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N.° 20

SESSÃO DE 23 DE FEVEREIRO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos srs.

Conde d'Avila
José Angusto da Gama

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. Thomás Ribeiro manda para a Mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos. - O sr. conde de Thomar pede ao sr. Thomás Ribeiro uma explicação sobre um ponto, do discurso que na ultima sessão, proferirá na camara, respondendo a s. exa. - O sr. Bandeira Coelho manda parai mesa uma representação. - O sr. João Chrysostomo justifica a sua falta em algumas sessões. - O sr. Luiz de Lencastre declara que por falta de saude, deixará de comparecer a algumas das seguintes, sessões. - O sr. Sousa e Silva justifica a sua falta, em algumas sessões. - O sr. Thomás Ribeiro responde, ao sr. conde de Thomar. - O sr. conde de Thomar agradece e replica ao sr. Thomás Ribeiro.- O sr.- Thomás Ribeiro faz uma rectificação a umas affirmações do sr. conde de Thomar. - O sr. José Luciano confirma as declarações do sr. Thomás Ribeiro, e falla sobre o assumpto.

Ordem do dia: continúa a discussão, na generalidade do parecer n.° 131, sobre medidas de fazenda. - Usam da palavra: o sr. conde de Margaride, que apresenta uma moção, a qual é admittida á discussão; o sr. Margiochi; o sr. Marçal Pacheco; o sr. conde de Gouveia (relator); o sr. marquez de Pombal, que manda para a mesa uma moção, a qual é admittida á discussão; e o sr. Vaz Preto. - A requerimento do sr. Margiochi é prorogada a sessão até se votar. - Continuando a discussão, usam da palavra os srs. presidente do conselho, conde do Bomfim, conde do Restello, José Luciano, ministro da fazenda e Antonio de Serpa.-Terminada a inscripção sobre a generalidade retiram as suas moções os srs. conde de Thomar, marquez de Pombal e conde de Margaride. - É approvado o parecer na generalidade. - A requerimento do sr. Neves Carneiro resolve-se que haja uma só discussão na especialidade, votando-se depois por artigos. - O sr. José Luciano faz uma pergunta sobre o artigo 3.° ao sr. ministro da fazenda.- O sr. ministro da fazenda responde. - O sr. Bernardino Machado fundamenta o seu voto approvando o projecto, menos o artigo 13.° - O sr. Jeronymo Pimentel justifica um additamento, que apresenta. - O sr. presidente do conselho responde a umas perguntas que fizera o sr. conde do Bomfim na discussão da generalidade.-Procede-se á votação. - São successivamente approvados todos os artigos e é rejeitado o additamento proposto pelo sr. Jeronymo Pimentel. - O sr. presidente nomeia a deputação que ha de ir levar a sancção real o autographo da lei votada. - O sr. Botelho de Faria faz uma declaração de voto. - O sr. presidente propõe, e a camara approva, que á commissão especial do regimento da camara, quando constituida em tribunal, sejam aggregados dois dignos pares, que nomeia.

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 41 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio mandado para a mesa pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, remettendo 185 exemplares do Livro branco relativo a ratificação do acto geral da conferencia de Bruxellas.

Officio do sr. ministro da fazenda, enviando os documentos pedidos pelo digno par o sr. Jeronymo Pimentel.

Officio do sr. ministro da fazenda, enviando os documentos pedidos pelo digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme.

Officio do sr. ministro da fazenda, enviando os documentos pedidos pelo digno par o sr. marquez de Vallada.

o sr. ministro da fazenda, enviando os doeu mentos pedidos pelo digno par o sr. marquez de Pomares

O sr. Thomás Ribeiro: - Peço a palavra antes, da ordem do dia

O sr. Presidente:- - Tem o digno par a palavra.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento. Por varias vezes tenho pedido esclarecimentos, pelas secretarias d'estado, mas v. exa. é testemunha de que até hoje tenho sido menos feliz do que os meus, collegas porquanto não tenho recebido um só documento. Vou portanto renovar este pedido, ainda que infructiferamente; mas como tinha grande empenho n'estes documentos, por isso insisto no pedido.

Quando ha dias aqui se tratou de um projecto de lei que dava á camara municipal de Evora auctorisação para receber um theatro, eu não estava presente; .mas a primeira vez que esta questão aqui se ventilou, talvez v. exa. se lembre de que eu algumas objeções apresentei ao projecto. Depois apareceram novas considerações e a camara approvou esse projecto. Por isso faço o seguinte requerimento que passo a ler.

(Leu.)

Sr. presidente, parece talvez uma impertinencia o pedido d'estes documentos, mas demonstrarei á camara que não é, e peço a v. exa. que inste por elles, e espero então ter o ensejo de mostrar que a camara teria talvez procedido melhor não approvando a doação do theatro á camara municipal de Evora.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo digno par.

Leu-se na mesa.

É do teor seguinte.

Requerimento

Requeiro que sejam enviados a esta camara, com a precisa e possivel urgencia, os seguintes documentos:

1.° Copia da escriptura pela qual se fundou o theatro de Evora, agora doado á camara municipal.

2.° Copia, in integrum, da acta ou actas da sessão (ou sessões) em que a companhia deliberou doar o theatro á camara.

3.° Copia da acta ou actas da camara municipal, declarando que acceitou a doação.

4.° Copia da acta da commissão executiva da junta geral, em que se desapprovou a acceitação da camara e foi mandada suspender aquella deliberação.

5.° Copia da acta da junta geral em que foi revogada a deliberação da sua commissão executiva.

6.° Copia do auto de posse do theatro pela camara.

7.° Copia da declaração expressa do auto do consentimento da cedencia do theatro, passado pelo seu directo senhorio, se, como consta, o predio é emphyteutico.

camara dos dignos pares, 23 de fevereiro de 1892. = Thomás Ribeiro.

O sr. Presidente: - Este requerimento vae ser imme-

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2 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

diatamente expedido, e logo que os documentos pedidos pelo digno par cheguem á mesa serão remettidos a s. exa.

O sr. Conde de Thomar: - Pedi a palavra, não porque deseje demorar a discussão da ordem do dia.

Como v. exa. e a camara de certo estarão lembrados hontem, depois de eu usar* da palavra, seguiu-se na ordem da inscripção, o digno par sr. Thomás Ribeiro que, com aquella phrase levantada e com aquelle colorido que sabe dar ao seu pensamento, tratou largamente a questão politica, e entendeu levantar algumas phrases que eu havia pronunciado com relação ás grandes despezas que se fizeram com a expedição a Moçambique.

Não quiz, sr: presidente, censurar a organisação d'essa expedição, nem o valor que os nossos soldados poderiam desenvolver, se fosse necessario empregar a força n'aquella nossa provincia ultramarina; quiz apenas demonstrar que entre nós os diversos ramos de serviço sé organisam de tal fórma que, em vez de se gastar tres ou quatro, gasta-se sempre dez ou doze, e isto só por falta de boa administração.

O digno par sr. Thomás Ribeiro nas suas observações entendeu referir-se ás difficuldades que os homens que occupam o poder encontram muitas vezes na marcha dos negocios publicos, e a este proposito apresentou algumas referencias, que estou certo me não dizem respeito, mas que entendo não dever deixar passar sem fazer alguns reparos, porque é bofo que este negocio se liquidei! Eu espero da hombridade de s. exa. e do seu rectissimo caracter que não deixará de dar explicações claras a respeitoso facto apontado pelo digno par. S. exa. disse que muitos individuos solicitavam dos governos favores de toda a ordem, alguns dos quaes foram qualificados de iniquidade e vinham depois para o parlamento com o sarcasmo nos labios censurar esses de quem momentos antes haviam recebido taes favores, taes iniquidades, alardeando independencia.

Sr. presidente, na minha vida parlamentar, que é ainda curta, tenho a consciencia tranquilla e socegada. A estrada por mim seguida é a linha recta, de que; não me tenho desviado.

Não sei o que será para o futuro, mas até hoje, repito, a minha consciencia está perfeitamente tranquilla, porque nunca pedi nem iniquidades, nem favores aos ministros que se têem sentado n'aquellas cadeiras.

Sinto não Ver aqui o sr. presidente do Conselho, que pronunciou hontem um brilhantissimo discurso, breve, mas incisivo, dizendo na sua conclusão que não era o momento para retaliações com relação aos actos dos que têem gerido os negocios publicos.

Se s. exa. estivesse presente, dir-lhe-ia que a fonte onde fui buscar elementos para fazer algumas observações sobre as propostas de fazenda, não é outra senão o relatorio por s. exa. assignado.

Não desejo azedar o debate, nem provocar questões irritantes, tanto mais que nas circumstancias em que nos encontrâmos, seria um crime de lesa politica não dar todo o apoio a este governo, que é composto de homens que militaram em todos os partidos e que subiu ao poder n'uma conjunctura excepcional.

Todo o espirito sensato não póde eximir-se a apoiar este gabinete, emquanto a sua marcha corresponder á confiança que n'elle se deposita. Desviando-se, porém, do caminho que traçou, é evidente que não póde contar com o apoio do parlamento, pelo menos com o meu.

Não insisto sobre este assumpto. O que espero é que o meu amigo o sr. Thomás; Ribeiro declare perante a camara se as observações que fez com relação a varios dignos pares que têem pedido favores aos governos podem entender-se commigo.

O sr. Bandeira Coelho: - Mando para a mesa uma representação dos parochos da villa de Trancoso para serem isentos do imposto estabelecido no artigo 3.° do projecto que esta camara está discutindo, e para serem equiparados aos outros funccionarios publicos.

O sr. João Chrysostomo: - Declaro a v. exa. e á camara que por motivos justificados não tenho podido assistir ás sessões.

O sr. Presidente: - Será lançada na acta a declaração do digno par.

O sr. Luiz de Lencastre: - Mando para a mesa a seguinte participação:

"Participo a v. exa. e á camara que por falta de saude não comparecerei na sessão seguinte e talvez em outras sessões successivas. = Luiz de Lencastre."

Desejo saber de v. exa. se vieram já do ministerio da marinha os documentos que pedi.

O sr. Presidente: - Ainda não chegaram. Em chegando, serio enviados ao digno par.

O sr. Luiz de Lencastre: - Não me queixo de ainda não terem sido enviados a esta camara; mas, sr. presidente, tendo eu annunciado ha dias uma interpellação ao sr. ministro da marinha sobre a substituição das juntas de fazenda do ultramar por uns outros tribunaes chamados juntas provinciaes, e tendo-se s. exa. declarado prompto a responder á mesma interpellação, eu declaro que a não posso realisar sem que cheguem os esclarecimentos que pedi.

Peço, pois, a v. exa. que não marque dia para a minha interpellação sem que os documentos que pedi me sejam enviados.

O sr. Sousa e Silva: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que, por incommodo de saude, tenho deixado de comparecer a algumas sessões.

O sr. Presidente: - Far-se-ha a devida declaração na acta. Tem a palavra o sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, eu comprehendo a rasão por que o digno par o sr. conde de Thomar e meu amigo, me fez a pergunta que a camara ouviu.

S. exa. sabe perfeitamente que nenhuma allusão pessoal, nem directa nem indirecta, foi feita a s. exa. no meu pequeno discurso de hontem; todavia, foi o digno par que, imprudentemente, hoje provocou a minha replica.

Hontem, provavelmente algum jornal, d'estes que não desgostam de vez em quando de experimentar a sensibilidade de cada qual, dirigia-se ao digno par e meu amigo repetindo algumas palavras minhas que quiz accentuar como dirigidas a s. exa.

Confesso francamente que não podia estar lisonjeado por uma accusação feita pelo digno par a uma administração a que eu tive a honra de pertencer, accusação que foi ao extremo de nos apontar como os maiores esbanjadores do mundo, a mim e aos cavalheiros que me acompanharam na primeira situação presidida pelo sr. João Chrysostomo.

Sr. presidente eu tenho a consciencia de que no meu ministerio, apesar de todas as accusações, fiz as maximas economias a que se podia chegar.

Tendo eu a consciencia do meu proceder, era natural que alguma cousa me podessem doer as referencias menos agradaveis aos actos d'aquelle ministerio; e, fallemos claro, porque nós somos homens, e por isso estranhos a lisonjearias! estranhei que, levantando-se o apostolo das economias encarnado na pessoa do sr. conde de Thomar, elle se não lembrasse de que, pelo menos, havia mais a censurar, no capitulo de gastos inuteis em ministerios transactos.

Eu não me referia a s. exa., mas quando o digno par trouxe á tela do debate a expedição a Moçambique, estranhei, repito, que se não lembrasse da luxuosa installação que se preparara para receber o ministerio da instrucção publica.

S. exa. não se referiu a esse ponto e, de certo, por uma extrema delicadeza, viu que o tempo ia de lama; não

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quiz pois enxovalhar com ella as alcatifas, adornos e alfaias sumptuosas, do palacio que o governo enriquecêra.

Aqui tem s. exa. o que eu posso dizer a este respeito.

Eu disse, lá fóra, particularmente a s. exa. que era melhor não me fazer nenhuma pergunta na camara; não queria responder-lhe cousa que pessoalmente o podesse melindrar; mas emfim já que s. exa. não quiz seguir o meu conselho acceite cada um de nós as responsabilidades que respectivamente nos pertencem; comquanto a responsabilidade do facto a que tenho alludido não pertença, repito.

O digno par é proprietario, é um grande proprietario, e um governo deste paiz entendeu que devia alugar-lhe um dos seus palacios; nada mais regular; e fazer nelle grandes despezas.

Isto é que póde ser censuravel.

Bem sei que só a quem teve a culpa disto sé deve accusar, a s. exa. não. Mas quando se é tão zeloso de economias, a primeira que o digno par que hontem tanto se indignou pelos nossos gastos exagerados, devia? ter mencionado nas suas objurgatorias, era a das despezas do ministerio para cuja installação tanto se despendeu.

Ora aqui tem o digno par aquillo que eu não disse hontem, mas que digo hoje, provocado por s. exa.

Tambem s. exa. fez considerações severas sobre as promessas e despezas com que se compram hoje as eleições. Eu já tive a honra de ser governador civil em um districto do continente, por occasião de eleições, districto onde com ellas se gasta muito dinheiro, e convido s. exa. a que vá indagar ao ministrio do reino quanto se gastou ali quando eu era governador civil.

Gastou-se lá muito com as eleições, mas não foi o estado quem gastou; o estado não gastou nada.

Sr. presidente, não ha só responsabilidades proprias, ha tambem responsabilidades herdadas, e sobre esta assumpto de eleições não era s. exa. de certo o mais proprio para vir lançar insinuações menos agradaveis sobre os governos de hoje.

Antes de s. exa. clamar contra os abusos que se têem praticado em certos assumptos, devia pensar sobre quem pesam mais ou pesaram responsabilidades de factos d'essa ordem.

Emfim o que eu sinto é que o digno par me forçasse a esta resposta com a questão pessoal que levantou.

Eu hontem não me dirigi a s. exa.; de mais, s. exa. nunca me pediu nem mostrou desejar de mim favor algum; mas não podia ter deixado de responder ás accusações que caiam sobre mim ou sobre aquelles com quem tive a honra de servir.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Thomar: - Agradeço ao digno par a primeira parte do seu discurso, em que s. exa., declarou categoricamente, não só que não disse hontem o que eu suppunha, mas até que nas referencias geraes que fez, eu não estava comprehendido.

O mesmo, não posso dizer com relação á segunda parte do discurso de s. exa.

N'esta parte negou-me, por assim dizer, o direito de fallar em economias, pelo facto do ter o estado tomado de arrendamento uma casa minha de que precisou.

O sr. Thomás Ribeiro: - Referindo-me a esse facto, eu acrescentei que a responsabilidade não era de s. exa. era de quem ordenára essa despeza.

O Orador: - Em todo o caso não foi no intuito de me ser agradavel que s. exa. se referiu a esse facto.

Sr. presidente, esta questão relativa ao ministerio de instrucção publica tem sido debatida na outra casa do parlamento e na imprensa, e até levantada aqui por um digno par do Porto.

Muitos membros do parlamento têem igualmente casas suas arrendadas ao governo e que não foram offerecidas, como eu não offereci a minha, mas que os governos entenderam precisar para estabelecer uma repartição publica ou escola.

No caso que me diz respeito, o governo procurou differentes casas, mas não encontrou nenhuma nas condições de preço e capacidade igual á casa em questão, mandou-me perguntar se eu podia alugar aquella.

Note a camara que a casa estava toda habitada. Despedi os meus inquilinos, apresentei as condições que o governo acceitou, depois de consultar contratos identicos.

Creio que não ha absolutamente nada que possa ser desagradavel para mim, ou para o meu caracter, pelo facto de ter alugado uma casa ao governo. Aluguei-a, como faria a qualquer particular.

Agora o que eu lamento é que o digno par, que por mais de uma vez tem sido ministro e que tem responsabilidades, levantasse aqui questões d'esta ordem, quando se não fez uma insinuação pessoal á sua pessoa, quando eu me limitei a dizer que aquella expedição tinha custado rios de dinheiro.

