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N.º 16 SESSÃO DE 20 DE NOVEMBRO DE 1894

Presidencia do ex.mo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios — os dignos pares

Conde d’Avila

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — Correspondencia. — O digno par Sousa Avides manda para a mesa dois requerimentos, precedendo-os de algumas palavras. São expedidos. — O digno par conde de Magalhães deseja saber se o sr. ministro das obras publicas está habilitado para responder á sua interpellação. Responde o sr. ministro affirmativamente. O sr. presidente observa que designará dia. — O sr. conde de Castro manda um requerimento para a mesa. O digno par Hintze Ribeiro e presidente do conselho dá breves explicações sobre o referido requerimento, que é lido e expedido. — O digno par Cypriano Jardim justifica as suas faltas. — E lido o parecer relativo ao sr. Franco Frazão. E approvado.

Ordem do dia: usa da palavra o digno par Baptista de Sousa, terminando com apresentar uma moção, que é lida e admittida. Responde o sr. ministro das obras publicas. — O digno par Boavida propõe que se aggreguem á commissão de negocios ecclesiasticos dois dignos pares. E encerrada a sessão.

As duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 32 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão precedente, que foi approvada sem reclamação.

Estiveram presentes os srs. presidente do conselho, e ministros da justiça, da guerra, da marinha e das obras publicas.

O sr. Presidente: — Tive a honra de ser encarregado de apresentar á camara duas representações contra a lei da contribuição industrial, uma de varias companhias e sociedades anonymas, e outra da companhia de carruagens lisbonense.

Vou consultar a camara sobre se permitte que estas representações, que serão apresentadas á commissão de fazenda, quando estiver constituida, sejam publicadas no Diário do governo, caso a publicação de idênticas representações não tenha já sido ordenada pela camara dos senhores deputados.

Os dignos pares que approvam que as duas representações sejam publicadas no Diário do governo tenham a bondade de se levantar.

Não foi approvado.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: — Peço a v. ex.a que queira ter a bondade de verificar de novo a votação.

O sr. Presidente: — Vou consultar novamente a camara, satisfazendo assim os desejos de s. ex.a

Os dignos pares que approvam que as duas representações sejam publicadas no Diário do governo, quando a publicação de idênticos documentos não tenha sido auctorisada pela outra casa do parlamento, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Estas representações ficam sobre a mesa, para serem opportunamente enviadas á commissão de fazenda.

O sr. Sousa Avides: — Sr. presidente, tendo a camara municipal do Porto pedido ao governo de Sua Magestade para que decretasse a vaccinação obrigatória no paiz, como está estabelecido em quasi todas as nações civilisadas, consta-me que, sendo ouvida a junta consultiva de saude publica, o seu parecer foi contrario a essa medida de grande conveniência para a hygiene publica.

Ora, desejando verificar o conteúdo n’este parecer, mando para a mesa dois requerimentos: um, pedindo, pelo ministerio do reino, copia do parecer da junta consultiva de saude publica sobre a vaccinação obrigatória, e outro pedindo copia de um officio do facultativo municipal, o professor Ricardo Jorge, sobre o mesmo assumpto.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para declarar a v. ex.a e á camara que tenho faltado a algumas das anteriores sessões por motivos justificados.

O sr. Presidente: — Vão ler-se os requerimentos mandados para a mesa pelo digno par.

Leram-se na mesa e foram expedidos os seguintes requerimentos:

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio do reino, me seja enviada copia do officio do medico municipal, professor Ricardo Jorge, enviado ao ex."'° governador civil do Porto, sobre a necessidade da vaccinação obrigatória. = Sousa Avides, par do reino pelo districto do Porto.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, me seja enviada copia do parecer da junta consultiva de saude publica sobre a representação da camara municipal do Porto, pedindo que com urgência seja decretada a vaccinação obrigatoria. = Sousa Avides, par do reino pelo districto do Porto.

O sr. Conde de Magalhães: — Tinha pedido a palavra hontem simplesmente para pedir ao sr. ministro das obras publicas o obséquio de me dizer quando poderá realisar-se a interpellação, cuja nota mandei para a mesa.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): — Simplesmente tenho a declarar ao digno par que, pela minha parte, estou prompto a acceitar a interpellação de s. ex.a desde já ou quando estejam publicados os documentos que constam do Livro branco, cuja impressão está muito adiantada, mas como é o sr. presidente da camara quem dirige os trabalhos parlamentares, a s. ex.a compete designar dia para ella.

O sr. Presidente: — Eu designarei o dia em que deve ter logar a interpellação, logo que os documentos a que se referiu o sr. ministro das obras publicas sejam publicados e a ordem dos trabalhos o permitta.

O sr. Vaz Preto: — Peço a v. ex.a que me diga se já vieram os documentos por mim pedidos.

O sr. Presidente: — Não me consta que tivessem já chegado á camara os documentos pedidos por s. ex.a

Como a hora está adiantada vae passar-se á primeira parte da ordem do dia, que é a discussão do parecer da commissão de verificação de poderes relativo ao digno par eleito o sr. Franco Frazão.

O sr. Conde de Castro: — Eu tinha pedido a palavra para mandar para a mesa um requerimento, pedindo

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alguns documentos pelo ministerio dos negocios estrangeiros.

Como a resposta que o ex-ministro dos negocios estrangeiros e actual presidente do conselho deu na sessão de hontem ao sr. Costa Lobo, em relação ao ultimo convénio sobre a pesca, me não satisfizesse, entendo dever mandar para a mesa um requerimento.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Disse o digno par o sr. conde de Castro, que a minha declaração de hontem o não deixara satisfeito, e que por isso formulára o seu requerimento.

Ora, o que hontem disse parece-me ser o que o digno par requer: que os documentos, que não foram publicados no Diário do governo, se achavam á disposição da camara.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o requerimento, mandado para a mesa pelo digno par o sr. conde de Castro.

Leu-se na mesa e mandou-se expedir o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, seja remettida com urgência a esta camara uma copia das notas e demais documentos, relativos ao accordo provisorio sobre a pesca, ultimamente celebrado com a Hespanha. -= Conde de Castro.

Mandou se expedir.

O sr. Presidente: — Agora vae ler-se uma declaração do sr. Cypriano Jardim justificando a sua falta a algumas sessões.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Declaração

Declaro que faltei a algumas sessões d’esta camara por incommodo de saude.

Camara dos pares, 20 de novembro de 1891. = Cypriano Jardim.

O sr. Presidente: — Lançar-se-ha na acta a declaração do digno par.

O sr. Rocha Peixoto: — Mando para a mesa a seguinte:

Declaração

Por incommodo de saude tenho faltado ás sessões d’esta camara.

Camara dos dignos pares do reino, em 20 de novembro de 1894. — Rocha Peixoto, par do reino.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.° 48, relativo ao digno par o sr. Franco Frazão, eleito pelo collegio districtal de Castello Branco.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 48

Senhores. — A vossa primeira commissão de verificação do poderes, tendo examinado com a devida attenção o diploma e mais documentos relativos ao par eleito pelo collegio districtal de Castello Branco, João Antonio Franco Frazão, verificou que o diploma está passado em fórma legal, que o par eleito reuniu a unanimidade de votos, que está no goso dos seus direitos politicos, e que se acha comprehendido na categoria 4.a do artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878 modificada pela lei de 20 de fevereiro de 1890.

E porque a eleição a que se procedeu no referido collegio districtal, já foi approvada, é a vossa commissão de parecer que o par electivo de que se trata seja admittido a prestar juramento, e a tomar assento n’esta camara.

Sala das sessões da commissão, 13 de novembro de 1894, — António Emilio Correia de Sá Brandão — Julio

de Vilhena — Carlos Augusto Palmeirim = Augusto Cesar Cau da Costa.

Acta da eleição dos pares do reino pelo districto de Castello Branco

Aos 30 dias do mez de abril do anno de 1894, n’esta cidade de Castello Branco, e edificio do governo civil, previamente designado por edital do governador civil d’este distincto, de 13 do mesmo mez, em conformidade do artigo 11.0 do decreto de 20 de fevereiro de 1890, pelas dez horas da manhã, reunido o collegio districtal que tem de proceder á eleição de dois pares do reino por este districto, compareceu a mesa d’aquella assembléa, composta, como consta da acta respectiva, dos cidadãos dr. Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro, presidente, Lucio da Silva Pelejão e Alberto Godinho Mendes Guerreiro, secretarios.

Achando-se presentes n’este acto os eleitores do collegio districtal, apresentou o presidente da mesa, em cumprimento do disposto no artigo 39.° da lei de 24 de julho de 1885, a lista a que se refere o artigo 36.° da mesma lei, e por ella se fez a chamada dos eleitores para darem os seus votos, e tendo primeiro votado os membros da mesa, so procedeu por aquella lista á chamada dos eleitores. Ao passo que cada um dos eleitores chamados se approximava á mesa, um dos secretarios lançava a respectiva nota de descarga na lista, escrevendo o seu appellido ao lado do nome do votante, e o presidente, recebendo a lista da votação, dobrada e sem assignatura, a lançava na urna.

Faltaram com motivo justificado os delegados municipaes do concelho de Belmonte, Joaquim Guilherme da Cunha Pignately e dr. Francisco Pires Soares, effectivos, e José Manuel Videira e Abilio Antonio da Fonseca, supplentes; do concelho da Covilhã, dr. José Mendes Alçada de Paiva, dr. Joaquim Nunes de Oliveira Monteiro e Antonio do Quental Freire Calheiros, effectivos, e Anselmo Maria Urbano de Sampaio, Sebastião da Costa Rato e Alfredo Victor Baptista Alves, supplentes; do concelho do Fundão, dr. José de Sampaio Torres Fevereiro, effectivo; do concelho de Idanha a Nova, Bartholomeu Capello da Fonseca, Domingos Antonio Torres e João José Trigueiros Osorio de Aragão, eflectivos, e Christiano Pereira Barata, supplente.

Terminada a votação dos eleitores inscriptos na lista, foram chamados a votar, e votaram pela mesma forma, os. supplentes dos delegados effectivos que deixaram de comparecer. Votou tambem o deputado eleito pelo circulo n.° 62, dr. José Domingos Ruivo Godinho.

Recebidas as listas de todos os eleitores presentes, e sendo onze horas da manhã, declarou o presidente que d’aquelle momento começava a correr a meia hora de espera, tudo como preceitua o artigo 39.° da citada lei. Findo este praso, e não comparecendo mais eleitores, procedeu-se á contagem das listas, verificou-se serem 24, numero igual ao das descargas feitas na lista dos eleitores, e em seguida procedeu-se ao apuramento dos votos, como prescreve o § 5.° do referido artigo 39.° da citada lei.

