselho de Sua Magestade Fidelissima secretario geral do ministro dos negocios estrangeiros, etc., etc. Certifico que revendo os livros de registro deste ministerio, por elles consta que o visconde de S. Januario fora nomeado enviado extraordinario e ministro plenipotenciario de Sua Magestade Fidelissima junto de Sua Magestade o Imperador da China por carta regia de 18 de janeiro de 1872, sendo exonerado por decreto de 16 de setembro de 1875, contando assim tres annos, sete mezes e vinte e oito dias de serviço effectivo como enviado extraordinario e ministro plenipotenciario em missão ordinaria. E para constar onde convier se passou a presente certidão em virtude do despacho retro.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 17 de fevereiro de 1880.-Emilio Achilles Monteverde.
Senhor. - O visconde de S. Januario precisando documentar o tempo de serviço que conta peie ministerio dos negocios do reino, nos cargos de governador civil dos districtos do Funchal, de Braga e do Porto - Roga a Vossa Magestade haja por bem ordenar que se lhe passo a respectiva certidão.- E. R. M.
Lisboa, 14 de fevereiro de 1880. - Visconde de S. Januario.
Passe não havendo inconveniente.
Paço, em 16 de fevereiro de 1880.= Castro.
Em virtude do despacho retro, certifico que dos livros onde, nesta secretaria d'estado, se assentam as nomeações e exonerações dos magistrados administrativos, consta que pelo decreto de 15 do janeiro de 1862 foi o bacharel Januario Correia de Almeida nomeado governador civil do districto do Funchal; que deste cargo foi transferido por decreto de 20 de outubro do mesmo anno para governador civil do districto de Braga, e deste por decreto de 26 de dezembro de 1864 para governador civil do districto do Porto, cargo de que foi exonerado por decreto do 20 de maio de 1865, e para elle novamente nomeado por decreto de 8 de setembro desse mesmo anno, sendo exonerado por decreto de 7 de janeiro de 1868.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 16 de fevereiro de 1880.= Pelo director geral, Paulo de Azevedo Coelho de Campos.
Fez-se a chamada para a votação deste parecer.
O sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os dignos pares visconde de Bivar e conde de Avilez.
Procedeu-se á contagem das espheras.
O sr. Presidente: - Entraram na uma da approvação 53 espheras brancas, e na uma da contraprova 53 espheras pretas. Está, por consequencia, approvado o parecer n.º 26.
Continuámos agora com a discussão da generalidade do parecer n.° 23.
Tem a palavra o sr. ministro da fazenda, para continuar o seu discurso começado na sessão antecedente.
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Sr. presidente, como não vejo na sala o digno par a quem tenho mais especialmente de responder, não desejava usar já da palavra; entretanto, farei o que v. exa. julgar mais conveniente.
O sr. Presidente: - O sr. ministro tem o direito de prescindir agora da palavra, se assim lhe convem, e inscrever-se em outra qualquer occasião.
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - N'esse caso reservo-me para pedir a palavra quando estiver presente o sr. conde de Valbom.
O sr. Presidente: - Então tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros, que é o primeiro digno par na ordem da inscripcão.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Disse que para se apreciar devidamente o pensamento do projecto em discussão é necessario conhecer a genealogia de ideas da ordem dos factos de que elle deriva.
Expoz a camara o que se tem passado com referencia a questão do real da agua, desde que o sr. José de Mello Gouveia, sendo ministro, pediu ao parlamento auctorisação para rever a legislação sobre aquelle imposto, para estabelecer um novo systema de cobrança, e organisar o serviço de fiscalização, despendendo para esse fim 12 por cento da receita actual do mesmo imposto.
novo systema de cobrança, e organisar o serviço de fiscalisação, despendendo para esse fim 12 por cento da receita actual do mesmo imposto.
Que a essa proposta se seguiu a do sr. Antonio de Serpa, cujas disposições continham os mesmos principios, e que approvado pelo parlamento, se convertem na lei de 4 de maio de 1887.
Essa lei auctorisava o governo a crer barreiras e a cobrar o imposto da circulação.
Que de nenhuma dessas auctorisações só aproveitou o governo transacto, nem tão pouco o actual, que se limitou a publicar o regulamento de 29 de dezembro de 1879, cujas disposições elle (orador) analysou detidamente, provando que com ellas e com o pessoal da fiscalisação que o governo creava pelo mesmo regulamento, ficava a cobrança e a fiscalisação do real de agua em condições de por ellas se augmentar o rendimento daquelle imposto, tanto quanto se devia esperar e se havia calculado que ella augmentasse; nesta conjunctura o pedido da auctorisação para dar em alguns concelhos o imposto do real de agua de arrematação era absolutamente desnecessario.
Seria juntar um ensaio a outro ensaio, sobresaltar o paiz com o receio de ter de novo os antigos arrematantes de odiosa memoria, e indispor a opinião geral contra tal imposto.
Depois de largas considerações concluiu votando contra o projecto.
(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. entregar as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): -Sr. presidente, a camara não estranhará de certo que, debaixo da impressão que no meu animo produziram as palavras do sr. visconde de Chancelleiros, eu inverta a ordem do meu discurso, começando por me referir ao que s. exa. acaba de dizer, e reservando para mais tarde o responder ao sr. conde de Valbom.
O digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, seguindo o exemplo que já havia sido dado polo sr. Antonio de Serpa, limitou-se a tratar da questão que está realmente na tela do debate, e eu por minha parte procurarei tambem responder a s. exa. occupando-mo unica e exclusivamente do projecto, como fiz quando respondi ao sr. Serpa.
Mas, sr. presidente, com relação ao sr. conde de Valbom já não poderei proceder do mesmo modo, porque tendo s. exa., como aliás estava no direito de o fazer, apreciado o systema fazendario do governo, cumpre-me, pela força das circumstancias e no uso de uma legitima defeza, levantar algumas das asserções proferidas pelo digno par, e expor á camara as rasões que me determinaram a formular as propostas de fazenda, que tive a honra de apresentar na outra casa do parlamento.
O sr. visconde de Chancelleiros, não duvido confessa-lo francamente, discutiu o projecto de que nos estamos occupando, sob um ponto de vista novo e inteiramente diverso daquelle por que fora encarado até agora nesta e na outra camara.
S. exa. sustentou que este projecto não podia apreciar-se senão tendo á vista o regulamento de dezembro do anno passado, e perguntou ao governo se, em virtude da sua approvação, deixava de vigorar o regulamento para as localidades onde o imposto se arrematava; e fez mais, affirmou que, no caso do regulamento continuar em vigor, lhe parecia que muitas das disposições nelle contidas, quando exercidas pelos arrematantes, podiam levar o povo a levantar-se contra um tributo que representava um vexame
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inutil, e até certo ponto incompativel com as aspirações e modo de ver da nossa sociedade.
Respondendo ao digno par, direi que o regulamento do real de agua continuará em vigor mesmo depois da approvação deste projecto, e nas localidades onde o imposto se arrematar. Dos manifestos, quando os houver, continuar-se-ha a tomar a devida nota nas repartições de fazenda; a differença unica será que á fiscalisação, por vezes menos severa do estado, terá de substituir-se a fiscalisação mais immediata e zelosa do arrematante, e que a este não serão negados os meios coercivos de cobrança, quando e como as disposições do regulamento indicarem que lhe devem ser prestados.
E dito isto, acrescentarei que a organisação desse regulamento tão acrimoniosamente condemnado foi um dos assumptos que mais preoccupou o actual governo, logo que tomou conta da gerencia dos negocios publicos.
Quando nesta camara o digno par, o sr. marquez de Vallada, na occasião em que o ministerio se apresentava pela primeira vez ante os representantes do paiz, me perguntou o que o governo tencionava fazer da auctorisação concedida pela lei de 1878, levantei-me, e declarei, do modo mais terminante, que não usaria da auctorisação que essa lei conferia ao governo, na parte referente ao estabelecimento do imposto de circulação e á creação de barreiras, porque, tendo combatido essas disposições quando estavamos na opposição, não podiamos, sendo inalteraveis as nossas convicções, acceita-las como ministros; mas declarei tambem que o governo, reconhecendo a gravidade das circumstancias financeiras, não deixaria de lançar mão da outra auctorisação que se continha nessa lei, procurando por esse modo, e sem alterar as formas da cobrança, obter um rendimento que mais se approxime do que legitimamente deve esperar-se d'esta fonte de receita. Com esse intuito ordenei a elaboração do regulamento. A camara de certo comprehende que um trabalho desta ordem não podia nem devia ser feito de repente; foi elle, de facto, muito meditado, procurando-se evitar, quanto possivel, vexames inuteis na fiscalisação., mas não aboli-los em absoluto, excluindo qualquer, disposição um pouco mais rigorosa, porque um tal desideratum não o comporta a natureza deste imposto.
Em França, onde tantos são os meios de que se dispõe, para tornar efficaz a fiscalisação, onde existe desde muito a cobrança do imposto na circulação, foi e é ainda assim necessario conservar na lei disposições muito mais rigorosas do que as preceituadas em qualquer dos nossos regulamentos fiscaes.
Alem de que é bem sabido que entre nós os costumes modificam muito o rigor das leis, carecendo infelizmente o legislador de contar com esse elemento, visto que taes costumes não modificam de repente, e por simples desejo dos governos.
Julgava eu, porem, que- o estudo do regulamento, tal qual foi publicado, só podia fazer reconhecer quanto o governo tinha diligenciado suavisar o mais possivel as agruras e asperezas inseparáveis da fiscalisação deste imposto, prescindindo do que na lei de 1878 havia de mais vexatorio, mal imaginando eu por isso que hoje nos viessem accusar, como nos accusam, de havermos lançado mão de quantos vexames e oppressões a subtileza fiscal tem inventado para opprimir os contribuintes.
S. exa, o sr. visconde de Chancelleiros, referiu-se muito particularmente as multas estabelecidas para punir as transgressões regulamentares, e mostrou, sobretudo, preoccupar-se muito com o effeito das denuncias, que pareceu considerar como uma nova e odiosa invenção.
Mas, sr. presidente, antes da publicação do regulamento quasi que não havia differença entre transgressão e descaminho, porque a ambas se applicava uma pena demasiada e injustificavel - a da perda dós generos; julgava eu, portanto, que, fazendo o que fiz, isto é, acabando, com a pena da perda dos generos para as transgressões, e substituindo a por uma multa de 9$OOQ réis, aggravada na reincidência com 1$000 réis mais, tinha prestado um verdadeiro serviço aos contribuintes.
E a respeito da compaixão que a s. exa. inspiram antecipadamente as victimas dessas multas, direi ao digno par, que tanto se jacta de conhecer os habitos da vida campestre, que por minha parte tambem os conheço e sinto por elles entranhada predilecção; direi mesmo que nunca o animo, se me desaffoga tanto, ^nunca o meu espirito sé encontra tão despreoccupado, como entre esses laboriosos habitantes, do campo,- cujo viver modesto inspira tamanha sympathia, e que, pelo amor com que se entregam ao trabalho, desde o romper do dia até ao pôr do sol, nos dão a todos exemplo do dever que nos assiste de concorrermos, nas differentes espheras sociaes, com diligente lavor no sentido do bem commum, não nos limitando a satisfazer ás necessidades da vida, mas procurando melhorar sempre as condições geraes da communidade, cumprir com os deveres do cidadão, satisfazer aos santos encargos da familia.
Nestas condições, sr. presidente, não será de certo por mera satisfação ou injustificavel capricho, que eu irei lançar sobre o paiz um sem numero de empregados fiscaes, essas harpias que o digno par vê desde já pairar sobre as aldeias.
Não transformarei Portugal em um paiz de empregados fiscaes, como s. exa. pareceu receiar, nem o numero de nomeações que tenho de fazer é tão grande como õ digno par suppõe.
S. exa. concedia-me dois desses empregados por concelho, e eu asseguro-lhe que, por emquanto, não tenciono nomear mais de um. E verdade .que alguns concelhos ha para os quaes não é sufficiente um empregado, em consequencia da grandeza da sua area e numero consideravel dós seus habitantes; para esses e nomearei, mas só mais tarde, os que forem precisos.
Portanto, já vê o digno par a que modesta proporção fica desde logo reduzida essa nuvem de aves de rapina que á imaginação de s. exa. se afigurava como que esvoaçando sobre o paiz, e ameaçando o desgraçado contribuinte.
