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N.º 20
SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1896
Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Athouguia
Arthur Hintze Ribeiro
SUMMARIO
Leitura e approvaçao da acta. - Correspondencia. - O digno par o sr. conde de Lagoaça refere-se a um edital publicado pelo representante da companhia de Moçambique. Responde-lhe o sr. presidente do conselho. - O digno par conde de Thomar propõe a publicação de um extracto official das sessões desta camara, e estranha que não lhe tenha sido enviada, pelo ministerio da justiça, uma representação relativa ao juiz de direito da comarca de Thomar. A proposta é admittida, e fica para segunda leitura. - O digno par Thomás Ribeiro refere-se á maneira por que é feito o serviço da alfandega na fiscalisação das bagagens. Responde-lhe o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda.
Ordem do dia: discussão do parecer n.° 9, sobre o projecto de lei n.° 11 (pensões aos expedicionários de África). O digno par conde de Thomar propõe o adiamento da discussão. Esta proposta é admittida, e discursam sobre ella os dignos pares Cypriano Jardim, conde de Thomar e conde de Lagoaça, dando tambem explicações sobre o assumpto o sr. presidente. A proposta do digno par conde de Thomar é rejeitada. - O digno par Moraes Carvalho apresenta, por parte da commissão de fazenda, o parecer que diz respeito á contribuição industrial.- Sobre a ordem do dia usa da palavra o digno par conde de Lagoaça, e responde-lhe o sr. ministro da guerra, que, por ter dado a hora, continuará o seu discurso na sessão seguinte. - É levantada a sessão.
Abertura da sessão ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 22 dignos pares.
Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.
(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho de ministros e ministro da guerra.)
Mencionou-se a seguinte:
Correspondencia
Um officio da sr.ª D. Guilhermina de Bataglia Ramos, agradecendo as homenagens prestadas pela camara á memoria de seu fallecido esposo, o poeta João de Deus, e, nomeadamente, a pensão para si e seus filhos.
Para o archivo.
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando a proposição de lei, que tem por fim converter em lei o decreto de 14 de março de 1895, que concedeu a D. Elvira Aurora Faria de Lima Nunes uma pensão de 540$000 réis.
Para a commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.
O sr. Presidente: - Ficaram inscriptos na sessão anterior, para antes da ordem do dia, os dignos pares os srs. conde de Lagoaça, Marçal Pacheco e Thomás Ribeiro. Os srs.- conde de Lagoaça e Marçal Pacheco usaram da palavra na sessão passada, quando ia encerrar-se. Portanto, não sei se s. exas. desejam ainda usar da palavra.
O sr. Conde de Lagoaça: - Se v. exa. me permitte usarei novamente da palavra para repetir a pergunta que fiz na sessão passada.
O sr. Presidente: - Como o sr. Marçal Pacheco não está presente, tem o digno par a palavra.
O sr. Conde de Lagoaça: - Mando para a mesa duas representações contra o projecto que remodela a contribuição industrial: uma dos contadores dos tribunaes judiciaes de Lisboa e outra do gremio das casas que emprestam dinheiro sobre penhores.
Agora, já que v. exa. me concedeu a palavra, repetirei ao sr. presidente do conselho a pergunta que lhe fiz na ultima sessão, e a que s. exa., certamente por esquecimento, não se referiu quando me respondeu.
Ha já alguns dias, como disse a v. exa., recebi uma communicação de Mossamedes protestando contra o edital em que o gerente da companhia de Mossamedes prohibia, dentro dos territorios dessa companhia, o commercio, a caça, o estabelecimento de forragens para os gados, tudo absolutamente, inutilisando assim a actividade dos commerciantes portuguezes que para ali vão com o fim de ganhar a sua vida, mas que tambem prestam grandes serviços ao paiz.
Ouvi dizer ha pouco que já tinham sido dadas ordem para annullar o edital do representante da companhia, mas chamo para este assumpto a attenção do governo, porque me parece que o facto é de bastante gravidade, tanto mais quanto os territorios concedidos pelo governo á companhia constituem quasi todo o districto de Mossamedes.
Ao que me consta, t a companhia não tem cumprido certas condições do contrato, posto já sejam passados dezoito mezes depois da sua constituição.
Chamo a attenção do governo para que se não dêem abusos que possam prejudicar os interesses do estado e os dos commerciantes, que são muito para attender, porquanto como já disse, elles vão ali trabalhar para ganhar a sua vida, mas desse trabalho resultam grandes vantagens para o estado.