Effectivamente, se se examinarem todas as despezas ver-se-ha os desperdicios que se deram durante o tempo que ella esteve em Africa.

Em que é que isto póde melindrar s. exa.?

Para que vem aqui a casa do ministerio de instrucção publica?

Eu não tenho que tratar aqui esse assumpto; como proprietario arrendo as minhas casas a quem as procura, a camara não tem competencia para me pedir contas dos meus actos como proprietario.

Aqui está um digno par, muito proximo, que tem um palacio arrendado ao governo.

É o sr. duque de Palmella, tem alguma responsabilidade que o governo precisasse do seu palacio para installar o ministerio dos negocios estrangeiros?

Pois ultimamente não se arrendou o palacio do conde de Almada para se estabelecer o museu agricola?

Pois então não ha propriedades da casa de Bragança arrendadas por s. exa.?

Pois não foi s. exa. que estabeleceu a Villa Fernando?

S, exa. foi o apostolo da Villa Fernando e lá se gastaram centenas de contos de réis que não teem servido absolutamente para nada. Serve de moradia a um guarda-portão.

Que tem a casa de Bragança com o arrendamento feito pelo estado? Nada.

Que responsabilidade lhe póde advir de que nesta como em muitas outras propriedades se tenha gasto muito dinheiro? Nenhuma.

Ora, realmente, quando v. exa. pratica d'estes actos não se vem fazer insinuações porque o governo alugou uma casa!

O sr. Thomás Ribeiro: - Peço a palavra.

O Orador: - O governo é que a alugou a mim.

O sr. Presidente: - Eu peço ao digno par que restrinja as suas considerações quanto poder porque a hora está adiantada.

O Orador: - Eu não quero enfadar a camara com esta questão.

Francamente, quando se fazem accusações destas, eu não podia deixar de responder e repellir as accusações.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. Thomás Ribeiro; mas peço a s. exa. o favor de restringir-se o mais possivel porque a hora está muito adiantada e devemos entrar na ordem do dia.

O sr. Thomás Ribeiro: - Em primeiro logar eu não censurei o digno par. S. exa. estava no seu pleno direito; mas quando fallava em economias devia pensar primeiro em atacar aquelle ministerio que tanto dinheiro gastou com a sua casa.

Agora uma breve rectificação a um ponto a que s. exa. se referiu.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Eu fui apostolo da villa Fernando, e ainda hoje o sou de todas as estacões como aquella. Oxalá podesse haver muitas.

Não foi como ministro das obras publicas que mandei fazer aquella obra, tratei essa questão senão ministro do reino. E não se gastaram tambem essas dezenas de contos denunciadas pelo digno par; ou não as gastei eu.

Tambem é certo que não fui eu quem fundou a escola, foi o digno par o sr. José Luciano de Castro e eu, entrando na gerencia do ministerio dos negocios do reino, fiz continuar aquellas obras, do que me não arrependo, e pelo contrario muito me ufano.

O sr. José Luciano de Castro: - Apoiado, apoiado.

O Orador: - Pouco tempo porém me demorei ali, mas aconselho o digno par a que peça todos os documentos, e falle depois.

(S. exa. não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, eu pedi a palavra unicamente para corroborar a affirmação feita pelo digno par o sr. Thomás Ribeiro, quanto ao arrendamento da propriedade de Villa Feriando, para se fundar ali a escola agricola de reforma, em virtude de uma proposta de lei que trouxe ás côrtes, e que foi convertida em lei, do que me não arrependo, pois ainda hoje me ufano de ter tomado aquella iniciativa. (Apoiados.)

Fui eu, sr. presidente, que depois de ter encarregado differentes delegados do governo, governadores civis e agronomos, de procurarem uma propriedade para o estabelecimento da escola agricola, me convenci, depois das informações recebidas, que nenhuma estava, nas condições, senão a de Villa Fernando.

Essa propriedade pertencia á casa de Bragança. Solicitei de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Luiz auctorisação para o arrendamento, mas Sua Magestade com aquelles escrupulos, que todos lhe conheciamos, não annuiu logo, e só depois de oito tempo, e de incessante instancias minhas, deu o seu consentimento.

Não tive solicitações nem por parte da casa real, nem por parte da administração da casa de Bragança para aquelle arrendamento. Já vê, pois, o digno par o sr. conde de Thomar que não houve idéa por parte do governo de favorecer ninguem, e por isso eu, tomando agora a palavra, fil-o simplesmente. para assumir a responsabilidade inteira d'este facto, do qual repito, longe de arrepender-me, muito me ufano.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que a continuação da discussão do parecer n.° 131 sobre o projecto de lei n.° 73. .

Tem a palavra sobre a ordem o sr. conde de Margaride.

O sr. Conde de Margaride: - Sr. presidente, a moção de ordem que tenho a honra de mandar para a mesa é a que passo ler:

(Leu.)

Sr. presidente, estamos do habituados a ver, ainda nos casos mais graves, dispensado o parlamento, assumindo os governos a seu bello prazer funcções legislativas e ultra-legislativas, não só por diplomas publicos, senão tambem por ukases secretos, chamados "portarias surdas", que eu não possa deixar de receber, como uma graça, a permissão de interferir n'este debate. E, esperando escapar aos respectivos direitos de mercê, principiarei por protestar a minha nenhuma intenção de offender partidos ou pessoas no que a consciencia me for dictando.

Applaudo o relatorio do sr. Ministro da fazenda pela nobre fraguezia com que s. exa. expõe tristes processos que nos levaram á nossa triste situação.

Este e outros documentos mostram que nos não enfermámos só de um deficit, mas de tres: deficit de juizo, deficit de moralidade, e como consequencia, deficit de dinheiro.

Receita o sr. ministro para o ultimo, como o que no momento mais afflige o doente. Correcto e corrente. Mas cumpre não esquecer que, embora assim abafemos a moléstia ou cerremos a ferida, se deixarmos represado no organismo o principio morbido, a reincidencia virá necessariamente com igual ou maior malignidade.

Sr. presidente, é facto constante na nossa vida politica sempre que se trata de tributar, invocar-se a necessidade do equilibrio orçamental. Lançam-se os tributos e que succede depois? Apparecer o orçamento ainda mais desequilibrado!!

Com taes precedentes, a não considerarmos os fructos do trabalho e economia particulares, renascentes a cada côrte, como o ramo de que nós diz Virgilio que "uno avulso, non deficit alter", que auctoridade poderemos nós ter e que confiança inspirar para pedir novos e muito superiores sacrificios, sem uma seria garantia de que o thesouro publico cessará, de vez, de ser o tonnel impreenchivel das Danaides, a que o tinham reduzido os novos dirigentes?

A acceitação do poder em conjunctura tão erriçada de difficuldades é uma prova cabal do civismo dos actuaes ministros, e não serei eu que lhes negue a minha inteira confiança. Mas dizem nos seus negocios os lavradores do meu Minho: "ha viver e ha morrer", conceituosa phrase com que significam que não basta estar seguro o presente; importa segurar o futuro.

O actual ministerio, por mais saude que eu lhe deseje, não ha de ser eterno; e eu declaro que se me passasse pela cabeça que o gravame extraordinario, sujeito hoje á discussão, apenas nos abriria um parenthesis de vida regular, como transição para nova edição dos nossos velhos devaneios e dissolução administrativa, o meu voto não auctorisaria mais 10 réis de impostos, succedesse o que succedesse, ameaçasse-nos o que ameaçasse. Em tal caso procederia, como o poeta a cuja escolha submetteram dois péssimos sonetos sobre o mesmo assumpto. Lido o primeiro, declarou que o melhor era o ultimo. Mas como, exclamou o apresentante, se ainda sómente se leu um. É que como esse, tornou o poeta, não concebo nada tão mau. Eu tambem, pela rasão dos dois sonetos, entre a resurreição de um passado que nos poz á vista o abysmo, em que promettia precipitar-nos, e qualquer futuro, o menos esperançoso, opto pelo ultimo.

E eis porque eu reclamo uma garantia de emenda duravel, garantia que, a meu ver se cifra em bem pouco; basta a execução da carta constitucional. A carta estabelece a igualdade perante a le!; mas o fisco, ao passo que varre com penhoras a casa do desgraçado, que deve 100 réis, deixa em paz beatifica o poderoso, devedor de centenas de mil reis!! Acabem-se estes arbitrios barbaros, sempre irrelevaveis, e hoje, sobre irrelevaveis, imprudentes.

Segundo a carta ha um só personagem irresponsavel, é o Rei. Todos os mais são responsaveis, até pelo cumprimento das ordens reaes. E, comtudo, os ministros fazem e deixam de fazer o que bem lhes appetece, sem outra consequencia que não seja, quando é, a sua saida do governo! Arvorando-se em dictadores solemnemente ou á capucha, talham a seu talante sinecuras sem numero, viagens á gran seigneur, festejos offuscantes, abonos duvidosamente cobraveis; e... e findam por enviar o rol das despezas ao contribuinte, cuja bolsa é sempre o unico homisio da fugitiva, chamada "responsabilidade ministerial"!

Não discuto intenções. Sei que os povos gemem sob o resultado de dissipações que não auctorisaram, e que os auctores d'esta dissipação são os que menos soffrem.

E eis porque peço o cumprimento da carta. Responsabilidade de alto a baixo. Se não ha lei regulamentar, faça-se; se ha alguma que possa, como tal, considerar- se, cum-

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pra-se. Fixe-se por uma vez que o ministro, como qualquer outro funccionario não tem senão os poderes marcados na lei, e que, excedendo-os, deve de ministro passar a réu.

Esperando que o actual ministerio proverá a esta reclamação geral, farei brevissimas considerações sobre as medidas de fazenda, a que teria muito que oppor se mas não envolvessem na bandeira da salvação patria,- sagrada para mim. Ha nellas uma parte sem outra justificação senão a do antigo aforismo: onde o não ha el-rei o perde; é a dedução nos juros da divida publica. Eu não acceito o principio que seria uma quebra na boa fé dos contratos; submetto me ao facto, que é à impossibilidade do pagamento integral; e no silencio dos prestamistas voluntarios vejo um consenso tacito, a que não póde deixar de os levar a vantagem de optar entre o mal de não receber nada e o mal menor de receber grande parte. É o que." todos os dias se faz com dividas commerciaes.

Deixando com relação áquelles credores este pimto, que o proprio governo não approva doutrinalmente e só adopta como uma necessidade, a que o impellem as circumstancias, de que elle não é culpado, limitar-me-hei aos prestamistas forçados pelas leis da amortisação.

Estes tinham bens tão seus como qualquer de nós, recebidos de particulares, sem o menor favor do estado. Arrancar-lh'os para lh'os trocar por papeis, cujo unico valor é só uma promessa, já não foi pequena violencia; faltar-lhes agora á promessa seria o cumulo do despotismo. Embora a medida seja só por um anno, eu não posso deixar de mostrar a minha repugnancia extrema a similhante idéa. Felizmente apresenta-se como attenuante o subsidio de 250 contos de réis para supprir as faltas provenientes da deducção nos juros da divida publica.

Não me parecia sufficiente esta cifra, mas o sr. ministro da fazenda affiançou que é, e eu devo suppor que o calculo foi bem feito. Mas sobre a distribuição offerece-se-me uma duvida, com relação aos estabelecimentos humanitarios. O subsidio, diz o artigo 7.° do projecto, destina-se aos deficits que em virtude da elevação da taxa do artigo 4.° se derem nos orçamentos.

Ora, os orçamentos das instituições sujeitas á tutela administrativa não podem ser approvados com deficit; portanto pela letra secca do projecto nunca receberão subsidio. Precisa-se de um regulamento que torne pratica esta disposição, e parece-me poder fazer-se auctorisando aquellas instituições a lançar, como receita proveniente do subsidio do governo, quantia igual á que lhes falta em consequencia da deducção soffrida. E fecharei aqui sobre, o assumpto as minhas considerações, em que de certo me alongaria mais, se muitos dos meus dignos collegas me não tivessem precedido com muito superior competencia.

Entendo por ultimo dever declarar que no que deixo dito não obedeci a nenhuma inspiração partidaria. Para mim os velhos partidos morreram do contagio que assolou o paiz. Ainda bem que continúa incolume a grandissima maioria dos seus membros, com os quaes ,muito me honrarei em manter relações pessoaes e até em acompanhar na organisação de qualquer partido vasado em melhores moldes, sem politiquice, se me é licito a, expressão.

No entanto, ficarei simplesmente: primeiro homem de bem, depois portuguez, depois monarchico e affeiçoado aos actuaes monarchas, mas entrando no paço com a verdade doce ou amarga nos labios, á bispo de Vizeu, que, no meu humilde pensar, fez maiores serviços ao senhor D. Luiz e á senhora D. Maria Pia, com a sua sinceridade rude, do que prestaria com palacianismos, que na illusão dos principios assentam, não raro, o seu infortunio e o das nações que elles regem.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. conde de Margaride.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

A camara, confiando em que o governo fará acompanhar o augmento de impostos de providencias para a cobrança das dividas ao estado e para a redacção nas despezas publicas, e convidando a promover que se torne effectiva a responsabilidade dos ministros, e a regulamentar a distribuição do subsidio destinado aos estabelecimentos constantes do artigo 7.° do projecto em discussão, por fórma que esses estabelecimentos não soffram na quebra dos seus rendimentos nem embaraços na sua administração, passa á ordem do dia. = Conde de Margaride.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta moção, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e ficou em discussão juntamente com a generalidade do projecto.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Margiochi.

O sr. Margiochi:- Sr. presidente, afastado systematicamente dos trabalhos parlamentares ha bastante tempo, e do movimento politico em geral, eu entendo que, vindo a esta camara, na occasião critica em que estamos, votar o projecto pelo governo apresentado e na outra camara já modificado, cumpro o meu dever.

Não me proponho fazer um discurso, nem a camara supponha que hei de demorar por muito tempo a sua attenção.

Tencionava, como provedor da real casa pia de Lisboa, fazer um protesto contra a reducção no juro das inscripções, que formam o fundo de cujo rendimento vivem as instituições de caridade. As declarações, porém, do sr. ministro da fazenda foram a tal respeito, para mim, bastante satisfactorias.

O que eu desejo é que fique bem consignado que os 250 contos de réis destinados a supprir os prejuizos causados a essas instituições pela reducção citada, terão realmente essa applicação, auxiliando os estabelecimentos de beneficencia que com a reducção soffreriam prejudicial differença nos seus rendimentos.

Parece me que não é difficil apresentar um alvitre que regulará bem esta disposição, e julgo que o sr. ministro da fazenda póde providenciar n'esse sentido, inserindo no regulamento a seguinte disposição: que os estabelecimentos de beneficencia, quando elaborarem os seus orçamentos, inscrevam n'elles, não a verba que na totalidade recebiam até agora pelos juros das suas inscripções, mas 70 por cento d'essa importancia e 30 por cento de restituição complementar, segundo a disposição do artigo 7.° do projecto que discutimos.

Parece-me que isto é perfeitamente pratico e exequivel. Um estabelecimento, que recebia, por exemplo, 10 contos de réis, passa, como qualquer portador de titulos de divida publica, a inscrever no seu orçamento 7 contos de réis de juros, e mais 3 contos de réis complementares em vista do mencionado artigo.

É triste que no fim de tantos annos de paz e de uma tal ou qual prosperidade, porventura mais apparente do que verdadeira, nos vejâmos obrigados a votar medidas tão rigorosas como estas que constam do projecto.

Se todos temos concorrido mais ou menos para que as finanças do estado chegassem a esta situação, bom é que todos nos penitenciemos e que para o futuro cada um por sua parte não concorra com uma parcella maior ou menor para que ella continue, antes coopere no sentido de que chegue finalmente o equilibrio orçamental tão apregoado e tão sonhado.

Tenho ouvido fallar muitas vezes da grande e importante questão de fazenda, e do equilibrio da receita com a despeza.

Não sei se é por falta de intelligencia, mas confesso que não comprehendo bem por que é que se eleva a questão de fazenda á altura em que anda collocada.

Parece-me que essa questão se reduz a muito pouco: ter conta nas despezas e promover a cobrança das receitas.

Francamente, não percebo como é que a similhante assumpto se póde dar a transcendencia que muitos lhe attribuem.

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6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Parece-me que para qualquer dos ministros da fazenda poder governar bem o paiz não precisa mais do que tomar como breviario o annuario estatistico das contribuições directas, publicado annualmente pelo conselheiro Pedro de Carvalho, e cotejar este livro com os dados estatisticos atrasados. Vou citar alguns que julgo extremamente curiosos.

Por exemplo: no quinquennio de 1827 a1831 a media, em cada anno, dos dizimos no districto de Vianna do Castello era de 127 contos de réis. Ao cabo de sessenta annos a contribuição predial é de 116 contos de reis!