Resta referir-me aos horrores da denuncia, e emquanto a este ponto facil é a minha defeza. Não fiz eu mais" do que repetir no regulamento o que se achava consignado desde muitos annos nos nossos diversos regulamentos fiscaes. A denuncia utilisada como meio fiscal existe consignada, entre outros documentos officiaes, nos decretos de 1864, que dizem respeito ao serviço das alfandegas; por consequencia, e limitando-me a esta simples referencia, não creio que existindo a denuncia na nossa legislação fiscal ha tanto tempo, se possa acreditar que fosse eu quem a inventasse. Se imaginasse que poderia ser atacado neste ponto, teria trazido commigo diversos regulamentos, e poderia facilmente demonstrar ao digno par a verdade da minha affirmativa. Appello, porem, para o testemunho dos cavalheiros que se sentam nesta casa, e que já foram ministros da fazenda, para ã o sr. conde de Valbom, para o sr. Serpa Pimentel, para o sr. José de Mello Gouveia, e s. exas. poderão certificar se é ou não exacto o que estou asseverando.
Se a denuncia existe, pois, na nossa legislação, se é acceita nas alfandegas; se foi sempre reputado conveniente interessar no producto das multas e das tomadas o denunciante.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sei muito bem quaes são as penas impostas pelos nossos regulamentos fiscaes, e antes delles, pela ordenação mas do que eu tenho medo, é de tudo isso na mão - do arrematante. Livre-nos s. exa. do arrematante, que eu não faço caso do regular mento.
O Orador:- Mas, sr. presidente, antes da arrematação que proponho, existia já a avença com as camaras e com ella indirectamente o arrematante, e nessas condições passo
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sustentar que o regulamento que publiquei, e que s. exa. tanto condenou, representa ainda por esse [...] serviço feito ao contribuinte, porque suavisa as asperezas absurdas penalidades dos regulamentos anteriores.
E posto isto, cumpra-me assegurar mais uma vez ao digno par, que não penso de modo algum em acabar com a administração directa do estado na cobrança deste imposto; mas desde que se declara, como o fez o digno par o sr. Serpa Pimentel, que se póde tirar deste imposto, pelo systema de barreiras e de cobrança, na circulação, um remitido de mais 800:000$000 réis, e não desejando eu empregar aquelles; systemas, que não approvo, não posso nem devo deixar de empregar outros meios para obter aquelle mesmo resultado; e o meio indirecto por que espero consegui-lo, habilitando-me a apreciar a natural elasticidade do imposto, é precisamente a arrematação, que me parece aliás o menos vexatoria para o contribuinte.
Nos termos do projecto a arrematação só se faz por um tempo muito limitado, e quando podesse, que não pode trazer vexames para os povos encontraria promptamente o seu termo a applicação da lei. Mas, repito, supprimindo a cobrança nas barreiras, prescindindo do impo era opportuno e conveniente procurar outros meios para melhorar o rendimento do imposto, ensaiando o systema que propuz neste projecto, systema que estava em uso no paiz, a que os povos estão de longa data habituados, e que não julguei nunca que merecesse reparos tão ásperos e uma critica tão severa como a que tem provocado. Pela minha parte considerei-o sempre, continuo a te-lo como inocente, visto que desde muito estão estabelecidas as avenças pelas camaras sem que houvesse dahi resultado o menor vexame.
Ora, a ave aça não é outra cousa senão um meio de chegar indirectamente á arrematação. E que isto não assusta ninguem prova-o o facto que eu hontem tive occasião de citar á camara, isto é, que o sr. Fontes na proposta que apresentou em 1872 como que incitava as camaras a estabelecer avenças, realisando ellas a cobrança do imposto por conta do estado, e desde o momento que assim o fizessem lá estava iminente, como consequencia possivel, o arrematante.
Torno a dizer, nunca esperei que este meu pobre projecto, na redacção do qual segui por assim dizer aã pisadas dos meus antecessores, podesse dar margem á larga discussão a que tem estado sujeito.
O digno par, a quem eu prestei testemunho de ter tratado quasi exclusivamente da doutrina do projecto, teve, contudo, um ponto em que se afastou della, e foi quando asseverou que estes meus devaneios financeiros (não empregou esta expressão, mas foi este o seu pensamento) provocariam resistencia no paiz, sem produzir receita para o estado e que mais bem avisado andaria o governo diligenciando arrecadar as sommas que deixam de dar entrada no thesouro por culpa das auctoridades fiscaes, e em virtude de maus habitos contrahidos dos contribuintes. Não tratarei agora largamente dos alvitres, aliás muito judiciosos, e que tão grandes elogios mereceram ao digno par, apresentado sem tempo pelo sr. Mello Gouveia, com o fim de melhorar a arrecadação dos impostos, mas sempre direi ao digno par, que a idéa de melhorar as execuções fiscaes e de activar a cobrança dos impostos atrazados, idéa que o sr. Mello Gouveia traduziu na auctorisação pedida para reformar aquelle serviço, não esqueceu, nem pode esquecer ao actual governo.
N'este ponto parece-me até que não estarei em muito mau terreno para responder ao digno par, deixando porém, para mais tarde a demonstração do que acabo de avançar, direi antes ao digno par, que um dos meus primeiros actos ao entrar no ministério dos negócios da fazenda foi aproveitar a autorisação que o sr. Serpa tinha pedido para reforçar a fiscalisação externa, publicando no uso d'essa auctorisação um decreto organisando essa fiscalisação no interesse do paiz, e creando para isso as rondas volantes, as quaes têem até hoje dado bons resultados, tendo se feito repetidas apprehensões, como succedeu por exemplo, no districto de Villa Real, onde tiveram logar em numero superior a noventa.
Estes resultados considero-os de muito alcance, não tanto pelo valor dos objectos apprehendidos, porque não é grande, mas pelo effeito moral que produzem, e que de certo modo póde cohibir muito as tentativas da introducção de contrabando, o qual se estava verificando em muito larga escala.
Emquanto á estrada de circumvallação na cidade do Porto, outro alvitre lembrado pelo sr. Mello Gouveia, parece-me escusado dizer a camara que o considero uma medida de bastante alcance, mas careço de meios para a realisar. É uma obra que deve importar em quantia superior a 200:000$000 réis, por causa das expropriações, e é em frente da grandeza d'esta verba que têem recuado os meus antecessores.
Percorrendo os projectos do sr. Mello Gouveia, referiu-se s. exa., tambem a conveniencia de dispor de uma esquadrilha para a fiscalisação das costas do Algarve. Devo dizer em resposta que, nesta parte, o digno para não se mostrou bem informado. A questão achava-se resolvida pelo sr. Serpa. Essa esquadrilha existe hoje. Tenho as minhas ordens no ministerio da fazenda uma pequena armada de verdadeiros vasos de guerra, e classifico-os como taes, porque lhes não falta artilheria, e que são destinados a fazer o serviço das fiscalisações nas costas do Algarve e nas ilhas dos Açores e Madeira. Na minha proposta sobre as alfandegas, a que já me referi, e que está pendente na outra camara, procuro eu precisamente regularisar e legalisar a situação do pessoal empregado na esquadrilha, porque o sr. Serpa Pimentel, levado pela urgencia de realisar esse melhoramento no serviço fiscal, procedera sem auctorisação, limitando-se mais tarde a descrever a despeza correspondente no orçamento.
Era, pois, indispensavel regularisar um tal estado de cousas, e nesse sentido, come disse, formulei a minha proposta.
Veja assim a camara se uma questão resolvida desde muito pelo meu antecessor, poderia, porventura, como s. exa. agora parecia indicar, constituir mais um meio salvador, para ajudar a vencer as dificuldades financeiras de momento.
E voltando agora á questão de cobrança dos impostos em divida, direi que se o digno par tivesse tido ocasião e coragem para ler as propostas com que acompanhai o meu relatorio, encontraria entre ellas uma, largamente desenvolvida, pela qual procuro dar nova forma ao serviço das execuções fiscaes.
Na indicada proposta encontra-se uma serie de disposições que devem, a meu ver, activar extremamente a cobrança. Bem sei que contra a doutrina de passar as execuções para o judicial se levantam duvidas, até certo ponto plausiveis, por parte dos empregados fiscaes, no entanto se se attender a que a forma do processo se simplificou extraordinariamente com a promulgação do novo codigo, que todos os prasos se encurtaram, que o projecto do governo ainda os diminue mais, e realisa maior simplificação por uma serie de disposições estudadas por pessoas muito competentes, parece-me que nenhuma objecção acceitavel se poderá levantar para impedir que seja approvada aquella proposta, visto que, prostando na sua doutrina uma homenagem aos bons principios liberaes, aos administradores de concelho uma poderosa arma politica, deve permitir ao mesmo tempo que se consiga fazer entrar nas arcas do thesouro importantissimas sommas, que até agora iam avolumar o algarismo já bem avultado dos creditos passivos do estado.
Mas ha na proposta, sobretudo, uma disposição que s. exa.,
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provou não conhecer, e que eu não resisto a ler á camara, por ser a resposta mais cabal ás arguições de s. exa.
Diz o artigo 30.° "O governo incumbirá opportunamente a uma commissão formada era cada comarca do respectivo delegado, recebedor e escrivão de fazenda do concelho sede daquelle, o exame da todos os documentos de cobrança existentes na respectiva recebedoria ainda não satisfeitos, com o fim de se apurarem aquelles que a fazenda nacional tenha direito e conveniencia de fazer executar immediata mente, dando parte ao governo do resultado- do seu trabalho.
"§ 2.° Cada uma destas commissões poderá ouvir os parochos, regedores e dois homens dos mais probos e conhecedores de cada uma das freguezias da respectiva area, quando o entenda necessario, lavrando-se o respectivo auto.
"§ 3.° Apresentado ao governo o respectivo relatorio, tomar-se-hão as providencias necessarias para a prompta execução dos referidos documentos.
"§ 4.° Sobre a importancia liquida que a fazenda receber em virtude das execuções assim intentadas, contar-se-ha; uma percentagem de 10 por cento, que será igualmente distribuida entre os funccionarios que fizerem parte da commissão, por virtude de cujo trabalho se intentou a respectiva execução."
Parecia-me, era vista de quanto acabo- de ler á camara, que não devia ter incorrido nas censuras do digno par, e que antes poderia esperar da sua benevolencia e justiça algumas phrases mais animadoras do que o foram aquellas que s. exa. me dirigiu, suppondo que eu permanecia sempre nas regiões da phantasia, viajando nas minhas lucubrações e estudos pelos paizes estrangeiros, e estranho ás necessidades praticas do meu paiz.
Creio haver respondido ao sr. visconde de Chancelleiros de modo a poder julgar justificado o meu procedimento e o do governo. Agora dirigir-me-hei especialmente ao sr. Visconde de Valbom, procurando combater os seus argumentos, e acompanhai-o na desenvolvida exposição financeira que s. exa. fez ante hontem perante esta camara. Más antes disso, pedirei a v. exa. e aos dignos pares que me relevem de uma culpa em que incorri na passada sessão.
Parece que eu atribuí falsamente a Catullo um verso que era de Ovidio, e que roubei por essa forma uma legitima gloria ao poeta sulmonense, ao elegante auctor dos Fastos, das Metamorphoses, das Elegias do Ponto, e de tantas outras composições que sempre foram e serão lidas como modelo de estylo, e de boa e formosa latinidade.
Privei assim, ainda que involuntariamente, esse poeta querido de todos os humanistas de uma gloria que lhe pertencia.
Para me justificar, ou antes para me desculpar, lembrarei á camara que, ao fazer a citação, logo indiquei que a fora buscar, não ás obras do poeta, mas sim ás paginas aliás brilhantes de um livro de Montalembert. Nas condições em que me encontro, não me seria facil distrahir-me de trabalhos mais graves, preferindo-lhes a leitura das poesias ligeiras de Catullo, e, ainda quando o podesse fazer, confesso-me tão fraco latinista que não seria para mim tarefa facil o interpreta-lo; mas conservando quando fallei, e ainda muito viva, a reminiscencia de algumas paginas de Montalembert que percorrera na véspera, e nas quaes encontrara, aquelle verso do poeta latino, não duvidei, firmado em auctoridade litteraria tão distincta, repetil-o, referindo-o ao poeta que era dado como seu auctor.