Em resultado, verificou-se terem sido votados para pares do reino os cidadãos Joaquim José Coelho de Carvalho e dr. João Antonio Franco Frazão, antigos deputados ás côrtes da nação portugueza, com 24 votos cada um, obtendo assim cada um dos votados n’este primeiro e unico escrutinio a totalidade dos votos dos eleitores presentes, os quaes, de conformidade com o n.° 5.° do artigo 43.° da lei já citada, outorgam aos pares eleitos os poderes necessários para que, com os outros pares do reino, façam, dentro dos limites da carta constitucional e seus actos addicionaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação.

De tudo, para constar, se lavrou a presente acta, da qual se vão extrahir duas copias para serem enviadas aos pares eleitos, nos termos do artigo 44.° da lei citada. E eu, Alberto Godinho Mendes Guerreiro, um dos secretarios da mesa, a escrevi e assigno com todos os vogaes da

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mesa — Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro — Lucio da Silva Pelejão — Alberto Godinho Mendes Guerreiro. =Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro — Lucio da Silva Pelejão =Alberto Godinho Mendes Guerreiro.

Ill.mo e ex.mo sr. — Diz João Antonio Franco Frazão, casado, proprietário, bacharel formado em direito, morador na Capinha, que para fins convenientes precisa se lhe certifique em face do livro do recenseamento eleitoral actualmente em vigor se se acha recenseado como eleitor e elegível para todos os cargos públicos — P. a v. ex.a, digníssimo presidente da camara municipal d’este concelho, se digne deferir. — E. R. M.cê = Pelo supplicante, J. Paulo Nunes.

Passe nos devidos termos. Fundão, 5 de novembro de 1894. = Coutinho.

José dos Santos Figueira, secretario da camara municipal

do Fundão.

Certifico, em cumprimento do despacho que antecede, que no livro do recenseamento eleitoral d’este concelho, relativo ao anno de 1894 a 1895, e actualmente archivado n’esta secretaria municipal, se acha inscripto como eleitor, a fl. 128 v., o requerente, João Antonio Franco Frazão, casado, bacharel, da freguezia da Capinha, d’este mesmo concelho, tendo a nota de elegível para todos os cargos públicos.

Para constar, passei a presente certidão, que assigno.

Secretaria da camara municipal do Fundão, õ de novembro de 1894. = José dos Santos Figueira.

Ill.mo e ex.mo sr. — Diz João Antonio Franco Frazão, casado, proprietário, morador na Capinha, filho de José Joaquim Franco e D. Emilia Frazão, que para fins convenientes precisa que se lhe certifique o que a seu respeito constar dos boletins do registo criminal archivados n’esta comarca. — P. a v. ex.a, meritíssimo sr. dr. juiz de direito, que se digne deferir. — E. R. M.cê = Pelo supplicante, J. Paulo Nunes.

Deferido em termos. Fundão, 5 de novembro de 1894. = F. Chrysostomo.

Comarca do Fundão. — Certificado. — Atteste que dos boletins archivados n’este registo criminal da comarca do Fundão nada consta contra o ex.mo dr. João Antonio Franco Frazão, casado, proprietário, da Capinha.

Fundão, 9 de novembro de 1894. = O escrivão do segundo officio, João Gomes Cardona Barata.

Parecer n.° 7

Senhores. — A vossa commissão de verificação de poderes, tendo devidamente examinado o processo da eleição de um par do reino pelo districto de Castello Branco, e considerando que reuniu a unanimidade dos votos, sem protesto nem reclamação alguma o cidadão João Antonio Franco Frazão, que, como deputado da nação que foi em mais de seis sessões legislativas ordinárias, se acha comprehendido na 4.a categoria da lei de 3 de maio de 1878, modificada pelo decreto de 20 de fevereiro de 1890: é de parecer que seja julgada valida a eleição a que se procedeu e que o referido par eleito, que apresentou o seu diploma em forma legal, seja admittido a prestar juramento e a tomar assento n’esta camara.

Sala das sessões, 30 de janeiro de 1893. = Augusto Cesar Cau da Costa = Conde de Gouveia — Conde de Thomar — Barros e Sá — Camara Leme — Pereira de Miranda = A. de Ornellas, relator.

Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho a honra de enviar a v. ex.a, de conformidade com as prescripções do artigo 45.° da lei de 24 de julho de 1885, a inclusa acta original e mais papeis, concernentes á eleição de um par do reino, a que, em cumprimento do decreto de 15 de setembro ultimo, se procedeu hoje n’esta cidade.

Deus guarde a v. ex.a Castello Branco, 7 de novembro de 1892. — Ill.mo e ex.mo sr. ministro e secretario d’estado dos negocios do reino. = O presidente do collegio districtal, Manuel Duarte Figueira

Acta da eleição de um par do reino a que se procedeu no districto de Castello Branco em cumprimento do decreto de 15 de setembro de 1892

Aos 7 dias do mez de novembro de 1892, por dez horas da manhã, n’esta cidade de Castello Branco e edificio do governo civil do districto, previamente designado por edital do ex.mo governador civil, de 24 de outubro ultimo, para a reunião do collegio districtal, que tem de proceder á eleição de um par do reino, ali compareceu a mesa eleita e constituida no dia 5 do corrente, como consta da respectiva acta, e composta dos cidadãos Manuel Duarte Figueira, presidente; Manuel Martins Bispo e Joaquim José Grillo, secretarios; á qual se aggregaram, na qualidade de escrutinadores, propostos pelo presidente e approvados pela assembléa, José da Silveira Proença Saraiva e João Eduardo de Almeida Penteado.

Achando-se presentes a este acto os eleitores do collegio districtal, apresentou o presidente da mesa, em cumprimento do disposto no artigo 39.° da lei de 24 de julho de 1885, a lista a que se refere o artigo 36.° da mesma lei, e por ella se fez a chamada dos eleitores para darem os seus votos, deixando de comparecer, sem justificarem a falta, os delegados eleitos pelo concelho da Covilhã: conde do Refugio, commendador João Nunes Monsaco e Joaquim Nunes de Oliveira Monteiro, effectivos, e os respectivos supplentes Paulo de Almeida Souto Macedo, Silvestre José Teixeira de Azevedo e José Antonio Freire.

Recebidas as listas dos eleitores presentes, e sendo onze horas da manhã, declarou o presidente que d’aquelle momento começava a correr a meia hora de espera, tudo como preceitua o artigo 39.° da citada lei. Findo este praso, e não comparecendo mais eleitores, procedeu-se á contagem das listas, verificando-se serem 27, numero igual ao das descargas feitas na lista dos eleitores, e em seguida procedeu-se ao apuramento de votos como prescreve o § 5.° do referido artigo 39.° da citada lei.

Em resultado verificou-se ter sido votado para par do reino o bacharel João Antonio Franco Frazão, com 27 votos, obtendo assim n’este primeiro e unico escrutinio a totalidade dos votos dos eleitores presentes, os quaes de conformidade com o n.° 5 do artigo 43.° da lei indicada, outorgam ao par eleito os poderes necessários para que reunido com os demais pares do reino, faça, dentro dos limites da carta constitucional e dos seus actos addicionaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação.

De tudo, para constar, se lavrou a presente acta de que se vae extrahir uma copia para ser enviada ao par eleito nos termos do artigo 44.º da supramencionada lei.

E eu, Joaquim José Grillo, secretario, a subscrevi e vou assignar com os demais membros da mesa. = Manuel Duarte Figueira = José da Silveira Proença Saraiva — José Eduardo de Almeida Penteado — Manuel Martins Bispo = Joaquim José Grillo.

Ill.mo e ex.mo sr. — Tendo sido eleito par do reino pelo districto de Castello Branco, cabe-me a subida honra de levar ás mãos de v. ex.a os documentos que acompanham este, para que se digne fazel-os juntar ao respectivo processo eleitoral, para prova de categoria e idade legal.

Deus guarde a v. ex.a Capinha, 24 de janeiro de 1893, —

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Ill.mo e ex.mo sr. presidente da camara dos dignos pares do reino. — João Antonio Franco Frazão.

III.mo e ex.mo sr. — Diz João Antonio Franco Frazão que para constar precisa que pela secretaria da camara dos senhores deputados se lhe certifique quaes as legislaturas para que foi eleito deputado ás côrtes, e nem assim se exerceu as respectivas funcções nas diversas sessões legislativas — P. a v. ex.a lhe defira.

Lisboa, 5 de janeiro de 1893. = Como procurador, João Ignacio Tavares. — E. R. M.cê

Joaquim Pedro Parente, bacharel formado nas faculdades de theologia e direito pela universidade de Coimbra, director geral interino da secretaria e policia da camara dos senhores deputados, etc.

Certifico que das actas e outros documentos existentes no archivo d’esta direcção geral consta que o requerente, João Antonio Franco Frazão, foi eleito deputado ás côrtes para as legislaturas seguintes:

Para a legislatura que teve principio em 22 de julho de 1871 e findou em 2 de abril de 187-1, havendo durado a primeira sessão de 22 de julho a 22 do setembro de 1871; a segunda de 2 de janeiro a 4 de maio de 1872; a terceira de 2 de janeiro a 8 de abril de 1873 e a quarta de 2 de janeiro a 2 de abril de 1874.

Para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1882 c findou, por dissolução, em 24 de maio de 1884, havendo durado a primeira sessão de 2 de janeiro a 19 de julho de 1882, a segunda de 2 de janeiro a 22 de maio, de 4 a 16 de junho e de 17 a 29 de dezembro de 1883, e terceira de 2 de janeiro a 17 de maio de 1884.

Para a legislatura que teve principio em 15 de dezembro de 1884 e findou, por dissolução, em 7 de janeiro de 1887, havendo durado a primeira sessão de 15 de dezembro de 1884 a 2 de janeiro de 1885, a segunda de 2 de janeiro a 11 de julho de 1885, a terceira de 2 de janeiro a 8 de abril de 1886 e a quarta de 2 a 7 de janeiro de

1887.

Certifico mais, que o requerente exerceu o mandato em todas as sessões legislativas mencionadas n’esta certidão, com excepção das de 15 de dezembro de 1884 a 2 de janeiro de 1885 e de 2 a 7 de janeiro de 1887.

E para constar se passou a presente por virtude do despacho lançado no requerimento retro.

Direcção geral da secretaria e policia da camara dos senhores deputados, em 12 de janeiro de 1893. = O director geral interino, Joaquim Pedro Parente.