Note a camara que os dizimos representavam 10 por cento e a contribuição predial agora é de 14 e não sei quantos centesimos por cento, isto é, quasi 15 por cento, agora, ao cabo de tantos annos de sacrificio de tantos caminhos de ferro, de tantos melhoramentos materiaes, de tanto fomento, de tanto desenvolvimento, fica s. exa. sabendo a quanto monta a contribuição predial, que ha sessenta annos era de 127 contos de réis. É, agora de 116 contos de réis!

N'um periodo de sessenta annos, com tantos melhoramentos materiaes e com tanto desenvolvimento da riqueza publica, a contribuição predial no districto, a que venho de referir-me, baixou de 127 a 116 contos de réis.

De onde procede esta differença?

Será essa diminuição causada pela inferioridade da producção?

Será porque tenha diminuido o movimento commercial?

Nada d'isto, sr. presidente. A rasão da; differença está em que a contribuição é de certo multo mal cobrada e sobretudo muito mal repartida.

Chamo para este importantissimo assumpto a attenção do sr. ministro da fazenda, porque eu tenho de ha muito a convicção de que a contribuição predial póde elevar-se, quando seja convenientemente regulada a sua distribuição e a sua cobrança, e posso demonstrar á camara esta minha asserção.

Tenho aqui uma nota do rendimento collectavel de uma freguezia de- um dos districtos do reino ha treze annos; para ella chamo a attenção da camara.

Em uma certa freguezia augmentou a contribuição de onze propriedades em treze annos 24 por cento; e a contribuição de dez propriedades de igual natureza, na mesma freguezia, mias pertencentes a proprietario residente em Lisboa, propriedades que me não pertencem, desde já faço esta declaração, pagavam mais 81 por cento, quer dizer os taes grandes proprietarios, de quem se diz que não pagam são ás vezes victimas de um certo movimento, que não se sabe bem qual é.

O estado fica por esta fórma defraudado em 57 por cento nas outras.

Como isto se faz não sei, mas o certo, é que o rendimento collectavel comparado em treze annos de propriedades determinadas augmentava 24 por cento emquanto que a mesma contribuição para outras augmentava a 81 por cento.

Occorre perguntar:

Mas haveria alguma differença entre as propriedades de proprietarios d'aqui e as de proprietarios residentes nas localidades?

Não, senhores.

Só a contribuição é que divergia, mas as propriedades eram identicas, em terreno, em producção, em cultura, etc., etc.

Diz-se muitas vezes que os grandes proprietarios são beneficiados, e o beneficio é, como a camara vê, pagarem mais 81 por cento em vez de 24 por cento, mais.

Direi, pois, ao sr. ministro da fazenda, e não me leve s. exa. a mal a minha franqueza, que eu não confio na coragem do governo para arcar com estes males.

Tenho depositado muita confiança em varios ministros da fazenda, e ainda não vi nenhum que tivesse a energia, a coragem para regular conveniente e equitativamente este serviço de impostos.

Tenho a maxima consideração pela intelligencia superior do sr. ministro da fazenda, mas não espero que s. exa. consiga pôr as cousas no bom caminho.

Desculpe-me s. exa. esta minha franqueza rude.

No dia em que s. exa. poder arrostar com a influencia das localidades, no dia em que poder arcar com certas imposições que hão de vir, não direi patrocinadas, porque não quero pôr em duvida as affirmações do sr. presidente do conselho, mas que hão de vir fatalmente, terá o digno ministro todo o meu louvor e o applauso inteiro do paiz. Mas, sr. presidente, eu continuo dizendo que não sei se o sr. ministro terá a coragem necessaria para arcar contra essas imposições.

Quando o sr. ministro do reino tiver de fazer alguma eleição, não sei se o sr. ministro da fazenda terá a coragem de arcar com todas as exigencias. Desculpe-me, por agora, s. exa., mas eu serei o mais ministerial quanto é possivel, quando vir essa coragem posta em pratica por s. exa.

Note o sr. ministro estes factos.

No concelho de Evora ha sessenta e quatro carruagens inscriptas para a contribuição sumptuaria e na cidade do Porto ha trinta e tres. (Riso.)

Trinta e tres carruagens em uma cidade constituida por dois bairros, cada um dos quaes vale mais do que a cidade de Evora!

Parece-me, portanto, que Évora não faz má figura.

Ora veja o sr. ministro da fazenda como anda fiscalisada a incidencia do imposto!

Tudo é falseado.

Eu tenho a maior consideração pela cidade do Porto, mas não posso deixar de fazer estas comparações.

E, a proposito da cidade do Porto, eu achei muito curioso que ella viesse agora recommendar economias ao governo e estimatisar as grandes despezas que se teem feito quando essa cidade tem a responsabilidade de grande parte das despezas mais avultadas. (Apoiados.}

Tem o Porto responsabilidades no syndicato de Salamanca, no porto de Leixões, etc.

Cabe aqui declarar que quanto á questão de Salamanca, de que fui relator nesta camara, me toca tambem alguma responsabilidade, que não declino; mas que estou bem arrependido de ter acceitado esse encargo, por dedicação partidaria.

Tem-se dito muitas cousas Feias a respeito de Salamanca; não se julgue que eu aproveitei alguma cousa com isso: fui tão infeliz que nem assisti ao lunch da inauguração do caminho de ferro!

Não quero cansar a camara; o meu fim era chamar a attenção do nobre ministro da fazenda para, todas estas cousas que aponto, para que s. exa. veja se faz com que paguem os que pagam pouco ou nada, e com que paguem menos os que pagam de mais.

Ainda a proposito de contribuições, peço ao sr. ministro da fazenda que acabe com os abusos das corporações administrativas, inclusivamente juntas de parochia, que nos fazem pagar o que lhes parece.

Cito um exemplo. Tenho aqui o orçamento de uma junta de parochia, d'aquella onde resido em Lisboa, cuja receita é de 294$000 réis e a despeza com os empregados réis 139$000, a qual nos lança uma contribuição de 1 por cento sobre a contribuição predial!

Ora, francamente, não vejo necessidade desta contribuição em Lisboa, onde as despezas da instrucção são todas custeadas pela camara municipal.

O sr. ministro da fazenda podia prestar um grande serviço aos contribuintes, alliviando os de certas contribuições que são desnecessarias, por isso que uma grande parte reverte para o pagamento das pessoas que fazem a cobrança

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d'essas contribuições e não para um serviço de reconhecida utilidade.

Sr. presidente, talvez não haja muitos cavalheiros n'esta camara que tenham, corrido tantas estações publicas como eu. O que eu não fui ainda foi regedor da minha freguezia.

Eu tenho, porém, servido commissões parochiaes, municipaes, disirictaes, etc. Por isso conheço muito de perto os bastidores da administração publica.

Ha vinte annos era eu vereador da camara municipal de Lisboa, e n'aquelle tempo era a camara municipal tribunal de recurso contra o lançamento das contribuições, industriaes feitas pelos gremios. Essa faculdade dá, camara municipal cessou, e cessou muito, bem; porque, se os gremios faziam muitas irregularidades, a camara tinha poucos elementos para as corrigir.

Eu não vi contribuição industrial nenhuma superior a 1:200$000 réis. Eu creio que hoje a maior verba não está muito mais elevada do que esta. Isto é realmente mesquinho!

Eu ainda chamo a attenção do sr. ministro da fazenda para um caso que se dá com relação á contribuição industrial.

Na contribuição industrial ha para o estado uma quebra immensa de rendimento em certas classes.

Sabe v. exa. o que acontece?

Inscrevem-se estabelecimentos que cessaram de existir, que já não existiam no dia em que se trata da distribuição do imposto, é carrega-se sobre esses contribuintes o maximo da contribuição, de maneira que quando se tiram os respectivos conhecimentos não se encontram já os sujeitos que hão de pagar, e assim ficam aliviados os outros da parte da contribuição que foi lançada a esses contribuintes e que não foi cobrada.

O sr. ministro da fazenda podia prestar muitos bons serviços aos interesses do estado, regulando as cousas por fórma que acabassem todos estes abusos.

Isto é perfeitamente exacto.

Pedindo desculpa á camara de ter tomado durante alguns minutos a sua attenção, não quero abusar d'essa benevolencia.

Expendi as minhas considerações, pedindo s& ao sr. ministro da fazenda ò favor e a justiça para os contribuintes honestos, e que Desejam concorrer para as urgencias do estado na medida dos seus haveres, mas que não fiquem uns pagando effectivamente 15 por cento e outros nominalmente 15 por cento, e de facto 5; e quando vier o adicional pagarem 20 ou mais os que pagam hoje 15 por cento, e os outros ficarem ainda aliviados em relação ao que deviam pagar já.

Isto é que revolta mais do que o aggravamento do imposto.

Se o sr. ministro da fazenda poder arcar corá todas as dificuldades e coda todas as contrariedades para chegar á perfeição, se for justo, s. exa. terá uma força extraordinaria, porque quando se é justo tambem se é forte.

Tenho dito.

O sr. Marçal Pacheco: - Sr. presidente tendo eu affirmado no seio da commissão de fazenda, commissão de que faço parte, que assignaria com declarações o parecer em discussão, venho hoje fazer, perante a camara, essas declarações, e fal-as-hei da maneira a mais mansa e pacifica, que ser possa.

Duas são as rasões que me aconselham a este procedimento. Em primeiro logar, a carta constitucional (eu gosto de citar a carta Constitucional, porque a não considero uma mera formalidade...) diz no artigo 35.° que a iniciativa sobre impostos compete privativamente á camara dos senhores deputados. Na minha opinião, quando o legislador estabeleceu este principio, não foi certamente para que a camara dos pares não tivesse intervenção em assumpto de impostos, mas é innegavel que o seu espirito está aconselhando a esta camara formulas circumspectas e moderadas no modo de exercer essa intervenção.

Em segando logar, eu não tenho empenho algum em ser desagradavel ao governo, e, principalmente, no caso de que se trata, ao sr. ministro da fazenda, de quem sou amigo, ha muitos annos, e a quem considero e respeito como um dos mais formosos talentos do meu paiz. Eu teria por mágua propria a de s. exa., se s, exa. tivesse de sair d'aquellas cadeiras sem desempenhar um logar á altura da sua justissima reputação.

N'estes termos, e n'esta serenidade de animo, as minhas declarações vão resumir-se em muito pouco.

Sr. presidente, o projecto em discussão divide-se, naturalmente, em quatro partes" A primeira é a que diz respeito aos- funccionarios publicos; a segunda, a que se refere aos adicionaes sobre as contribuições geraes; a terceira, trata da divida publica; e a quarta, finalmente, tem por fim auctorisar o governo a decretar a reforma dos differentes serviços publicos.

Com respeito á primeira parte, eu não tenho grandes objecções que oppor. Entendo que o estado tem o plenissimo direito de pagar aos seus funccionarios como entender mais justo, dentro das suas faculdades e no limite das suas posses. Ora, todos devem reconhecer que n'uma occasião como aquella em que nos encontrámos, em que a crise é aguda, e o thesouro está exhausto, o estado não póde retribuir os, funccionarios publicos com aquella largueza que seria para desejar. N'uma conjunctura que todos consideram aguda e gravissima, sob o ponto de vista financeiro, claro é que ninguem poderá, de rasão, estranhar que sejam mais modestamente retribuidos aquelles a quem, em occasiões mais desafogadas, o paiz não pediu sacrificios. A unica observação que se me offerece formular é a de sentir que se não fosse mais longe na progressão do imposto. Eu, que sou partidario convicto do imposto progressivo, por entender que elle é o unico que realisa a justiça distribuitiva, em materia de impostos, lamento que a sua applicação parasse na percentagem de vinte, sem que rasão alguma attendivel aconselhasse esta limitação. Verdade seja que num dos paragraphos do artigo, que trata dos funccionarios publicos, se estabelece o limite de ordenado em 2 contos de réis, o que de algum modo responde a esta minha observação, mas logo, n'um dos paragraphos seguintes, se abriram excepções a este limite, excepções que, por isso mesmo, me parecem, alem de odiosas, injustificadas.

Eu cuido que os mais bem retribuidos funccionarios são aquelles que mais facilmente poderão soffrer o sacrificio que as disposições do projecto impõem aos cidadãos do paiz, e, portanto, não logro descobrir o motivo por que a elevada classe dos bispos, por exemplo, deva ser excluida do sacrificio geral. Quando pelo projecto foram tratados com tanta dureza os pobres curas de almas, que passam uma vida attribulada pela já escassa dotação das suas congruas, francamente chega a ser odioso este privilegio em beneficio do alto clero. Felizmente que eu, sr. presidente, alimento a bem fundada esperança de que os bispos verdadeiros, os verdadeiros bispos da Egreja portugueza, que tão irrefragaveis documentos da sua abnegação e patriotismo têem dado em todas as epochas da nossa historia, serão agora os primeiros a prescindir de similhantes excepções, que são, por mais de um motivo, injustificadas. E não sou eu o unico membro desta camara que assim pensa. Sei que muitos dignos pares partilham desta minha esperança. (Apoiados.)

E nada mais tenho a dizer n'este capitulo das reducções aos funccionarios publicos.

Quanto aos addicionaes sobre as contribuições geraes do estado, é tambem da mesma natureza a objecção que tenho a fazer-lhes. Parece-me que seria mais equitativa e mais productiva a incidencia dos novos addicionaes, se, porventura, a progressão não se limitasse a 20 por cento. O meu principio é sempre o mesmo. Paguem mais os que mais

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têem, e pagem progressivamente, e não proporcionalmente, porque só pelo imposto progressivo se realisa a justiça distributiva no sacrificio que o imposto representa.

Passo agora, e rapidamente, á doutrina dos artigos referentes á divida publica, porque não desejo abusar da attenção da camara, que tão benevola está sendo commigo. N'este ponto as minhas objecções, sr. presidente, são decididamente intransigentes que declaro a s. exa. que voto contra todos estes artigos, excepto aquelle em que o governo deseja auctorisação para negociar um accordo com os credores do paiz. As convenções ou acordos são meios de respeitar, e não de preterir direitos e, portanto, não posso Oppor-me, nem cuido que alguem possa oppor-se, á justiça d'esta auctorisação. Mas alem d'este artigo, nenhum outro n'este capitulo obterá o meu voto. Eu voto, sr. presidente, contra todos os impostos, claramente definidos, ou disfarçadamente classificados, que se queiram lançar sobre os titulos dai divida publica. Estes titulos, por contrato preexistente, e escripto no seu teexto, isentos de imposições tributarias. Os credores do paiz não são nem podem ser, como taes, considerados como contribuintes. São entidades juridicas com as quaes a nação estabeleceu e firmou um contrato bilateral. Se n'esse contrato existe, como existe, a clausula de não estar o credor, como tal, sujeito a nenhuma imposição tributaria, é evidente que o estado, lançando-lh'a, quebra a boa fé dos contratos, viola o pacto juridico que firmou, e auctorisa, desde lego, que os cidadãos procedam do mesmo modo para com elle. Fica roto o laço legal a principio de direito em que assentam as sociedades constituidas n'um regimen de civilisação, e, desapparecendo a base da sociedade, só pódé em seu logar assentar-se o arbitrio, a desordem, a anarchia, (Apoiados.) Considerando esta questão de outro modo, suppondo-se que o estado, ou o governo que o representa póde, sob a invocação da necessidade, ou sob qualquer outro motivo, romper a seu talente os contratos que firmou com os particulares, nada será então mais facil ao illustrado ministro da fazenda de que resolver a actual crise financeira. Dirija-se s, exa. ao empreteiro das obras do Porto de Lisboa, faça-lhe no preço da empreitada as reducções que lhe parecerem, fique-lhe com as obras, e mande o embora. Volte-se para a companhia do norte e leste, tome-lhe posse das linhas do material circulante e de todos os haveres, explore-a em proveito do thesouro, o não pague os encargos que a oneram, ou pague-os com a reducção que julgar conveninte. Diga á companhia do monopolio dos tabacos que está rescindida a sua concessão, lance o imposto que for preciso ás obrigações desta procedencia, e recupere d'este modo com utilissima vantagem para o thesouro, a posse e a propriedade d'esta importantissima receita publica... E procedendo-se por esta fórma, em favor da qual se podem allegar exactamente os mesmos principios que se allegam para tributar os credoras do, estado, não haverá difficuldades nenhumas a vencer na resolução do problema financeiro. (Apoiados.)