E perdoe-me v. exa., .sr. presidente, se de novo lhe fallo no conde de Montalembert. Sei que na opinião de alguem a leitura das suas obras só é propria para as consciencias timoratas como a minha, por exemplo; no entanto afigura-se-me, que esse homem assim tratado mais que sobranceiramente, não deixou de ser um espirito eminente, que tentou conciliar as crenças, que todos nós respeitámos como catholicos que somos, com um amor intenso pela liberdade. Era elle que, dirigindo-se, á Inglaterra, ácerca da qual escrevia o livro que eu por acaso passei pelos, olhos, invocara esse nobre paiz exprimindo-se assou: Salve potens libertate.
E como estamos em materia de citações, peço licença para ler mais uma, a qual encerra palavras que servirão sempre de consolação e bálsamo no meio das agruras inherente ao cargo que desempenho, inevitaveis para quem tem de se sentar nestas cadeiras. Diz Montalembert: "A publicidade inglesa nem é imposta, nem garantida ou sequer limitada pelas leis. Radicasse nos costumes; vive no espirito publico; é producto immediato de uma pratica prolongada da liberdade. Tornou-se necessidade primaria, o habito mais imperioso do paiz. Esperemos debalde que a justiça e a moderação presidam aos julgamentos proferidos pelo jornalista inglez; mas contae com a narração fiel e minuciosa dos factos que aprecia, e tende a certeza que a reproducção exacta das palavras ou dos, escriptos accusados figurarão sempre nas suas columnas ao lado dos seus artigos de fundo, restabelecidos por este modo os direitos da verdade."
Santas e eloquentes palavras! Oxalá que ellas se impozessem a todas as consciencias, e que por todos podessem ser observadas!
Sr. presidente, na minha curtissima carreira publica tenho-me visto obrigado, como já o disse em outra sessão, a entregar-me sempre a trabalhos e estudos, que teem como objectivo-o augmentodas receitas publicas por meio de novos encargos para o contribuinte. Tenho seguido esse caminho comsentimento natural e só. o amor que sinto pelo paiz me poderia levar a pôr de banda o explicável desejo de manter a popularidade, e a persistir no pedido de sacrificios que eu sinto tanto como os que mais sentem, ver-me na necessidade de impor, parecendo esquecer o interesse e sympathia, que inspiram sempre as classes populares.
De certo que me seria mais agradavel, se por acaso eu tivesse ambições, deixar-me guiar como homem novo pelo impulso natural, pelo desejo innato em todos nós de alliviar o mais possivel o povo dos tributos, em vez de tentar aggrava-los, procurando impor-lhe novos e pesados encargos.
Seria isso mais grato para todos, e para mim talvez motivo de gloria e origem de popularidade, mas por similhante forma não cumpriria o meu dever, não conseguiria modificar favoravelmente as condições embaraçosas do thesouro. Não me arrependo, pois, do que tenho feito no intuito de melhorar essas condições recorrendo ao imposto, a minha consciencia diz-me que tenho satisfeito aos deveres do meu cargo, e esta satisfação serve-me de lenitivo ás accusações injustas que por vezes me teem sido dirigidas, e que ainda hoje fui victima por modo para mim cruelissimo.
Não, sr. presidente, eu não venho aqui animado pelo desejo de espremer o povo; não venho, como ainda ha pouco li em um jornal, tirar-lhe a ultima gota do seu suor, como no lagar se tira a uva, espremendo-a sob o peso da vara, todo o sumo que ella póde dar; são injustos, são crueis os que falsamente me accusam de invocar exemplos estranhos para introduzir em Portugal systemas absurdos de uma fiscalisação vexatoria e condenável; nada disto faço. Outros são os meus intuitos. Diverso é o fim a que miro, e até cumpre-me declara-lo á camara - nem me falta, para me defender, a auctoridade e o voto de homens eminentes a quem consultei ácerca desse mesmo projecto que estamos discutindo, e do qual se disse aqui e na imprensa que tudo o condemnava, que tudo protestava contra elle, imaginando-se impossivel pô-lo em execução, negando-se-lhe toda a vantagem fiscal, para só se ver nelle um odioso, que devia reflectir sobre o ministro que ousara apresenta-lo.
Portanto, tranquillo na minha consciencia, embora sinta profundo desgosto abalar-me o animo, em frente da injustiça com que sou tratado, irei buscar ás palavras de Mon-
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talembert, que só consciencias timoratas como a minha poderá apreciei, que só a espiritos acanhados como ao meu podem agradar, um bálsamo que suavise gratamente as amarguras que essas injustiças me podem causar, lamentando que a nobreza dessas palavras não seja comprehendida por muitos que diariamente se afastam do caminho da rectidão, que ellas traçam com tanta elequencia ao publicista e á imprensa.
O digno par, o sr. conde de Valbom, referindo-se ao systema fazendario do governo, e ás economias que apresentámos, taxou de relativamente insignificantes essas economias, em comparação das dificuldades com que o nosso thesouro lucta, e do problema difficil que nos cumpre resolver. Já notei que s. exa. não teve de corto occasião de ler o meu relatorio em todo o seu desenvolvimento, porque se o tivesse lido havia de ver que as economias que o governo propõe, ou tem já realisado, não são tão pouco consideraveis como pareceram ao digno par. Só pelo meu ministerio se apresenta uma diminuição de despezas superior a toda a importancia que s. exa. indicou como resultante das economias todas que fizemos.
Já tive ensejo de referir muitas e muitas dessas economias, e tornarei a apontar algumas, cujo valor o digne par dificilmente poderá negar: Regularisação das gratificações, reducção das quotas aos exactores de fazenda, diminuição dos emolumentos aos empregados de fazenda, creação proposta de uma caixa de aposentações, projectos de lei sobre o funccionalismo, sobre a reforma das alfandegas e dos correios e telegraphos, taes são entre outros os actos e as propostas do governo, que revelam o seu desejo inabalavel de diminuir quanto possivel as despezas publicas.
Mas quando na ultima sessão mencionei estas reducções de despeza, escapou-me involuntariamente fazer referencia ás que provem da severa e parcimoniosa administração do meu collega da guerra, que hoje, infelizmente, não está presente. Para julgar, porem, o que vale como economia a sua administração, bastará dizer á camara o seguinte: Conto em breves dias apresentar na outra casa do parlamento, seguindo a pratica dos ultimos annos, e no desempenho do meu dever, o orçamento rectificado.
Não será possivel deixar de descrever nesse orçamento diversas verbas de despeza, e de pedir nelle importantes ampliações de creditos a favor dos diversos ministerios, e muito em particular daquelle cuja gerencia está a meu cargo; porque, como v. exa. sabe, sr. presidente, os encargos da divida fluctuante teem sido sempre nos ultimos annos, e são no actual, muito superiores aos que se encontram descriptos no orçamento, onde se calcularam por um processo inexacto. Com os outros ministerios acontece tambem o mesmo, havendo muitos encargos a que é impossivel deixar de satisfazer, e que ou não vinham descriptos no orçamento, ou ali figuravam por cifra muito abaixo da real.
Sem entrar, por emquanto, na justificação dessas ampliações de creditos, limitar-me-hei a dizer que o unico ministerio, para o qual se não pede nenhum novo supprimento, é precisamente o ministerio da guerra; e como ministro da fazenda, não podia eu naturalmente deixar de sentir uma grande satisfação por este facto, lembrando-me a que proporções ainda no anno passado se tinha elevado a ampliação de creditos a favor desse ministerio.
Folgo, portanto, de ter esta occasião de reparar a omissão que commetti o outro dia, omissão que se poderia ter attribuido a injustiça da minha parte, dando agora testemunho de quanto o meu illustre collega, o sr. ministro da guerra, está possuido do pensamento que anima o governo todo, conseguindo, sem sacrificio algum das instituições militares, de cujo melhoramento elle é zeloso promotor, uma reducção effectiva nas despezas publicas de muitas centenas de contos de réis.
Estes factos demonstram, pois, mais uma vez que o digno par, o sr. conde de Valbom, não teve rasão em sustentar que o governo não tinha nem realisado, nem proposto já, importantes economias.
Não a teve tambem s. exa. quando criticou, como o fez, as propostas para a venda dos direitos prediaes do estado, e tambem para a alienação das matas; e comquanto eu hoje lesse em um jornal que, atrevendo-me a citar a opinião do meu irmão a tal respeito, o fizera por não ter a capacidade intellectual necessaria para lhe comprehender o pensamento, posso assegurar a quem escreveu esta apreciação, que comprehendi perfeitamente a opinião desse homem, aliás muito competente no assumpto, e que elle entenda que similhante venda se póde realisar sem inconveniente algum, e antes com vantagem administrativa e economica para o estado.
Sr. presidente, creio ter demonstrado que a argumentação do sr. conde de Valbom não conseguiu provar que o governo não tenha empregado todos os seus esforços para melhorar a situação financeira, reduzindo as despezas publicas, e propondo outros expedientes que as circumstancias completamente justificam.
Apesar, porem, de todas as diligencias que o governo empregou neste sentido, encontra-se elle ainda em frente de um grande déficit, e para o cobrir era forçoso recorrer embarga escala ao imposto,
É moda agora dizer-se que o meu systema é em muitos pontos retrogrado, e que só um desconhecimento completo das leis economicas explica o eu pretender sobrecarregar com direitos a exportação; como se na urgencia das circumstancias se não encontrasse justificação bastante para o meu procedimento, e eu não podesse para minha defeza ainda reportar-me a alguns das meus nobres antecessores. Para que eu seja julgado neste ponto com justiça, cumpre não esquecer, por exemplo, que em 1872, na presença do um déficit de 3.000:000$000 réis apenas, se declarava que de nenhuns outros recursos se poderia lançar mão para o debellar completamente, que não fossem o imposto de muagem, a contribuição de portas e j ancilas, a contribui cão do rendimento ou o imposto sobre o sal.
Ainda no anno passado se declarava, por parto do sr. Serpa, a impossibilidade de recorrer ao imposto indirecto ou de aggravar os de consumo, restando apenas o expediente de se elevar, como se fez, os direitos sobre o tabaco.
Em vista de taes circumstancias, confessadas por auctoridades tão eminentes, como póde alguem admirar-se que eu fosse buscar recursos aos direitos sobre o carvão, sobre o gado e sobre a cortiça?
E a respeito dos impostos sobre o gado e sobre a cortiça, impostos que primeiro foram lembrados pelo sr. Mello Gouveia, o qual considerou perigosa a situação financeira, e imaginou, como eu, que era necessario recorrer ao augmento de receitas tributando moderadamente a exportação; convem, comtudo, explicar que propondo aquelle ministro elevar, como eu hoje o proponho, de l$500 réis a 3$000 réis o direito que devo pagar cada cabeça de gado vaccum que se exportar, tinha em mente, não um expediente financeiro, mas sim a realisação de uma conveniencia administrativa, agricola e até politica.
Reconheceu o sr. Serpa Pimentel por um lado essa conveniencia; mas, habituado a considerar as cousas financeiras debaixo de aspecto mais agradavel, s. exa. entendeu que devia renovar a proposta do seu predecessor; e sem propor, comtudo, o augmento no direito de exportação, que devia compensar o desfalque para o thesouro proveniente da abolição dos direitos de importação e exportação pela raia.
Havia o sr. Mello Gouveia exposto, no relatorio que apresentou como ministro da fazenda, os muitos incommodos, os insuportáveis vexames, as despezas de fiscalisação que resultavam da manutenção dos impostos de importação e exportação sobre o gado, para os povos na raia, impostos que muitas vezes dão origem a rixas, ferimentos e mortes,
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e podem facilmente tomar o caracter de questão internacional, pelas explicações á que obrigam, entre o nosso governo e o do paiz vizinho.
Rasões eram estas de sobra para propor á abolição de taes direitos, que produzem para o estado uma receita de uns 20:000$000 réis.
Mais tarde, uma commissão nomeada pelo sr. Serpa, commissão que se occupou, com--muito conhecimento de causa, da reforma da nossa pauta novamente insistiu na suppressão dos impostos cobrados nas alfandegas da raia sobre o gado, conformando-se inteiramente, e accentuando ainda mais ás rasões expostas no seu relatorio pelo sr. Mello Gouveia.
