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196 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Embora a votação venha lavar o governo da mancha que lhe assignala o delicto, ha de ficar sempre o vestigio da lavagem.

Mas, sr. presidente, se eu e todos accedessemos ao convite. que a censura, que repillo, do governo envolve, como é que, no dizer do governo, trataríamos de cousa mais util para o paiz? N’este momento dava-se a discussão por terminada, e que trabalho util ficava sujeito á nossa apreciação?! (Apoiados.)

Eu não pergunto a v. ex.a, sr. presidente, cuja amabilidade o levaria a responder-me, quaes são os pareceres, que estão sobre a mesa, a respeito de questões interessantes, e que devem chamar a nossa attenção, depois de esgotado o assumpto que está sendo debatido!

Nenhum! (Apoiados.)

E, finalmente, sr. presidente, as advertências do governo c o seu procedimento fazem lembrar o que seria um medico, que dizendo ao doente, que a sua enfermidade era gravissima, e lhe prescrevesse, para obter a cura, o maior repouso, sem proferir uma palavra, sem mover um dedo, se aproveitasse d’este estado para lhe roubar a fortuna.

Sim, com o pretexto de que ha assumptos de administração, assumptos de fazenda, assumptos de economia e fomento, quasi todos ainda mentaes, e questões internacionaes vivas e melindrosas, que nos atormentam e vexam, o governo prescreve ao paiz ou seus representantes silencio absoluto sobre a espoliação; que lhe fez, das suas garantias liberaes, que como valioso património do povo, que diz; enfermo, estavam consignadas no seu pacto politico!

E grave o estado do paiz! Nem uma palavra, nem um movimento contra os attentados, que lhe tiram o que é seu, porque toda a attenção era precisa para seguir as prescripções do governo e assim obter a cura dos seus males.

Pois porque ha questões graves a estudar, deixa de o ser esta questão constitucional estabelecida na lei organica.da sociedade portugueza?!

Por isso, sr. presidente, como é obrigação da camara, prescripta por uma disposição da carta constitucional da monarchia, examinar, no principio das sessões, se a constituição foi observada e prover ao que for de justiça, cumprindo rigorosamente o meu dever, e obedecendo tambem ás disposições do regimento, vou ler a moção, que tenho a honra de mandar para a mesa:

«A camara, procedendo ao exame, que lhe é ordenado pelo artigo 139.° da carta constitucional, verificou, que a constituição politica do reino não tem sido observada, e reconhece a necessidade de se prover como for justo.»

Não era esta moção aquella, que eu quiz submetter á apreciação da camara no primeiro movimento do meu espirito; era outra mais terminante e radical, pondo a questão politica nos termos, em que a provocou o governo.

Não o quiz fazer.

Em primeiro logar, porque essa moção não seria lógica, se não concluísse pela accusação do governo, o que nem sequer teria direito a fazer pelo que já disse.

Em segundo logar, porque, se sou novo n’esta camara, trago da outra a experiencia e o conhecimento já bastante dos homens para saber, que todos temos o defeito da virtude partidaria, o que faz com que, se no nosso parlamento, ao contrario do que acontece n’outros lá fóra, ha sempre maioria para amparar e fortificar um gabinete saído de um partido, essa mesma maioria não falta, até quando um governo offende o proprio poder legislativo, que ella, tendo o direito e a força devia e podia desaffrontar.

Assim, sr. presidente, eu tive o desejo que a votação, porventura, mostrará haver sido bem ingénuo, de não collocar a maioria n’um conflicto doloroso entre ter de recusar o seu voto ao governo ou os applausos á sua consciência.

Na minha moção affirmo, que a camara procedeu ao exame, que a lei lhe manda fazer. Isto é verdade, é o que se está praticando.

Affirmo que a constituição politica não foi observada. Todos o sabem, e o governo o confessa.

Termino por pedir, que se proveja, como for justo. E o que diz a constituição, e que só não póde querer quem a não jurou.

Ninguem, pois, aqui deveria deixar de votar a minha moção.

E para que hei de dissimular, que ainda obedeci a outra consideração?

Fallando pela primeira vez n’esta camara, não quiz engeitar a fortuna, para merecer a benevolencia, de que careço e que sollicite, do debate me fornecer ensejo de apresentar uma moção que, ajustando-se aos deveres e até aos brios do partido, a que pertenço como o mais humilde dos seus membros, não póde irritar ou fazer affronta á mais prevenida opinião politica dos meus adversários, ainda os menos tolerantes.

Dito isto, sr. presidente, eu vou desde já entrar no assumpto.

A questão politica, que eu ponho ao governo, não é aquella que elle se apraz suppor, que lhe levantam.

A dictadura, a que chamarei, ordinaria, de decretos com força legislativa, não é a de que eu me occuparei; essa será apreciada ao tratar-se do respectivo bill de indemnidade.

Desde muito que os partidos se respondem sempre reciprocamente accusando-se de dictaduras, e defendendo-se com os precedentes.

Se isso não é defeza, pelo menos ainda se admitte como argumento de effeito parlamentar. Mas desde 1890 está destruído esse argumento contra o partido progressista, e empregal-o teria sido uma deslealdade completamente inqualificável, se o governo conserva a memória do que n’aquele anno occorreu.

Não se lembra o sr. presidente do conselho do que em 1890 se passou n’esta mesma casa?

Em 4 de julho d’esse anno discutia-se aqui o bill de indemnidade do ministerio do sr. Serpa Pimentel, cuja dictadura fóra nada menos do que de vinte um decretos publicados pelos differentes ministerios, e que eu apreciei larguissimamente na outra casa do parlamento, dictadura que era a primeira do reinado do actual soberano, El-Rei o Senhor D. Carlos.

Discutia-se essa dictadura, e o illustre e prestigioso chefe do partido progressista, meu dilecto amigo, usando da palavra, começou por ler a sua moção, que era do teor seguinte: «A camara, convencida da necessidade de restaurar a observância dos principios fundamentaes do systema parlamentar, affirma o seu proposito de fazer respeitar de futuro a constituição do estado, e passa á ordem do dia».

Note a camara bem o que se dizia aqui: affirmava-se o proposito de fazer respeitar de futuro a constituição da do estado.

Esta moção e as palavras, com que o digno par, sr. José Luciano de Castro, seu auctor, a acompanhou, importavam um convite sincero a todos os partidos politicos para se acabar de uma vez com o abuso das dictaduras, e restituir inteiramente ao parlamento as funcções, que lhe são proprias ou que lhe competem.

Dizia então o nobre chefe do partido progressista: «Pratiquemos um acto benemerito, um acto que não póde deixar de ser applaudido por todos os que sinceramente acreditam na força do parlamento, e por todos os que se empenham em conservar ás instituições o prestigio, que lhes compete. Se querem salvar o systema parlamentar renunciem ás dictaduras, a não ser que uma imperiosa e incontradictavel necessidade publica as determine... E o primeiro a confessar-se réu; é o primeiro a mostrar-se culpado e a declarar, que não tem auctoridade para accusar o governo actual; mas é necêssario que os partidos correspondam á espontaneidade d’estas declarações francas e sinceras, com a promessa de só recorrerem á dictadura em casos extremos de salvação publica».