Mas uma medida desta ordem, sr. presidente, não é só iniqua e subversiva sob o ponto de vista do direito, afigura-se-me tambem injustificavel e inoportuna em relação ao paiz, no actual momento. É sabido que o governo precisa de recorrer ao credito, estrangeiro ou nacional, n'uma epocha proxima, a fim de acudir ao pagamento immediato dos encargos que oneram o thesouro, e têem de ser solvidos a curto praso. Ora, não ha de ser das mais vantajosas situações esta de se apresentar um ministro a subserever contratos da mesma natureza d'aquelles, a cujo cumprimento acabou de faltar! Se o governo de um paiz assigna, num dia, com uma das mãos, pactos e compromissos que se obriga a cumprir, e assigna, no dia seguinte, com a outra mão decretos e leis que representam a violação flagrante das obrigações anteriormente contrahidas, não chego a descobrir com que mysteriosa mão ha de esse governo assignar, amanhã, novos contratos, de modo que valha para alguma cousa ou seja tida em algum credito a sua nova e incomprehensivel assignatura! Até sob o ponto de vista dos proprios interesses do paiz, me parece, portanto, que esta violenta reducção dos juros ou do capital da divida publica de nenhum modo se justifica. Eu bem sei o que o Ilustrado ministro da fazenda póde allegar em sua defeza. Póde dizer-me que se não trata de um novo imposto sobre os titulos da divida do estado, mas sim de um augmento do imposto de rendimento, na importancia de 2 1/2 por cento, imposto que já existe lançado, e que s. exa. não creou nem inventou. É verdade. Mas este argumento, que é o dos precedentes, e que tanto costuma calar no espirito das nossas assembléas parlamentares, se colhe e é de primeira força para o parlamento, não o é para mim, que não creei, não inventei, e não votei similhante attentado. E convem ponderar ainda que uma espoliação de 2 1/2 por cento, se não se justifica, porque nenhuma espoliação, qualquer que seja o seu alcance, se justifica, de nenhum modo póde comparar-se á de 30 por cento, que se encontra estabelecida no actual projecto. Eu poderia ainda sobre esta materia fazer muitas outras e largas considerações, mas, propositadamente as omitto, sr. presidente, porque o meu fim é dizer apenas quanto seja bastante para justificar o meu voto. Tambem, como já tive occasião de dizer no começo d'estas minhas pacificas declarações, não é meu desejo ser desagradavel ao meu distiricto amigo, o illustrado ministro da fazenda, que mal terá tempo para arcar com as difficuldades angustiosas que o cercam, e, por isso, nada mais direi sobre este assumpto.

Em relação á ultima parte do projecto, qne se refere ás auctorisações, neste ponto nada tenho a objectar. Nem as rejeito nem as approvo; não tenho confiança nem desconfiança no governo; aguardo os acontecimentos para dizer d'elles com conhecimento e justiça.

Terminando, devo ainda formular um voto, e é que folgarei muito, e creio que commigo toda a camara, que permitta o destino que o meu nobre amigo e talentoso ministro da fazenda, ao pôr em pratica as suas actuaes medidas, não consiga apenas transferir o deficit do corpo do orçamento para o debilitado corpo da nação. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Gouveia (relator}: - Poucas palavras tenho a dizer em resposta aos dignos pares que acabam de fallar sobre o projecto, porque na realidade pouco o atacaram; e o proprio sr. Marçal Pacheco o defendeu em muitos pontos.

S. exa. dividiu o projectem quatro partes: a primeira, relativa aos funccionarios publicos; a segunda, ás contribuições; a terceira, á divida publica; e a quarta, ás auctorisações concedidas ao governo.

Com relação aos funccionarios publicos, s. exa. queria que a progressão fosse um pouco maior e excedesse 20 por cento.

Mas s. exa. no mesmo projecto tem uma parte que corrige esse defeito, que é o maximo fixado na lei, de 2 contos de réis. S. exa. referiu se sobre isto mais particularmente a uma excepção que encontrou na alinea a do § 6.°, desejando que ella não existisse. S. exa. referiu-se especialmente ao alto clero, que não duvidou chamar caritativo, mas a ultima parte d'esse paragrapho corrige o defeito que s. exa. encontra no projecto. Ahi se diz que os vencimentos d'esses funccionarios serão fixados pelo governo.

Logo, emquanto não forem fixados, não podemos dizer nada a este respeito.

Mas como a lei não vigora senão até ao fim do anno civil, teremos então occasião de modificar estes ordenados se não tiverem sido fixados com justiça e economia.

Relativamente ás contribuições, desejava tambem s. exa. que a progressão não parasse nos 20 por cento, mas se for examinar os registos respectivos, ahi verá que poucas

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excedem os algarismos marcados no projecto; e, por conseguinte, ha de convencer-se de que a nova taxa vae recair na maioria das contribuições.

Em relação á divida publica lamentou s. exa. que o sr. ministro da fazenda propozesse uma medida que lhe parece constituir uma quebra de contrato com os possuidores dos respectivos titulos.

Nós todos lamentâmos que fosse necessario apresentar essa proposta, e de certo o sr. ministro da fazenda procuraria outro meio de sanar as difficuldades que se lhe offerecem, se a fazenda publica estivesse em melhor situação.

Mas não podemos prescindir de recorrer a este meio, e s. exa. sabe bem as rasões, porque, para saldar a divida que é enorme, nenhum de nós vota com prazer similhante sacrificio, e ao sr. ministro da fazenda bem custou propol-o, mas é a força das circumstancias que nos obriga a todos.

Entende s. exa. que ficâmos inhibidos de recorrer ao credito pelo facto de tributarmos as inscripções, o que, na opinião do digno par, representa uma quebra do contrato. Mas temos por outro lado a serenidade, o socego com que a nação recebe este imposto, porque todos reconhecem que é indispensavel.

Importa isto uma garantia muito seria e muito solida, alem da confiança que o governo inspira, como todos reconhecem, e como o declararam n'esta e na outra casa do parlamento os chefes dos principaes partidos, porque elle está disposto a entrar n'um caminho diverso do que se tem seguido até hoje, e, em todos os ramos de administração, fazer as economias que forem susceptiveis com o bom funccionamento dos serviços publicos.

Parece-me que não tenho mais nada que acrescentar com relação ao que s. exa. acaba de dizer.

O sr. Marquez de Pombal: - Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte moção:

(Leu.)

É inutil justificar esta moção, ella traduz os sentimentos de que a camara se acha possuida n'este momento solemne; foi por certo com estes sentimentos que o governo apresentou este projecto de lei á camara dos senhores deputados, e que essa camara o votou.

Sr. presidente, não ponho era duvida o patriotismo dos portuguezes, tantas vezes experimentado, se as suas finanças se encontram n'um estado deploravel, por circumstancias que julgo inutil apreciar n'esta occasião, espero em Deus que elles saberão mostrar ao mundo civilisado que estio promptos a fazer todos os sacrificios para levantar a honra de Portugal, e sustentar os seus brios tradicionaes.

Tenho dito.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, ha muito tempo que não fallo n'esta camara, ha muito tempo que a minha humilde palavra se não faz ouvir n'este recinto! Tão grande, tão profundo tem sido o meu soffirimento physico e moral, e tão acerba a dor que me vae n'alma, que não tenho tido forças nem animo para cousa alguma,! Subiram ao poder os cavalheiros que se sentam n'aquellas cadeiras (apontando para as cadeiras dos ministros) e o som da minha voz ainda não despertou os echos d'esta casa! Aproveitarei, pois, hoje o ensejo de apresentação das medidas de fazenda para fazer declarações em nome do porto franco, e de dizer tambem o que penso e o que sinto ácerca do novo gabinete, e da situação triste e deploravel que o paiz está, atravessando.

Mal diria eu, sr. presidente, que os meus vaticinios que as minhas prophecias se haviam de realisar tão cedo! Mal diria eu, sr. presidente, que os presentimentos intimos que eu tinha tão vivos haviam de ser hoje uma realidade! Já de muito longe, ao observar a marcha errada que os diferentes partidos e os seus respectivos governos seguiam na governação do paiz e na administração da fazenda publica, eu tinha previsto este estado de cousas, esta situação difficil e arriscada.

Os gastos immoderados sem conta, peso nem medida, as despezas luxuosas, enormes e superfluas ás vezes, o pouco escrupulo na applicação dos dinheiros publicos, as grandiosas obras emprehendidas insensatamente sem as respectivas receitas, os syndicatos levantados por encanto por capitalistas phantasiosos nascidos do momento, o abuso continuado do credito, e a especulação constante de muitas entidades desconhecidas até certa epocha haviam de fatalmente de conduzir o paiz a este cataclismo tremendo, a esta derrocada funestissima, que terá por epilogo a bancarota com todo o cortejo funebre de horrores, e por fim a sua ruina completa com a perda da autonomia, se não lhe accudirmos a tempo, se não lhe accudirmos já.

O projecto que está na tela do debate é a prova provada das minhas affirmações.

As medidas ásperas, os remedios energicos que o governo propõe, as providencias severissimas que elle quer ver sanccionadas por serem urgentes e indispensaveis, provam á evidencia que o mal é grave e profundo, e que se vae alastrando por tal fórma, que se agora não lhe pozerem um dique, mais tarde será difficil e impossivel até.

N'esta conjunctura difficil e precaria em que o paiz se acha, n'esta crise angustiosa e afflictiva é dever de todos aquelles que são portuguezas, de todos aquelles em cujas veias corre sangue portuguez, pôr de parte as rivalidades politicas, os odios inveterados, as paixões ruins, os despeitos mal cabidos, os interesses e caprichos de qualquer ordem que sejam, e acercarem-se do governo para lhe darem toda a força e apoio de que carece para levar a cabo a sua ardua, e escabrosa missão.

Ao governo cumpre-lhe não desmerecer da confiança que hoje o paiz tem nelle, confiança que o levou ás cadeiras do poder. Ao governo, pois, cumpre-lhe satisfazer á anciedade geral, e ás necessidades mais instantes da nação.

Espinhosissima e difficilima é a sua missão, mas é ao mesmo tempo patriotica e elevada. Missão que jamais o governo poderá levar a cabo senão por um governo do paiz para o paiz, isto é, um governo que tendo o seu programma bem claro e definido, e assente nos principios e doutrinas que o sr. presidente do conselho, eu e os meus amigos temos evangelisado durante annos e annos, e, a despeito de todas as difficuldades e sacrificios, marche, com passos firmes e seguros, direito ao seu alvo sem lhe importar com os alaridos e queixumes dos interesses illegitimos mal feridos, sem lhe importar com as diatribes acrimoniosas dos periodiqueiros, nem com as accusações injustas que lhe fizerem, sem lhe importar com queixas nem com os pedidos da direita nem da esquerda, nem com vaidades nem com caprichos sejam de quem quer que for, e venham de onde vierem. O programma do governo deve ser bem claro e definido, para que o paiz comprehenda que as doutrinas que elle affirma são as da moralidade, da justiça, da liberdade, da ordem e da economia sempre sustentadas por nós em todos os tempos e em todas as epochas.

O governo deve lembrar-se que a grande força que tem lhe vem do paiz e só do paiz, lhe vem da verdadeira opinião publica. Não lhe vem nem do parlamento, nem dos partidos, vem-lhe da convicção em que o paiz está de que vão acabar os velhos processos de governar e do administrar, e que serio substituidos por outros novos, faceis, claros, moraes, justos e economicos.

O paiz está sequioso de justiça e faminto de moralidade e de economia na administração publica, e por isso esperançado volve os olhos para o actual governo. Nada, pois, de fraquezas, nada de transigencias, mostre o governo que tem pulso forte e energico, e satisfaça o paiz nas suas aspirações.

Compenetre-se bem o sr. Dias Ferreira da sua altissima responsabilidade e lembre-se que o paiz o contempla espe-

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rançado, e que os olhos de todos estão voltados e fitos hoje em s. exa. O paiz reclamava-o ha muito tempo, a experiencia havia de fatalmente de fazer-se. Se ella falha, se s. exa. faz fiasco, teremos provavelmente as desordens, os disturbios, e talvez a guerra civil e a anarchia. Ai então de nós! Ai do paiz! O menos que nos espera é a sorte do Egypto.

Compenetre-se, pois, s. exa. da sua augusta e elevada missão. Levante de todo o véu, e deixe ver ao paiz o seu triste e esfarrapado sudario para que elle comprehenda bem a sua miseria, e o estado lamentavel a que o conduziram, depois metta mãos á obras com decisão, sem hesitações nem receios, passe por cima de todos os obstaculos, vença todas as difficuldades sem lhe importar com os partidos, nem com o apoio do parlamento se elle não lh'o quizer dar. Eu creio que o parlamento comprehende bem a sua missão e responsabilidade, e por isso não se prestará a ser instrumento de vaidades balofas, nem de caprichos repugnantes.

As doutrinas proclamadas pelo sr. Dias Ferreira, as suas idéas e principios, satisfazem perfeitamente á anciedade e aspiração publica e ao nosso ideal politico. Ponha-as pois em pratica; vá direito ao seu fim, sustentando sempre na mão a bandeira da ordem, da liberdade, da justiça, da economia e da moralidade. (Apoiados,)

No apoio da opinião ahi tem o grande elemento para realisar o que tantas vezes proclamou como orientação unica possivel de qualquer governo que quizesse fazer mais alguma cousa do que politica, governo do paiz pelo paiz, governo de ordem, liberdade, justiça, economia e moralidade. (Apoiados.)

São essas as idéas que nós, com s. exa. eu e os meus amigos, temos evangelisado, na fé que um dia chegariamos á terra da promissão.

Espero, pois, que o governo metta hombros á obra, sem transigir, sem satisfazer vaidades nem caprichos, sem se prestar a imposições, (Apoiados.) venham de onde vierem!

Sr. presidente, eu como estou identificado n'esta santa cruzada que o sr. presidente do conselho, eu e os meus amigos, prégámos e preparámos durante longo tempo; como desejo que as idéas e doutrinas por nós sempre evangelisadas sejam realidade, devo empenhar pela minha parte todos os esforços n'esse intuito, e fallar com todo o desassombro ao governo, mostrando-lhe como amigo leal os perigos e precipicios em que póde caír.

Desculpe, pois, o governo a minha franqueza, e permitta-me que lhe diga que dois actos da sua gerencia têem impressionado mal o publico, e tirado ao governo força e prestigio.

O primeiro acto foi a declaração do sr. ministro da fazenda na camara dos senhores deputados, de que não tocaria nos quadros do exercito.

Este acto tirou-lhe força e não lhe grangeou as sympathias do exercito.

Foi impolititico o sr. ministro da fazenda n'esta declaração abrindo uma excepção odiosa a favor de uma classe forte e poderosa.

Sem querer fazer a mais leve censura a s. exa., devo comtudo dizer que s. exa. foi injusto para com o proprio exercito. O exercito é o defensor da patria, é o primeiro que comprehende que a occasião é difficil e está prompto a fazer tambem sacrificios. Nem de esperar era que hesitasse quem a todo o momento está disposto a sacrificar pela patria até a vida.

O que o exercito quer e quer tambem o paiz é que o governo não transija com os escandalos de qualidade alguma. O que o exercito quer e quer tambem o paiz é não ver nos altos logares aquelles que mais concorreram para este estado de cousas e que se estão locupletando á custa do paiz emquanto se vão pedir sacrificios enormes aos servidores do estado.

Aqui tem v. exa. o que o exercito quer e quer todo o paiz.

O que todos querem é que se cobrem as dividas que os caloteiros devem ao estado e que entrem nos cofres publicos os direitos de mercê pelas graças e condecorações recebidas e que se acham em divida ainda. O que o exercito quer e quer o paiz é que não se poupem sinecuras nem conservem tribunecas, que não continuem a dar gratificações fabulosas aos afilhados que não trabalhem, emquanto aos funccionarios que trabalham se lhes pede talvez o indispensavel. Eis aqui o que o exercito e o paiz querem.

O outro acto do governo que tambem produziu má impressão no publico foi a segunda portaria do sr. ministro das obras publicas ácerca dos institutos industriaes de Lisboa e do Porto.

O publico viu n'essa portaria pressão de alguem, e sentiu que o ministerio não comprehendesse que a força toda não lhe vem do parlamento nem dos partidos, mas sim da convicção em que está o paiz de que o antigo systema de governar vae desapparecer. O governo deve tambem convencer-se de que as maiorias parlamentares não estão resolvidas a ser instrumento de vaidades nem de caprichos de pessoa alguma, mas se o quizessem ser, o governo devia passar por cima d'ellas porque tinha o apoio do paiz.

Sr. presidente, eu aponto estes dois factos ao governo porque sou seu amigo leal e desejo que elle cumpra e desempenhe a sua missão no interesse da patria e se redima pelos seus actos d'estas duas faltas.

Sr. presidente, vendo entrar na sala o sr. presidente do conselho, devo repetir em resumo a s. exa. o que já tive occasião de dizer, isto é, que o paiz tem os olhos fitos em s. exa., que o paiz espera muito de s. exa., que o paiz tem a sua ultima esperança n'esta experiencia que se está fazendo, e mal nos vae a todos se ella falha. A perda será grande, será enorme, póde até ser fatal, porque póde ser a da autonomia.

É pois grande, enorme tambem a responsabilidade da s. exa.; não lhe faltam porem todos os elementos, para a victoria pois entre os mais valiosos, está a grande força da opinião.

Use o governo da força que tem sem se importar nem com interesses feridos, nem com imposições, sejam ellas de quem forem, venham ellas d'onde vierem.

Governe s. exa. com o seu programma, programma que sustentámos ha tantos annos, que eu e os meus amigos o acompanharemos leal e desassombradamente. Se se afastar d'essas idéas e d'esses principios, o que eu não creio, não conte comnosco.