Ex.mo sr. — Alfredo Victor Baptista Alves, casado, proprietário, d’esta cidade da Covilhã, precisa que se lhe passe por certidão qual é o rendimento collectavel do sr. dr. João Antonio Franco Frazão, da Capinha, concelho do Fundão, n’este concelho da Covilhã, por isso — P. a v. ex.a, ex.mo sr. escrivão de fazenda, lhe mande certificar o que constar. — E. R. M.cê

Covilhã, 12 de dezembro de 1892. = O supplicante, Alfredo Victor Baptista Alves.

Passe a certidão requerida o sr. Apolinario, não tendo inconveniente. Data infra. = Burguete.

Apolinario Ramos Castanhinha, escripturario de fazenda do concelho da Covilhã.

Certifico, em vista da petição e despacho supra, que vendo o mappa da contribuição predial do anno de 1892, e seb o artigo 2:678.º, se acha descripto o nome do ex.mo dr. João Antonio Franco Frazão, da Capinha, com um prédio na freguezia do Peso, do concelho da Covilhã, com o rendimento collectavel de 704000 réis.

Nada mais se continha no referido mappa, que fielmente para aqui copiei, o qual se acha archivado n’esta repartição.

Covilhã, e repartição de fazenda, 12 de dezembro de 1892. — E eu, Apolinario Ramos Castanhinha, escripturario de fazenda do concelho da Covilhã, que a escrevi e assigno. = Apolinario Ramos Castanhinha.

Ill.mo sr. — João Antonio Franco Frazão, casado, proprietário, residente na freguezia da Capinha, concelho do Fundão, precisa que se lhe passe a certidão do seu rendimento collectavel no concelho de Penamacor. — P. a v. s.a, sr. escrivão de fazenda do concelho de Penamacor, se sirva mandar-lhe passar a certidão referida. — E. R. M.cê

Penamacor, 17 de janeiro de 1893. = João Antonio Franco Frazão.

Joaquim Antunes da Silva, escrivão de fazenda supplente

do concelho de Penamacor:

Em cumprimento da petição supra, certifico que, passando a examinar o respectivo mappa da repartição da contribuição predial e competentes matrizes prediaes existentes n’esta repartição, d’ellas consta que o rendimento collectavel total de todos os prédios descriptos em nome do ex.mo dr. João Antonio Franco Frazão, da Capinha, é da importância de 210$109 réis. E para constar, e effeitos necessários, passo a presente certidão em face dos alludidos mappa e matrizes a que me reporto. — E eu, Joaquim Antunes da Silva, que a escrevi e assigno, em Penamacor, aos 17 de janeiro de 1893. = Joaquim Antunes da Silva. — (Segue o reconhecimento.)

Ill.mo e ex.mo sr. — João Antonio Franco Frazão, casado, proprietário, residente na freguezia da Capinha, concelho do Fundão, precisa que se lhe passe por certidão qual é o rendimento collectavel do supplicante no concelho de Idanha a Nova. — P. ao digníssimo escrivão de fazenda do concelho de Idanha a Nova lhe mande passar por certidão o que constar da matriz predial do seu concelho. — E. R. M.cê

Capinha, 5 de janeiro de 1893. = João Antonio Franco Frazão.

José Maria Taborda, escrivão de fazenda do concelho de

Idanha a Nova:

Certifico, em face do mappa da repartição de contribuição predial do anno de 1892, que o rendimento collectavel n’este concelho, relativo ao requerente João Antonio Franco Frazão, residente na Capinha, concelho do Fundão, é de 7054594 réis.

E por me ser pedida mandei passar a presente certidão, que assigno, eu, José Maria Taborda, escrivão de fazenda, que a subscrevi.

Idanha a Nova, 9 de janeiro de 1893. = O escrivão de fazenda, José Maria Taborda. = (Segue o reconhecimento.)

Ill.mo sr. — João Antonio Franco Frazão, casado, proprietário, residente na freguezia da Capinha, concelho do Fundão, precisa que se lhe passe, por certidão, qual é o seu rendimento collectavel n’este concelho, e que consta da matriz predial. — Pede a v. ex.a, sr. escrivão de fazenda do concelho do Fundão, lhe defira, mandando certificar o que constar.

Capinha, 5 de janeiro de 1893. — João Antonio Franco Frazão. — E. R. M.cê

Bartholomeu Nunes Ribeiro, escrivão de fazenda no concelho do Fundão, por Sua Magestade Fidelíssima, que

Deus guarde, etc.

Certifico que o rendimento collectavel dos prédios in-

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scriptos nas matrizes prediaes das freguezias da Capinha e Telhado, d'este concelho, em nome do supplicante, ex.mo dr. João Antonio Franco Frazão, é da quantia de réis 1:1250235.

E, por ser verdade, se passou a presente, que assigno.

Repartição de fazenda do concelho do Fundão, 14 de janeiro de 1893. — Bartholomeu Nunes Ribeiro. = (Segue o reconhecimento.)

Presbytero Guilhermino de Oliveira Rocha, parodio da freguezia do S. Sebastião da Capinha, concelho do Fundão:

Certifico que, vendo um dos livros findos de assentos de baptismos, d’esta freguezia, n’elle, a fl. 94, achei o assento do teor seguinte:

«João, filho legitimo do primeiro matrimonio, utroque parte, de José Joaquim Franco, d’este logar da Capinha, e de sua mulher D. Emilia Albertina de Oliveira Franco Castello Branco, do logar do Salgueiro, d’este bispado, neto de via paterna de João Antonio Franco e de sua mulher D. Luiza Thereza da Costa Fonseca, d’este logar da Capinha, de via materna de João de Oliveira Franco Castello Branco e de sua mulher D. Maria Angelica Leitão Caldeira, do logar de Salgueiro; nasceu no dia 23 de janeiro de 1837, e no dia 6 de fevereiro do mesmo anno foi solemnemente baptisado por mim, o parocho abaixo assignado, na igreja de S. Sebastião, matriz d’esta freguezia. Foram padrinhos José Homem de Figueiredo Leitão e D. Josefa Emilia Pinto de Sá Machado, da villa de Gouveia, e tocaram por procuração o dr. João Bernardo Franco, d’este logar da Capinha, e D. Anna Augusta de Oliveira Frazão, do logar do Salgueiro, e testemunhas o dr. João Bernardo Franco e o reverendo Manuel José Delgado. E para constar fiz este termo, que assigno.

«Capinha, 17 de fevereiro de 1873. = João Bernardo Franco — Padre Manuel José Delgado. = O encommendado, Izidoro Domingues da Conceição.»

Nada mais se continha no dito assento a que me refiro, e que do original para aqui fielmente copiei, o que juro in fide parochi.

Capinha, 23 de janeiro de 1893. — O parocho, Guilhermino de Oliveira Rocha. = (Segue o reconhecimento.)

O sr. Presidente: — Vae votar-se.

Fez-se a chamada.

Corrido o escrutinio verificou-se ter sido approvado o parecer por 39 espheras brancas.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Baptista de Sousa.

O sr. Baptista de Sousa: — Sr. presidente, as palavras lidas pelo sr. ministro da guerra ao terminar -o seu discurso na sessão de hontem, e que tinham sido proferidas por um distincto parlamentar, o meu presado amigo e correligionário o digno par e notável orador o sr. Antonio Candido, na outra casa do parlamento n’uma das sessões de 1887, segundo me pareceu, são as que determinam o principio das considerações, que eu vou ter a honra de expor á camara.

Referindo-me ao sr. ministro da guerra, a quem me sigo no uso da palavra, sinto que s. ex.a não esteja presente, embora o que vou dizer na sua ausência nada tenha de pessoal, nem respeite a negocios da sua pasta.

Alem de que, as palavras do sr. ministro da guerra visaram á reproducção do que já tinha sido adduzido pelo nobre presidente do conselho, que está presente.

(Entra o sr, ministro da guerra.)

Muito folgo de ver entrar na sala n’esta occasião o sr. ministro da guerra.

Estava-me referindo ao final do discurso de s. ex.a, em que quiz apropriar á discussão pendente o que, em conjunctura bem differente, dissera o sr. Antonio Candido em 1887, o que importava, aliás, a reproducção do que já fôra dito pelo sr. presidente do conselho.

Pareceu-me transparente a censura aos oradores, que n’esta casa têem apreciado o discurso da corôa, ou, a seu proposito, usado da palavra contra a marcha politica do governo.

S. ex.a leu um trecho de um discurso, em que se fizera um appello á camara para não gastar tempo em discussões inúteis.

Ora, sr. presidente, é preciso pôr um termo a estas e outras similhantes advertências, que das cadeiras do governo têem sido dirigidas aos membros do parlamento, que, felizmente, ainda prezam o regimen liberal legalmente estabelecido, depois de penosamente conquistado. (Apoiados.)

Discussão inútil no presente anno a da resposta ao discurso da corôa! Quando é n’esta occasião que, ao cabo de quinze mezes, em que o governo se divorciou das côrtes, perpetrando os maiores attentados politicos de que ha memória, nos incumbe examinar se o governo no intervallo parlamentar observou ou não a constituição, exame que é a primeira prerogativa, o primeiro dever do parlamento? (Apoiados.)

Bois o que diz a carta constitucional? Aqui está escripto com todas as letras no seu artigo 139.°:

«As côrtes geraes, no principio das suas sessões, examinarão se a constituição politica do reino tem sido exactamente observada, para prover como for justo.»

A camara dos dignos pares, portanto, tem no principio de cada sessão annual o pleno direito de examinar se a constituição politica do reino tem sido observada ou não. Fazendo-o, a camara não só exerce esse direito, mas até cumpre o seu dever, e censura só mereceria se o menosprezasse, como cousa de pouca valia. (Apoiados.)

Os srs. ministros ainda não rasgaram o artigo 139.° da carta constitucional. S. ex.as seriam os primeiros a ter obrigação de respeitar e estimar a sua observância, sc são leaes zeladores do systema constitucional.

Ora, sr. presidente, os dignos pares d’este lado da camara, que têem usado da palavra na resposta ao discurso da corôa, têem exercido dignamente e honradamente um direito e cumprido um dever imposto por uma disposição perceptiva da carta constitucional.

Das bancadas ministeriaes tem-se querido lançar para a opposição o descrédito pelo facto d’ella ter praticado o seu dever, e dizem-nos quasi todos os dias que o paiz não quer palavras, mas factos.

Como é, porém, que se discute se a constituição do reino foi ou não observada durante o interregno parlamentar?

Com palavras.

Eu bem sei, sr. presidente, como d’ellas se deviam concluir factos, e bem positivos.