(O digno par não reviu.}
Foram lidas na mesa as representações t é enviadas a commissão de fazenda.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, não posso dar ao digno par informações precisas sobre o assumpto para que chamou a minha attenção, por isso que não corre pela minha pasta. Todavia, com relação ao objecto principal das suas considerações, posso dizer a s. exa. que effectivamente me consta que, por parte da companhia, já foram dadas ordens expressas a fim de que não subsistam as prohibições e restricções a que o digno par alludiu.
Devo acrescentar ao que acabo d" dizer que, pelo que toca ás condições da concessão, o governo fará respeitar como lhe cumpre, todas essas condições. Se ellas não forem rigorosamente observadas o governo saberá proceder.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, quando pedi a palavra na ultima sessão foi para que v. exa. consultasse a camara sobre se permittia que, conjunctamente com o Diario do governo, fossem publicados os extractos das sessões desta camara, á imitação do que se faz na camara dos senhores deputados, e do que já aqui se fez.
Sabe v. exa. que os discursos proferidos nesta camara são publicados no Diario das sessões alguns dias depois e interessa a muita gente saber o que aqui se faz, rasão por
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que peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que no dia immediato ao da sessão seja publicado o respectivo extracto.
Aproveito estar cem a palavra para dizer a v. exa. que mal ouvi ler na mesa, na sessão anterior, um officio do sr. ministro da justiça dizendo, creio eu, que não podia mandar á camara a representação pedindo uma syndicancia aos actos do juiz de direito de Thomar.
Ora, eu tinha desejado examinar essa representação, que, segundo creio, se acha affecta a um processo.
Parece-me que ouvi dizer a v. exa. que eu ficava inteirado. Mas eu não fiquei inteirado, absolutamente nada inteirado, porque não devia haver difficuldade em tirar uma copia dessa representação e manda-la á camara, a fim de se poder apreciar o seu valor.
Desejo vê-la porque estou convencido de que não tem fundamento algum. E quando se trata de fazer uma accusação grave a um magistrado digníssimo, é necessario apreciar o valor e respeitabilidade dos signatarios. Ora, como eu conheço a maioria dos habitantes de Thomar pelos nomes, poderia dar á camara e ao governo esclarecimentos para aquilatar o valor e a seriedade de tal representação.
Toda a gente sabe em Thomar que essa representação é promovida especialmente por influencias politicas affectas ao governo, amigos novos que não estão satisfeitos com aquelle juiz, porque em todos os processos eleitoraes se tem visto obrigado & cumprir o seu dever. Trata-se, por conseguinte, de desgostar por todos os modos esse magistrado.
A respeito desta representação tenciono fazer algumas considerações e conversar com o sr. ministro da justiça
Aqui tem v. exa. o que eu queria dizer na ultima sessão
Cora relação ainda á primeira parte das palavras que acabo de proferir, requeiro a v. exa. que seja publicado um extracto das nossas sessões.
O sr. Presidente: - Tenho o digno par a bondade de mandar para a mesa a sua proposta.
Tem a palavra o sr. Thomás Ribeiro.
O sr. Thomás Ribeiro: - Agradeço a v. exa. ter-me reservado a palavra para hoje. De facto, eu tinha todo desejo, na ultima sessão, de responder ainda algumas palavras ao nobre presidente do conselho e meu amigo o sr. Hintze Ribeiro.
S. exa. não contestou as minhas affirmativas a respeito dos vexames, vexames! que eu sublinho intencionalmente, nas alfandegas deste paiz,, vexames por causa dos quaes deixa muitíssima gente de vir a Lisboa e ao reino, o que faz com que nós não só percamos o conceito de povo civilisado, mas até em dinheiro, grandissimas quantias que de certo viriam com os visitantes de Lisboa, do Porto, do Minho, emfim de todo este paiz que merece bem ser visitado.
S. exa. não me respondeu que não era verdade o que eu dizia; e felizmente; porque nesse caso eu tencionava trazer um longo rosario de factos authenticos, e alguns dos quaes hei de provar com documentos originaes emanados da propria alfandega. O que s. exa. me disse foi que o mal não estava na alfandega, estava em nós, os que faziamos aã leis.
Sr. presidente, estivesse eu na opposição, lembraria ao nobre ministro que me fizera recordar do Pão fidalgo, de Molière. Esse fazia prosa sem o saber, e nós estamos ha muito tempo a fazer leis sem darmos por isso.