Era, pois, a uma necessidade muito reconhecida que eu procurava obviar; era um beneficio economico e administrativo que eu tinha em mente; conseguia assim tornar livre a materia prima de uma das nossas industrias mais importantes, visto que o gado que se engorda vem de Hespanha, pela maior parte; mas como nas condições actuaes do thesouro se não póde prescindir de receita, entendi que devia procurar para a que perdia uma legitima compensação na exportação, e aqui está a rasão unica por que propuz, de accordo com ás idéas do sr. Mello Gouveia, o imposto sobre o gado exportado pélas alfandegas marítimas.
Quanto ao imposto sobre o carvão de pedra, que é uma das causas por que tenho sido mais accusado e alcunhado de retrogado, de desconhecedor das necessidades das nossas industrias, que pretendo aniquilar, não posso deixar tambem de contar á camara a historia curiosa da origem desta proposta, esperando encontrar nella o fundamento para a minha justificação.
A commissão a que ha pouco alludi, que fora encarregada pelo meu antecessor de elaborar uma nova pauta, e que procurou estudar minuciosamente a questão, procedendo a inqueritos e exames directos comquanto não estivesse auctorisada pelo governo a elaborar- uma reforma radical, porque o governo entendia que, tanto as nossas circumstancias financeiras como os attritos que uma tal reforma suscitaria, impediam que ella se fizesse em condições convenientes, propoz comtudo algumas modificações no sentido de isentar de direitos as materias primas, o sobretudo de diminuir um pouco a extraordinaria protecção de que continuam gosar os nossas productos industriaes; porem, dessa mesma modestíssima reforma resultava um desfalque importante de receita para o thesouro.
Para o compensar propunha a commissão um augmento do imposto sobre o tabaco, e a creação de um imposto novo sobre o carvão.
Sem levar por diante a reforma pautai, aproveitou o sr. Serpa o primeiro como simples expediente financeiro, e eu por minha parte vi-me forçado a lançar não do segundo.
Do estudo consciencioso a que a commissão procedeu, e dos importantes esclarecimentos que se contém no seu relatorio, resultou-me a convicção de que poderia propor com vantagem, e sem inconveniente algum, o imposto sobre o carvão de pedra.
Não deixei para isso de ter em consideração o que na nossa vizinha Hespanha se fazia, por isso que ali tambem existe o imposto sobre esta materia prima, quasi tão elevado como o que eu propunha, sem receio de com isso afastar á navegação, mesmo porque o carvão destinado a ser reexportado poderia ficar em deposito, assegurados os direitos por fiança, que se levantaria quando provada á reexportação.
Foi a necessidade que temos de augmentar á receita que me levou, assim firmado em tão boas auctoridades, a tributar aquelle artigo, do qual eu via que a nação vizinha tirava para o seu thesouro uma receita de perto de 350:000$000 réis.
Se ali não existisse tal imposto, eu tambem não commetteria o erro de o vir propor, com o perigo de que a navegação se retirasse dos nossos portos, procurando os daquelle paiz.
Mas para ter completa certeza a tal respeito, expedi um telegramma ao nosso representante em Madrid, o sr, conde do Casal Ribeiro, cavalheiro cuja auctoridade ninguem recusará nesta camara, pedindo-lhe esclarecimentos ácerca da forma por que este imposto sobre o carvão ali era regulado.
S. exa. respondeu-me de prompto pelo telegrapho, e mais tarde pelo correio, em uma. extensa e muito interessante nota, que tenho presente neste momento, e na qual se historiam as phases successivas por que tem passado o imposto sobre, o carvão em Hespanha, desde o seu estabelecimento em 1832.
Augmentado successivamente até attingir, em 1862, 10, 55 pesetas, baixado pela notavel reforma aduaneira do tempo do sr. Figueirola, em 1869, a 1,75 pesetas, ás urgencias do thesouro determinaram em 1877 á duplicação do imposto, que ficou assim fixado em 2,5 pesetas, ou 450 réis por tonelada métrica.
Apesar do augmento na tarifa, a importação não soffreu diminuição alguma.
O anno de maior importação, anteriormente a 1877, havia sido precisamente o de 1876. Subir a importação a 659:538 toneladas. Ora em 1877, duplicado o direito, elevado, como dissemos, a 450 réis, a importação foi apesar disso, de 764:461 toneladas, e em 1878 não desceu de 761:557 toneladas.
E não se imagine, repito, que o carvão de mado para uso da navegação esteja excluido do imposto; prova-o este telegramma de Madrid, no qual se lê o seguinte:
"Todo o carvão importado paga direito estabelecido sem distincção de destino, a consumo de embarcações a vapor ou outro qualquer. Única excepção o destinatário a exploração de caminhos de ferro, quando as companhias gosarem isenção por contratos anteriores."
Poderão sustentar-se á vista disto as accusações principaes dirigidas contra o imposto sobre o carvão, ainda mesmo admittido que se sujeitasse a elle o carvão destinado ao uso das embarcações?
Resta a questão da cortiça. Firmei-me, para propor um imposto sobre a exportação deste genero, que figura nas nossas estatisticas de exportação por um valor por vezes superior a 1.000:000$000 réis, na necessidade de augmentar a receita, e na muita auctoridade do meu illustre antecessor que primeiro teve a idéa de [...] butar este genero. Não duvido, porém; reconhecer hoje que o direito proposto de 100 reis por 15 kilogrammas me parece elevado, é a esse respeito o governo deseja ouvir os interessados, e deseja que as associações commerciaes e as outras corporações representem e exponham as suas rasões no sentido que entenderem mais conveniente, elucidando o governo com elementos de estatistica commercial, para que o imposto seja o mais equitativo possivel para os contribuintes, e não vá arriscar um ramo de commercio e de industria tão importante para a nação.
N'este sentido não duvido affirmar que os projectos do governo serão modificados no seio das respectivas commissões, a fim de que, attendidas quanto possivel as reclamações justas, se possa conseguir o principal intento do governo, e que é, sr. presidente, como por vezes o tenho affirmado, o approximarmo-nos sensivelmente do equilibrio da receita com a despeza, partindo para isso dá convicção? de que com os actuaes tributos só por si era difícil conseguir o augmento de que se carecia.
O imposto sobre 6 bacalhau, pôr exemplo, está já elevado a perto de 40 por cento do valor do genero, subindo o direito a 34,5 réis por kilograma; e, nestas circumstancias, sé encontram quasi todos os generos de grande consumo, tributados pela pauta, e muitos dos quaes são de primeira necessidade.
Comquanto não sejam muito do agrado do digno par ás
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citações que tenho feito do que se passa na Allemanha, não posse deixar de notar que o bacalhau paga ali apenas 6,75 réis por kilogramas.
Se continuando neste exame eu for aos cereaes? o que encontro? O trigo entre nós paga 700 réis por cada 100 kilogramas, emquanto que na Allemanha, nessa Allemanha que tão desdenhada foi pelo digno par com relação á sua administração, paga apenas 225 réis. O milho, que em Portugal paga, 600 réis do direitos de entrada, paga na Allemanha 115 réis.
Estes algarismos são eloquentes, no entanto eu reconheço que esta questão dos cereaes, para que todos olham na actualidade, é altamente importante, e carece ser estudada muito cuidadosamente, antes de se propor qualquer providencia que altere a legislação vigente, porque della póde resultar por um lado o aggravamento da crise por que está passando a nossa agricultura, e por outro a difficuldade de introducção do elemento primordial de toda a alimentação publica.
Mas não é só nos cereaes ou no bacalhau que ha uma tão grande differença entre os direitos que se pagam em Portugal e os que são exigidos na Allemanha; essa differença, dá-se tambem com relação a outros generos de consume. A manteiga, que entre nós paga 150 réis por kilograma, paga ali 45 réis; o chá, cujo direito em Portugal é de 650 réis, tem naquelle paiz o de 225 réis; e onde é que na pauta, chamada proteccionista, daquelle imperio se encontram direitos protectores para os tecidos de lã, que cheguem, como entre nós, a 41 e a 90 por cento, ou sobre os tecidos de algodão subindo a 29 e 56 por cento do valor dos mesmos tecidos?
N'estas condições parece-me que dificilmente poderemos tirar maiores recursos das nossas pautas, e quasi que se póde affirmar que o imposto neste ponto está esgotado.
Não quero dizer com isso que o paiz não esteja uns condições necessarias para poder occorrer ás nossas difficuldades financeiras; mas a verdade é que, procurando nos differentes recursos tributarios aquelles em que poderia achar; com menor inconveniente auxílios para, pelo menos, attenuar o déficit, encontrei um campo muito restricto, e vi-me por fim obrigado a lançar mão, sem ter por ellas enthusiasmo, dos recursos que estão consignados nas propostas que tive a honra de apresentar na outra casa do parlamento.
Peiores que os impostos que proponho são-o por certo a grandeza do nosso déficit e a importancia consideravel da nossa divida; e foi, preocupado com esta convicção, que eu tanto desejei fazer ver ao paiz a situação pouco lisonjeira em que nos achamos, descrevendo-a tal qual realmente ella se apresenta. Não a descrevi com cores de phantasia; procure desenhai-a com as suas proprias.
Não sei se mereço o epitheto de Zurbaran das finanças, com que alguem já me mimoseou. Ainda assim antes Zurbaran, que no meio do horror da nudez das suas figuras ascéticas conservava animado o sopro do ideal, cio que pintor realista, que afeasse o existente, sem ver alem delle a esperança e a salvação.
Seja como for, o que é certo é que não carreguei mais a situação, do que em outras occasiões, aliás menos desfavoraveis, o tem feito espiritos menos propensos á melancolia,
Não careço outros documentos mais para o provar do que um discurso do digno par o sr. conde de Valbom, Tenho tal consideração pelo talento e conhecimentos de s. exa., que folgo sempre que encontro occasião de me defender com as opiniões sustentadas por s. exa.
Em março de 1872, com circumstancias financeiras bem mais favoraveis, discutia-se na outra camara a proposta do imposto de consumo apresentada pelo sr. Fontes. O sr. conde de Valbom combatia então, com o maior vigor, a creação das barreiras, como hoje combate a cobrança por arrematação. Zurbaran das finanças, s. exa. dizia, porem, nessa epocha:
"Devemos encarar a situação tal qual ella é. É facto que temos melhorado, iras tambem é facto que temos um deficit [...] persistente, e que tem sido impossivel debelar. Porem, agora supponho que é de vez que se quer aniquilar, e nesta parte felicito muito o governo por arcar frente a frente com este pretinaz inimigo da fazenda publica.
"Eu, desde que se apresentou aqui o ministerio, tomando a palavra, declarei ao governo qual era o meu pensamento a este respeito. E creio que o illustre ministro da fazenda estará lembrado de eu dizer - nós não devemos já empregar palliativos nem expedientes para atacar a questão de fazenda, e, na sessão proxima hei de tomar conta ao governo, se elle não apresentar um systema completo para resolver as nossas difficuldades financeiras, e acabar por uma vez com o deficit."
E s. exa., acrescentava, note o bem a camara:
"Estamos aqui a discutir quaes são os melhores impostos, se os directos, se os indirectos, quaes os mais vantajosos, e quaes os mias inconvenientes. Para mim, o peior de todos os impostos é o deficit.
"Se as nossas receitas fossem crescendo successivamente em relação as despezas, se houvesse probabilidade de que com o tempo desapparececce o deficit, isso era bom, era uma esperança risonha, mas infelizmente vejo que não podemos ter essa esperança. O deficit cada vez que aggrava mais, as circunstancias peioram, porque os encargos vão crescendo successivamente sobre a fazenda publica para ocorrer a este deficit. Portanto, é necessario acabar com elle, é urgente faze-lo. E oxalá que se tivesse feito ha mais tempo"
Extinguir o deficit parece muito, mas s. exa., não limitava ahi as suas aspirações, dizia logo em seguida:
"Mas digo mais, que não só é necessário acabar com o deficit, mas é necessario obter um saldo positivo, um excesso de receita, que podesse applicar-se a amortisação da nossa divida. É indispensavel isto".