Era pela accusação criminal do governo, que teria de se terminar, mas nem ha na constituição mais do que o reconhecimento d’essa responsabilidade ministerial, faltando a lei complementar, como julgou um aresto parlamentar, ainda não ha muito, nem é attribuição d’esta camara decretar aquella accusação e só julgal-a.

A propria falta de competência me inhibiria de chegar á conclusão pratica.

Como não tenho outro meio de exercer o meu direito, ou antes de cumprir o meu dever de exame, senão reprovando as assombrosas violações da constituição politica praticadas pelo governo, esse o hei de empregar tão inteiramente, quanto as minhas desvaliosas faculdades possam servir a minha consciência escandalisada. (Vozes: — Muito bem.)

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Embora a votação venha lavar o governo da mancha que lhe assignala o delicto, ha de ficar sempre o vestigio da lavagem.

Mas, sr. presidente, se eu e todos accedessemos ao convite. que a censura, que repillo, do governo envolve, como é que, no dizer do governo, trataríamos de cousa mais util para o paiz? N’este momento dava-se a discussão por terminada, e que trabalho util ficava sujeito á nossa apreciação?! (Apoiados.)

Eu não pergunto a v. ex.a, sr. presidente, cuja amabilidade o levaria a responder-me, quaes são os pareceres, que estão sobre a mesa, a respeito de questões interessantes, e que devem chamar a nossa attenção, depois de esgotado o assumpto que está sendo debatido!

Nenhum! (Apoiados.)

E, finalmente, sr. presidente, as advertências do governo c o seu procedimento fazem lembrar o que seria um medico, que dizendo ao doente, que a sua enfermidade era gravissima, e lhe prescrevesse, para obter a cura, o maior repouso, sem proferir uma palavra, sem mover um dedo, se aproveitasse d’este estado para lhe roubar a fortuna.

Sim, com o pretexto de que ha assumptos de administração, assumptos de fazenda, assumptos de economia e fomento, quasi todos ainda mentaes, e questões internacionaes vivas e melindrosas, que nos atormentam e vexam, o governo prescreve ao paiz ou seus representantes silencio absoluto sobre a espoliação; que lhe fez, das suas garantias liberaes, que como valioso património do povo, que diz; enfermo, estavam consignadas no seu pacto politico!

E grave o estado do paiz! Nem uma palavra, nem um movimento contra os attentados, que lhe tiram o que é seu, porque toda a attenção era precisa para seguir as prescripções do governo e assim obter a cura dos seus males.

Pois porque ha questões graves a estudar, deixa de o ser esta questão constitucional estabelecida na lei organica.da sociedade portugueza?!

Por isso, sr. presidente, como é obrigação da camara, prescripta por uma disposição da carta constitucional da monarchia, examinar, no principio das sessões, se a constituição foi observada e prover ao que for de justiça, cumprindo rigorosamente o meu dever, e obedecendo tambem ás disposições do regimento, vou ler a moção, que tenho a honra de mandar para a mesa:

«A camara, procedendo ao exame, que lhe é ordenado pelo artigo 139.° da carta constitucional, verificou, que a constituição politica do reino não tem sido observada, e reconhece a necessidade de se prover como for justo.»

Não era esta moção aquella, que eu quiz submetter á apreciação da camara no primeiro movimento do meu espirito; era outra mais terminante e radical, pondo a questão politica nos termos, em que a provocou o governo.

Não o quiz fazer.

Em primeiro logar, porque essa moção não seria lógica, se não concluísse pela accusação do governo, o que nem sequer teria direito a fazer pelo que já disse.

Em segundo logar, porque, se sou novo n’esta camara, trago da outra a experiencia e o conhecimento já bastante dos homens para saber, que todos temos o defeito da virtude partidaria, o que faz com que, se no nosso parlamento, ao contrario do que acontece n’outros lá fóra, ha sempre maioria para amparar e fortificar um gabinete saído de um partido, essa mesma maioria não falta, até quando um governo offende o proprio poder legislativo, que ella, tendo o direito e a força devia e podia desaffrontar.

Assim, sr. presidente, eu tive o desejo que a votação, porventura, mostrará haver sido bem ingénuo, de não collocar a maioria n’um conflicto doloroso entre ter de recusar o seu voto ao governo ou os applausos á sua consciência.

Na minha moção affirmo, que a camara procedeu ao exame, que a lei lhe manda fazer. Isto é verdade, é o que se está praticando.

Affirmo que a constituição politica não foi observada. Todos o sabem, e o governo o confessa.

Termino por pedir, que se proveja, como for justo. E o que diz a constituição, e que só não póde querer quem a não jurou.

Ninguem, pois, aqui deveria deixar de votar a minha moção.

E para que hei de dissimular, que ainda obedeci a outra consideração?

Fallando pela primeira vez n’esta camara, não quiz engeitar a fortuna, para merecer a benevolencia, de que careço e que sollicite, do debate me fornecer ensejo de apresentar uma moção que, ajustando-se aos deveres e até aos brios do partido, a que pertenço como o mais humilde dos seus membros, não póde irritar ou fazer affronta á mais prevenida opinião politica dos meus adversários, ainda os menos tolerantes.

Dito isto, sr. presidente, eu vou desde já entrar no assumpto.

A questão politica, que eu ponho ao governo, não é aquella que elle se apraz suppor, que lhe levantam.

A dictadura, a que chamarei, ordinaria, de decretos com força legislativa, não é a de que eu me occuparei; essa será apreciada ao tratar-se do respectivo bill de indemnidade.

Desde muito que os partidos se respondem sempre reciprocamente accusando-se de dictaduras, e defendendo-se com os precedentes.

Se isso não é defeza, pelo menos ainda se admitte como argumento de effeito parlamentar. Mas desde 1890 está destruído esse argumento contra o partido progressista, e empregal-o teria sido uma deslealdade completamente inqualificável, se o governo conserva a memória do que n’aquele anno occorreu.

Não se lembra o sr. presidente do conselho do que em 1890 se passou n’esta mesma casa?

Em 4 de julho d’esse anno discutia-se aqui o bill de indemnidade do ministerio do sr. Serpa Pimentel, cuja dictadura fóra nada menos do que de vinte um decretos publicados pelos differentes ministerios, e que eu apreciei larguissimamente na outra casa do parlamento, dictadura que era a primeira do reinado do actual soberano, El-Rei o Senhor D. Carlos.

Discutia-se essa dictadura, e o illustre e prestigioso chefe do partido progressista, meu dilecto amigo, usando da palavra, começou por ler a sua moção, que era do teor seguinte: «A camara, convencida da necessidade de restaurar a observância dos principios fundamentaes do systema parlamentar, affirma o seu proposito de fazer respeitar de futuro a constituição do estado, e passa á ordem do dia».

Note a camara bem o que se dizia aqui: affirmava-se o proposito de fazer respeitar de futuro a constituição da do estado.

Esta moção e as palavras, com que o digno par, sr. José Luciano de Castro, seu auctor, a acompanhou, importavam um convite sincero a todos os partidos politicos para se acabar de uma vez com o abuso das dictaduras, e restituir inteiramente ao parlamento as funcções, que lhe são proprias ou que lhe competem.

Dizia então o nobre chefe do partido progressista: «Pratiquemos um acto benemerito, um acto que não póde deixar de ser applaudido por todos os que sinceramente acreditam na força do parlamento, e por todos os que se empenham em conservar ás instituições o prestigio, que lhes compete. Se querem salvar o systema parlamentar renunciem ás dictaduras, a não ser que uma imperiosa e incontradictavel necessidade publica as determine... E o primeiro a confessar-se réu; é o primeiro a mostrar-se culpado e a declarar, que não tem auctoridade para accusar o governo actual; mas é necêssario que os partidos correspondam á espontaneidade d’estas declarações francas e sinceras, com a promessa de só recorrerem á dictadura em casos extremos de salvação publica».

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Está-se vendo, sr. presidente, como o illustre partido regenerador correspondeu a este convite tão nobre, tão levantado e tão sincero e patriotico! (Apoiados.)

De então para cá o partido progressista esteve sempre afastado do poder, e de então para cá violou-se a constituição do estado por uma maneira, que nem as camaras ordianarias nem extraordinárias ou constituintes, e estas muito menos, poderão remediar.

O sr. presidente do conselho parece ver na minha ultima affirmação a concordância das minhas palavras com as que s ex.a proferiu na penúltima sessão, quando disse que as côrtes ordinárias podiam relevar o governo da responsabilidade em que incorreu por ter infringido preceitos ou artigos da constituição, o que era differente de modificar ou revogar esses artigos, porque isso só pertencia ás côrtes constituintes.

Sem offensa para os talentos de s. ex.a, direi que as suas palavras constituem uma heresia jurídica, sobretudo desacompanhadas de qualquer explicação.

É preciso distinguir, e não chamar dictadura na nossa nomenclatura de abusos constitucionaes aos actos do governo, não de alguma commissão, mas de omissão de preceitos da lei fundamental.

Quando o governo legisla substituindo-se ao parlamento, este póde não só absolvel-o da invasão de poderes, mas alterar ou revogar as providencias decretadas.

O parlamento n’esse caso julga e legisla sobre materia ordinaria, ou com a sua soberania limitada pela carta, que lhe dá para tal fim as duas funcções.

Mas devendo as côrtes ordinárias reunir-se em 2 de janeiro, e não reunindo; devendo pelo menos reunir-se dentro de tres mezes depois de uma dissolução, e não tendo tambem reunido; devendo a corôa estar armada para differentes eventualidades imprevistas com a faculdade de adiar, e não estando pela convocação feita para 2 de outubro; estes actos de omissão, que importaram a suspensão de preceitos constitucionaes, não podem as côrtes ordinárias legalisal-os, porque só póde suspender leis quem póde fazel-as, e as côrtes ordinárias não podem fazer leis constitucionaes.

Ninguem dá o que não tem. E uma verdade na ordem physica como na moral: nemo dad quod non habet, neque plusquam habet.

Mas sendo os attentados contra a constituição politica factos consumados, irremediáveis, insusceptiveis de reparação, porque o tempo passado não volta, que teriam que fazer as côrtes constituintes? Modificar ou revogar os actos do governo não pela propria impossibilidade material. Relevar o governo da responsabilidade tambem não, porque as constituintes dentro do regimen da carta só têem a funcção legislativa, e não a politica e judicial, que pertence ás côrtes ordinárias.