N'um dos ultimos ministerios a que presidiu o sr. Fontes Pereira de Mello, meu saudosismo amigo, e quem o será em todo o tempo que eu tenha de viver, encontrou o estadista illustre nesta camara um obstaculo insuperável contra a sua reforma do exercito; fechou as côrtes e decretou essa reforma era dictadura.
Desde esse momento appareceu o bule, irmão daquelle de que fallou o sr. conde de Bertiandos, meu prestimoso amigo, o bule das dictaduras como o de v. exa. era o das eleições. Deste então é só borca-lo; sáe dictadura.
O sr. Conde de Bertiandos: - É o mesmo.
O Orador: - Não digo que não; talvez seja.
Veiu o ministerio progressista, que se mostra agora tão indignado com tudo que se está fazendo por parte do actual governo, e entrou em larguissima dictadura sem bem se saber por que nem para que. Veiu o ministerio do sr. Dias Ferreira e fez tambem larguissima dictadura sem bem se saber por que nem para que.
E admiram-se agora todos de que o sr. ministro da fazenda achasse o chá no bule e o fosse tomando.
Ha muito tempo que o parlamento portuguez concede auctorisações ao governo, nas quaes nem sempre preceitua que elle venha dar contas ao parlamento do uso que fazer dessas auctorisações. A não ser isto a absolvição não sei que tenhamos votado, ou legislado.
Isto sei eu que se tem feito.
Se algumas destas nossas leis teem saído más, sinto que o sr. ministro da fazenda as não reformasse na sua ultima dictadura. Principalmente leis que tão perniciosas são ao credito de paiz tão fidalgo e que precisa manter essa fidalguia; sinto que o sr. ministro não o fizesse. É verdade que muitas vezes peior do que as leis são os regulamentos (que nós, creio, não fizemos) regulamentos de onde os executores tiram vexames brutaes, alguns, sendo muitas vezes ainda peior o processo dos funccionarios do que os preceitos das leis e dos regulamentos.
Quer v. exa. e a camara saber de quatro factos, hoje só quatro factos quero apontar á camara; só quatro; isto, porque ha dias pedi esclarecimentos pelo ministerio da fazenda para que me informasse se nestes ultimos trinta annos houve algum ministro que vindo do estrangeiro tenha feito contrabando.
Quero saber o seu nome, que talvez tenha de varrer e de lavar a minha testada; e hei de desempenhar-me desta dura necessidade do modo que me seja possivel.
Aguarde o governo e o parlamento.
Sr. presidente, como v. exa. e a camara sabe chega aqui um homem, do Brazil, por exemplo. Desembarca na alfandega. É um homem condecorado pelo governo portuguez, por consequencia um benemerito, não é qualquer homem; tem um titulo dado pelo governo portuguez, o que deve tornai-o digno de especiaes attenções. Depois de verificada a sua bagagem apresenta-se para sair, de paletot no braço, como é costume fazer-se quando se não tem frio ou quando entrámos numa casa particular, antes de o collocar em sitio conveniente.
Vem um daquelles figurões e pergunta:
- Que leva ahi?
- O meu paletot.
- Deixe cá ver isso. E em seguida desdobra-o, mette-lhe as mãos pelos bolsos que deixa do avesso; e tudo isto que se podia fazer em um quarto particular é feito na presença de toda a gente, exauctorando-se por esta forma um homem que tem a consciencia da sua probidade e honradez. Creio que isto não se faz em parte alguma, a não ser na costa de África.
Uma voz: - Nem lá!
O Orador: - Outro facto.
Regressou ha dias do Brazil um .cavalheiro muito respeitavel e que trazia na sua bagagem tres pratos fendidos e lacerados, de prata antiga, que um homem actualmente residente no Brazil mandava como recordação de familia a uma sua parente; pois a alfandega apprehendeu esses objectos como contrabando. O portador allegou que os objectos eram de prata antiga, que estavam quebrados e que á não tinham serventia senão para estarem numa estante em sala, ou gabinete de curiosidades. Pois a alfandega só os deixou passar machucando-os e reduzindo-os a um bolo.
Terceiro.
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Sr. presidente, hoje só me refiro a quatro factos, e relativamente a estes dois não citei nomes, mas dos outros que vou fallar, citarei nomes; um, ao menos, porque é nosso conhecido.
Todos nós conhecemos o sr. visconde do Ervedal da Beira, um juiz da relação de Lisboa, que tem pertencido por varias vezes ao parlamento e pertence ainda á camara dos senhores deputados, a que já tem presidido.
O sr. visconde foi ha tempos viajar pela Suissa na companhia de sua familia, e ao regressar a este paiz passou por Villar Formoso, povoação onde não ha hotéis, nem commodidades de qualidade alguma.