E insistindo na necessidade d'essa amortisação, affirmava que "as necessidades do nosso orçamento nasciam, em grande parte, da excessiva verba de que precisamos para fazer frente aos encargos da divida. Temos no orçamento uma verba, cifra redonda, de 10.000:00$000 réis para satisfazer aos encargos da nossa divida fundada e fluctuante."
Nesse ponto não estão hoje as cousas mais favoraveis, visto ser o encargo correspondente de 14.000:000$000 réis approximadamente.
"Orçamento onde o total da despeza ordinaria effectiva é de 20.000:000$000 réis, e onde os encargos da divida representam metade d'essa despeza, é um orçamento demasiadamente onerada com encargos d'esta ordem."
Ora aqui têem, pois, v. exa., e a camara como naquella epocha o sr. Conde de Valbom apreciava a situação financeira, e como aquelle digno para poderia com justiça ser equiparado, como eu, a um Zurbaran dos mais sombrios, e que nos seus quadros, inspirados por um sombrio ascetismo, mais terror podia inspirar a quem os contemplasse.
Diga-se, em abono da verdade, que nem sempre s. exa., assim foi, e que por vezes tem julgado opportuno, como agora figurar entre os nossos financeiros mais risonhos, entre aquelles que procuram e sabem extrahir das suas palhetas os meios tons mais suaves, os cambiantes mais delicados, as transições mais harmoniosas, as tintas menos carregadas, por forma a tornarem amenos, agradáveis a vista os quadros desenhados nos seus discursos e relatorios.
Tenho presente neste momento um livro muito curioso intitulado Confissões dos ministros de, Portugal; escreveu-o um distincto empregado do tribunal de contas, a quem pessoalmente não tenho o gosto de conhecer.
Diz elle no começo do seu livro:
"Este livro não é echo de paixões, nem fructo de idéas politicas. Ou não tem partido ou é de todos, Não absolve
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nem condemna, porque não julga, expõe. Não desenrola o passado para o affrontar; o passado é experiencia, ensinamento e conselho. Tem isto de respeitavel os erros alheios; é quasi sempre delles que nascera os nossos acertos."
E mais adiante acrescenta:
"Vem a congresso os ministros, são elles que faliam; é a governação em peso, desde 1832, que declara o que sentiu, o que fez e o que esperou. Se a recepção que lhes preparámos não é explendida, é franca sem rasgar côrtezia. Ao menos não os espera aqui nem a detracção, nem a lisonja, as duas maiores inimigas de todos os governos."
Estas poucas palavras explicam ò pensamento, e a structura do livro.
O seu auctor quasi se limitou a transcrever - trabalho ingrato e muito fastidioso - certos periodos dos relatorios dos differentes ministros da fazenda - o que talvez, a respeito do meu, tenha de ser feito, em identicas circumstancias, por algum futuro histooriador da nossa administração financeira, compendiando e agrupando o que nelle dizia respeito a economia, déficit, imposto, credito, contabilidade, orçamento, funccionalismo, etc.; e oppondo muitas vezes á poesia das promessas e dos relatorios, a realidade amarga dos factos e dos desenganos.
Aproveitemos, pois, deste livro o que elle nos ensina com respeito a uma épocha em que o sr. conde de Valbom era ministro da fazenda, e em que julgava mais conveniente ser o Zurbaran, mas sim o Ruysdeel das finanças; esboçando-nos as paizagens mais agradáveis, emoldurando-as em arvoredos frondosos, com horisontes límpidos e indefinidos, arranhados por uma meia luz suave e encantadora. S. exa., no seu orçamento de 1865-1866, avaliava a receita em 17.[...]293 réis, e a despeza era descripta na importancia de 20.961:480$403 réis.
O deficit orçamental determinado pela comparação dos dois algarismos era, pois de 3.666:517$110 réis.
Deve confessar-se que não era pequeno, mas ainda assim que differença entre esta previsão financeira e a mais triste realidade dos factos!
Como v. exa. sabe, sr. presidente, o andamento tão moroso que entre nós tem tido os trabalhos de contabilidade dos diverso ministerios, e os do tribunal de contas, torna impossivel fazer de prompto a apreciação exacta e rigorosa dos actos de uma gerencia financeira, e quando a final chega esse momento de apreciação, já se está tão afastado das gerencias a que os relatorios do tribunal dizem respeito, que nenhuma responsabilidade real resulta para os governos do facto da liquidação dar um resultado essencialmente deficiente do que havia sido calculado para essas mesmas gerencias.
N'estes termos só passados muitos annos é que póde reconhecer-se que a receita orçada de 17.294:963$293 réis - correspondeu a effectiva de 14.814:971$543 réis; que á despeza orçada em 20.961:480$403 réis, correspondeu a despeza real de 21.544:949$963 réis; e que, portanto, o déficit longe de ser, como se annunciara, de 3.666:517$110 réis, subira real e efectivamente á enorme quantia de réis 6.729:978$420.
Aqui temos! pois, um orçamento em que a poesia financeira do sr. conde de Valbom subia, a ponto de calcular por metade o déficit real que existiu.
E apesar disso, como se fosse pequena esta prova da sua imaginação, acrescenta o auctor do livro para fazer ver que elle ia mais alem:
"E como era lisonjeiro o relatorio que precedia estes dois orçamentos! Que esperanças no augmento das receitas."
Teria ou não teria eu pois rasão quando dei a s. exa., o nome de Ruydeel das nossas finanças?
Seria ou não com fundado motivo que eu felicitei o paiz por possuir um ministro que na sciencia fazendaria pode pôr-se a par de mestre tão distincto na arte da pintura?
Ora, por tal forma, tambem eu, poderia muito facilmente ter apresentado um quadro risonho da situação do thesouro, ajudando assim, na opinião do sr. conde de Valbom, mas de modo algum na minha, a levantar ainda mais o preço dos fundos publicos.
Declaro, porem, novamente a v. exa. que no meu logar, dadas as circumstancias presentes, com uma responsabilidade tamanha, e a nós, governo, cumpria-nos dizer a verdade inteira e expor a situação tal qual a encontramos.
Foi muito intencionalmente que lancei mão de meias tintas, e se tracei um quadro desagradavel é porque infelizmente não o podia traçar de outra forma, sob pena de virem os factos desmentir-me mais depressa, do que os de 1865-1866- vieram desmentir tão solemnemente as previsões do digno par.
Insisto n'este ponto, porque não foi pelo simples desejo de phantasiar dificuldades, como intuito pueril de mais tarde as debellar, que eu descrevi o nosso estado financeiro debaixo do ponto de vista que os dignos pares acham menos conveniente, pela influencia que suppõe possa vir a ter sobre o credito publico, mas sim movido unicamente por um sentimento de amor ao meu paiz que me aconselhava a expor-lhe com inteira confiança nos seus recursos, no sentimento viril que o não abandona da sua dignidade, a situação me que encontrei as finanças do estado.
Assim, procedi, e d'isso é a, melhor prova esse meu relatorio, onde parto de um facto incontestavel, que o desequilibrio que achei na gerencia de 1878-1879, a qual fechou com um déficit consideravel de 5.476:659$128 réis, deficit que não attingiu maiores dimensões, pela circumstancia extraordinaria, da antecipação proveniente da lei de 31 de março de 1879.
E esse déficit irá fatalmente crescendo de anno para anno se não nos apressarmos a tomar providencias efficazes que o possam pelo menos attenuar emqunato não é possivel debella-lo inteiramente.
Posso enganar-me, posso estar em erro na apreciação que faço, e se assim for, se dahi resultar mal para o paiz, como póde resultar, dada essa hypotese, terei nisso um pezar immenso; creia, porem, a camara; creiam os que me escutam, que, procedendo como procedi, parti de uma convicção profunda, e não tinha outro desejo senão de bem servir o paiz, desejo tão intimo e tão sincero que nelle encontro animo para arrostar com todas as injustiças, e para ler diariamente, ouvir com sangue frio as accusações de que estou sendo alvo.
É se eu quizesse proseguir no systema das illusões, não me faltavam, de certo, exemplos para imitar.
A camara não ignora que ainda em junho do anno passado me vi obrigado a apresentar uma proposta de lei para legalisar despezas feitas pelos differentes ministerios, sem auctorisação legal, na importancia de 2.952:686$113 réis.
Aqui está uma verba de despeza que tambem não figurava no orçamento respectivo, e que pela sua ausencia d'elle dava logar a uma attenuação no desequilibrio d'esse documento, triste attenuação era porém essa, e muito pouca perspicácia se imagina nos que interessam na manutenção do nosso credito, se se suppõe possivel satisfaze-los com taes artificios.
Declaro a camara que eu poderia ter por meu lado, sem desdizer das praticas seguidas na secretaria do ministerio da fazenda, apresentado o orçamento com uma reducção no deficit talvez de mil contos de reis, e bastar-me-ia, em parte, para isso ter seguido rigorosamente as disposições do regulamento de contabilidade, ou os processos invariavelmente seguidos desde muitos annos, mesmo quando abrigasse a convicção de que por tal forma eu avolumaria inexactamente as receitas publicas, ou diminuiria sem verdade a despeza do estado.
Por exemplo, os encargos da divida fluctuante descreviam-se todos os annos indo buscar ao dia 30 de setembro a cifra que representava essa divida, a qual não posso muito bem saber, porque devia servir de base, pela applicação da percentagem media do juro, para se calcular a importancia
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d'esses encargos que deviam figurar no orçamento do futuro anno economico.
Desattendia-se assim absolutamente o crescimento da divida fluctuante durante nove mezes do anno economico corrente, e os encargos do déficit do anno economico para o qual se estabelecia o orçamento.
Não quiz seguir este processo, que me parecia e parece insustentavel, procurei orçar com verdade o capitulo correspondente do orçamento do meu ministerio, e dahi me proveiu em grande parte, comparado esse capitulo com o correspondente do orçamento anterior, um augmento de mais de 700:000$000 réis; que, observada a tradição, e postos modestamente de banda, não teriam feito com que o déficit se avolumasse tanto.
Basta para isso notar que havendo, em virtude do emprestimo com o Comptoir d'Escompte, a divida fluctuante baixado em 30 de setembro ultimo a 9.684:500$000 réis, e sendo o encargo medio do juro 5,32 por cento, bastar-me-ia ter descripto no orçamento para encargo desta somma 515:000$000 réis, pedindo eu como peço 987:000$000 réis, só por essa forma attenuaria facilmente o déficit em 472:000$000 réis.
Podia tambem, seguindo sempre as mesmos praxes, e sem sair fora das prescripções do regulamento geral de contabilidade, ter descripto no orçamento a receita proveniente do imposto de cereaes por mais 400:000$000 réis do que o fiz.
Somente estas duas verbas me dariam, pois, o meio de attenuar apparentemente o déficit na importancia consideravel de perto de 1.000:000$000 réis; beneficiando, no sentir dos dignos pares, o credito do paiz.
Todavia, se assim procedesse, onde ficaria o meu proposito de nada praticar contra a verdade, e de a dizer inteira ao meu paiz?
Nós temos tido, como a camara sabe, uma lamentável deficiencia na colheita dos cereaes.
Tem-se importado grande quantidade de trigo, milho e outros cereaes americanos, e no ultimo anno economico a importação delles foi de perto de 7.000:000$000 réis, tendo pago de direitos a elevada somma de 1.022:000$000 réis.
Foi um facto similhante que deu origem áquelle engano que houve no orçamento de 1865-1866, a que ha pouco me referi quanto ás receitas orçadas; deram-se então como no anno passado causas anormaes que avolumaram extraordinariamente a receita; foram essas causas a transformação radical por que passou o imposto sobre o tabaco em 1864; e alem disso as consequencias de uma terrivel calamidade, a invasão do oidium, que, trazendo de facto um empobrecimento para o paiz, determinou, pelo despacho consideravel de aguardente importada de paizes estrangeiros, um acrescimo de muitos centos de contos de réis na receita aduaneira.
Ora, como disse, os direitos cobrados em 1878-1879, com relação aos cereaes, foram 1.022:000$000 réis.
Haviam sido, em 1876-1877, 390:000$000 réis, e em 1877-1878, 415:000$000 réis.
Bastaria assim seguir á letra o regulamento de contabilidade, visto que se tratava de um rendimento variável e crescente, para se ver que eu me justificaria, acceitando o rendimento do ultimo anno, e não como o fiz descrevendo esta receita em 609:000$000 réis, porque julguei que só tomando a media me approximaria da verdade.