O mal, sr. presidente, é sem remedio. (Apoiados.) O que o governo fez foi uma revolução no poder, triumphante, porque o seu effeito não póde destruir-se, mas cobarde, porque foi sem lucta, mudando a bandeira estando dentro da fortaleza, de que era guarda, e sabendo que não ha lei de responsabilidade ministerial. (Apoiados.)

O que resta, ou o que se offerece fazer, é a contra-revolução legal ou pelo parlamento, para impedir novos e, porventura, maiores golpes d’estado. E tem de fazer-se, porque o povo portuguez, que quiz ser livre, ha de sel-o. (Apoiados.)

Mas não serão os attentados da gravidade com que eu os apresento? Será suggestão minha o que avoluma a monstruosidade dos actos do governo, em frente da carta constitucional e os seus dois actos addicionaes?

Acode logo, sr. presidente, quanto o precedente é perigoso. Este governo, que foi o primeiro a, em plena paz e sem nos accommetter flagello algum, suspender artigos da constituição politica, póde, pela impunidade, lançar-se ainda em mais ousados commettimentos, ao mesmo tempo

que fornece exemplo a que, com a mesma lógica, se defenda quem almeja a suspensão, e até substituição do outros artigos constitucionaes. O desrespeito á lei jurada não póde ter duas medidas.

Devo, porém, sr. presidente, para não abusar da benévola attenção da camara, não a entreter com considerações mais ou. menos vagas, quando posso, e é facil, precisar motivos tirados dos factos e das leis, para justificar o meu voto de franca hostilidade ao procedimento do governo.

Começarei pela tardia convocação das côrtes, posto que altere a ordem chronologica dos acontecimentos, porque a violação da lei a este respeito, com relação ao illustre partido regenerador, e, nomeadamente, ao nobre chefe do gabinete, tem rasões especiaes de preferencia.

Não pareça, sr. presidente, que no que vou dizer ha proposito aggressivo para a pessoa de s. ex.a o sr. Hintze Ribeiro, pois, á excepção do nobre ministro da justiça, meu velho amigo e patricio, é o sr. presidente do conselho, precisamente, dos ministros actuaes aquelle, com quem as minhas relações de cordialíssima amisade pessoal são mais antigas, vindas já da universidade, e as quaes me determinam á justiça de prestar a devida consideração a seus talentos, illustração, trabalho e caracter.

Todos sabem que a carta constitucional dizia, que, dissolvida a camara dos deputados, se convocasse immediatamente outra que a substituísse.

Todos sabem tambem, que o segundo acto addicional veiu cohibir a intrepretação arbitraria, que" se dava áquelle adverbio — immediatamente — , e definir de um modo terminante e fixo qual o praso dentro do qual haviam do convocar-se e reunir-se as novas côrtes depois de uma dissolução, agora já da camara dos deputados ou da parte electiva da dos pares, separada ou conjunctamente.

Foi este um dos propositos da reforma constitucional de 1885, reforma que teve origem n’uma proposta ministerial assignada, entre outros, pelo actual sr. presidente do conselho.

Dando a rasão da proposta, neste parte, dizia o governo que a assignára, e, portanto, o sr. Hintze Ribeiro, textualmente o que vou ler: «A fixação dos prasos para proceder a novas eleições e para dissolver novamente existe n’algumas constituições, e é (note a camara) uma garantia contra abusos possiveis.»

Por sua parte, a commissão que converteu a proposta em projecto, justificando a providencia, dizia tambem textualmente: «Impor o dever de convocar e reunir em curto praso novas côrtes sempre que houver dissolução, e assegurar ás novamente eleitas um periodo certo de existencia, são garantias liberaes que era necêssario estabelecer na carta».

Estabeleceu-se, com effeito, a garantia, fixando-se o praso de tres mezes.

Mas, sr. presidente, a camara dos deputados e a parte electiva d’esta camara foram dissolvidas em 7 de dezembro de 1893, e as côrtes em vez de se reunirem em 7 de março, só foram chamadas pelo governo para 2 de outubro de 1894.

O que foi isto, tinha-o dito o sr. Hintze Ribeiro: foi um abuso, e tal, que apenas se considerára possivel.

E quem o praticou? O actual governo da presidencia de s. ex.a (Apoiados.)

Foi s. ex.a o primeiro e unico que tal abuso commetteu, e tenho fé, que, por honra do regimen liberal, será o ultimo, ficando como réu confesso victima da sua propria lei.

Que, a final, sr. presidente, só contra abusos é que, em regra, se tomam precisas reformas politicas.

Se os nossos costumes fossem outros, e se a reforma d’elles começasse de bem alto, a constituição nem sequer precisava n’esta parte do segundo acto addicional, Observada com lealdade e com verdadeiro culto pela sua letra

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e espirito, bastava a disposição que mandava convocar as côrtes immediatamente, para se entender que a tolerância da demora não deveria ir alem de tres mezes. Occupar-me-hei agora da dissolução.

Tendo a confiança da corôa queria saber, disse o governo, se tinha a do paiz, e por isso, provocou a sua consulta pelo acto eleitoral. Ora, em primeiro logar, a dissolução é um acto tão grave, de responsabilidade tão grande, para o governo que o pratica, que se creou como um direito necêssario para o poder real, quando nas differentes peripécias da lucta com o poder electivo, a nenhum outro meio podesse soccorrer-se.

Deve ser a ultima ratio do soberano, dado o antagonismo dos poderes politicos, como é a ultima do parlamento contra o governo a recusa do orçamento.

Estavamos n’essa situação extrema? Ninguem, por certo, o dirá.

Muito ao contrario.

O governo, succedendo ao gabinete da presidencia do sr. José Dias Ferreira, tinha pelo favor eleitoral, que este havia, ha pouco, concedido ao partido regenerador e só a este, vivido em inteira harmonia com as côrtes, aonde o numero dos seus correligionários dominava.

Encerrâra-se o parlamento sem um conflicto. Até que novamente se abrisse, faltaria a indicação constitucional para a dissolução.

Aonde a foi buscar o governo?

Já aqui a ouvimos ao sr. presidente do conselho, querendo aproveitar uma referencia do digno par o sr. José Luciano de Castro, das muitas da sua longa mas edificante revelação da historia da ascenção ao poder do actual governo.

O meu illustre chefe havia dito, pouco mais ou menos, que o partido regenerador querendo assaltar o poder na outra casa do parlamento tentára apresentar uma moção de desconfiança politica contra o governo presidido pelo sr. conselheiro José Dias Ferreira, não vingando o plano, por aquelle partido não reputar segura a votação para o seu exito.

D’aqui concluiu o nobre presidente do conselho exclamando: «Logo ahi está a prova de que o governo não tinha maiorias.

Mas, sr. presidente, quando isto se deu, estava o partido regenerador fóra do poder, e por consequência o argumento, que o governo foi buscar, de que não tinha maioria, funda-se n’um facto anterior á sua organisação, que seria uma mera presumpção, mas que havendo plena prova em contrario, tem de ceder a esta. E houve completa essa prova, pois o partido regenerador, já no governo, ao encerrarem-se as côrtes, gosava o prazer de ter até plethóra de maioria.

Ao terminar a ultima sessão legislativa, em 12 de julho de 1893, o governo já então presidido pelo sr. conselheiro Hintze Ribeiro, que até ahi se limitára a apresentar as providencias indispensáveis de mera administração, em que o partido progressista lealmente o acompanhava, não só não levantando difficuldades, mas até cooperando com elle em todos os assumptos de ordem publica e de reformas financeiras e de questões internacionaes, sentindo-se já forte com a sua maioria, apresentou clara e abertamente uma questão politica, pedindo ao parlamento que lhe votasse umas auctorisacões; e para que? Para haver da companhia real dos caminhos de ferro as quantias abonadas pelo thesouro publico, e regular a situação financeira e administrativa da mesma companhia, bem como para reformar o contrato com o empreiteiro Hersent ácerca das obras do porto de Lisboa.

Pedia estas auctorisações, e, todavia, o governo sabia perfeitamente, que o partido progressista não lh’as podia votar. Logo punha esta questão n’um campo politico, franco e aberto.

Ao entrar em discussão o respectivo projecto dizia na

camara dos senhores deputados o illustre leader da opposição progressista estas palavras, que vou ler:

«E preciso que o governo tenha profundo desprezo pelo systema representativo, embora disfarçado n’um apparente respeito pelas formulas, para lhe apresentar, sobretudo n’esta hora, similhante proposta!

«E preciso que o governo tenha uma confiança absoluta, illimitada, incondiccional, e sobretudo cega, na maioria, para lhe impor o sacrifício de votar auctorisações d’esta ordem!

«E preciso que o governo tenha grande desconsideração para com o partido progressista, que não lhe tem creado embaraços, e que tem procurando cooperar com elle na resolução dos problemas financeiros, para vir á ultima hora lançar-lhe um cartel politico, pois, dada a nossa situação politica, e feita a declaração publica no nosso manifesto eleitoral e na camara, de que não votaríamos auctorisação alguma, é preciso que se esqueça toda a consideração para comnosco, para nos vir lançar este repto! »

E depois de outras considerações, acrescentava: «Por mais que queira disfarçar-se, a questão politica está envolvida n’ella. E, por isso, e tanto assim, eu estou antevendo a resposta do sr. presidente do conselho, duas palavras: isto é uma questão de confiança politica, quem confia vota, quem não confia não vota».

E o resultado, sr. presidente, foi o seguinte: as auctorisações foram votadas por grande maioria, por 52 votos contra 18!!

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Por consequência o governo não podia dizer, que não tinha maioria, que o apoiasse na nova sessão legislativa, a não ser que tivesse procedido a uma devassa das consciências, a uma inquirição secreta das disposições de animo e vontade de cada deputado, e que, colhendo assim votos, segredasse o resultado á corôa.

A mim ninguem me consultou, e posso affirmar que da melhor vontade, na conjunctura em que nos encontrava-mos, acompanharia o. meu partido na partilha das responsabilidades de trabalhar com o governo nas questões de interesse publico; comparsas da sua politica partidaria é apenas o que nós não seriamos.

O governo, porém, devia saber que era grave a situação em que assumiu o poder, e por isso corria-lhe o dever de não praticar actos unicamente proprios de uma politica mesquinha.

Era d’esses actos que o paiz precisava? Não, de certo.

O governo, depois de encerrar o parlamento em 1893, resolveu, ao que parece, logo então aconselhar a dissolução a El-Rei.

Para que se guardou, pois, para 7 de dezembro? Que rasão daria elle então á corôa? Que indicação apresentou?

Não foi, de certo, a de que o parlamento, estando fechado, estabelecêra um conflicto com o poder executivo.