Eu e os meus amigos votámos este projecto, e votariamos outro ainda de maior gravame, porque as circumstancias o impõe e porque é urgente e indispensavel, não vi nem na outra casa do parlamento, nem n'esta, apresentar outra proposta melhor. Este projecto é um expediente de occasião, e vota-se porque não appareceu outro que melhor satisfizesse.

Votâmos este projecto apesar de nem eu, nem os meus amigos termos concorrido para este estado de cousas, que se têem aggravado até ao ponto que se vê.

Votâmos, sr. presidente, porque vemos representadas no poder as nossas idéas e os nossos principios, e porque vemos que o governo tem hasteada a bandeira da liberdade, da justiça, da ordem, da economia e da moralidade, que tem sido, é e ha de ser sempre o nosso programma, e por isso não podemos deixar de lhe dar toda a força emquanto proceder correcta e acertadamente.

Sr. presidente, vou concluir fazendo ainda mais uma vez votos para que o sr. presidente do conselho aproveite a força que o paiz lhe dá e que mostre que tem pulso e energia para affrontar as enormes difficuldades da situação, e afastar de si os falsos amigos, e sobretudo os industriosos e especuladores, que não se importam dos meios de que se servem e que só tratam de enredar os governos

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nas difficuldades e perigos por onda melhor lhes apraz con- os que conhecem especialmente os negocios a que ellas se duzirem as suas especulações.

Governe, pois, com a força que tem, que é muita, para resolver os difficeis problemas que tem a resolver, e o paiz saberá fazer-lhe justiça agradecendo, como agora lha faz confiando.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu o seu discurso.)

O sr. Francisco Simões Margiochi: - Peço a v. exa.

que consulte acamara se quer que se prorogue a sessão até se votar este projecto.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Margiochi requer que se prorogue a sessão até se votar o projecto em discussão.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantarem.

Foi approvado.

Q sr. presidente do Conselho de Ministros (José Dias Ferreira): - Sr. presidente, começo por agradecer ao digno par, o sr. Vaz Preto, as palavras de Louvor e benevolencia que dirigiu a todo o governo, sobremodo penhorando o governo, a cada um de noa em particular, e especialmente a mim.

Sr. presidente, nós caminhâmos todos na mesma direcção, e Deus nos livre, de que neste momento houvesse mais de um programma, e governo, camaras e paiz tivessem intuitos differentes sobre o modo de resolver a crise. A união de todos impõe-se e exige ao interesse commum, a salvação do paiz.

Sr. presidente, nós temos trabalhado, tanto quanto, animados da melhor vontade cabia no curto periodo decorrido da nossa gerencia, e o sr. ministro da fazenda sobre quem pesam maiores difficuldades n'este momento, apesar de que a responsabilidade é de todos nós, já do seu excessivo trabalho teve até de resentir-se na sua saude; por minha parte, eu, não tenho deixado um unico dia de semana e até nos dias santificados de estar no ministerio do reino trabalhando nas reformam. Mas eu digo ao digno par que o governo, procedendo á reorganisação dos serviços publicos, para este trabalho precisa de estudo, de tempo e de informações que não se podem colher rapidamente. As providencias que se podem tomar sem mais demorado estudo, essas estão resolvidas.

Logo que seja convertida em lei a proposta que está pendente do exame d'esta camara, serão publicadas pelo ministerio de instrucção publica todas as reformas que se podiam fazer trazendo economias de algum valor para o paiz, independentemente de mais detido exame e informações de que outras carecem, para que a um tempo consigam reduzir a despeza, melhorando e nunca prejudicando os serviços a que se referem.

Sr. presidente, outras reformas ha que terão de se demorar algum tempo, mas todas aquellas que se poderem effectuar sem longo exame serão publicadas successivamente antes do encerramento das côrtes.

O digno par póde calcular que tendo entrado este governo para os conselhos da corôa com o parlamento aberto, não póde elle dispor do tempo necessario para pensar em certos assumptos da governação publica, e que por isso luctou com difficuldades que deixariam de existir, se tivesse dois ou tres mezes diante de si para apresentar ás côrtes trabalhos já delineados e preparados no interesse da causa publica.

Sr. presidente, quando o governo declarou na camara dos senhores deputados que não pensava em tocar nos quadros do exercito, procedeu d'esta fórma, não por motivos nenhuns politicos, nem por circumstancias nenhumas alheias aos interesses publicos; procedeu assim, porque o governo está convencido de que um certo numero de reformas precisamente para que mais aproveitem ao interesse do paiz, só devem ser publicadas depois de um estudo demorado e reflectido, e feito com o auxilio de todos referem, porque em assumptos importantes, como o de que se trata, todas as reformas que haja a realisar, não sendo precedidas de um exame demorado, em vez de serem uteis, podem prejudicar os serviços; emquanto que, sendo ouvidas as pessoas mais conhecedoras das necessidades de cada um dos serviços, rodeado o governo de todas as informações e elementos, póde bem fazer se uma reforma que, sem faltar ás necessarias reducções na despeza, sem prejudicar a disciplina do exercito e o em desagradar a nenhumas das armas de que elle se compõe, o possa deixar n'um pé perfeitamente consentaneo ás circumstancias em que se encontra o paiz e ás necessidades do mesmo exercito.

Sr. presidente, uma reforma nos quadros do exercito sem um maduro exame, póde prejudicar a disciplina do mesmo exercito, póde concorrer para a sua desorganisação, e nós não queremos o exercito desorganisado; pelo contrario, queremos o organisado de fórma que possa satisfazer ao fim a que é destinado, e garantir contra qualquer perigo a autonomia da nação.

Portanto, não houve nenhum intuito politico, nenhuma fraqueza governativa, mas unicamente o desejo de estudar reflectidamente o assumpto, de ouvir sobre elle todas as pessoas competentes, para a final sair um trabalho que possa ser util ao exercito e que esteja perfeitamente dentro das forças do thesouro.

Agora, respondendo á outra parte do discurso do digno par, eu assevero a s. exa. que o programma do digno par é o programma do governo.

Nós tratamos de apresentar estas medidas, que são medidas de occasião, e urgentes, mas nós não nos limitâmos a apresentar estas medidas, que eu sou o primeiro a concordar em que são medidas de occasião, violentas e crueis, mas absolutamente indispensaveis para evitar maiores males.

Nós não tinhamos agora tempo para escolher livremente medidas mais ou menos vantajosas. Tivemos apenas tempo para escolher entre as medidas mais ou menos violentas. O interregno parlamentar nos dará tempo para estudarmos sobre novas bases os differentes ramos de serviço publico, e para em seguida irmos trazendo á camara, desde que não estejam na alçada do poder executivo, todas as reformas que estão sendo instantemente reclamadas.

Eu comprehendo as minhas responsabilidade" e as do governo, e somos os primeiros que não nos suppomos quites perante a nação e perante o parlamento senão tomando sem demora todas as providencias que cabem na alçada do poder executivo, e trazendo ás côrtes aquellas que carecerem da sua sanação e que forem absolutamente indispensaveis para a reorganisação financeira e economica do paiz.

E assim procedendo, todo o governo está compenetrado e convencido de que havemos de merecer ainda mais, se é possivel merecer mais, da benevolencia do digno par, e da confiança do parlamento, e de que havemos de satisfazer á confiança com que nos honrara.

Vozes: - Muito bem.

(O sr. presidente do conselho não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. marquez de Pombal.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

A camara dos dignos pares do remo, com o mais profundo pezar, conforma-se com o parecer da sua commissão de fazenda, sobre o projecto n.° 73, vindo da camara dos senhores deputados, visto não haver outro meio de occorrer de prompto ás deploraveis circumstancias do thesouro, e como medida de salvação publica.

A camara sente vivamente os sacrificios que esse projecto de lei impõe ao paiz, especialmente aos credores do estado, nacionaes e estrangeiros; e espera que essas medidas, as economias provenientes da remodelação dos

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serviços publicos, que o governo fica auctorisado a decretar, e o fomento da industria nacional, possam brevemente regenerar as nossas finanças, e pôr termo aos sacrificios extraordinario" impostos pela crise actual.

Sala das sessões em 23 de fevereiro de 1892. = Marquez de Pombal.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta moção, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida, é ficou em discussão conjunctamente com, o projecto.

O sr. Conde do Bomfim: - Na altura em que vae o debate, pouco tempo desejo tomar á camara.

Pedi a palavra na sessão anterior, quando o sr. presidente do conselho fazia referencia ás responsabilidades que a cada um pertencem nos negocios do estado, por me lembrar que a questão agora sabmettida á nossa apreciação é na sua essencia a, questão do imposto de rendimento de 1880, diferindo sómente em que agora .elle é mais aggravado que n'aquella epocha e que eu e o sr. presidente do conselho seguimos o mesmo rumo, impugnando então é imposto do rendimento, rejeitando-o mesmo, e essencialmente notando a injustiça d'elle ir ferir desigualmente aquelles que, com grave sacrificio, tinham conseguido, um pequeno capital em inscripções.

E, ainda pensei que, se o sr. presidente do conselho, pela força imperiosa das circumstancias, justificava agora a apresentação d'estas medidas, era forçoso que eu debaixo do peso de uma apprehensão tão grave, não calasse as ras5es que me podiam levar a seguir o seu novo caminho, e provasse qual era a minha coherencia na apreciação das propostas financeiras.

Os homens publicos são accusados de responsabilidades, mesmo porque se não oppõem a que certas medidas passem, e não só porque as apresentam ou conseguem fazel-as passar.

Explicada pois se acha a minha intervenção na discussão.

Mas as responsabilidades financeiras sr. presidente, é facto que não offerece contestação,- que não são unicamente para aquelles que fomentam a riqueza publica ainda mesmo que usem o recurso ao credito.

O mau emprego dos capitães, provenham de onde provierem, ou o seu desvio das applicações uteis é que póde desequilibrar os orçamentos.

Assim, certamente, cada um tem ou deve ter as responsabilidades que lhe impendem ou pedir-se-hão a quem pertencerem.

E que a receita publica se augmenta, não só pelo imposto, mas pelo alargamento da materia collectavel, são principios que não soffrem divergencias.

E assim que sendo conhecido ò partido regenerador, como dizia José Estevão, por um grande empreiteiro de obras publicas, não padece duvida que os principios postos, n'um relatorio do sr. Serpa Pimentel, em que dizia que alargava a, materia collectavel porque estava persuadido que este meio tinha contribuido essencialmente para o augmento de receita publica com mais de metade em relação ao imposto, são perfeitamente justificados e acceitaveis.

E já Mousinho da Silveira dizia que querer finanças de gente pobre era idéa verdadeiramente turca.

Mas se o facto carecesse de demonstração, nenhuma mais cabal poderia ser adduzida do que o que se tinha passado na Belgica com a construcção das suas linhas ferreas que cobrem todo aquelle arrojado paiz, dizendo mr. Malou, em 1867, que pelo lado financeiro e economico, o producto dos caminhos de ferro e telegraphos dá mais da quinta parte de todo o orçamento de receita, e o seu producto liquido satisfaz aos juros e amortisação de toda a divida proveniente de obras publicas.

Portanto este systema, aproveitando as circumstancias, não é condemnavel. Mas se o systema opposto é o seguido na presente conjunctura, é porque as circumstancias são outras, e d'aqui vem a sua justificação por parte do governo, apresentando as suas propostas como medidas de salvação publica. E é só assim que se podem, justificar.

E dito isto de passagem, entremos já em materia e apreciemos.

Sr. presidente, se estai medidas são de salvação publica, deviam ellas, segundo os economistas, e segundo Proudhon, tocar sem. distincção todas as classes de cidadãos. E, acrescenta Proudhon, que é o que esquecem muitas vezes os cortezãos do proletariado, como os da burguezia. Uns pedindo o imposto muito progressivo, outros o imposto sobre os alugueis, outros sobre o rendimento. E cada um quer que o fisco fira o vizinho poupando-o a elle.

Assim, pois, parece que não se deviam acceitar isenções no projecto, e havendo-as, não se podia deixar de attender a outras igualmente importantes.

Sr, presidente, antes que eu diga a rasão por que insisto neste ponto, levado pela minha coherencia, com os principios que advoguei em 1880, permitta-me a camara que lavre mais uma vez um protesto, pela ausencia do sr. ministro da guerra, quando são aggravados os interesses da classe militar e se lançam reptos e insinuações contra uma instituição que tanto merece do paiz, sem que uma só vez s. exa. a quem- incumbe zelar pelo seu prestigio, venha levantar as accusações que se lhe lançam.

Sr. presidente, eu com mágua faço estas observações, porque o meu desejo não é aggredir o governo, pois eu não pergunto de onde vem os ministros, se da Cortegana, se teem p baptismo da coroa, ou o baptismo da Igreja, mas preciso saber para onde vão, se são ministros constitucionaes, e portanto se tomam a responsabilidade dos seus actos perante o parlamento.

E, certamente que, na occasião em que se propõem isenções para o exercito, e se pedem auctorisações amplas para o reformar, era dever do ministro titular da pasta da guerra, seguindo o conselho liberal dos seus collegas, discutir com o parlamento estes assumptos, justificar as excepções, e descortinar o seu pensamento de administração. Com isto ganhava s. exa., ganhavam todos, e o prestigio das instituições.

Não basta que o sr. presidente do conselho nos assegure que a reforma dos serviços exigirá competencias especiaes, é preciso que sobre a reforma brilhe a luz da discussão parlamentar, e que os que hão de nascer ministros não sonhem já antes em nascer dictadores.

Para quem se préza de ser liberal não se arreceia de defender as suas medidas perante as assembléas legislativas.

E eu lamento-me tanto mais desta falta na discussão de negocios que se referem ao organismo militar, quanto d'ella me resultará falta de confiança a este respeito que poderia deixar de existir, com meras explicações.

A questão que se debate tem uma parte que se refere ao imposto, e outra ás auctorisações para reformas e é esta ainda a parte que para mim se torna mais grave, pelas rasões que expuz.

Emquanto á primeira, disse eu que, não devendo haver isenções, desde que se estabelecem, nada justifica que incida sobre a pequena economia de meia duzia de inscripções, o imposto, por que embora eu partilhasse a maior sympathia pela beneficencia publica e a julgasse digna de toda a attenção, a minha sympathia redobra pela pobreza envergonhada, por aquelles que tinham um pequeno peculio de inscripções, e é agora envolvido por um imposto pesadissimo, que não onera o industrial nem o funccionario até um certo limite.

Eu sou coherente com o que já sustentei, e tendo do meu lado o illustre presidente do conselho espero que elle faça valer a sua propria argumentação para com o governo.

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O illustre presidente do conselho sustentou que um rendimento minimo de 3$000 réis de uma inscripção de réis 100$000, pagava de imposto com os 3 por cento 90 réis, alem do sêllo e reconhecimento do tabellião, o que era uma grave desigualdade em relação á isenção de 150$000 réis annuaes do industrial e do funccionario. E, portanto, essa desigualdade, augmentando de menor para maior, sobe muito, aggrava-se muitissimo, desde que a inscripção de 100$000 réis paga de imposto em 3$000 réis annuaes 900 réis, alem do sêllo e reconhecimento, e o minimo de isenção para outras classes é ainda mais elevado!

Portanto, se o governo pela força das circumstancias, pelas circumstancias especiaes, tem direito a usar do imposto como o apresenta, nem por isso deixará, satisfazendo aos preceitos economicos, de attender a equidade tão manifesta, marcando .um limite minimo para as inscripções, dos que vivem d'este rendimento.

É esta indicação que eu espero que o governo acceite.

Agora referir-me-hei ás auctorisações e essencialmente ás que dizem respeito ao ministerio da guerra. Mas antes formularei as seguintes perguntas ao governo.

Primeira, se o governo tenciona contratar algum emprestimo para consolidar a divida fluctuante, e outros debitos do thesouro e principalmente ao banco de Portugal a fim de lhe fortalecer a sua reserva metallica?

Segunda, tenciona o governo fazer alguma hypotheca aos credores estrangeiros, visto que no projecto se estabelece uma verba especial para os encargos da divida publica?

E faço esta pergunta porque desejo que o governo me diga muito clara e categoricamente se esta verba especial não poderá ser considerada como hypothese, o que eu acho seria uma grande exigencia difficil de ser acceita.

Terceira. Que o governo diga qual a summula do seu pensamento financeiro para o fim do anno de 1893, em que termina a duração das propostas actuaes. Desejava que ficasse expressa a declaração do governo neste sentido, pois parece-me que a proposta do governo é de se julgar transitorio este periodo de provação, e que o governo propondo as medidas por este periodo, certamente terá estudado o problema financeiro, e saberá quaes os recursos de que conta lançar mão para modificar as actuaes propostas, não desequilibrando o orçamento.

Quarta, se o governo tenciona tomar alguma medida de execução pratica para cobrar os direitos de mercê em divida, reduzindo os mesmo aos refractarias ao seu pagamento.

Finalmente e quinta pergunta, se na transmissão da propriedade, tornará providencias, para que não fique mais aggravada.