Juntando, pois, estes 400:000$000 réis a mais por um lado, com perto de 500:000$000 réis a menos nos encargos da divida fluctuante, ahi teria eu, como disse, a maneira de fazer diminuir o déficit em perto de 1.000:000$000 réis; verdade é que se por um lado tornava mais risonha a situação financeira, por outro pressupponho que se renovaria para o anno a mesma calamidade do anno findo, e que teriamos a lamentar de novo uma colheita deficientissima.
Sr. Presidente, disse ha pouco que folgava sempre que tinha occasião para aproveitar os trabalhos do digno par, e um d'elles, e muito importante pela excellente doutrina que encerra, é o parecer sobre o orçamento para 1876-1877 apresentado por s. exa. a esta camara, parecer a que já tive occasião de me referir. S. exa. considerava nesse documento de grande conveniencia que se fixasse a divida fluctuante. Pois eu este anno tentei fazer isso, e só por esse facto, quando outras rasões não tivesse, me via obrigado a sobrecarregar o orçamento com o calculo da importancia provavel dos seus encargos, visto que voluntariamente me restringia á faculdade, até agora illimitada, de levantar dinheiro para occorrer ás despesas correntes, orçamentaes e extra-orçamentaes, legaes e não auctorisadas.
Tive occasião de dizer na sessão passada, que não era contrario ás obras publicas, e que o meu illustre collega, o sr. Saraiva de Carvalho, não podia encontrar em mim resistencia na acceitação de melhoramentos de ordem publica, nos quaes todos os que conhecem a situação do paiz vêem com rasão um dos elementos mais importantes para" reorganisar a nossa fazenda; mas acrescentei logo, que tudo tinha uma conta, e que me parecia alludindo, por exemplo, ao caminho de ferro do Minho e Douro, que elle nos tinha trazido um encargo gravoso, porque havendo-se levantado a somma de 16.000:000$000 réis nominaes, para esse caminho, essa somma nos estava custando um encargo de 1.000:000$000 réis annuaes, e que sendo a importancia das receitas que se obtinham pela exploração das duas linhas de 730:000$000 réis, deduzindo 330:000$000 réis de despeza, ficavam 400:000$000 réis líquidos para o thesouro.
Nestas condições a importancia a descoberto dos encargos da somma levantada para a construcção era de réis 600:000$000, ou mais de 2:180$000 réis por kilometro, o que é um grande encargo para o thesouro.
Ora eu bem sei que me respondem, que isto não pode deixar de ser assim, porque não só póde deixar de ter caminhos de ferro, e que menos rendem as estradas por exemplo; mas, repito, tudo tem uma conta. E quando eu vejo que o meu collega das obras publicas tem a fortuna de obter a construcção d'um caminho de ferro da extensão do da Pampilhosa á Figueira, sem que o estado despenda com essa construcção cousa alguma, não posso deixar de congratular-me altamente com áquelle meu collega por tão grande vantagem, que assim nos proporciona a acquisição de um tão importante melhoramento.
Não chega, porem, o meu optimismo e a minha confiança illimitada no meu collega até o ponto de supor que se darão sempre circumstancias identicas, e que sempre serão aproveitadas com a mesma habilidade; nem todos os caminhos de ferro serão gratuitos por certo. Aproveitando, comtudo, a occasião direi, sem pretender accentuar mais o elogio do sr. Saraiva de Carvalho, porque s. exa. não carece delle, que não é só nesse caso que o meu ilustrado collega tem sido muito feliz com relação a caminhos de ferro. Para a construcção do caminho de ferro de Torres Vedras já s. exa. tem uma proposta, que naturalmente apresentará hoje no parlamento, e que, adoptada por elle, e sanccionada por lei, o maximo dos encargos que nos trará pela construcção de 180 kilometros de caminhos de ferros, não será excedente a 700$000 réis.
Ora, se por um lado vemos caminhos de ferro que nos custam na peior hypotese, quase impossivel de verificar-se, 700$000 réis de encargos annuaes; e por outro, um que nos custa 2:180$000 réis, não posso deixar de optar pelos primeiros, mesmo porque os encargos do caminho de ferro do Minho e Douro hão de diminuir ao passo que for augmentado o trafico, o mesmo acontecerá com o de Torres Vedras.
Eis aqui tem, pois, v. exa., em que se cifra o meu obscurantismo no que diz respeito a obras publicas.
Sr. Presidente, o systema fazendario do governo foi criticado por s. exa., o sr. Conde de Valbom, e s. exa., como
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homem d'estado que é, oppoz systema a systema, e nos indicou a maneira por que elle entende que a questão de fazenda deveria ser resolvida, apontando-nos para o seu livro sobre administração. Eu estimo que s. exa. me proporcionasse esta occasião de o felicitar como auctor de uma publicação tão importante.
Os problemas delicados de administração publica e de economia social ahi se encontram largamente desenvolvidos, e é innegavel a proficiencia que s. exa. demonstra em assumptos por sua natureza difficeis, e sobre que variam tanto as opiniões.
Mas ainda ha mais, sr. presidente. Se eu folgo de prestar homenagem ao merecimento de s. exa., folgo tambem de reconhecer a sua coherencia, porque vejo que as doutrinas sustentadas por s. exa, na publicação a. que alludo, affirmadas de novo no seu discurso já citado de 1872, haviam de ser, segundo hontem o deu a entender á camara, as que s. exa. poria em pratica quando se sentasse nas cadeiras do poder.
Mas, sr. presidente, se nós quizessemos deixar para as localidades o recurso dos impostos directos, e reservar para o estado os impostos de consumo, como s. exa. propõe, parece-me que esse systema, que, importava uma transformação radical, não havia de conquistar as sympathias, e que a sua execução encontraria pelo contrario graves difficuldades; mesmo porque o imposto geral de consumo, pela maneira por que s. exa. o propõe, e com os vexames e difficuldades todas de fiscalisação que lhe são inherentes, e que existem em França, necessariamente haveria de provocar grandissima opposição da parte dos contribuintes que, o diga a historia das leis e propostas de 1867, 1872, 1873 e 1878, datas que convem ter presentes quando se trate de resolver praticamente estas questões.
O problema de melhorar a administração publica pelo recurso ao municipio, problema tão bem defendido por um estadista illustrado como o sr. conde de Valbom, não é, diga-se a verdade, um assumpto novo. Não me relevaria a camara de certo se, ostentando neste momento uma erudição descabida, eu pretendesse descrever, ainda que a largos traços, a historia do municipio. Começando por, um simples agrupamento economico, que as circumstancias da vida social espontaneamente originaram, transformado mais tarde, durante a idade media, em um elemento politico, em uma como molécula da grande corporação chamada o estado, o elemento municipal foi, com a successiva centralisação dos poderes publicos, perdendo essa força politica, soffrendo novas transformações, e afeiçoando-se ás necessidades da epocha que o impellem a conservar, a par do seu primitivo e inseparável caracter, de agrupamento economico, o de orgão cada vez mais importante da administração geral, pelas funcções que nelle vae delegando successivamente o poder central.
É assim que se estabelece, o self-government, que na sua expressão mais ampla consiste, no dizer de, um abalisado publicista "na totalidade das funcções que ao estado compete desempenhar, emquanto susceptiveis de serem limitadas e cirçumscriptas á localidade".
Transformado assim o municipio, claro está que a fazenda municipal necessariamente ha de soffrer tambem uma alteração radical. Não se tratando já de custear os serviços puramente locaes, mas tambem de satisfazer aos que teem um caracter geral, os impostos municipais deverão, pela força das circumstancias, approximar-se das formulas dos impostos geraes.
Mas o governo não é inteiramente estranho a esse systema nem desconhece essa consequencia necessaria do self-government; de que elle é. partidario; e se s. exa. tivesse examinado a reforma administrativa do sr; Luciano de Castro, que na verdade não é mais do que uma modificação do trabalho apresentado pelo sr. Antonio Rodrigues Sampaio, o digno par teria visto que aquelle meu collega, tratando da fazenda municipal, modifica o trabalho do seu antecessor, de modo muito essencial, restringindo, como s. exa. mostra deseja-lo, o numero dos generos sobre os quaes poderá recair o, imposto municipal, e regulando os termos da imposição concelhia por forma a approxima-la dos tributos geraes e a facilitar e simplificar a sua arrecadação é cobrança.
Quanto, ao que S. exa. expoz- com- relação ao pequeno partido tirado por emquanto das contribuições directas, não me parece que estejamos, por nosso lado, muito fora da sua opinião. O Que o governo não pôde é fazer as cousas de repente, carece de tempo para realisar reformas e melhoramentos pelos quaes muito se empenha mas, sr. Presidente no que eu não posso concordar o que muito me admirou ouvir dizer a- s. exa, defendendo as suas doutrinas governativas, foi que os impostos indirectos, entre nós, representavam uma pequena cifra do nosso orçamento, quando, comparado com as cifras correspondentes em outros paizes. O que vejo eu em França, por exemplo? Vejo o seguinte:
"O orçamento francez para 1875 dá como rendimento das alfandegas e do monopolio do sal 147.000:000 francos; das contribuições indirectas, do tabaco e de pólvora, 610.000:000; o que perfaz uma totalidade de 757.000:000 francos.
"No mesmo orçamento descreve-se- a importancia das contribuições directas em 328,000:000 francos, e as do registo e sello em 460.000:000, o que perfaz a somma de 788.000:000, superior á das contribuições indirectas."
O sr. Conde de Valbom: - Eu referi-me aos impostos indirectos internos, e não aos externos, cobrados nas alfandegas.
O Orador: - Acceito a rectificação de s. exa. e modificarei a minha argumentação de accordo com ella.
Mas, perguntarei eu a s. exa. o que são os impostos nas alfandegas? São um imposto do consumo, e nós nas condições em que nos encontramos, dadas as taxas da nossa pauta, não só com referencia ao bacalhau, que citei ha pouco, mas muitos outros artigos, não podemos nem devemos esquecer aparatar de impostos do consumo, que ao passo que dos impostos directos apenas tiramos réis 6.121:000$000, e de sello e registro 2.260:000$000 réis, o que perfaz uma totalidade de 8.381:000$000 réis apenas, obtemos pelos impostos indirectos 1.420:000$000 réis, e em taes Circumstancias não me parece muito possivel que possamos alcançar ainda subsidios muito consideraveis dos impostos de consumo.
E quer s. exa. saber o que acontece na Itália? Eu vou mostrar á camara. Ali o imposto predial rende 182.900:000 francos, o imposto, sobre o rendimento 182.700:000, sello e registro 136.200:000, o que perfaz- uma totalidade de 501.800:000 francos. O imposto de moagem rende francos 83.500:000, ás alfandegas apenas 108;000:000, o octroi 68.000:000, os monopolios 172:000:000; a loteria, finalmente, 69.000:000, o que rende, sommado tudo, 500.000:000 francos, isto é; tanto como ás contribuições directas.
Sr. presidente, eu não desejo por forma alguma ficar ainda com a palavra, nem cansar a camara ainda com muitas leituras; que ás vezes se tornam fastidiosas,- e menos ainda quero abusar da sua benevolencia para commigo que eu tanto, agradeço.
Não posso deixar, comtudo, de levantar certas accusações que se têem feito contra o imposto sobre o rendimento, accusações que de todo o ponto me parecem infundadas: eu, sr. presidente, cumpre não o esquecer, vi-me forçado a procurar uma nova fonte de receita, como já antes se vira obrigado a fazel-o o sr. Fontes quando quiz estabelecer o imposto do sal, ou ainda o sr. Serpa quando imaginou possivel aclimar em Portugal o imposto de circulação; e referindo-me a este facto, não pretendo censurar ninguem, faço plena justiça ás intenções de s. exas, que procuravam por essa forma um meio de melhorar as nossas finanças e que luctaram, como eu lucto com as difficulda-
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des de encontrar nova materia tributaria era um paiz onde ella é escassa, e se acha já largamente explorada.
Eu poderia ter recorrido ao sal, come ainda agora me está sendo aconselhado pela associação commercial do Lisboa, a quem parece merecer muita sympathia esto imposto, e que não duvidou por isso indicar-mo em substituição dos que mais directamente podiam ir ferir o lucro dos capitães, não digo que em absoluto me recusasse a tributar o sal; não entendo, porem, que as circumstancias em que nos achamos justifiquem desde já a adopção d'aquelle imposto.