Não foi a de que, emquanto funccionára, lhe tivesse opposto embaraços nas questões de interesse publico, unico interesse licito que podia ser invocado.

A rasão, que apresentou, foi outra, mas de um constitucionalismo avariado, e por isso mesmo inconfessável.

Abrisse as côrtes em 2 de janeiro, como manda a carta, e se o conflicto surgisse, viesse então a dissolução, que seria legitima. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, eu não defendo unicamente as prerogativas parlamentares, no que podia interessar o meu egoismo. Defendo tambem a prerogativa regia, que tão affrontada foi pelo conselho do governo. Defendo assim a lei no que a todos os poderes concede.

Refiro-me agora ao adiamento successivo das côrtes, de forma que só vieram a ser convocadas para o dia 2 de outubro.

Pois então o governo adiou as camaras para o dia 2 de outubro, escolhendo exactamente o ultimo dia para que

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ellas podiam ser convocadas, visto que a sessão annual tem de durar, pelo menos, tres mezes?!

Porque não adiou o governo o parlamento para os dias 28 ou 29 ou até 30 de setembro?

Não deixou nem um unico dia para o poder moderador usar da sua prerogativa, adiando as camaras por qualquer rasão d’estado, que póde muito bem apparecer?

Porque esbulhou o poder moderador d’esse direito?

E este um acto indesculpável do governo.

Se o governo hoje quizesse adiar as camaras, por qualquer necessidade, por qualquer interesse momentoso, não o podia fazer senão por um golpe d’estado, ou seja por uma nova violação da constituição politica. (Apoiados.)

Parece um acto de jactancia, para inculcar que o governo com tudo conta, sem as leis lhe causarem o menor estorvo.

Eu tenho muitas vezes ouvido dizer que o governo, adiou o parlamento, porque as associações commercial e industrial de Lisboa o tinham obrigado a proceder assim.

Tem-se dito, que o procedimento do governo se justifica por uma rasão de ordem publica.

Ora, sr. presidento, eu li, ha tres dias, n’um jornal um telegramma do Porto, que me fez suppor, que, quando n’esse dia chegasse a esta camara, v. ex.a mandaria ler o decreto de dissolução das côrtes.

Esse telegramma diz o seguinte:

«Reuniram hoje no edificio da bolsa os commerciantes e exportadores de vinhos, para tratarem da questão do alcool. O sr. Pestana deu conta da conferencia havida ultimamente entre a commissão, que foi d’aqui, e o sr. presidente do conselho.

«Em seguida fez largas considerações sobre o assumpto, terminando por propor que a representação a enviar ao parlamento seja redigida sobre as seguintes bases:

«Condemnação formal e pela raiz da proposta sobre a rectificação do alcool com ou sem aguardente de vinho...

«Foi resolvido que se solicite a cooperação da associação commercial do Porto, das associações congeneres, das sociedades agrícolas e das camaras municipaes das diversas regiões vinhateiras do paiz, e que se faça uma grande tiragem da representação, espalhando-a por todo o paiz.»

Como a camara sabe, a associação commercial, à dos lojistas e a industrial de Lisboa, fizeram um appello ás associações congeneres do paiz para se conjugar o esforço de todas no sentido de expurgarem da lei da contribuição industrial de 1893 as revoltantes iniquidades que continha, e tão reconhecidas, que o governo em junho d’este anno alterou em dictadura essa lei, durante cuja discussão o partido progressista fez a facil e segura prophecia, de que não seria exequível.

Por esse movimento das associações, que em nada alterou a ordem, o governo dissolveu-as, e impediu que os interessados usassem legalmente do direito de reunião, que quizeram exercer tendo satisfeito ás prescripções legaes.

Por esse movimento tem tambem querido o governo explicar a tardia convocação dos collegios eleitoraes, e a mais tardia, que era possivel, reunião das côrtes.

E agora que se convidam não só as associações congeneres, mas todas as camaras municipaes das regiões vinhateiras, que representam classes numericamente muito superiores ás dos commerciantes e industriaes, agora o governo, para ser logico, devia ter proposto a dissolução das côrtes, no que não offenderia mais a constituição politica do que tem offendido.

As classes que se pretende agitar, alem de muito mais numerosas, têem menos que receiar da perturbação da ordem para o bom exito dos seus negocios do que as dos commerciantes e industriaes.

O governo, pois, sr. presidente, não dá certamente rasão alguma verdadeira ou acceitavel dos gravissimos attentados, que praticou.

Vou eu dizel-a, usando apenas do direito, que tem toda a gente, de concluir dos factos para os motivos. A rasão é a mesma para todos os actos: o governo não tinha trabalhos que apresentar ás côrtes, e fez da fraqueza força para fugir á vergonha da sua inanidade. (Apoiados.)

Se, com a lealdade da sua palavra, alguns dos srs. ministros, e sobretudo o nobre presidente do conselho affirmasse que, reunindo as côrtes no praso constitucional, o governo tinha trabalhos promptos para lhe serem presentes, eu deixava de tirar esta conclusão.

Mas de certo nenhum dos srs. ministros quererá assumir essa responsabilidade perante os outros seus collegas, vindo fazer uma affirmativa menos verdadeira.

O facto é este: o governo adiou o parlamento para lhe fugir, porque não tinha nada preparado que apresentar-lhe. (Apoiados.)

Que trabalhos tinha em 2 de janeiro? Nenhuns.

Que trabalhos tinha em 7 de março? Nenhuns.

Que trabalhos tinha antes de terminar o anno economico para reunir as côrtes em junho, o subtrahir-se á ousadia inqualificável de decretar a cobrança de impostos em dictadura? Nenhuns. (Apoiados.)

Ao abrir-se, finalmente, o parlamento em 2 de outubro ainda não póde ser invejável a riqueza da sua iniciativa.

O adiamento foi protelado até o dia 2 de outubro, o ultimo dia para que se podiam adiar as côrtes, porque, se o governo tivesse poder para dictatorialmente reformar o calendário gregoriano, ainda mais tarde se reuniriam. (Apoiados.)

Para sua defeza o governo, vem mais dizer, como já referi, que o partido progressista praticára actos de dictadura, e que por isso lhe falta auctoridade para censurar. Estes esforços do governo, desde que isso estava confessado em 1890, assimilham-se muito aos que o mesmo governo empregaria para arrombar uma porta aberta. As rasões que dá como desculpa ácerca dos actos attentatorios da constituição, e que já se não podem remediar, são tambem absolutamente inacceitaveis. E realmente não póde haver defeza d’esses actos, porque tudo isto, que saiu da linha direita desde o principio, póde endireitar-se tanto, como o governo poderia endireitar a sombra de um pau torto. (Apoiados.)

Antes de terminar, sr. presidente, e a proposito da declaração, com que concordo, feita pelo nobre presidente do conselho, de que o discurso da corôa continha o programma do governo, permitta-me v. ex.a fazer o confronto do actual programma com o enunciado na sessão de 24 de fevereiro de 1893.

N’esse dia, apresentando-se o actual governo pela primeira vez ao parlamento na camara dos senhores deputados, disse o sr. presidente do conselho, que o governo proporia uma remodelação da lei reguladora da liberdade de imprensa, de fórma a assegurar a liberdade do pensamento e a responsabilidade correlativa, estabelecendo para isso uma fórma especial de julgamento, que fosse ao mesmo tempo uma garantia para a liberdade e um meio de tornar effectiva a responsabilidade.

A lei de imprensa, sobro todas, dá uma feição curiosa á historia do partido regenerador.

A lei de imprensa de 186(5 foi reformada por um decreto dictatorial do ministerio de 1890, decreto que teve sancção parlamentar, e em que se encontram as maiores monstruosidades.

Chega-se, a duvidar que houvesse pensamento humano a que não repugnasse o que ahi se preceituou.

Basta dizer, que por ella ha substitutos de criminosos, como do vereadores ou cargos públicos quaesquer. Não faço, porém, agora a sua critica, que Iargamente desenvolvi em 1890 na outra camara, apresentando até um contra projecto.

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O proprio governo a julgou tão nefasta e odiosa, tão infamante para a nossa civilisação, que, para não ser executada, declarou ir solicitar da corôa, e d’estao obteve, amnistia para os delictos c abusos da liberdade de pensamento.

Pois, nunca chegára a hora do cumprimento do programma de 1893, que parece n’esta parte inteiramente abandonado.

Mais.

Em 1890 o partido regenerador apoiava delirante a lei draconiana do sr. Lopo Vaz; em 1893 euthusiasmava-se com a declaração do governo, que dizia ir reformar essa lei abominável!

Agora está satisfeito com a lei má e com a promessa boa, mas nem cumprida e até em silencio retirada.

Em tal egreja, como já da outra vez disse em caso similhante e póde mudar inteiramente a dogmatica, e ficar, todavia, a mesma a fé do crente! (Apoiados.)

Na apresentação ministerial ou no programma de 1893 vinha tambem a reforma das instituições bancarias.

E a este respeito tenho eu de fazer um ligeiro reparo pessoal, se não abuso muito da amavel attenção da camara com esta impertinência (Vozes: — Não abusa, falle, falle), que, aliás, respeita a actos da vida publica.

Publicou-se o decreto dictatorial, sujeito á sancção parlamentar, de 12 de julho de 1894, que é a remodelação das instituições bancarias tambem promettida no programma, da apresentação ministerial em fevereiro de 1893, e no seu relatorio teve o governo a generosidade de se referir à minha humilde pessoa, como auctor de um projecto de lei attinente ao assumpto, e apresentado na outra camara em 20 de janeiro de 1892, cuja iniciativa foi renovada em 1893, e a cujo pensamento se associou no parlamento o illustre ministro da justiça de então, o meu prezado amigo e digno par sr. Telles de Vasconcellos.

Inculca-se, todavia, no relatorio d’aquelle decreto ministerial, que o meu projecto era destinado a exigir o registo commercial para a emissão das obrigações de sociedades anonymas.

Ora isto é attribuir-me uma inépcia, ignorância ou despropósito tal, que nem eu posso merecer.

Pelo codigo commercial, que começou a vigorar desde o 1.° de janeiro de 1889, é obrigatorio o registo d’aquellas emissões.

Eu sou o secretario do tribunal do commercio de Lisboa, onde ha o maior numero d’essas emissões.

Pertence-me fazer o registo por mim ou meus empregados na conservatória commercial.

Pois era eu, que executando, ha mais de tres annos uma lei, em que bastante collaborei na commissão da outra camara, e executando-a quotidianamente, apresentava, passados esses tres annos, um projecto para se fazer essa lei, como se não existisse! (Apoiados.)

