SESSÃO N.° 20 DE 9 DE MARÇO DE 1896 207
Disse s. exa. que no largo periodo de paz que temos gosado, nunca mais se tornou a fallar em posto de accesso. Era uma idéa posta de parte. Pois bem! Eu lhe vou mostrar o contrario, até com a legislação recente.
O sr. José Dias Ferreira já notou, na camara dos senhores deputados, uma das erradas affirmações do sr. ministro da guerra, e eu vou notar e insistir noutra.
O decreto de 10 de setembro de 1846 diz o seguinte:
"Artigo 3.° § 2.° Os officiaes que forem despachados ficando pertencendo ao exercito de Portugal ou á armada, terão direito ás promoções que houverem nos corpos ou estados maiores das provincias ultramarinas em que servirem, quer seja por antiguidade e mais requisitos legaes, quer por distincção em serviço extraordinario.
"§ 3.° Se a promoção for por distincção no campo da batalha, ou em combate naval, serão tambem por isso extraordinariamente promovidos ao posto immediato que lhes couber no exercito ou na armada do reino."
Ora, uma rasão haveria para que o sr. ministro da guerra não citasse este decreto.
Quer v. exa. saber quem o assigna?
É o visconde de Sá da Bandeira e Mousinho de Albuquerque.
Notavel coincidencia!
Sinto não ter dotes oratorios para nesta occasião pôr em parallelo aquelles dois ministros com as figuras mais salientes que teem tomado parte nesta malfadada questão.
Quando Mousinho de Albuquerque assignou o decreto de 1846 mal imaginaria que, passados cincoenta annos, una dos mais humildes representantes da nação, sem auctoridade propria, havia de estar aqui a esfalfar-se e a pedir de joelhos ao governo que transigisse commigo nesta malfadada questão. Mal imaginava elle que eu havia de estar aqui a chorar, a implorar que se desse um posto de accesso ao descendente daquelle que morreu em Torres Vedras atravessado por uma bala. Mas o Mousinho actual foi ainda mais feliz, porque praticou o acto mais glorioso da nossa moderna historia militar.
Mas vamos ver se legislação ainda mais recente que a de 1846 falla ou não em postos de accesso.
Vou citar o decreto de 10 de janeiro de 1890. É de outro dia ainda.
Tenho aqui o Diario do governo para que a camara não julgue que isto é uma mystificação.
"Artigo 21.°, § 2.° A pena de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos inhabilita o official de ser promovido, salvo por distincção em campo de batalha, e, quando imposta a praças de pret, produz a baixa de posto e tem como accessoria a pena de tres annos de deportação militar."
E disse s. exa. que neste largo periodo de paz nunca mais se fallou em postos de accesso!
Sr. presidente, affirmar que Mousinho de Albuquerque devia ter um posto de accesso em campo de batalha, é uma cousa que está no animo de todos, e tenho a certeza mathematica, posso jura-lo á face de Deus, que todos estão convencidos de que se devia dar essa distincção ao glorioso soldado do nosso exercito. Todos, menos agora o nobre ministro da guerra!
Mas, sr. presidente, atrás de tudo isto está qualquer cousa que s. exa. devia dizer, e não tem dito.
Eu não queria referir-me a conversações particulares que tive com alguns dos srs. ministros.
Mas sempre direi que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, num dos corredores, do theatro de S. Carlos, o primeiro telegramma em que se noticiava a prisão do Gungunhana, e o segundo em que se dava conta de que tinham sido fuzilados dois indunas na presença de 3:000 vátuas,- e de que o Gungunhana havia sido conduzido a Lourenço Marques, sempre quero dizer, repito, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros me disse por essa occasião. Muito commovido: "Eu sou um homem blasé. Mas isto dá-me vontade de chorar, porque é uma verdadeira epopêa".
O sr. Conde de Thomar: - Bem recompensada!
O Orador: - É uma verdadeira epopêa, mas só o sr. ministro da guerra não pensa assim.
Não é porque s. exa. não seja um valente militar, um distinctissimo official do nosso exercito, e não fosse capaz de praticar actos como aquelles que ultimamente os nossos expedicionarios, praticaram em África; é porque ha qualquer cousa que é preciso que se saiba, e que s. exa. deve dizer.
O meu desejo é que s. exa. fique bem collocado nesta questão.
Se é preciso sacrificar a sua pasta, sacrifique-a, porque s. exa. não tira dessa sua posição nem honra, nem proveito.
Sr. presidente, o que ninguem póde deixar de reconhecer é que o capitão Mousinho de Albuquerque, pelo seu acto de bravura, merece um posto de accesso, e que igualmente o merece o coronel Galhardo, commandante da expedição, á qual prestou relevantissimos serviços, concorrendo prestigiosamente pela sua coragem para o bom exito das operações.
Por isso eu proponho simplesmente o posto por distincção para o coronel Galhardo e o capitão Mousinho de Albuquerque,
Mas, sr. presidente, diz o sr. ministro da guerra que a respeito das recompensas aos expedicionarios procedeu de accordo com o relatorio do sr. Antonio Ennes.
Eu não sei o que o sr. Ennes diz no seu relatorio; mas tenho presente umas informações que vou ler, informações que vieram publicadas num jornal, cujo director politico me affiançou terem sido copiadas daquelle relatorio.
Vejamos o que aqui se diz.
(Leu.)
Sr. presidente, não insisto sobre este ponto.
Não estou aqui a fazer politica, e muito menos politiquice.
Escusa o sr. ministro da guerra de estar a tomar notas porque eu não insisto sobre este ponto.
Mas vou acabar a leitura.
(Continua a ler.)
Aqui se diz que o coronel Galhardo commandou com inexcedivel sangue frio.
É o mais que se póde dizer de um commandante.
(Continua lendo.)
Que mais quer v. exa., sr. ministro da guerra?
Que mais quer o governo?
Diga-me a camara, diga-me o paiz, diga-me quem me escuta, se não ha alguma cousa por detrás da insistente recusa do governo em conceder postos de accesso!
Ha de certo muita cousa que eu desconheço, mas que é preciso que se saiba para que, ao menos, se salve o decoro do paiz e a dignidade do governo, que está seriamente campromettida nesta questão.
Deus me livre de trazer para a camara o boato que por ahi corre a respeito de consultas feitas pelo nobre ministro aos coroneis dos corpos.
Deus me livre, repito, de referir aos dignos pares o que por ahi se diz. Não o direi, salvo se a resposta do sr. ministro da guerra a isso me obrigar.
O sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - É melhor que v. exa. diga tudo, e já.
O Orador: - Não quero dizer, porque eu não estou animado de intenções hostis para com quem quer que seja
Ninguem lucra com as referencias que eu faça ao que por ahi se diz.
Eu não perdia nada, mas podia perder o prestigio do paiz, o do parlamento, o prestigio do governo e até o do proprio exercito, que é uma, corporação que eu respeito muitissimo,
Nada direi por emquanto; mas é preciso que o governo,