Em 1872 o sr. Fontes, procurando fundamentar a sua proposta, sustentou, como eu já tive occasião de dizer, em primeiro logar, que era indispensavel crear uma contribuição nova; em segundo logar, que percorrendo para esse fim os diversos orçamentos da Europa, muito poucas eram as formas de imposição, que não encontrasse já em pratica no nosso paiz, e que dentre essas poucas nenhuma, a não ser a do sal, achava acceitavel, e deu em seguida as rasões que tinha para pensar assim. O imposto sobre as portas e janellas equivale a tributar o ar e a luz; o imposto das moagens, o mais odioso dos impostos do consumo, ia aggravar consideravelmente as classes pobres, tornando mais caro um dos elementos mais necessarios á vida. Só nas circumstancias da Itália se poderia justificar a sua creação.
Referindo-se ao imposto de renda, condemnava-o s. exa., porque dava logar a investigações odiosas, ou obrigava os contribuintes a declarações necessariamente menos exactas aã grande maioria dos casos.
Rejeitando, pois, o imposto sobre o rendimento, escudado para isso nas auctoridades de Thiers e Stuart Mill, e na sua propria, só lhe ficava o imposto sobre o sal.
Ora, achando me em um campo igualmente restricto, repugnando-me, como a s. exa., o imposto sobre as portas e janellas, a moagem, e pela mesma rasão que a moagem o imposto sobre o sal, que alem disso não poderá implantar se em 1872, e que caíra perante uma revolução em 1846 entendi, que sendo indispensavel crear novas fontes de receita para arcar com os graves embaraços da nossa situação financeira, só me restava recorrer ao imposto sobre o rendimento, que não é um imposto inteiramente novo para Portugal; no qual eu insisto em não ver os vexames e o odioso, que se pretende lançar sobre elle, e que me parece ter a vantagem de constituir o primeiro passo dado no sentido de uma racional e inadiável transformação do nosso systema tributário.
Quando digo que o imposto sobre o rendimento não é cousa inteiramente nova entre nós, não pretendo referir-me a uma epocha muito distante; alludo, sim, ás tentativas feitas em nossos dias no sentido de mais ou menos manifestamente o estabelecer.
O meu prezado amigo e collega, o sr. Braamcamp, na proposta que apresentou, quando ministro da fazenda, em 1870, transformando o imposto pessoal, estabelecia uma especie de imposto sobre o rendimento, substituindo para esse fim a percentagem complementar na renda das casas, por uma taxa unica pessoal, e determinando annualmente nas côrtes os contingentes districtaes, que seriam divididos pelos concelhos, devendo a derrama nas freguezias ser realisada por commissões especiaes, que tinham como missão proporcionar ao rendimento de cada um a fracção do contingente parochial que lhe cumpria pagar.
Isto era uma especie de imposto sobre o rendimento que presuppunha a avaliação deste, e o sr. Braamcamp podo dar testemunho de que tal foi o seu pensamento, pensamento apoiado pelo partido regenerador, que então sustentava o governo, visto não estar ainda rota a fusão.
O imposto sobre o rendimento, como eu o proponho, e nas circumstancias actuaes da nossa civilisação, não póde ser um imposto vexatorio e inquisitorial, como se tem querido fazer sentir.
O proprio ar. conde de Valbom dá-me rasão no que eu digo, e abona os processos de lançamento a que me soccorro, quando sustenta no seu livro sobre administração publica, e a proposito de contribuição predial e das derramas parochiaes, o seguinte:
"Como conseguirão, porém, as localidades explorar esta mesma contribuição, sem encontrar as mesmas dificuldades? Pelo methodo que já indicámos, entregando ás commissões locaes o lançamento e repartição do augmento do imposto directo, não pela, base da matriz, mas pelo conhecimento especial anote bem a camara" que têem da circumstancias e haveres de cada um dos seus vizinhos. Os povos já seguem este methodo. Nos mappas das derramas, lançadas pelas juntas de parochia, nos tres annos de 1868, 1869 e 1870, observa-se que as juntas não estabelecem percentagem sobre as contribuições directas pagas ao estado, mas calculam a respectiva parte segundo o conhecimento que teem dos haveres e rendimentos de cada um, nalgumas freguezias declaram que foi por accordo entre os parochianos.
"Por este modo - acrescenta s. exa. e esta declaração é para mim importantissima-os addicionaes, em vez de aggravarem as desigualdades das matrizes, tendem a corrigi-1as."
Esta ordem de idéas parece-me que têem inteira applicação á contribuição solve o rendimento, e constituo amais cabal justificação, porque assenta em factos práticos, mencionados por uma auctoridade insuspeita, dos methodos que proponho para o seu lançamento, methodos que tem sido alvo de uma critica pouco benévola.
E nesta occasião não posso deixar de levantar uma phrase proferida pelo digno par, quando pareceu condemnar a administração allemã, dizendo que ella se inspirava no despotismo feudal, e se ressentia, e muito, do militarismo prussiano.
Permitta-me s. exa. que lhe diga, que esta apreciação não a reputo justa, e parece-me resultar de um absoluto desconhecimento de factos. Podia apresentar muitos argumentos proprios para demonstrar que a administração allemã pode servir em muitos pontos de modelo as nações mais liberaes.
A lei prussiana sobre o imposto do rendimento não isenta, como o digno par affirmou, as familias principescas. Ao ouvir o digno par discerer sobre essa lei, dir-se-ia que o principe de Bismarck, por exemplo, que a fez modificar, se utilisava de uma similhante disposição, e que aquelle illustre homem de estado, no meio dos esplendores da sua residencia de Varzim, se conservava isento do pagamento do imposto sobre o rendimento.
O que é verdade, porem, é que o principe de Bismarck, como qualquer simples mortal, está sujeito a esse imposto, e que a referida lei só isenta a familia real e a casa de Hohenzollern, por ser parente da familia real, o em virtude dos tratados pelos quaes cedeu á Prussia a soberania sobre o principado, rasões estas bem conhecidas de v. exa., sr. presidente, e de nós todos, porque tivemos a formma de ter em Portugal, na qualidade de esposa de um dor nossos monarchas mais queridos, uma princeza dessa casa, princeza cujas altas virtudes são recordadas pelos portuguezes com a mais profunda saudade. No coração de todos nós conserva-se ainda hoje bem viva a lembrança da caridade inexcedivel dessa senhora, da sua bondado e natural candura, do seu espirito serio e reflectido, de tantas virtudes emfim e de tão eminentes qualidades, que fizeram e fazem deplorar a sua perda prematura.
Por consequencia, na lei allemã não existem as isenções que o digno par imaginou, e nesse ponto o espirito feudal não vae mais longe do que entre nós. Nem principes, nem duques, nem pessoas da qualidade alguma, alem das que mencionei, estão isentas naquelle paiz da contribuição sobre o rendimento.
A Prussia não é, portanto, a meu ver, merecedora das severas apreciações que della fez o sr. conde de Valbom; e s. exa. nem sempre foi tão rigoroso a seu respeito, che-
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gando a citar com louvor as reformas administrativas, muito liberaes e descentralisadoras, ultimamente realisadas naquelle paiz.
O sr. Conde de Valbom: - Eu referi-me só ao systema financeiro.
O Orador: - Pois o systema financeiro da Prussia em que peze a s. exa. tem dado resultados admiráveis. Os seus orçamentos tem apresentado quasi sempre a equilibrio da receita com a despeza, e só ultimamente, por circumstancias muito extraordinarias, em virtude de armamentos, que são a consequencia da situação politica da Europa, é que appareceu um déficit a que os estadistas daquelle paiz pretendem quanto antes pôr termo. E a boa administração financeira da Prussia vem de longe.
Deram-lhe base de granito as largas, profundas e liberaes providencias, que hão de para sempre immortalisar um dos nomes mais illustres, um dos estadistas mais benemeritos, um dos patriotas mais generosos que a historia do nosso seculo aponta para exemplo dos vindouros.
Refiro-me, inutil é dize-lo, ao barão Stein, que no meio de uma gravissima crise, luctando com difficuldades de ordem a mais elevada, vendo o seu paiz retalhado, dividido, ao meio pela, espada de Napoleão, conseguiu dar alento ao seu soberano, animar os seus compatriotas; com a esperança, como elle dizia, de duplicar as forças moraes, intellectuaes e physicas da Prussia, dando a cada um dos seus habitantes duplo valor pela maravilha da educação.
Mas deixemos essa questão, que veiu. por incidente, e com a qual não posso, nem devo tomar mais tempo á camara.
Tratando-se de implantar uma contribuição nova entre nós, é natural ver e estudar como ella tem sido introduzida noutros paizes, e por isso me referi á Prussia, cuja legislação sobre o assumpto me parecera, como o digno par affirmou, a mais propria para seguir no meu trabalho de adaptação.
Na Prussia são os conselhos municipaes, auctoridades filhas da eleição, que procedem ao trabalho da averiguação do rendimento de cada um; não existem, portanto, para esse fim os agentes fiscaes que o digno par descreveu, revelando, perdoe-me s. exa. que diga mais uma vez, desconhecimento completo da lei que criticara.
Mas. sem insistir mais na maneira porque funcciona na Prussia a contribuição- sobre o rendimento, e sem fallar tambem de outros paizes allemães onde ella funcciona, que estão a par daquelle modelo de administração financeira, chamarei agora a attenção da camara sobre uma nação que está, nas condições da nossa, e para a qual não podemos deixar de olhar, quando pretendemos levar a effeito uma reforma tributaria, porque esse paiz, tendo atravessado crises angustiosas, conseguiu melhorar a situação da sua fazenda, e chegar ao estado relativamente desafogado em que se, encontra na actualidade,
A camara já ha de ter comprehendido que me refiro á Itália.
Tratava-se ali de substituir aos systemas tributarios, os mais diversos em vigor nas differentes regiões daquelle bello paiz, um systema inteiramente novo: tinha-se conquistado a unidade politica, queria-se tambem alcançar a unidade tributaria.
Dizia o sr. Sella em 1862:
"Para se conseguir o fim que actualmente, e com bem fortes motivos, tanto preoccupa a attenção do governo e a opinião publica, isto é, para se alcançar, o equilibrio entre a receita e a despeza do estado, um imposto sobre o rendimento era, de todos os meios a que se podia recorrer com probabilidades de exito, aquelle que mais promptamente se offerecia, o que parecia merecer a preferencia,
"O imposto sobre o rendimento procede lógica e claramente: afasta-se dos antigos processos pouco seguros, não procura a materia tributável independentemente do individuo, não pretende proteger industrias, riem favorecer certas classes em detrimento de outras; mas fundando directamente os seus cálculos na cifra real da riqueza, em vez de procurar por tentativas indicações muitas vezes fallazes, estabelece claramente e com precisão o problema financeiro: dada uma determinada despeza collectiva, pede a cada cidadão a sua parte, não já com a cega lei da capitação, mas na proporção do rendimento annual que cada um possue, quer dizer segundo o unico titulo pelo qual o cidadão póde reconhecer-se obrigado a concorrer para a despeza annual feita em beneficio commum. Póde dizer-se que o imposto sobre o rendimento é a. inauguração da verdade no imposto."