Hoje não sei, porque ha já dois annos ou mais que por ali não passo.
O sr. visconde comprou por lá muitos objectos curiosos para si e para prendar parentes e amigos. Os empregados da alfandega, admirados de tantas novidades, verificaram tudo quanto trazia, o que era seu dever, mas fizeram da bagagem exposição demorada para gáudio de empregados e passageiros. O sr. visconde pediu que fizessem depressa a verificação, porque depressa o comboio partia. Disseram-lhe que a verificação carecia de ser muito minuciosa e obrigavam-o a ficar de um dia para o outro em Villar Formoso. Isto é verdade, e bem triste verdade.
Onde, em que parte do mundo se pratica igual vexação? Igual brutalidade? Seja a quem for? Nada mais vexatório que uma alfandega; executados assim os seus serviços, diga-me v. exa. onde se encontra igual inferno. Nem já me refiro a paizes civilisados.
Resta-me por hoje apresentar a v. exa. este masso de documentos que trago aqui.
Deu-se o caso com um nosso portuguez residente no Brazil, com um daquelles que me prestaram lá maiores serviços, com um dos nossos mais benemeritos compatriotas e dos mais considerados de brazileiros e portuguezes no Rio, senhor de uma grande fortuna. Digo isto para mostrar que era incapacissimo de querer fazer contrabando.
Vinha com a sua esposa e com todos os filhos para os educar na sua terra. E ahi estão educando-se.
Não quero ler estes documentos; trazem nomes; eu quero respeitar, mas quero deixa-los na mesa para serem archivados e conto apenas o caso:
Veiu com as suas bagagens selladas do lazareto para o cães do Sodré, e no caes do Sodré o barqueiro ao desembarcar os pacotes, caixotes e malas, que trazia, inutilisou um sello. Chegou um empregado do fisco e disse ou suspeitou: aqui está contrabando. Abriu-se immediatamente o pacote e viu-se que trazia muitas camisas de meninos pequeninos, de homem e de senhora, e por baixo de tudo isto, para resguardo dessa roupa branca, 2 metros de paninho,- 2 metros - que aqui custa a tostão, e que estava, repito, a resguardar a roupa. Aqui está o contrabando. Avaliação: 750 réis. Depois da avaliação sentinella á vista. Este homem foi para a alfandega acompanhado como um preso, custodiado como um vadio.
Chega lá e anda de estação em estação um dia todo, pagando no fim 3$5OO réis. Voltou-se para a sentinella quando acabou de pagar e perguntou-lhe: ainda estou preso? Responderam-lhe: já pagou, póde-se ir embora. Isto deu-se com um dos homens mais ricos deste paiz, com um dos mais honrados e benemeritos dos nossos compatriotas no Brazil.
Ora, sr. presidente, se isto está na lei revoguemo-la, se está nos regulamentos emendemo-los, se estagnos costumes refaçamo-los, mas não nos envergonhem mais. Isto dá em resultado todos fugirem do nosso paiz.
Hoje fico por aqui. Se for preciso mais para mostrar a necessidade de reformar a nossa fiscalisação, ver-me-hei forçado a proseguir; mas espero que não.
Creio ter justificado a urgencia com que vim pedir aos poderes publicos que nos livrem destes vexames, e que façam da nossa terra uma terra onde se possa entrar; de outra maneira continuaremos a ser tidos pelo Brazil e por toda a America aquillo que realmente parecemos, e não somos. A maioria deste paiz não tem responsabilidades nestes desvarios.
Na minha volta da Índia passei por Itália, e ahi comprei, como já comprara em Suez, umas miudezas que desejava offerecer a pessoas da minha amisade; quando cheguei a Marselha (tinha findado a guerra entre a Prussia e a França), apresentei uma grande quantidade de pequenos pacotes. Ao vê-los disse-me, pouco mais ou menos, o empregado da alfandega: "Senhor, nós envergonhamo-nos com as exigencias que temos a fazer por parte do fisco; mas temos sobre nós uma enorme divida que satisfazer á Prussia, e, por consequencia, o governo, com muita pena sua, vê-se forçado a collectar não só os valores que chegam aqui, mas o numero dos pacotes; são dois sous por cada pequeno pacote. Isto é tão vexatório que nós pedimos e obtivemos a permissão de, sendo pequenos, juntar dois ou tres pacotes n'um só para se pouparem alguns sous ás vossas algibeiras.
