DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 155
Bastar-me-ha, para tal effeito, sr. presidente, sujeitar o projecto em discussão á dura e decisiva prova de um inevitavel dilemma... que eu, sr. presidente, seja dito de passagem, apesar de já ter sido elevado, por um jornalista mais gracioso, mais ameno e espirituoso,, mais desejoso de certo de me ser agradavel, do que sabedor das praticas e theorias da moderna dialectica, ás alturas de Luthero ou Reformador do dilemma, de Creador do dilemma de tres e mais pontas, ainda acredito que os ha de duas.
Hoje, por exemplo, sr. presidente, agora mesmo, espero eu empregar um, n’uma das duas pontas agudissimas do qual virá inevitavelmente cravar-se o sr. ministro das obras publicas, ou, para melhor dizer, o governo. Ponhamos o tal dilemma.
Sr. presidente, este projecto ou é viavel, exequivel, serio, ou não é nada d’isto.
A minha convicção intima, seja dito de passagem, é que o projecto não é viavel, nem serio, nem exequivel; estudarei, porem, criticarei ambas as hypotheses, esperando demonstrar em ambas ellas, pelas considerações que para cada um dos casos hei de submetter ao juizo da camara, que o annunciado sentido do meu voto resulta, em ambos os casos, completamente justificado.
Se o projecto não é viavel, se não é exequivel, se, portanto, não é tambem uma cousa seria, considerado em si, e, salvas sempre as intenções de quem o elaborou e approvou, claro está, que nenhum membro d’esta camara, nem d’aquelles que apoiam decidida e enthusiasticamente o governo na sua politica geral, nem ainda d’aquelles que lhe são simples alliados de momento, e muito menos d’aquelles que, como eu, e os membros do partido que tenho a honra de representar, se conservam a seu respeito, n’uma attitude de expectativa vigilante e cautelosa, podem associar a sua responsabilidade, cubrir, por assim dizer, com uma cooperação, que alguem poderia alcunhar cumplicidade, actos que o vulgo, menos cuidadoso do que eu, em distinguir os factos das intenções, em extremar e discernir entre as acções e o pensamento que as dictou, alcunha de burla politica!
Porque a verdade, sr. presidente, é que o projecto que se discute, pela sua manifesta falta de condições de viabilidade, e ainda pela occasião, e mais circumstancias em que foi apresentado, já mereceu da opinião publica, talvez transviada, os conceituosos epithetos de feixe de bandeirolas eleitoraes; ou de projecto da canastrada de caminhos de, ferro.
Pondo, porém, de parte, estes naturaes exageros da opinião, o que eu agora pretendo demonstrar, o que eu espero levar á evidencia é que o projecto não é viavel, e que assim o meu voto contrario a elle fica completamente justificado.
Suppondo, porém, que a minha demonstração não colhia, que d’ella não resultava bastantemente evidenciada a falta completa de condições de viabilidade e exequibilidade do projecto, espero tambem mostrar á camara, por considerações de não menos momento, mas de ordem exclusivamente financeira, que o projecto em discussão não poderia ser approvado e realisado sem que a nossa situação financeira corresse gravissimos riscos, cujo fundado receio justificaria ainda nesta hypothese, e não menos cabalmente, o meu voto.
Prometti eu á camara, sr. presidente, demonstrar-lhe ou pelo menos procurar communicar-lhe a minha convicção intima de que este projecto não era exequivel, de que não era viavel, e, n’este sentido, que não era serio. Antes, porém, vejamos em que consiste o projecto.
Uma simples e perfunctoria leitura d’elle basta para nos fazer conhecer que o projecto em discussão consiste n’uma simples auctorisação ao governo para pôr a concurso a construcção e exploração de alguns trocos de caminho de ferro em determinadas condições. Assim se eu conseguir provar á camara que as condições d’esses concursos são de tal ordem que nenhuma companhia que não queira perder o seu dinheiro (e que o queiram conscientemente perder, creio que as não haverá!) licitará n’elles, terei demonstrado que o projecto não é viavel.
Farei a minha demonstração em separado para cada um dos tres troços que no projecto se propõem, visto como a adjudicação de cada um destes troços depende, segundo o mesmo projecto, de concursos separados, e começarei pela linha denominada no projecto — caminho de ferro da Beira Baixa.
E para evitar toda a especie de duvidas, controversias e contestações, para que as conclusões da minha demonstração possam adquirir para todos o caracter de irrecusavel evidencia com que se manifestam ao meu espirito, e ainda para collocar o sr. ministro das obras publicas, caso s. exa. se digne responder-me, na invejavel posição que s. exa. naturalmente acceita e agradece, de poder responder clara, directa e precisamente ao que ha de capital na minha argumentação, sem necessidade de distrahir, de transviar o seu alto engenho na contestação e discussão de pormenores, de accidentes menos importantes e valiosos do meu discurso, começarei por declarar a v. exa. e á camara que, para elaborar a demonstração, ou para melhor dizer o simples calculo arithmetico, cujas conclusões n’ume ricas vou expor á camara, usei exclusivamente, acceitando-os assim, bem que provisoriamente, e por assim dizer ad referendum, de bases e dados numericos de authenticidade e valor irrecusavel para o sr. ministro e para os seus amigos, visto como me foram ministrados por s. exa. mesmo, em cujos relatorios e discursos apresentados ou proferidos na outra casa do parlamento os fui procurar e encontrar.
Assim, as bases e dados em que se fundamenta a demonstração terão para s. exa. e para a camara um caracter perfeitamente authentico e official, e ninguem em boa fé poderá contestar os meus calculos por fundados em bases tomadas a capricho, mal estudadas, duvidosas ou hypotheticas.
Sejam 193 kilometros (dado official) o comprimento da linha da Beira Baixa, e 30:000$000 réis (quantia ainda inferior á indicada pelo sr. ministro), o custo kilometrico d’esta linha, comprehendendo n’essa quantia o juro do dinheiro durante todo o tempo da construcção.
Suppondo que a companhia que obteve a adjudicação da construccão e exploração da linha da Beira Baixa, teve a boa sorte de se encontrar só e desafrontada no concurso, e de obter assim como base da garantia de juro que lhe é concedido o maximum fixado no projecto (37:000$000 reis), essa companhia terá que levantar para a construcção um capital de 193 X 35:000$000 = 6.755:000$000 réis.
Receberá annualmente do estado a quantia necessaria para com o producto liquido da linha completar 357:050$000 réis (5 por cento de 193 X 37:000$000 réis), até ao anno em que o producto liquido da linha exceder essa quantia; e a partir do anno em que o producto bruto kilometrico exceder 1:850$000 réis (5 por cento de 37:000$000 réis, condição 15.ª), entregará ao governo metade d’este excesso computado para toda a linha.
Isto posto, para calcularmos os lucros, ou perdas annuaes da companhia, temos que computava, por uma parte a totalidade das quantias embolsadas annualmente por ella, por outra parte a sommas dos seus desembolsos annuaes e tomar a differença entre estes dois resultados; esta differença representará quando positiva o lucro, quando negativa a perda annual da companhia.
Os desembolsos annuaes da companhia, calculei-os eu, sommando em cada anno as quantias destinadas ao pagamento dos juros e amortisação do capital levantado por ella para realisar a construcção e pagar os juros do dinheiro levantado até ao primeiro anno de exploração exclusivamente, com a metade do excesso do producto bruto da linha sobre 5 por cento de 37:000$000 réis X 193, verba
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