E mais adiante no seu relatorio, depois de exaltar um systema de imposição que, embora imperfeito na sua origem, tinha implícitas condições de uma illimitada perfectibilidade; acrescentava aquelle illustradissimo ministro, aquelle financeiro notavel, aquelle homem que na historia politica do seu paiz desempenhou é desempenha um papel tão importante:
"Tudo isto, porem, não me teria feito decidir pela sua adopção, da maneira geral por que hoje o faço, se não tivesse encontrado nas actas do parlamento e nos archivos do ministerio uma abundante colheita de documentos, que manifestavam os largos estudos já feitos na Itália sobre tão momentoso assumpto, por homens a quem a elevação de pensamentos, a pratica dos negocios e os sentimentos do mais acrisolado patriotismo, davam o peso de uma auctoridade indiscutível: É com effeito, sem remontar ao, tempo em que o elevado criterio do illustre conde de Cavour e a prudencia dos legisladores modernos oscilavam ante a idéa da adopção de um tributo que, durante as commoções politicas dá França, caíra fatalmente nas mãos de uma escola cujas theorias sociaes tinham assombrado o mundo europeu, e ameaçado até o sacrossanto direito da propriedade devo lembrar á camara os estudos feitos recentemente sobre tão importante ponto, pelas distinctas1, notabilidades financeiras que ocupam as cadeiras da actual legislatura. "Citarei, em primeiro legar, o bem elaborado relatorio com que o digno e douto advogado Pacini dou conta dos pareceres de uma commissão especial do conselho d'estado de então. Pouco depois viu a luz um segundo projecto, em que o meu illustre antecessor entregava este estudo a uma commissão de que faziam parte os mais conspicuos nomes, que pelos seus conhecimentos economicos, quer pela larga pratica dos negocios publicos. É, finalmente, um terceiro e importantissimo trabalho saiu do seio, desta mesma commissão relatado por um dos primeiros e mais activos defensores do imposto sobre o rendimento, o nosso estimável collega, o illustre deputado Broglio, que manifestou claramente pleno conhecimento da questão na maneira por que no seu trabalho a these foi desenvolvida até nas suas mais minuciosas particularidades.
"Portanto se a difficuldade pratica da execução não se achasse completamente vencida em paizes das mais variadas condições, desde a Turquia á Gran-Bretanha, desde a Áustria até ás Republicas americanas, eu não poderia, senão cedendo a preconceitos que tomo a liberdade de chamar vulgares, suppo-lo insolúvel, quando tal não viram as maiores auctoridades financeiras do nosso paiz."
Creio que a Itália não estará eivada desse terrivel cancro de feudalismo e do militarismo a que o sr. Conde de Valbom alludiu. Ora este systema de contribuição é perfeitamente similhante, nos processos do seu lançamento por commissões municipaes, e em muitos outros pontos essenciaes, ao que eu proponho que se estabeleça entre nós.
As questões do limite de isenção, e a da diversificação dos rendimentos, a imposição nos juros da divida publica, foram ali largamente debatidas, e tiveram solução diversa da que propunha o ministro.
"Apresentava-se uma questão de ordem geral nesta materia de isenção: o limite do imposto, isto é, apresentavam-se a questão se entre as diversas isenções se devia ou nao
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estabelecer uma que fosse absoluta em rasão da quantidade de rendimento. Isto implica o modo de distribuição do imposto.
"Propriamente fallando, a proposta ministerial não estabelecia isenção alguma por motivo de algarismo de rendimento; porem, queria-se nella moderar a taxa por forma que isentasse aquelles que a auctoridade municipal declarasse indigentes, e que a uma pequena taxa fixa ficasse sujeito aquelle que possuísse rendimentos inferiores a uma determinada quantia, e ainda que uma taxa gradual entre a fixa e a resultante da repartição do contingente fosse applicavel aquelles cujos rendimentos estivessem comprehendidos entre 300 e 500 libras; algarismo este ultimo alem do qual devia principiar a applicação da percentagem normal."
Mais tarde a commissão entendeu modificar a proposta estabelecendo um limite de isenção, e eu tambem desde já declaro que não me aflijo por suppor que as commissões de fazenda, desta e da outra casa do parlamento, com a sua illustração e profundo conhecimento dos negocios, queiram modificar nalguns pontos a proposta que apresentei sobre o imposto de rendimento, ou qualquer outra, respeitando, todavia, o pensamento primordial dessas propostas, e sobretudo assegurando a receita que ellas deviam produzir para o thesouro.
Mas, como eu dizia, na Itália estabeleceu-se um limite de isenção que não existia na proposta primitiva do sr. Sella, fizeram-se outras alterações importantissimas na contribuição que ella estabelecia; mas, no que tinha de essencial o plano do ministro, vingou, e deu em resultado para o thesouro uma receita que hoje sobe a 182.700:000 francos, igual á que naquelle paiz resulta da contribuição predial, que é de 182.900:000 francos.
Equivale aquella receita a 1$170 réis por habitante, o que, proporcionalmente á nossa população, daria para cima de 5.500:000$000 réis, ou mais 4.000:000$000 réis do que o nosso imposto industrial, bancário, decima de juros, etc., que, reunidos, perfazem apenas uns l.5OO:000$000 réis.
É, pois, com justiça que o auctor do relatorio donde extráhio estes trechos, relatorio que eu mandei traduzir e que farei distribuir pelo parlamento como documento importante para esclarecer a questão, dizia, dirigindo-se ao ministro: "V. exa. póde gloriar-se de ter dotado o seu paiz com uma reforma financeira das mais fecundas e importantes que nelle se tem estabelecido".
Mas o que aconteceu entre nós? O que se passou em Portugal em 1642? O que foram esses regimentos da decima, que abrangiam nas suas disposições, para os tributar, todos os rendimentos, incluindo os que provinham dos titulos da divida publica, que ficavam tambem sujeitos á contribuição geral? Como poderá dizer-se impossivel de estabelecer hoje entre nós uma contribuição similhante, quando é certo que, ha mais de dois seculos, ella se radicou em Portugal, consignando-se na lei, que estabeleceu os processos mais perfeitos para o seu lançamento, as prescripções mais admiravelmente combinadas para se apurar o rendimento liquido de cada um, conforme a sua diversa proveniência, com um tal grau de verdade que provoca ainda hoje a admiração, e que me leva a confessar que nada vi mais bem organisado na moderna legislação de outros paizes, nem me parece que se encontre demonstração mais eloquente de como seja possivel e realizável o implantar entre nós uma contribuição como a que proponho, e a que ligo um grande alcance, qualificando-a, sem receio, como a qualificou um vulto notavel da politica portugueza, um homem illustre que tem logar n'esta casa, mas que actualmente se conserva fora de Portugal, em serviço do seu paiz.
Por consequencia, em vista de taes precedentes de casa e estranhos, não me parece que a proposta estabelecendo o imposto de renda, proposta que tive a honra de apresentar ao parlamento, possa ser condemnada em absoluto com a facilidade e menosprezo com que não duvidou condena-la o digno par a quem respondo.
Entretanto não me demorara: mais nesta occasião em a defender, porque não se trata agora da sua discussão. A hora está a dar, e não desejo, estando com a palavra, findar as minhas reflexões, sem que uma vez mais deixe de levantar por parte do governo um solemne protesto contra a peroração do discurso do sr. conde de Valbom.
Sr. presidente, o ministerio não rasgou o seu programma, pelo contrario procura por todos os seus actos dar testemunho de que o deseja manter, e que os homens que hoje se sentam nas cadeiras do poder conservam illesos, nos conselhos da coroa, os principios que sustentaram como opposição. As circumstancias em que nos achamos actualmente não permittem que executemos do repente e em um só anno o programma do partido progressista, de que somos no poder os representantes, mas logo que as difficuldades financeiras que nos assoberbam desappareçam de todo, o governo ha de mostrar que não renega os principios que os seus membros professavam quando combatiam na opposição. Nós não representamos aqui o producto de uma alliança hybrida, como o digno par não duvidou asseverar; mas sim a ligação, em virtude de um pacto aolemne e honroso, de dois grupos politicos que naturalmente tendiam a approximar-se, porque descendendo de um tronco commum havia entre elles afinidade de idéas, e só por circumstancias muito infelizes se póde explicar a sua temporaria dissidencia. O partido progressista achava-se reduzido a bem pouco, creio mesmo que o haviam abandonado alguns dos homens que se diziam seus chefes; ainda assim soube manter-se firme nos seus principios, conservar as suas gloriosas tradições, e ter sempre hasteada a sua honrada bandeira"
Eram poucos os seus homens de acção, e bem modestos de posição e talentos muitos delles, dizia-se que não tinha força, asseveravam com insistencia que não contava entre os seus membros mais de tres ou quatro homens de valor. Passaram, porem, os tempos, esse partido foi adquirindo forcas, tornou-se numeroso, e chegado o momento em que entendeu proclamar ao paiz as suas idéas, publicou um programma, que levantou contra si as iras de muitos, até ao ponto de se não duvidar proferir dos bancos do governo a asserção nunca provada de que tal programma merecera ser detestado; e se o programma se detestava, aos homens que o prefilharam não se duvidou fazer a mais crua guerra, com a esperança vã do seu completo aniquilamento.
Succedeu, porem, um periodo de dificuldades para o paiz; e esse partido que tão amesquinhado havia sido pelos seus adversarios, foi julgado capaz de constituir governo quando soou a hora dos desenganos, e as circumstancias politicas financeiras do paiz reclamavam o seu auxilio.
O partido progressista subiu, pois, ao poder quando as condições da administração publica se haviam tornado a todos os respeitos bem pouco favoraveis.
Era cheia de difficuldades a situação legada pelos seus antecessores aos homens que hoje estão á frente dos negocios do estado.
Largamente expuz á camara a situação que nos obrigou a pedir ao paiz novos sacrificios, e a camara não ignora qual tem sido o nosso procedimento perante os embaraços que encontrámos, e as condições difficeis em que temos de governar, condições que nós não creámos.
Como é, pois, que se ousa dizer que o partido progressista renegou os seus principios, e rasgou o seu programma, quando esse partido não tem feito senão affirmar esses principios e suas crenças politicas em todas as propostas que tem apresentado, em todos os actos que tem praticado, e como podem censurar-nos a nós, seus representantes no poder, te não temos feito senão seguir o caminho que esses principios nos traçavam, (Apoiados.) permanecendo fieis
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a essas crenças, que subsistem vigorosas no animo de todos que formámos esse partido? (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, eu não sei se no logar onde pairava a águia se vê hoje esvoaçar o abutre, o que sei é que nas maiorias que apoiam o governo ha muitos homens de talento, homens novos, como Antonio Cândido, por exemplo, que representam uma formosa esperança para o futuro, do paiz, e que só pedem tempo e occasião que lhes proporcione mostrar o muito que valem, homens que se teem approximado espontaneamente do partido progressista, porque a mocidade naturalmente se approxima daquelles partidos cujos principies e idéas mais se coadunam com as nobres aspirações que illuminam um periodo da vida, em que a confiança no futuro não se acha ainda abalada por tristes e repetidos desenganos.
Não sinto pairar em torno de mim as aves sinistras, a que o digno par alludiu; o que sei e o que vejo é que me cercam homens eminentes que são gloria do partido, taes como Mariano Cyrillo de Carvalho, distincto como jornalista, distincto como parlamentar, e que apesar do seu elevado merito não exerce outro cargo publico, não accumula outras honrarias e distincções, não usufrue outros beneficios que não sejam o modestissimo vencimento que conquistou pelo seu constante trabalho, pelos esforços da sua intelligencia, pelo valor da sua sciencia, em um concurso publico, e perante um jury independente. Não duvido, antes me honro, de celebrar nestes termos o notavel desprendimento de um membro do partido progressista, que se honra de o contar no seu seio como poderoso elemento de ordem, trabalhando para o bem commum, e procurando auxiliar-nos na realisação constitucional e economica desses progressos, que teem por fim satisfazer ás necessidades politicas, economicas e sociaes do paiz.
Nestas cicumstancias, não posso nem devo senão honrar-me em sei membro, ainda que obscuro, do meu partido; e confesso ao digno par, que procuro debalde descobrir essas sinistra? aves de rapina a que s. exa. alludiu, e que só ao espirito attribulado do digno par se afiguram pairando sobre o paiz.
O sr. Presidente: - A seguinte sessão será amanhã. Ficam inscriptos os srs. Fontes e conde de Valbom, contra o projecto; e os srs. Mello Gouveia, Barros e Sá, e Mendonça Cortez, a favor.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 1 de março de 1880
Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Vallada, de Vianna; Condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, do Farrobo, da Fonte Nova, de Gouveia, de Linhares, de Paraty, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Valbom, da Lousa; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Algés, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, da Borralha, de Chancelleiros, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, da Silva Carvalho, de Villa Maior; Barão de Ancede; Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Vasconcellos Pereira Coutinho, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Margiochi, Fortunato Barreiros, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Trigueiros Martel, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Mello e Gouveia, Mexia Salema, Eugenio de Almeida, Camara Leme, Luiz de Campos, Daun e Lorena, Castro Guimarães, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Ferreira Novaes, Ferrer, Seiça e Almeida, Thomás de Carvalho.