(Interrupção do sr. presidente do conselho que não se ouviu.)

Agradeço e acceito a indicação do sr. presidente do conselho de me responder na especialidade do projecto.

E agora, emquanto ás auctorisações, se ellas se referam á remodelação de serviços, se o governo tencionam melhorar a instituição militar, .se o governo desejar satisfazer á questão economica, para que os minimos de isenção na alta hierarchia militar não sejam objecto de reparo para que a instituição progrida e não feneça, não póde certamente o governo, tomando para base o que se acha em outros paizes nos exercitos de Allemanha e da França, e muitos outros, deixar de fixar um limite de idades para os officiaes, fazer alterar as reformas militares, estudal-as paralellamente com as aposentações dos outros empregados, estabelecer minimos de ordenado para todas as classes e effectuar reducções em outras despezas, pois d'estas diversas disposições resultará, alem do aperfeiçoamento da instituição que será melhor representada quanto mais escolhidos forem os seus quadros, que a questão financeira não será prejudicada.

E, sr. presidente, rematando direi que o problema financeiro e economico é sempre complexo, não se resolve, senão em globo, considerando todos os variados assumptos que a elle se ligam.

É por isso que, as auctorisações que se referem ao exercito, porque eu não sei trahir os interesses d'esta classe, tão estreitamente ligados aos interesses da nação que represento, não posso votal-as sem bases, sem ao menos, uma indicação sequer, do ministro que dirige os seus destinos.

Não é duvidar das intenções do governo, não é hostili-sal-o, mas simplesmente obedecer á minha consciencia.

A questão militar é estreitamente connexa com a questão financeira, e mais do que tudo está estreitamente ligada com os sagrados interesses do meu paiz.

Votarei as medidas financeiras que conheço, mas não as auctorisações em que desconheço todo.

Ainda ha pouco o digno par o sr. Vaz Preto nos dizia que era urgente com medidas, embora crueis, robustecer o credito e salvar as nossas finanças, porque amanhã poderiamos ser ameaçados na nossa autonomia.

É uma verdade.

Portanto, eis a rasão por que e preciso pensar conjunctamente na questão militar, como na questão financeira com todo o cuidado, zêlo e abnegação.

Se por um lado é preciso providenciar para que a nossa situação economica se não torna completamente desesperada e não sobrevenha um abalo violento ao credito da nação portugueza, por outro é necessario que não percamos o terreno que pisâmos, a nossa autonomia. E, que, quando a nossa independencia for ameaçada a saibamos defender até ao ultimo alento com as armas na mão, como fazem todos os povos livres que amam a sua independencia.

E d'aqui vem a gravidade da questão financeira e & importancia da questão militar.

Era isto, em resumo, o que "u tinha a dizer, e peço á camara me releve o quarto de hora que lhe tomei.

O sr. Conde do Restello: - Sr. presidente, tendo na qualidade de presidente da junta do credito publico o meu nome ligado ao de alguns cavalheiros que têem gerido a pasta da fazenda, e tendo sob a nossa firma emittido titulos de divida publica, aonde entre outros dizeres se affirma que aquelles titulas são isentos de decima, ou de quaesquer outras imposições; apesar da muita confiança que deposito no actual gabinete; apesar da muita confiança que deposito no meu honrado chefe o exmo. conselheiro José Luciano de Castro, que tambem vem assignado n'este parecer que está em discussão; declaro a v. exa. e á camara, que só por motivo de salvação publica presto o meu voto a similhante projecto.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, eu declaro que dou o meu voto ao projecto, mas porque assignei o parecer sem declarações, e porque d'ahi se poderá inferir que o approvo sem constrangimento, e por estar de pleno accordo com todas as suas disposições, preciso dizer que só o voto porque o considero uma impreterivel necessidade em vista das circumstancias do paiz e das formaes declarações do governo.

Não quero declinar responsabilidades; mas não quero tambem assumir mais do que as que me possam pertencer.

Repugnam-me algumas das disposições que encerra o projecto, como de certo repugnam aos srs. ministros, mas porque não ha tempo para estudar outros melhores, e porque o governo os considera indispensaveis para evitar maiores males, voto o projecto sem enthusiasmo, e tambem sem demasiada confiança nos seus resultados fazendo votos para na execução corresponda á espectativa dos srs. ministros, e possa concorrer para salvar o paiz da situação angustiosa que atravessa.

Feitas estas declarações, seria agora occasião de responder a algumas criticas desfavoraveis, que teem sido dirigidas aos partidos politicos que t~eem governado o paiz por mais ou menos longo tempo.

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Confesso a v. exa. que tenho visto fazer essas aprecia coes com alguma surpreza, porque, estando todos de accordo na existencia do mal e na necessidade de o remediar, parecia-me que era muito mais conveniente que reservássemos para outra occasiao, de certo mais opportuna, a liquidação das responsabilidades das administrações passadas.

Como não julgo a hora propria para rebater as desagradaveis referencias, as accusações aos partidos politicos, que teem sido representados na gerencia dos negocios publicos, limito-me a dizer a v. exa. que se nós quizermos considerar a situação geral da Europa, a situação espacial do Brazil, e, sobretudo, a revolução politica occorrida n'aquelle paiz e que tão desastrosa influencia teve na nossa situação economica e financeira; se descontarmos a responsabilidade que pertence á nação pelas exigencias que fez aos governos, concorrendo assim para o augmento das despezas do estado; e se quizermos ser justos, havemos de confessar que o quinhão de responsabilidades, que pertence aos ministros das administrações transactas, é muito menor do que geralmente se pensa e do que geralmente se diz.

Limito-me a, esta declaração, porque não quero no momento actual suscitar questões irritantes nem alongar o debate, fazendo assim com que deixe de ser votado o projecto, que a camara tenciona votar hoje.

Permitta me agora o sr. ministro da fazenda que lhe diga que este projecto não exonera o governo de todos os seus deveres perante a situação financeira do paiz. O projecto tem por principal fim a reducção das despezas; mas não diz nada quanto a creação de receitas.

Desejo chamar a attenção do governo para este ponto e pedir em especial ao sr. ministro da fazenda que não se esqueça s. exa. de que lhe corre o indeclinavel dever de olhar seriamente para o aproveitamento das receitas, procurando aperfeiçoar a cobrança e augmentar os rendimentos do estado. Não basta reduzir a despeza, é urgentissimo cuidarmos no augmento dos rendimentos do estado.

Permitta-me s. exa. que eu lhe diga ainda mais uma vez que, ha uma receita inteiramente desaproveitada: é o imposto do alcool.

Foi votada pelas côrtes uma auctorisação ao governo para o estabelecimento do monopolio do alcool.

Pergunto, se o governo está na intenção ou tem a idéa de usar da auctorisação contida na lei de meios para decretar o monopolio do alcool.

Se o governo não está resolvido a lançar mão da auctorisação concedida na lei de meios, pergunto a s. exa. quaes são as suas intenções ácerca do assumpto a que me refiro. É certo que o rendimento proveniente do alcool é um dos mais importantes em todas as nações cultas, e não é menus certo que esse rendimento está completamente desaproveitado entre nós.

Se nós vamos exigir dos contribuintes grandes sacrificios e impor-lhes pesados encargos, não podemos pôr de parte uma receita tão importante como é esta.

Desejo, pois, repito, saber qual é a intenção do governo ácerca d'este, assumpto, isto é, desejo saber se tenciona usar da auctorisação tal qual está, ou se pretende introdu-lhe qualquer alteração ou modificação.

O governo está igualmente auctorisado a decretar o monopolio dos phosphoros.

Tambem s. ex a me obsequiaria muito se me dissesse, antes de encerrado este debate, qual é a intenção do governo a este respeito.

Sr. presidente, nós não podemos desaproveitar nenhuma receita, assim como não devemos augmentar as despezas. Entendo que a obrigação do governo é augmentar as receitas, reduzir as despezas ao minimo compativel com a boa organisação dos serviços, e dedicar-se a resolver a questão economica, para a qual chamo a attenção do sr. ministro da fazenda.

Está votada a pauta provisoria, e naturalmente vigorará até o dia em que o governo consiga das camaras uma lei definitiva a tal respeito.

Creio que o governo está na idéa de completar os tratados de commercio para poder favorecer a nossa situação economica e dar incremento á nossa exportação agricola.

Desejo, pois, saber se o governo está no proposito de modificai1 a pauta, por meio dos tratados que vae negociar com os differentes paizes, e se está disposto a favorecer a exportação dos nossos productos agricolas; e a este respeito permitta-me s. exa. que eu chame a attenção do governo especialmente para a questão dos vinhos.

Vou dirigir ao nobre ministro uma pergunta a respeito da execução que foi dada á lei que creou a companhia vinicola do Porto e lhe impoz a obrigação de estabelecer um deposito em Berlim.

Sr. presidente, o governo a que eu tive a honra de pertencer realisou um contrato com a companhia vinicola, e uma das respectivas clausulas impunha á mesma companhia a obrigação de crear não só um deposito em Berlim, mas outros nos centros mais populosos, com o fim de alargar a exportação dos nossos vinhos e abrir-lhes novos mercados.

Peço ao sr. ministro que me diga se aquella clausula está cumprida, e se em Berlim funcciona regularmente o deposito de vinhos a que se obrigou a companhia vinicola.

Sr. presidente, chamando a attenção do sr. ministro da fazenda, em cuja capacidade e zêlo eu tenho a maxima confiança, para estes assumptos e de nenhum modo pretendo crear difficuldades a s. exa. As perguntas que lhe dirijo têem por fim significar a s. exa. que o meu espirito não fica satisfeito só com as reducções de despeza; que nem mesmo o ficará completamente com a creação de receitas; e que só ficará satisfeito se s. exa. tratar tambem de attender á questão economica, promovendo o desenvolvimento do commercio e das industrias.

Ha uma lei, de 13 de julho de 1889, promulgada quando eu estava no governo, que a meu ver é de summa importancia para a nossa agricultura, e essa lei, ainda não está em execução; é a lei que extinguiu o imposto sobre a exportação dos vinhos.

Chamo, portanto, tambem a attenção do governo para a conveniencia de executar essa lei fazendo elaborar os regulamentos de que carece para ser proveitosamente posta em execução.

Outra cousa desejava eu que o sr. ministro da fazenda me dissesse.

Sr. presidente, do relatorio (e dos annexos) do sr. ministro da fazenda constam muitas revelações, principalmente sobre a importancia das consideraveis sommas desviadas dos cofres do estado para auxiliar a companhia dos caminhos de ferro do norte, e outras emprezas, como o syndicato de Salamanca, malla real, etc.

Pergunto eu ao governo, ou ao sr. ministro da fazenda: esse dinheiro desviado indevidamente da sua applicação legal, e que, portanto, deve voltar ao thesouro, tenciona o governo empregar todos os meios ao seu alcance para que de prompto entre nos cofres publicos?

Assim me parece indispenpavel para que o paiz acceite sem reluctancia os pesadissimos sacrificios que vão ser-lhe impostos em nome da salvação publica.

Segundo aquelles documentos, mais de 4:000 contos de réis sairam dos cofres do estado para a companhia real dos caminhos de ferro. Não sei como o governo possa facilmente rehaver esse dinheiro; só lhe. lembro que no dia 5 de novembro deste anno completam-se os quinze annos da exploração das linhas do norte, praso que dá ao governo o direito de remissão das linhas para o estado.

Não lhe digo que use ou que não use, d'esse direito. O que lhe peço é que proceda da maneira mais conveniente aos interesses publicos, tirando d'essa circumstancia o valor que ella realmente tem.

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Sr. presidente, concluo repetindo que nas perguntas que fiz ao sr. ministro e nas breves censiderações com que as acompanhei, não tive, nem podia ter, intuita de levantar o menor embaraço ao governo, mas sómente o de dar uma prova da minha, boa vontade e da solicitude com que eu desejo, pela minha parte, concorrer para a obra cominam da salvação publica.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Ministro da Fazenda (Oliveira Martins): - Sr. presidente, começo por agradecer, muito penhorado, as lisonjeiras expressões que me dirigiu o digno par, o sr. José Luciano de Castro, e, summariamente, porque a sessão está prorogada e não desejo cansar a attenção da camara, tratarei de responder a s. exJ1 nos differentes pontos que successivamente tocou.

S. exa. perguntou primeiro se o governo pensava ou não em procurar fortalecer as receitas orçamentaes com o producto do imposto de producção do alcool e dos phosphoros.

A isto respondo que o governo pensa em apresentar, dentro de poucos dias á. camara dos senhores deputados, as propostas pata a tributação do fabrico, tanto do alcool como dos phosphoros.

Essa declaração estava feita no relatorio que eu tire a honra de apresentar a camara dos senhores deputados, e nas referencias que fiz quanto aos recursos com que contava para o preenchimento do deficit.

Perguntou s. exa. se o governo quererá usar da auctorisação que tinha para crear o monopolio do alcool.

Parece-me que ha n'isto um leve equivoco; da parte do digno par, por isso que não ha auctorisação para essa creação, mas sim uma proposta apresentada pelo"meu illustre antecessor que se baseava sobre um contrate de gremio celebrado entre differentes fabricantes de alcool.

O sr. José Luciano de Castro: - Se v. exa. me dá licença, não ha equivoco.

Na lei de meios ha auctorisação para o monopolio do alcool.

O Orador: - Mas a proposta apresentada na camara é posterior á lei de meios.

A proposta foi apresentada n'esta sessão. Essa proposta, repito, assenta sobre um contrato de gremio feito pelos actuaes fabricantes de alcool.

O governo não pensa que esse contrato deva subsistir, pensa em tributar o alcool por uma fórma diversa que terá occasião de apresentar ás côrtes.

Quanto ao monopolio do fabrico dos phosphoros, tambem o governo em breves dias apresentará á camara dos senhores deputados uma proposta nos termos em que lhe parece que ella deve ser concebida.

São duas fontes de receita, sem duvida importantes, e que das actuaes circumstancias não podem deixar de merecer a attenção do governo.

O digno par tambem chamou a attenção do governo para as reducções que se poderá fazer nas despelas publicas.

A este respeito têem sido tão repetidas e tão insistentes as declarações do governo, que me parece quasi pleonasmo cansar a camara em repetil-as.

O governo procede, tanto quanto o tempo lhe permitte, á organisação de todos os serviços de cada um dos ministerios, e como prova da sua boa vontade, eu devo declarar ao digno par, que pela minha parte e n'aquillo em que por simples; despacho me era licito fazel-o, as reducções de despeza que até hoje tenho realisado no meu ministerio, orçam pela somma muito approximada de 100 contos de réis, com as suppressões de gratificações, e com a suppressão der; grande quantidade de escripturarios addidos ás differentes repartições de fazenda.

Alem d'isso, fiz entrar nos cofres do thesouro uma verba superior a 95 contos de réis, importancia do imposto de transito do anno de 1891, devido pela companhia real dos caminhos de ferro, que tinha deixado de ser cobrada.

Fiz tambem entrar nos cofres do thesouro o imposto de rendimento, que desde 1884, em periodos de quatro, seis, sete e mais annos não era cobrado, sobre bancos e companhias, quer dizer sobre instituições que, na qualidade de exactores, tinham recebido importancias por conta do estado, e que não as entregavam. Taes verbas representam 5 ou 6 dezenas de contos de réis.

Infelizmente entre estas verbas do imposto de rendimento está a mais importante de todas, que é a devida pelo banco lusitano, a qual attinge a somma de 24 ou 25 contos de réis e que nas circumstancias especiaes em que o mesmo banco se encontra, e pelo desleixo que houve desde o anno de 1884 de realisar esta cobrança, tem de ser junta ao importantissimo debito do mesmo banco.

Fazendo estas declarações, eu não quero mais do que socegar o espirito do digno par, quanto ás intenções do governo, e quanto á boa vontade que elle tem de tornar uma realidade os desejos de s. exa., que hoje são os de todo o paiz,

Chamou mais o digno par a attenção do governo, para a reorganisação do orçamento, promovendo a cobrança das differentes receitas do estado, ou creando novos rendimentos.

Eu, sr. presidente, desde longos tempos que não me cansava de dizer que o nosso erro chronico era o abandono completo em que deixavamos as principaes fontes de riqueza publica.

As circumstancias em que nos encontrâmos mostram infelizmente que hão fui mau propheta.

Eu posso não ter força, intelligencia, nem capacidade para corresponder á espectativa é desejos do digno par. Do que o digno par me não póde accusar é de eu não ter vontade de seguir convicto na direcção que me indicou.

Felizmente ha males que vem por bens, e esta crise, que tanto nos afflige, obrigou o geral da gente, sempre demorada em reflectir, a reconhecer que é absolutamente indispensavel olhar para as fontes do producção da riqueza nacional, que e absolutamente impossivel manter-se um paiz nas condições em que temos vivido.

O facto é que, no brevissimo periodo do estado agudo da crise, os resultados teem sido já notabilissimos.

Succede hoje em Portugal o que suceedeu sempre em toda a parte, quando se dá a circulação de moeda papel a par com o premio do oiro.

