206 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
mente, a pagar a divida de honra que a nação tem em aberto para com esses dois valentes expedicionarios.
Não ha senão contradicções nas palavras do governo, que se tem mostrado teimoso e rebelde ao pagamento dessa divida.
Especialmente a situação do sr. ministro da guerra que, entre os membros do governo, se collocou em evidencia, pelo papel que tomou nesta questão, é desgraçada. S. exa. não póde justificar-se de maneira alguma; por mais que faça, por mais que diga, não póde descobrir uma unica sombra de rasão seria, admissivel, pela qual possa trazer o convencimento ao animo de quem o escuta.
A rasão de que o governo se desinteressou dos postos de accesso, por que o coronel Galhardo procurou particularmente o sr. presidente do conselho para lhe pedir que sobreestivesse no caso, é pueril, é uma rasão que não devia ser trazida para o parlamento.
A questão é grave e seria, e não deve resolver-se com argumentos pueris, com sophismas, com trapalhadas.
Sr. presidente, o sr. ministro da guerra, em 23 de janeiro ultimo, levou á camara dos senhores deputados uma proposta de lei, estabelecendo postos de accesso por distincção em campanha. Era uma proposta que estava no animo, no sentir geral do paiz, e s. exa., quando a apresentou, correspondeu aos desejos da opinião publica 5 mais tarde, porem, desistiu dessa proposta.
Devo advertir v. exa. e a camara que não percebo nada deste singular - procedimento.
Para que levou, então, o sr. ministro da guerra essa proposta á outra casa do parlamento? Quem é que s. exa. queria enganar?
É esta a primeira pergunta que eu faço ao governo.
O governo declara ao parlamento que os expedicionarios se portaram com valentia extraordinaria, que salvaram a honra do paiz, que mantiveram com denodo e verdadeiro esforço a integridade da patria, que asseguraram o nosso dominio nas regiões africanas; mas se nós lhe dizemos que de postos de accesso ao coronel Galhardo, esse militar brioso, que foi o chefe da expedição, e ao capitão Mousinho de Albuquerque, esse extraordinario heroe, o que diz o sr. ministro da guerra?
S. exa. disse na outra casa do parlamento, segundo eu vi pelos extractos, que os postos de accesso por distincção só deviam ser concedidos em casos extraordinarios.
Parece-me, sr. presidente, em vista das manifestações do governo, do paiz inteiro e até do proprio chefe do estado, que se mostrou tão expansivo nas ruas, nos jantares e no theatro onde assistia a uma representação, pois que, assomando á frente do seu camarote, levantou vivas ao exercito e á armada; parece-me, dizia, que era vista de tantas manifestações de regosijo pelo brilhante feito das nossas armas não seria muito o conceder-se dois postos de accesso por distincção ao illustre chefe da expedição militar o sr. coronel Galhardo, e ao valente capitão Mousinho de Albuquerque.
Póde por acaso o sr. ministro da guerra contestar que seja um feito extraordinario o acto praticado pelo capitão Mousinho de Albuquerque, um acto de verdadeiro heroismo?
Não posso acreditar, não posso crer que haja coração portuguez que não palpite de enthusiasmo pelos feitos de heroismo praticados por este valente official, mormente o sr. ministro da guerra, que eu reconheço como homem intelligente e de caracter probo e desinteressado.
O illustre ministro não concedendo o gosto de accesso ao sr. Mousinho de Albuquerque, fica em contradicção comsigo mesmo e torna-se necessario que o paiz saiba o motivo desta contradicção.
Ao parlamento assiste o direito de o exigir, porque o illustre ministro não só em resposta a um sr. deputado, mas na sua proposta de lei de 23 de janeiro, diz no artigo 1.°:
"O official que pratique um feito distincto em combate ou que no desempenho de um serviço que lhe seja commettido em campanha, concorra, pelo seu valor e coragem, para o bom exito das operações, póde ser promovido por distincção ao posto immediato."
Diga-nos pois o illustre ministro: o sr. coronel Galhardo e o capitão Mousinho de Albuquerque não estão nos casos de receber esta concessão?
Porventura o sr. coronel Galhardo, no desempenho da commissão que lhe foi confiada, não se tornou digno desta recompensa?
Eu sei que ha muita gente que diz que se a politica se não tivesse mettido nesta questão, o caso teria corrido de maneira diversa. Mas, sr. presidente, isto é uma banalidade, não é de homens que se prezam. A politiquice a que o digno par, o sr. Thomás Ribeiro sé referiu, é outra cousa. Chegam os nossos soldados, todo jo paiz estremece de jubilo, e, comtudo, passaram-se dias e dias, sem que sejam galardoados os seus feitos! O que mais ainda faz realçar esses feitos é o desastre soffrido ha pouco tempo por uma nação amiga, pelo menos até ha pouco tempo era amiga; - não sei se é ainda, os srs. ministros que o digam.
Se tivéssemos tido um desastre identico, eu não sei o que seria de nós; onde estaria o governo e onde estariamos nós todos?
O que seria de Portugal se tivéssemos um desastre similhante ao que soffreu o exercito italiano na Abyssinia?
Pois o que é certo é que os nossos expedicionarios salvaram a honra nacional, levantaram o nome portuguez e mantiveram a integridade da patria, praticando um dos actos mais gloriosos que se têem praticado desde que o mundo é mundo. (Apoiados.)
Ê triste que haja um governo de uma nação que venha denegrir esse acto, esses gloriosos serviços, negando a quem os praticou o que lhe devia dar.
Conheço só uma hypothese em que se não devia dar um posto de accesso: era a de se darem a um official dois postos, e não seria de mais.
O sr. presidente do conselho, referindo-se a uns artigos do Diario popular, disse que elles accusavam falta de patriotismo.
Neste assumpto o governo não póde accusar ninguem. Falta de patriotismo é o seu proprio procedimento.
Estamos dando este triste espectaculo ao mundo civilisado, porque o mundo civilisado tomou conhecimento dos nossos feitos militares, por intermedio dos seus agentes no ultramar.
Pois é preciso que alguem venha pedir ao governo que devidamente galardoe quem deve galardoar? Aquelles heroes que arriscaram a vida, que praticaram actos de tal valor que chegam a parecer impossiveis!
É preciso que eu aqui lhes venha pedir, de joelhos, que cumpram o seu dever!
É extraordinario!
É por isso que eu peço ao sr. ministro da guerra, que é um homem de bem, que me diga o que ha por detrás disto tudo.
Alguma cousa deve haver.
O sr. ministro apresentou um projecto á camara e nelle entendia que se devem dar postos de accesso por distincção em campanha.
Mas não os quer dar ao coronel Galhardo e ao capitão Mousinho.
Logo, não considera distinctos os feitos praticados em campanha por Mousinho e Galhardo.
Eu peço a attenção da camara para este ponto.
Como é que se combina a theoria apresentada nessa proposta de lei, com o facto do governo querer sonegar aquillo que é de tanta justiça conceder?
É extraordinario o modo como se elaboram propostas de lei, a leviandade com que se escreve e falia!