Isto, quando o proprio decreto do governo e até o relatorio revelam, que fôra lido o meu modesto projecto e tambem o seu relatorio!

Nada d’isto digo por vaidade, que realmente não posso er. Bem sei que pennas minhas a ninguem enfeitariam.

Mas que cousa tão pequenina! E não digo mais nada, pedindo a v. ex.a e á camara me relevem esta diversão.

Alem de que, quero terminar, e, como é consequência da questão politica, que ponho ao governo, affirmar, por mais que provoque o desdem e remoques do governo, como n’este caso usa, que tambem pugnarei por algumas reformas politicas, como correição dos abusos praticados. (Apoiados.)

Mas reformas politicas simplesmente de providencias negativas, dizendo o que se não póde mais fazer, para se garantir assim que se cumpra lealmente o que já está na nossa constituição politica.

Uma maneira de legislação constitucional á ingleza, onde, manifestado um abuso de qualquer prerogativa, por um acto do parlamento se determina que de futuro não poderá repetir-se.

O digno par o sr. José Luciano de Castro citou aqui a constituição belga, onde o direito de dissolução esta já restringido de forma, que não frustre a abertura do parlamento em dia prefixo, ficando de certo o sr. presidente do conselho surprehendido por ver, que a Bélgica tem na constituição o que s. ex.a reputara absurdo.

Mas o sr. presidente do conselho já sabia, por experiencia e sciencia propria, que entre nós, pelo segundo acto addicional, não póde ser dissolvida uma camara, durante os tres mezes de sessão, em seguida a dissolução de uma anterior.

O direito de dissolução, que s. ex.a proclama absoluto por sua natureza - restringiu-o aquella lei constitucional, cuja proposta está assignada por s. ex.a

Eu resumo o meu modo do ver sobre as reformas politicas nos traços geraes, que acabo de indicar: reformas que garantam todas as liberdades conquistadas, de modo que acabe a mystificação do regimen constitucional entre nós. (Apoiados.)

Para evitar essas inoffensivas reformas se dirigiram a El-Rei representando respeitosa mas nobremente, no interregno parlamentar, do uma vez os representantes nas côrtes dissolvidas do partido progressista, e de outra elles e mais outros homens públicos da mais elevada situação politica e auctoridade moral ganha nos largos e relevantes serviços prestados á nação.

A minha humilde assignatura, entre as de todos os homens illustres, que firmaram essas representações, tenho a vaidade de suppor, que será para meus filhos um titulo de honra, que lhes lego, no cumprimento devoto de um altissimo dever civico. (Apoiados.)

Termino, sr. presidente, agradecendo muito reconhecido a immerecida mas lisonjeira benevolencia, que v. ex.a e a camara me dispensaram, e declarando, que, por mais longa que possa ser a minha vida publica, n’ella nem houve já nem porventura virá a haver um momento, em que o meu voto politico seja, como agora, dado com tanto prazer para a minha consciência de juiz, como para a minha dignidade de homem livre.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

Foi lida na mesa a seguinte:

Moção

A camara, procedendo ao exame, que lhe é ordenado pelo artigo 139.° da carta constitucional, verificou que a constituição politica do reino não tem sido observada, e reconhece a necessidade de se prover como for justo.

Sala das sessões da camara dos dignos pares do reino, 20 do novembro de 1894. = Antonio Baptista de Sousa.

Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henques: — Sr. presidente, quem, desconhecendo os nossos costumes, entrasse pela primeira vez n’esta ou na outra casa do parlamento e ouvisse as invectivas crueis as apostrophes violentas, os discursos inflammados dos illustres e dignos representantes da opposição, havia de imaginar que tinha diante de si um governo réu de crimes de alta traição, um governo que tinha praticado factos tão anormaes e graves que nunca, antes d’elle, por nenhum outro governo tinham sido commettidos. E, comtudo, sr. presidente, este governo fez simplesmente dictadura, quer dizer, praticou exactamente aquillo que todos os governos n’este paiz, sem excepção de um so, têem praticado.

Se, como indicou o digno par a quem me estou referindo, o sr. Baptista e Sousa, por este facto o governo

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tivesse de soffrer uma accusação criminal, sem duvida, sr. presidente, haveria muitos accusados, o que não poderia haver eram juizes, nem accusadores, porque estavam todos no caso de se sentarem nos bancos dos réus. Tinham sido dictadores ou tinham approvado actos de dictadura.

Eu sei, sr. presidente, que uma dictadura não auctorisa outra, mas sei tambem que muitas vezes as circumstancias a impõem e se justifica pelos resultados que d’ella advem, e se ha dictadura que tenha justificação cabal e completa, é esta feita pelo actual governo, e da qual é accusado.

Eu, sr. presidente, não posso nem devo acompanhar em todas as suas considerações o lúcido e longo discurso do digno par que me precedeu, porque não é meu proposito nem desejo repetir mal o que tão eloquentemonte aqui foi exposto pelo nosso digno presidente do conselho de ministros, ou por qualquer dos outros srs. ministros que me precederam no uso da palavra.

Se a tomei é só em attenção ao digno par que acaba de fallar e para o demonstrar, farei uma rapida exposição das medidas do governo, para mostrar como são descabidas as invectivas cruéis e as apostrophes violentas que nos têem sido dirigidas.

Sr. presidente, o actual governo foi chamado aos conselhos da corôa em verdadeiramente apertadas, angustiosas e difficeis circumstancias, no momento precisamente em que não havia quem quizesse tomar sobre os hombros o pesado encargo da governação publica.

Pois este governo, tão violentamente accusado de ter assassinado a liberdade - e de não ter sabido manter o decoro nacional nas suas relações com as potências estrangeiras concedeu amnistia aos revoltosos de janeiro de 1893, e apresentou ao parlamento uma proposta de lei em que resolveu de vez a importantíssima questão dos credores da nossa divida externa, e tão acertada, creio, foi esta resolução que o parlamento todo a approvou quasi sem discussão e por unanimidade.

Deu a amnistia aos revoltosos de janeiro de 1893 mas manteve inalteravel a ordem e tranquillidade publica, sem o que não ha liberdade nem póde haver progresso.

Estes foram os primeiros factos praticados pelo governo actual.

Pela forma como em seguida se houve no estudo e resolução das questões sujeitas ao seu exame, não o direi eu, disse-o o digno par e chefe do partido progressista, o sr. José Luciano de Castro, mais eloquentemente do que eu o poderia dizer, com outra auctoridade que lhe dá o prestigio e o talento que s. ex.a tem.

Este governo procedeu, desde a sua entrada nos concelhos da corôa até ao fim de julho de 1893, tão bem que nunca s. ex.a nem o seu partido lhe fizeram censuras.

S. ex.a aqui declarou que nem elle nem o seu partido fariam mais ou melhor; declaração franca e leal, que por igual honra quem a fez e quem teve a ventura de a merecer.

Mas, sr. presidente, depois d’estes factos que outros praticou o governo que o fizessem desmerecer no conceito publico, que lhe creassem as invectivas cruéis dos dignos pares da opposição?

Que actos praticou o governo depois d’estes?

A reforma da policia civil?

É o primeiro acto dictatorial praticado pelo governo, mas essa reforma era constante e insistentemente reclamada pela opinião publica, justamente sobresaltada por factos gravíssimos que a capital tinha presenceado, e o illustre ministro do reino, que a um talento de eleição, allia uma energia a toda a prova, chamou a si o assumpto, estudou-o, e por tal forma o fez que, passados apenas alguns dias, a reforma da policia civil apparecia na folha official.

E tão cautelosamente procedera o illustre ministro do reino que não decretou aquella reforma para todo o paiz ou para algumas das mais cidades mais importantes. Apenas a applicou á capital, para que mais de perto se podessem avaliar na pratica os seus effeitos e ver se correspondia ao pensamento do seu auctor. Depois introduzir-se-lhe-iam as modificações necessárias, se acaso o parlamento reconhecesse a necessidade d’isso.

Não é esta, sr. presidente, a occasião propria para fazer a critica e a apreciação da reforma; mais tarde esse assumpto terá o seu devido cabimento, mas o facto é que os serviços policiaes têem melhorado notavelmente com a reforma, pois que, assenta sobre o principio da divisão do trabalho e melhor aproveitamento das aptidões, e veiu fazer com que se praticasse legalmente o que até então se praticava illegalmente.

Não foi, portanto, a reforma da policia civil que indignou a opposição.

O que seria, pois?

O decreto de 26 de julho de 1893 que permittiu a entrada de certa quantidade de trigo estrangeiro?

Tambem creio que não, porque esse facto era uma necessidade inadiavel da subsistência publica.

O decreto de 9 de novembro, que contém disposições a observar para o julgamento das questões de companhias de caminhos de ferro, quando se dê a cessação de pagamentos ou para os casos de fallencias?

Mas esse acautelava importantíssimos interesses do estado, compromettidos na companhia real dos caminhos de ferro, era complemento da auctorisação parlamentar concedida ao governo e tinha, alem de tudo isto, o fim de evitar os enormes transtornos resultantes da suspensão da viação accelerada.

Não foi, portanto, com estes decretos que a opposição se indignou.

Qual será então o motivo?

Foi porque o governo dissolveu o parlamento!

E o que se tem dito.

Ora a dissolução foi um acto essencial da propria natureza do regimen parlamentar.

Os governos têem de consultar o paiz, para verem se merecem a sua confiança ou se devem entregar a outros a administração dos negocios públicos e, sr. presidente o governo não tinha no parlamento maioria sufficientemente poderosa e devotada, com cujo apoio podesse contar

E certo que o governo tinha vivido com a camara passada e tinha tido maioria; mas isto conseguiu-se á custa dos accordos, e esses accordos não eram decorosos nem para o governo que não póde estar á mercê das opposições, nem o paiz aproveita com taes expedientes.

Esses accordos só se mantêem e só se fazem á custa de sacrifícios da nação, e tambem não são uteis para a opposição, porque se dos governos é governar, da opposição é combater.

Portanto, sr. presidente, o governo, propondo á corôa a dissolução do parlamento, praticou um acto verdadeiramente constitucional, um acto que é da origem e da essência do systema representativo, e isto declarou-o ainda não ha muitos annos o illustre chefe do partido progressista.

«Só o governo é o juiz da opportunidade de propor corôa a, dissolução de um parlamento, com o qual entende que não póde governar», disse s. ex.a

Da dissolução das côrtes manava e resultava a necessidade de designar dia para as eleições. Assim o fez o governo.