Hoje constituem artigos de exportação objectos que hontem por fórma nenhuma se pensava que podessem ser exportados. Hoje os nossos generos coloniaes que chegam a Lisboa são disputados. avidamente, porque o café, o cacau, emfim tudo o que vem de Africa, é oiro e traduz-se em moeda nacional com 30 por cento de premio.

Portanto, é fóra de duvida que se conseguirmos dominar a crise financeira com que. nos debatemos, se conseguirmos vencer a crise economica que é muito mais grave, e difficil do que a crise financeira, propriamente dita: se conseguirmos" dominal-as ambas, digo a v. exa., que considero esta desgraça providencial, porque sem ella nunca teriamos saido da norma antiga. Mas a primeira condição para que possamos vencer sem complicações mais graves a crise economica é o equilibrio do orçamento. Isto está até certo ponto na nossa mão; e as provas, que as duas camaras têem dado, de resignação, intelligencia, e sacrificio perante uma medida tão cruel, como esta, são penhor seguro de que por este lado a crise está vencida. O outro lado, porem, é gravissimo: refiro-me á nossa crise economica.

Essa opéra sobre nós como póde operar um elemento, como o vento, a chuva, qualquer tempestade, independente do nosso esforço e da nossa vontade.

Essa excede a alçada da nossa acção, e os limites do nosso poder.

Sr. presidente, alludindo á crise economica, refiro-me

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especialmente aos capitaes que entravam em Portugal vindos do Brazil.

O cambio do Brazil é o regulador primordial de toda a nossa economia.

Ninguem ignora o papel que a emigração representa na nossa economia, nem tão pouco que para a nossa vida economica recebiamos annualmente milhares de contos de réis, quantia que não é facil determinar, mas que se póde calcular não ser inferior a 20:000 contos de réis por anno. Todo este capital que vinha annualmente alimentar as algibeiras dos remediados, o peculio dos pobres, as fortunas dos ricos,; repartia-se como uma chuva de oiro por todas as classes. I

Esta corrente seccou de todo, ou pelo menos em grande parte, e parece-me que ninguem hoje põe em duvida que a vida economica, da nação portugueza, tem dá, ser anormal, emquanto as condições do cambio do Brazil não attingirem de novo, não digo já os limites que attingiram noutro tempo, mas sim aquelles que permitiam abundantes remessas de dinheiro para Portugal.

A este respeito devo dizer á camara que me parece que o cambio do Brazil attingiu já o seu limite minimo, e que estamos hoje no periodo em que a tendencia é para a alta.

A baixa do cambio foi determinada pelo excesso de especulações que suecederam no Brazil á transformação politica por que passou aquella nação.

Este delirio da especulação aggravou-se sobretudo pela nacionalisação de uma grande quantidade de emprezas que funccionavam com capitaes estrangeiros e que emittiram uma enorme somma de titulos circulantes, somma que eu tenho ouvido calcular em centenas de milhões; de libras que o Brazil teve ou tem de satisfazer ás praças, europêas.

Alem d'isso a agiotagem aggravou as cansas que só por si bastavam para fazer baixar o cambio, e chegou-se ao momento em que a taxa do cambio do Brazil sobre Londres baixando progressivamente, desceu a minimos sem precedentes.

N'um diagramma que tenho presente se vê que desde janeiro de 1891 em que o cambio abriu a 21 a baixa foi crescendo até novembro com o limite minimo de 10 3/4 .

Desde então o cambio não tem feito senão subir, com as osciilações, é claro, que se dão sempre n'estes movimentos.

As taxas de cambio no mez de dezembro inscreveram-se nas cotas de 13 e 11 5/8; as de janeiro d'este anno, innas cotas de 12 1/2 e 12. Nunca o cambio baixou de 12.

Portanto, a tendencia para a alta é manifesta, clara incontestavel.

E isto comprehende-se perfeitamente, parque tendo delirio da especulação attingido o seu maximo, como de todos é sabido, a crise brazileira entrou no periodo de liquidação.

Este periodo é longo, mas p Brazil é um paiz de tão extraordinarios, recursos, que ainda no anno passado, por exemplo, teve ò melhor de 40 milhões de libras na exportação do café.

E agora, todos os valores lançados no mercado precipitam naturalmente a liquidação da crise e permittem n'um periodo relativamente rapido, o restabelecimento de condições mais ou menos normaes.

Esse restabelecimento só é prejudicado, e está-o sendo pelos successos politicos; mas taes acontecimentos não são essenciaes nem decisivos, embora possam ser preponderantes.

O elemento fundamental é o elemento economico; e entrando a crise brazileira no periodo de liquidação, a riqueza natural do paiz e as suas exportações hão de contribui para o melhoramento progressivo das taxas cambiaes.

Ora, nas condições em que nós portuguezes; estamos hoje com um premio de oiro que varia entre 25 é 30 por cento comprehende o digno par perfeitamente que o cambio d Brazil sobre Londres não é o mesmo cambio dó Brazil sobre Lisboa de quando a moeda em Portugal era oiro, e quando havia a paridade entre a circulação em Portugal e em Inglaterra.

Hoje, com o premio que o oiro tem em Portugal, os cambios têem de soffrer o coefficiente de correcção de 4 a 5 contos, de maneira que, traduzido isto por numeros, o cambio de 14 é de facto para o portuguez, não o cambio de 4 que é para o inglez, mas um cambio que se approxima sensivelmente de 20.

Assim, se nós dentro em pouco virmos o cambio do Brazil subir a 15, é certo que com o premio do oiro actualmente existente em Portugal o cambio de 15 traduz já uma cotação de 20 ou 21, cambio ao qual a corrente de capitaes ser estabelece; porque o cambio de 20 ou 21, não ligo que seja um cambio proximo do par, que é 27, mas com certeza incomparavelmente superior ao minimo de 10, a que chegou quando ainda o oiro não tinha premio em Portugal.

Portanto, não me parece que seja absolutamente inverosimil e infundada a esperança de dentro de alguns mezes, vermos restabelecidas as relações cambiaes de uma fórma satisfactoria. E, se assim for, a nossa crise economica sairá do estado agudo em que se encontra hoje.

Por outro lado, nas circumstancias actuaes, quero dizer, com o premio que o oiro tem em Portugal, é fatal que lavemos de restringir quanto possivel ã importação e aumentar a exportação.

É este sem duvida o desideratum de uma boa politica economica.

N'este sentido foi para mim muito lisonjeiro o reconhecer, ao cabo de estudos que tive de fazer agora, que a existencia de trigos nacionaes excede muito consideravelmente o que se imaginava. Parece demonstrado que, já no anno passado, a producção de trigos nacionaes chegou para o consumo de seis ou sete mezes.

Quando se compara isto com a situação de ha poucos annos, em que tinhamos a producção apenas bastante para o consumo de um trimestre, vê-se que ha um importante desenvolvimento, e em presença d'este facto é licito confiar que n'um proximo futuro não haverá deficit de producção frumentaria.

Com effeito, consultando alguns lavradores, ouvi a todos exprimir a convicção de que, no decurso de dois ou tres annos, Portugal, produziria o trigo necessario para o seu consumo.

Isto só, representa um passo gigantesco para o equilibrio commercial, e representa, quanto a mim, um facto de não inferior alcance economico ao da propria exportação dos vinhos, a qne o digno par se referiu, da de cortiça, das fructas e dos differentes generos que constituem a nossa producção agricola, e que de certo não podem deixar de merecer a nossa constante attenção.

Embora não sejam completamente conhecidas as condições do tratado de commercio ultimamente negociado com o Brazil, os termos d'esse contrato fazem-me pensar que d'elle resultará um alargamento consideravel na exportação dos nossos productos. N'este ponto não posso senão dizer que as opiniões do digno par são as do governo, e não creio que possa haver hoje opiniões diversas.

O governo ha de necessariamente procurar por todos os meios desenvolver a exportação dos productos agricolas do paiz.

Resta-me agora responder ao ultimo ponto do discurso do digno par, e que se refere á arrecadação das quantias que o governo encontrou em divida por parte de differentes emprezas. Pondo de parte pequenas quantias, que para este caso não teem importancia, os principaes devedores são o banco lusitano, a companhia da mala real portugueza, a companhia dos caminhos de ferro através da Africa, o syndicato de Salamnca, ou companhia das docas e caminhos de ferro peninsulares, e a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.

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Muito poucas palavras direi para socegar o animo do digno par, em primeiro logar affirmando quão governo está no proposito de fazer entrar nos cofres do citado todas estas quantias, conforme porem o poder fazer sem provocar complicações nem crises, o que seriam contrapoducentes e iriam arruinar por completo companhias que ainda não estivessem de todo arruinadas.

Rrelativamente ao banco lusitano, creio que não commetto indiscrição nenhuma dizendo que é muito precaria a situação d'esse estabelecimento, e provavelmente os tribunaes é que hão; de resolver por que maneirai e até que ponto os creditos;: do estado poderão tornar-se realisaveis.

Quanto á companhia dos caminhos de ferro portuguezes a situação actual d'essa empreza é effecttvamente melindrosissima; não se percebe bem n'este momento que fórma virá a tomar, porque, todos sabem, a companhia não tem uma administração estavel, tem uma administração provisoria, a sua organisação, a sua constituição presente é irregular, as, suas relações para com os credores não estão claramente determinadas, e perante esta serie der difficuldades e embaraços, o governo não póde affirmar se não que empregará absolutamente todos os meios para que os interesses do estado sejam salvaguardados.

Emquanto á companhia da mala real, o adiantamento que lhe foi feito conota de uma escriptura que está registada no tribunal do commercio, e a amortisação d'este debito acha-se determinada por encontros nos subsidias de navegação, que essa mesma companhia recebe.

Emquanto á companhia do caminho de ferro de Ambaca, escuso de repetir o que tive occasião de dizer na outra camara, e que naturalmente é do conhecimento do digno par.

Essa companhia não é n'este momento propriamente devedora ao estado.

Se é devedora em Lisboa, é credora em Londres; tem letras de divida fluctuante externa acceitas pelo estado e tem adiantamentos abonados em Portugal.

Havia com essa empreza um contrato pelo qual o estado se obrigava a adiantar-lhe todos os mezes 135 contos de réis até ao fim do anno de 1893; mas o governo entendeu não dever sanccionar tal contrato.

Resta o syndicato de Salamanca.

Sabe o digno par que os devedores pelas sommas adiantadas a este syndicato, são todos os bancos do Porto. Evidentemente, se o governo exigisse o pagamento immediato d'essas quantias, iria provocar uma crise medonha n'aquella praça e obrigar á fallencia todos os bancos do Porto.

Não me parece que uma medida de tal ordem estivesse no espirito do digno par, quando se referiu á defeza dos interesses do estado.

N'este caso, a maneira de os defender seria contraproducente, indo provocar uma crise, cujas consequencias não é facil prever.

Agradecendo sempre as perguntas que o digno par me dirigiu, e agradecendo-lhe alem d'isto o ter-me proporcionado a occasião de expor franca e completamente o meu pensamento a esta camara, terminarei pedindo alguma commiseração para com quem se senta nos bancos do poder e para com quem chega ao governo nas tristes condições em que nos encontrâmos.

Até aqui entendia-se que se podia dispor dos dinheiros publicos para favorecer aã differentes empregas que se encontravam em difficuldades até aqui
entendia-se, entenderam-no assim os successivos governos e, entre ellas, e gabinete que foi presidido pelo digno par queime interrogou, que havia necessidade ou obrigação de proteger essas empresas, e agora exige-se deste governo que faça entrar immediatamente: nos cofres publicos as sommas que lhes são devidas.

Sei muito bem que exigencias desta ordem obedecera a uma corrente de opinião que se tem formado umas eu não quero por fórma alguma avolumar essa correste. As sommas devidas ao estado falo de ser defendidas pele governo, mas com prudencia, e procurando não aggravar a situação actual com difficuldades que poderão resultar de qualquer acto menos pensado.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O sr. ministro não reviu as notas ao seu discurso.)

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, poucas palavras direi, porque a camara está cansada e desejosa de votar este projecto. Como muito bem disse hontem o sr. presidente do conselho, a necessidade desta votação impõe-se, não se discute.

Pedi a palavra quando o digno par e meu amigo o sr. José Luciano de Castro disse que eu tinha assignado o parecer sem declaração, apesar de são estar de accordo com todas as disposições do projecto. Eu estou no mesmo caso, tambem discordo de algumas d'estas disposições, isto é, entendo que o projecto podia ser em alguns dos seus pontos melhorado e aperfeiçoado. Para isso, porém, era necessario muito tempo e o exame de muitos esclarecimentos, e a urgencia de o votar quanto antes não nos permitte agora esse exame. Por isso assignei tambem o parecer sem declarações. Mas cão tinha pedido a palavra para fazer esta declaração, porque isto mesmo está dito no parecer.

Como tambem aqui se disse, é agora urgente tratar do presente e do futuro e não passado, por isso não é occasião de tratar de quaesquer responsabilidades pelos factos que trouxeram a necessidade impfeterivel d'este projecto, o que não quer dizer que ninguem se exima por este facto á responsabilidade dos seus actos. Mas para isso ha sempre tempo em occasião opportuna.

Este projecto impõe sacrificios a todas as classes. Mas acima d'esta consideração está a necessidade impreterivel de o votarmos. Por isso correspondendo aos desejos visiveis da camara, nada mais acrescentarei.

O sr. Presidente: -Está encerrado o debate. Não ha mais ninguem inscripto sobre a generalidade do projecto.

Ha sobre a mesa, tres propostas.

O sr. Conde de Thomar: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, requeiro a v. exa. que se digne consultar a camara, sobre se consente que eu retire a minha proposta.

O sr. Marquez de Pombal: - Peço a palavra.

O sr. Conde de Margaride: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. conde de Thomar requer que eu consulte a camara sobre se consente que s. exa. retire a sua, proposta.

Os dignos pares que consentem que s. exa. retire a sua proposta tenham a bondade de sé levantar. Foi approvada.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. marquez de Pombal.

O sr. Marquez de Pombal: - Peço a v. exa. que se digne de consultar a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que consentem que o digno par o sr. marquez de Pombal retire a sua proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O gr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Margaride.

O sr. Conde de Margaride: - Peço tambem a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se consente que eu retire a minha proposta.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que consentem que- o digno par o sr. conde de Margaride retire a sua proposta tenham a bondade de se levantar. Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o projecto na sua generalidade.

Vae ler-se.

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Leu-se na mesa o projecto e foi approvado na sua generalidade.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 1.°

Leu-se na mesa e poz-se discussão.

O sr. Neves Carneiro: - Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par.

O sr. Neves Carneiro: - Requeiro a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se quer que haja uma só discussão na especialidade e se vote o projecto por artigos.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Neves Carneiro requer que eu consulte a camara sobre se quer que haja uma só discussão na especialidade, e se Vote o projecto por artigos.

Os dignos pares que assim o permittem empenham ã bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Está por consequencia em discussão a especialidade de todo o projecto.

O sr. José Luciano de Castro: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. José Luciano de Castro.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para dirigir ao sr. ministro da fazenda, ou ao sr. relator da commissão, uma pergunta a respeito do artigo 3.°

Antes de fazer a minha pergunta, consinta v. exa. que eu, com relação ás observações que fiz ao sr. ministro da fazenda em resposta ás perguntas que lhe dirigi, diga a s. exa., referindo-me especialmente á ultima parte do seu discurso, que não foi minha intenção exigir do governo que obrigasse ias companhias devedoras ao estado a entrarem immediatamente com as sommas em divida nos cofres publicos. O que eu tive em vista foi chamar a attenção do governo para ã conveniencia de obrigar essas companhias a entrarem com os debitos n'um praso mais ou menos longo, quando as circumstancias o permitissem, e não a entrarem desde já com os seus debitos, provocando assim dificuldades gravissimas que viriam aggravar ainda mais a situação.

Com respeito á companhia dos caminhei de ferro do norte e leste, desejei apenas lembrar ao sr. ministro da fazenda a conveniencia de aproveitar o direito de remissão d'esses caminhos de ferro que o governo adquire em 5 de novembro; ou, de fazer valer, a bem dos interesses do estado, esse direito em qualquer transacção que se julgue conveniente fazer para liquidação de contas.

Agora a minha pergunta. Refere-se ella ao artigo 3.°, que diz o seguinte:

(Leu.)

A minha pergunta é se, tambem sobre o imposto estabelecido no artigo 3.°, recáe o imposto addicional de 6 por cento creado pela lei de 18 de junho de 1890.

O sr. Ministro da Fazenda (Oliveira Martins): - Não recáe, não senhor.

O sr. José Luciano de Castro: - Satisfaz-me completamente a resposta do nobre ministro, e limito-me a pedir a v. exa., sr. presidente, que esta declaração do sr. ministro da fazenda, fique consignada na acta.

O sr. Bernardino Machado: - Sr. presidente, visto que a camara entende conveniente não tocar nas propostas financeiras em discussão, não enviarei para a mesa as modificações que desejava introduzir para restabelecer os direitos do professorado.

Duas palavras apenas. Voto estas propostas financeiras, e por ellas louvo especialmente o sr. ministro da fazenda, cujos altos dotes ha muito admiro; voto-as, porque entendo tambem que, antes de mais nada, nos cumpre mostrar aos credores da nação o firme proposito; em que toda ella está de saldar as suas dividas, custe o que custar.

Mas a liquidação do passado tem que ir mais longe Deve igualmente ser a liquidação dos nossos erros politicos. Ora nada mais nefasto ao prestigio das instituições do que a confusão dos poderes publicos, invadindo o legislativo a esphera do executivo e reciprocamente. Por isso não posso, com mágua o digo, conceder- ao gabinete as auctorisações que pede. Não entraremos em vida nova, sr. presidente, emquanto se mantiverem os velhos processos! Disse hontem o sr. presidente do conselho que necessitamos sobretudo de ter juizo e amor ao trabalho. De acordo! Mas não me parece que seja prova de juizo o incorrer nos erros por que estamos padecendo, nem é de certo convidar ao trabalho condemnar esta e a outra camara a uma degradante inactividade.

Comprehende-se ainda que a maioria parlamentar delegue o seu mandato num gabinete que com ella se consubstancia no mesmo pensamento governativo. No caso presente B uma verdadeira abdicação! A que principios obedecerão as reformas da administração publica? Não ouvimos, ha momentos, o sr. José Dias Ferreira declarar que dentro em pouco publicaria a reorganisação dos serviços do ensino? e sabe porventura a camara em que espirito essa reorganisação se está elaborando.?

Allega-se que os ministros não tiveram até agora tempo para formular um systema completo de reformas. Não, de facto. Tão pouco os representantes da nação poderão exprimir de prompto os seus intuitos reformadores. Mas d'ahi não se segue para o gabinete o direito de assumir attribuições legislativas, nem para o parlamento o direito de as declinar.

O pedido das auctorisações não se fundamenta. Não tentou justifical-o o relatorio ministerial, nem as breves considerações a tal respeito, expendidas pelas commissões de fazenda importam uma justificação.

E repare-se, st. presidente, que, votada similhante concessão, nenhum merito advirá para o parlamento do bom uso que o gabinete d'ella fizer; mas use d'ella mal o gabinete e as responsabilidades pesarão grandemente sobre o parlamento.

Não! Elevemo-nos todos á altura da nossa missão; as camaras têem as suas commissões, convoquem-se, funccionem, vão ao seio d'ellas apresentar as suas idéas os membros do poder executivo; unamo-nos no mesmo empenho salvador! e o paiz bemdirá o patriotismo com qne uns e outros cooperarmos para que a administração publica preste por cada um dos ministerios, e principalmente pelo da instrucção, os bons officios que, mais que nunca, nesta conjunctura lhe incumbem.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, pouco direi, porque não quero alongar o debate, não só porque entendo que n'este momento é dever de todos, dever de patriotismo, embora doloroso votarmos esta medida e, quanto antes, mas ainda porque a camara, comprehendendo esse dever, resolveu terminar hoje este debate.

N'esta hora adiantada da sessão, já prorogada, e quando a camara se mostra evidentemente fatigada, sou forçado a prescindir das considerações que tinha a fazer sobre este projecto, e especialmente com relação ao artigo 4.°

Voto o projecto, não porque me conforme com todas as suas disposições, algumas das quaes nem são justas, nem defensaveis em face dos principios economicos e em attenção ás forças tributarias do paiz.

N'este conjuncto de medidas, que importam tão pesados sacrificios, nem ha igualdade, nem justiça. Aqui não ha uca systema financeiro; ha apenas a exigencia do fisco levada ao extremo.

São as tristes e apertadas circumstancias da fazenda publica, que se nos impõem fatalmente, e que não permittem delongas, nem quasi reflexão.

E nós que as comprehendemos, que vemos com olhos turvos e o espirito preoccupado, não já ao longe, mas bem perto, a sombra negra da bancarota, com todo o seu cortejo de horrores, votãmos estas medidas, que o governo nos propõe, sem pensarmos no seu alcance economico; vo-

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SESSÃO N.° 20 DE 23 DE FEVEREIRO DE 1892 19

tamol-as, como quem se atira a um abysmo, cuja profundidade desconhece, E se para nós é doloroso votal-as, não foi menos doloroso ao governo propol-as.

Mas, votando este parecer, não posso deixar de propor um additamento ao artigo 4.°

É o seguinte:

(Leu.)

Não quero discutir n'este momento se ao governo assiste o direito de por qualquer fórma, directa "u indirectamente, fazer contribuir os titulos de divida publica.

Esse direito é contestavel em face do pensamento e da letra expressa do artigo 1.° do decreto de 18,áe dezembro de 1852, que fez a conversão dos titulos de Divida publica, e que diz que os seus juros serão sem deducção alguma.

E mais contestavel é ainda esse direito em presença da lei de 10 de maio de 1879, e dos diversos contratos para emprestimos, em virtude dos quaes têem sido emittidos titulos de divida publica.

Mas acceitando o precedente estabelecido pela lei de 18 de junho de 1880, que lançou 3 por cento ao rendimento proveniente d'esses titulos, não me posso conformar com que essa, ou outra qualquer imposição, se torne extensiva aos rendimentos dos titulos na posse das corporações ou entidades a que sé refere o meu additamento.

Como a camara sabe, a lei de 18 de junho de 1880 exceptuou do pagamento do imposto do rendimento estas corporações, e no meu entender a excepção devia agora continuar.

Elias não foram voluntariamente adquirir esses titulos; foram forçadas pela, lei a converter nelles os seus fundos.

Depois d'isto, vir agora lançar-se-lhes um imposto, que importa uma grande reducção nos seus rendimentos, e portanto uma importante diminuição nos seus beneficios, nem é justo, nem é conveniente.

Façam-se todos os sacrificios, sé todos são precisos para a salvação publica; mas não á custa da miseria, á custa da pobreza enferma, da infancia desvalida, ou da velhice invalida.

Sr. presidente, talvez pareça impertinente que eu esteja a insistir n'este ponto depois das declarações que hontem aqui fez o governo.

Insisto neste assumpto, não só porque as explicações do governo n'esta parte me não satisfizeram, mas ainda porque quero que a minha opinião fique bem expressa, e se tanto for preciso bem solemne o meu protesto.

O meu fim, repito, é simplesmente o deixar bem affirmada a minha opinião sobre este assumpto; porque demais, o governo já declamou que não acceita nenhuma modificação no projecto, e de certo a camara não o deseja contrariar.

As explicações que aqui foram dadas a este respeito, tanto pelo sr. presidente do conselho como pelo sr. ministro da fazenda, não me satisfizeram.

O sr. Presidente do conselho disse que não podia acceitar a idéa que eu defendo, porque entendia que não devia estabelecer-se no projecto uma excepção, que poderia ser considerada odiosa; e tirar-lhe toda a força moral de que carece para poder ser acceito.

O sr. ministro da fazenda declarou que o facto de recair o imposto de rendimento sobre os titulos de divida publica pertencentes aos estabelecimentos de beneficencia; era simplesmente uma questão de fórma, por isso que no orçamento geral do estado será inscripta uma verba na importancia de 250 contos de réis para occorrer aos deficits orçamentaes d'esses estabelecimentos, e que a isenção proposta por alguns dignos pares em relação aos referidos titulos traria inconvenientes e dificuldades, visto que ha alguns estabelecimentos que applicam os seus rendimentos, não só á beneficencia, mas ainda a outros fins.

Aquella excepção, longe de ser odiosa, era justificadissima. Pois não traz o projecto outras excepções, como são as que se referem a alguns altos funccionarios? Excepção é a indemnisação que o governo propõe para cobrir os desfalques que se dêem com esta medida nos rendimentos dos estabelecimentos de que se trata.

Disse o sr. ministro da fazenda que era apenas uma questão de fórma, que em cousa alguma os affectava. Infelizmente não é assim.

Quem conhece o que é a economia, o que é a administração d'estes estabelecimentos, comprehende que graves transtornos, que grandes difficuldades lhes traz o alvitre proposto.

Eu não sei mesmo praticamente como isso se ha de fazer. Isto, suppondo que a quantia proposta é sufficiente para a indemnisação que se pretende dar. Disse o sr. ministro da fazenda que sim, mas em fazendo a conta pelo mappa dos titulos consolidados, averbados em condições de immobilidade, que ha pouco me foi fornecido em vista de um requerimento que ha dias tinha feito, parece-me que não.

Mas se é sufficiente, que duvidas póde ter o governo em acceitar o meu additamento?

Causa embaraços, disse o sr. ministro, na destrinça dos rendimentos que devem ser isentos, na hypothese que apresentou. Mas esses embaraços dão-se tambem na liquidação da indemnisação proposta.

Essas difficuldades que o governo preve são as que preoccupam o meu espirito; são as que me fazem recear pelo futuro d'aquelles estabelecimentos.

Mas como se ha de fazer essa liquidação, ou esse rateio, no caso de não chegar a quantia proposta, rateio de que tanto temo, com relação aos estabelecimentos que não teem orçamentos, como são os monte pios, caixa de aposentação, etc.?

Sr. presidente, a camara está impaciente, e eu não quero augmentar a sua impaciencia demorando-me mais tempo com a palavra. Quaesquer considerações mais que eu faça são perdidas, porque o meu additamento vae ser rejeitado. Embora. Eu só quero affirmar bem a minha opinião sobre este ponto do projecto, e tenho concluido.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Não se assuste a camara, porque eu fallarei apenas tres minutos. Eu tinha com o digno par sr. conde de Bomfim o compromisso de lhe responder na discussão da especialidade, e vou responder ás perguntas, de s. exa.

Primeira pergunta (lê). "Se o governo tenciona contrahir algum emprestimo para consolidar a divida fluctuante e outros debitos."

Respondo que essa providencia ha de ser considerada quando o governo apresentar ás côrtes a proposta da lei de meios.

Segunda pergunta (lê). "Se o governo tenciona fazer qualquer hypotheca aos credores do estado."

Respondo que similhante cousa não pensou o governo.

Terceira pergunta (lê). "Qual o pensamente financeiro do governo para substituir as propostas depois de 1893, aclarando que trará ás côrtes as propostas financeiras que modificarão as actuaes."

Respondo, o governo que então estiver no poder resolverá qual o melhor systema a seguir.

Quarta pergunta (lê). "Se o governo procurará tomar alguma medida de execução pratica para cobrar os direitos de mercê, em divida, reduzindo o seu capital aos refractarios."

Respondo que a execução pratica é a execução judicial.

Quinta e ultima pergunta (lê). "Se na transmissão da propriedade procurará o governo diminuir o seu aggravamento."

Respondo que seria bem conveniente que se podesse fazer, mas n'este momento não se póde pensar em diminuir o aggravamento que resulta do projecto.

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20 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Com relação ao que disse o digno par et. Bernardino Machado, eu estou persuadido de que as reformas da instrucção publica hão de sair perfeitamente a sua vontade, e se o não forem, estou prompto a discutir com s. exa.

Agora declaro á camara que o governo não póde acceitar n'este momento, n'uma lei verdadeiramente transitoria, quanto á maior parte das suas disposições, porque este ponto é que é fundamental, nenhum additamento, nem proposta mandada para a mesa, sendo aliás algumas dignas de consideração e muito acceitaveis.

(O sr. presidente do conselho não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

Õ sr. Conde do Bomfim: - Agradeço a resposta que acaba de me dar o sr. presidente do conselho.

Vozes: - Votos, votos.

O Orador: - Eu não tomo tempo á camara, mas parece-me que posso dar a rasão por que fazia depender o meu voto da resposta que me desse o sr. presidente do conselho. Eu tambem estive aqui a ouvir discursos, e por signal que ouvi um discurso de legua e meia com que o sr, ministro da fazenda respondeu ao sr. José Luciano de Castro; portanto tenho direito de dizer agora algumas palavras.

Agora digo que voto o projecto. Se se fizesse hypotheca ou se recorresse ao credito, não votava. Agradeço, portanto, a resposta do nobre ministro.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o additamento mandado para a mesa pelo digno par o sr, Jeronymo Pimentel.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

Additamento

Artigo 4.° São isentos da taxa do imposto do rendimento, a que se refere este artigo, os titulos de divida publica pertencentes aos monte pios, caixa de aposentação, estabelecimentos e corporações que mantenham asylos ou hospitaes, e bem assim os pertencentes aos parochos, adquiridos por virtude da desamortisação das passses, ou de outros bens computados na sua congrua, quando os rendimentos provenientes d'aquelles juntos aos outros rendimentos não excedam 400$000 réis.

Artigo 7.°, eliminado. = Jeronymo Pimentel.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão este additamento tenham a bondada de se levantar.

Foi admittido e ficou em discussão conjunctamente com o artigo respectivo.

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção, e por consequencia encerrado o debate.

O projecto vae votar-se por artigos

Vae ler-se o artigo 1.°

Leu-se na mesa, e posto á votação foi approvado, bem como os artigos 2.°, 3.° e 4.°

O sr. Presidente: - Vae votar-se o additamento proposto pelo digno par o sr. Jeronymo Pimentel.

Leu-se na mesa o additamento, e posto á votação foi rejeitado.

Em seguida foram approvados os artigos 5.º e 6.°

O sr. Presidente: - Vae-se votar a proposta do sr. Jeronymo Pimentel para a eliminação do artigo 7.°

O sr. Jeronymo Pimentel: - Essa proposta era consequencia do additamento; mas como este foi rejeitado, está prejudicada.

Tiveram approvação os artigos 7.° e restantes ao projecto.

O sr. Presidente: - A deputação que ha de levar á sacção real este decreto das côrtes geraes será composta alem da mesa dos dignos pares, srs.:

Antonio de Serpa.
José Luciano de Castro.
Conde de Valbom.
Conde de S. Januario.
Lopo Vaz.
Barros Gomes.
Hintze Ribeiro.

A deputação será avisada da hora em que Sua Magestade se dignar recebel-a.

O sr. Botelho de Faria: - Tenho a declarar que só approvaria o artigo 4.° com a alteração proposta pelo sr. Jeronymo Pimentel, relativamente a estabelecimentos de caridade.

O sr. Presidente: - Será lançada na acta a declaração do digno par.

A commissão especial encarregada de elaborar o regulamento d'esta camara quando constituida em tribunal de justiça não póde funccionar, porque alguns dos seus membros estão ausentes, outros falleceram. Pedia, pois, á camara que consentisse em que fossem aggregados a esta commissão os dignos pares Sá Brandão, Cau da Costa, Julio de Vilhena, Luiz de Bivar e Moraes Carvalho.

Consultada, a camara, approvou esta indicação.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira 26, é a apresentação de pareceres e a discussão de projectos já dados para ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 23 de fevereiro de 1892

Exmos. Srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Duque de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Pomares, de Pombal, da Praia e de Monforte, de Sabugosa, de Fontes Pereira de Mello; Condes, d'Avila, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Castello de Paiva, de Ficalho, de Gouveia, de S. Januario, de Margaride, de Paraty, do Restello, da Ribeira Grande de Thomar, de Valbom; Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Castro e Solla, Ferreira do Alemtejo, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Sousa Fonseca, de Villa Mendo; Barão de Almeida Santos; Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Sousa e Silva, Antonio Caetano de Oliveira, Antonio Candido, Egypcio Quaresma, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Neves Carneiro, Bazilio Cabral, Bernardino Machado, Palmeirim, Carlos Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Rodrigues de Azevedo, Francisco Cunha, Margiochi, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Antonio José Teixeira, Baima de Bastos, João Chrysostomo, Alves de Sá, Ferreira Lapa, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Camara Leme, Bivar, Sousa Avides, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Barjona de Freitas, Franzini, Mathias de Carvalho, Cunha Monteiro, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho.

Rectificação

No Diario, da camara dos dignos pares do reino, sessão n.° 18, de 20 de fevereiro, a pag. 4, col. 2.ª, § 2.°, lin, 6.ª, onde se lê "capitulo XVIII da novissima reforma judiciaria", deve ler-se "titulo XVIII da novissima reforma judiciaria".

Na mesma columna e no ultimo paragrapho, lin, 11.ª, onde se lê

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SESSÃO N.° 20 DE 23 DE FEVEKEIRO DE 1892 21

"estabeleceu o direito a seguir, os termos do processo...", deve ler-se "que estabeleceu o direito commum, mandando seguir todos os termos do processo...".

A pag. 5, col. 1.ª, § 2.º, lin. 16.ª, 17.ª e 18.ª onde se lê se queria que o meu procedimento podia ser levado, como foi pela falta de prova por parte do indiciado...", deve ler-se "e queria que, tendo eu de obedecer á falta de prova por parte do indiciado, o ordenamento da prisão nunca podesse occasionar a mais leve suspeita, ou podesse dar togar a que a opinião publica me attribuisse menos boa disposição em favor do indiciado."

O redactor = Fernando Caldeira.

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