Estava aberto o periodo eleitoral; mas a opposição se havia de luctar no terreno em que a lucta era licita permittida, legal; se havia de procurar combater no campo eleitoral, procurou guerrear-nos por outros meios, e um a que recorreu foi o de se oppor novamente á lei da contribuição industrial que tinha sido votada pelo parlamento.

Serviu essa lei de instrumento contra o governo facto grave, sobretudo n’um paiz era que a questão de fazenda,

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pela sua importância e seriedade sobreleva todas as outras, serviram de agentes ou instrumentos, repito, d’esta mesma politica facciosa e desalmada, as associações commercial e industrial e a dos lojistas, mas o governo, conscio dos seus direitos e, ainda mais, conscio das suas responsabilidades, dissolveu essas corporações; e esse acto era tão sensato, estava tão naturalmente indicado, que elle deu-se sem que houvesse a menor agitação, sem que houvesse o mais insignificante protesto.

Emquanto o governo, com esse decreto, encerrava as portas das associações, abria de par em par as dos estabelecimentos commerciaes que a mesma politica desalmada tinha fechado por metade.

Serviço foi este, tão salutar e tão alto, que estou convencido que ha de ser seguido, que ha de ser approvado, que ha de ser applaudido por todos aquelles que se sentarem n’estas cadeiras, depois do actual ministerio as ter abandonado.

Realisou-se depois o acto eleitoral, e a forma por que esse facto correu, foi tão correcta e tão extraordinária no paiz, que, pela primeira vez, e n’esta casa do parlamento, o mesmo digno par a quem me tenho referido, o illustre chefe do partido progressista, não hesitou em declarar que as eleições tinham corrido com ordem, serenidade e com regularidade.

Pela primeira vez no parlamento portuguez, e a proposito da resposta ao discurso da corôa, o governo não tem sido accusado de intolerância, de arbitrariedades ou de violências praticadas durante o periodo eleitoral.

Note v. ex.a, sr. presidente, e note a camara, que a essas eleições, presidiu, na sua qualidade de ministro do reino, um homem a quem a opposição muitas vezes acoimou de violento, de arbitrário, de dictador e de epiléptico.

Sr. presidente, decorrendo o acto eleitoral com tanta ordem e com tanta regularidade, o resultado das eleições foi o mais favoravel que podia ser ao governo, isto é, trouxemos ás duas casas do parlamento uma grande maioria.

Não representa nada essa eleição?

O suffragio popular não vale nada e é, como disse o digno par que me precedeu, um simples echo da voz que pergunta?

Mas então pergunto eu, como é que o partido progressista pretende executar as suas reformas políticas?

É perante o parlamento?

Se não é perante o parlamento, é em dictadura, e então o partido progressista tenciona mais uma vez praticar tal acto, apesar das promessas sobre que fallou o digno par, que me precedeu, o sr. Baptista de Sousa. Então o partido progressista tenciona mais uma vez ser dictador.

Sr. presidente, decorrido o acto eleitoral com toda a ordem e serenidade, a opposição progressista, não obstante o resultado da eleição ser favoravel ao governo, entendeu que devia continuar em opposição violenta, e tendo principiado pelo manifesto entrou no caminho dos comícios.

No Porto realisou-se uma grande reunião, á qual concorreram os vultos mais distinctos do partido progressista. Essa reunião foi annunciada aos quatro ventos com a devida antecipação, e, sr. presidente, não obstante a natural curiosidade de ouvir tão distinctos oradores, que de diversos pontos do paiz tinham ido assistir á reunião, esta não teve echo no paiz.

E, sr. presidente, não podia encontrar echo no paiz, porque era precisamente na occasião em que o paiz desejava saber o que no futuro podia esperar do partido progressista, quaes as medidas que apresentaria para resolver a crise economica e financeira, em que nos debatemos ha tanto tempo, quando o paiz esperava por uma medida que fosse, senão radical, pelo menos uma esperança agradavel, era precisamente n’essa occasião que o partido progressista receitava apenas reformas políticas e eleitoraes.

Mas, sr. presidente, o paiz sabe perfeitamente que tem

as liberdades politicas precisas e não queria mais. A liberdade é uma conquista que não é licito perder, e o paiz sabe perfeitamente que, se a carta constitucional fosse mais uma vez reformada, seria mais uma vez violada.

O sr. Antonio Candido: — Apoiado, apoiado!

O Orador: — Violada por quem a tem violado tantas vezes. (Apoiados.)

Promettiam reformas eleitoraes, mas o paiz estava farto de saber como a reforma de 1884 que o sr. Antonio Candido dizia ser a mais perfeita e liberal do mundo era sophismada pelo partido progressista, que agora a queria substituir para a sophismar mais uma vez.

O comicio não teve echo no paiz, e, sr. presidente, aberto o parlamento, feitas invectivas tão cruéis ao governo, o paiz continuou indifferente, porque entendo que se não deve passar o tempo com questões estereis, com discussões com que nada aproveita.

Sr. presidente, concluindo, direi que o paiz não póde acreditar na sinceridade dos que, tendo sido dictadores, combatem a dictadura.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Costa Lobo: — Começo, sr. presidente, por felicitar-me a mim mesmo e á camara. A mim mesmo, porque tive o prazer de, pela primeira vez, ouvir o sr. ministro das obras publicas, que me era completamente desconhecido, mesmo até da sua physionomia, e a camara, pela revelação surprehendente, de que foi testemunha.

Geralmente, os grandes vultos não se destacam de repente, não surgem subitamente. E gradualmente que o mundo vae apreciando as suas grandes qualidades.

Os luminares, de que se ufana a humanidade, é só gradualmente que se accendem, depois faiscam, depois illuminam, depois deslumbram.

S. ex.a revelou-se subitamente como um meteoro, que de repente apparece no espaço, e que me deslumbrou a mim e ha de assombrar o paiz, de que s. ex.a tanto fallou e de quem se diz o representante e o favorito.

Deve estar muito grato a s. ex.a o sr. presidente do conselho, e incomparavelmente mais ainda o sr. ministro do reino, porque no meio dos elogios que o sr. ministro das obras publicas dirigiu a si e aos seus collegas, o que foi principalmente gabado foi o sr. ministro do reino.

Basta ouvir o discurso de s. ex.a para se ver que o seu idolo, o santo por que elle jura, o seu feitiço, o seu manipanço, é o sr. ministro do reino.

O sr. presidente do conselho, que é o chefe da situação, ainda que geralmente malsinou esta affirmação de phantastica, dizendo que s. ex.a é apenas chefe nominal, não deve estar nada contente com as poesias do sr. ministro das obras publicas, e digo poesias, porque foi s. ex.a um grande poeta na audacia das ficções.

E será esta a rasão porque s. ex.a foi chamado para uma das cadeiras do poder. Evidentemente, o governo precisava de um poeta, de uma imaginação transcendente que contasse as suas Ínclitas glorias, e o sr. ministro das obras publicas foi para esse fim escolhido. E o Pindaro da situação.

Sr. presidente, creio que tenho occupado demasiadamente a attenção da camara, referindo-me ao que o sr. ministro acabou de dizer, mas s. ex.a foi tão aggressivo e tão injusto não só para com o partido progressista, como tambem implicitamente para com todos aquelles que se lhe associaram no empenho de defender a constituição do estado, e foi s. ex.a tão aggressivo, que chegou a classifical-os de criminosos e de desalmados, arvorando-se não só em critico, mas em juiz criminal.

Não póde, portanto, o illustre ministro estranhar que eu responda pela fórma que s. ex.a merece. (Apoiados.)

Póde s. ex.a ter a certeza que eu poderia ir mais longe (Apoiados.) mas não vou; todavia, são-me conhecidas as discussões parlamentares, e, portanto, lembrarei ao illustre ministro aquelle provérbio muito antigo «de que quem

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tem telhado de vidro não atira ao do vizinho», (Apoiados.); é esse o dictado de que a sabedoria pratica das nações e a experiencia dos tempos tem provado o infallivel asserto.

Esta é a verdade, não é vir para uma camara, de quem s. ex.a se não póde queixar, lançar sobre os membros da opposição directa ou indirectamente o labéu de desalmados c criminosos, porque isso póde suscitar recriminações e represálias. (Apoiados.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): — Eu não chamei criminosos nem desalmados aos membros do parlamento; eu referia-me por essa occasião ás associações.

O Orador: — Agora vou passar a occupar-me da resposta ao discurso da corôa, e começo por ler a minha moção:

«A camara affirma que a constituição politica da nação portugueza é superior a todos os poderes do estado, que estes poderes derivam a sua auctoridade da mesma constituição, e lhe devem estricta obediência.»

Mas ouço dar a hora, e, por isso, se v. ex.a o permitte, reservo a continuação do meu discurso para a proxima sessão.

(O digno par não reviu.)

O sr. Boavida: — Peço a palavra por parte da commissão dos negocios ecclesiasticos.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par o sr. Boavida.

O sr. Boavida: — Por parte da commissão de negocios ecclesiasticos mando para a mesa a seguinte proposta:

«Proponho que seja aggregado á commissão dos negocios ecclesiasticos o ex.mo e rev.mo) sr. bispo de Beja.

«Sala das sessões da camara dos dignos pares do reino, em 20 de novembro de 1894. — O secretario da commissão, Antonio José Boavida.»

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam a proposta do digno par tenham a bondade de se levantar,

Foi approvada.

O sr. Presidente: — A proxima sessão é na quinta feira, 22 do corrente, e a ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes à sessão de 20 de novembro de 1894

Ex.mos srs.: Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Antonio José de Barros e Sá; Marquezes, de Penafiel, de Pombal, de Vallada; Arcebispo de Evora, Arcebispo-bispo de Portalegre, Bispo-conde de Coimbra; Condes, d’Avila, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, do Casal Ribeiro, de Castro, de Castro e Solla, da Folgosa, de S. Januario, do Juncai, de Lagoaça, de Magalhães, de Paraty, de Thomar, de Valbom; Bispos, de Beja, de Bethsaida, de Vizeu; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Rocha Peixoto, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Homem de Macedo, Antonio José Teixeira, Lopes Navarro, Boavida, Jalles, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Bernardino Machado, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Eugenio de Almeida, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Oliveira Feijão, Coelho de Campos, Costa e Silva, Francisco Cunha, Margiochi, Barros Gomes, Henrique de Mendia, Jeronymo Pimentel, Holbeche, Gusmão, Gomes Lages, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, José Luciano de Castro, José Maria da Costa, José Maria dos Santos, Soares de Albergaria, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Pinheiro Chagas, Sousa Avides, Vaz Preto, Franzini, Polycarpo Anjos, Calheiros, Thomás de Carvalho.

O redactor = F. Alves Pereira.

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