Fiquei commovido e envergonhado pela differença entre o modo de proceder lá e o que se praticava aqui. Praticava e pratica.
Entrego esta comparação ao nobre presidente do conselho. E confio em v. exa.
Os documentos mandados para a mesa pelo digno par Thomás Ribeiro, foram para o archivo.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, é certo que nos serviços fiscaes, e mais accentuadamente nos serviços aduaneiros, por vezes se dão abusos que é necessario corrigir, e demasias que convem castigar.
Ha, porem, uma cousa a que não attendeu o digno par, e é que esses abusos ou essas demasias impressionam mais quando se dão com individuos altamente collocados, e que por seus haveres ou posição social estão em maior evidencia.
O empregado aduaneiro não trata de saber se o viajante é opulento ou nobre, se occupa na sociedade uma posição brilhante ou modesta: applica-lhe a lei e cumpre o seu dever independentemente da qualidade das pessoas e mesmo independentemente do preço maior ou menor, que qualquer objecto tenha custado.
Não ha duas medidas, não ha dois talões, um para os ricos, outro para os pobres, um para os objectos de alto valor, outro para os de valor infimo.
Ha, sim, a applicação dá lei em absoluto, e por completo.
Desejo que isto fique bem accentuado, e estou prompto a discutir com o digno par todos os actos analogos, quando s. exa. quizer.
O sr. Thomás Ribeiro: - Perfeitamente.
O Orador: - Se eu soubesse que os empregados a cargo de quem está este serviço tinham duas medidas, uma para os afortunados, outra para os desprotegidos, era eu o primeiro a corrigi-los.
Concordo em que alguma vez tenha havido um ou outro abuso. Mas o que eu digo ao digno par é que a circumstancia de s. exa. se ter referido a pessoas de posição elevada, para mim não tira nem põe em relação ao facto em si mesmo.
Se ha abusos, cumpre-me corrigi-los, e se ha exageros ou demasias a minha obrigação é punir quem os praticou de-se o facto com quem se der.
Portanto, quando o digno par quizer appellar para mim, póde appellar em absoluto, independentemente da qualidade das pessoas com quem qualquer facto se dê.
O sr. Thomás Ribeiro: - Começo a perder a esperança de que se faça justiça.
O Orador: - Eu repito ao digno par uma cousa, e é que para os abusos, para as demasias que se podem dar
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nos serviços aduaneiros, como infelizmente se dão em toda a parte, ha os devidos correctivos.
Quando são apresentadas queixas, nunca deixei de as attender, sendo justas.
Para todas as reclamações contra o serviço de que se trata, ha tramites legaes a seguir, recurso para as auctoridades superiores, e ainda para um julgamento especial.
Quando na verificação das mercadorias se commette qualquer erro, lá estão os tribunaes competentes para o emendar.
Repito ao digno par que, sempre que se apresentar qualquer queixa, eu hei de providenciar de modo que justiça se faça.
Quero ainda lembrar que os agentes fiscaes, por isso mesmo que teem uma remuneração escassa, não são sempre individuos dos mais illustrados, nem têem uma educação aprimorada.
E quero ainda dizer que sempre que me for dirigida qualquer queixa, eu hei de considera-la, como é minha obrigação.
Estou sempre disposto a attender a todas as reclamações que se apresentarem, mas desejo não saber de onde partem essas reclamações. Considero-as independentemente da qualidade das pessoas que as apresentam.
Para mim a justiça é uma só, e é absoluta.
N'esse campo encontrar-me-ha sempre o digno par.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta que o digno par sr. conde de Thomar mandou para a mesa.
Foi lida na mesa e é do teor seguinte:
Proposta
Proponho que seja publicado no Diario do governo um extracto das sessões desta camara.
Sala das sessões, 9 de março- de 1896.=; O par do reino, Conde de Thomar.
O sr. Presidente: - Esta proposta fica sobre a mesa para segunda leitura.
Vae entrar-se na ordem do dia, visto que já passou o tempo marcado no regimento.
ORDEM DO DIA
Discussão do parecer n.° 9
Leu-se na mesa 6 é do teor seguinte:
PARECER N.° 9
Senhores.- As commissões de guerra e marinha, reunidas, tomando conta e apreciando como deviam o projecto de lei enviado á camara dos dignos pares pela camara dos senhores deputados, destinado a recompensar os altos serviços prestados pelos officiaes e praças de pret que ultimamente decidiram a bem da patria commum uma campanha de que talvez dependesse o futuro de uma das nossas mais importantes colonias ultramarinas, vem hoje, depois dos necessarios estudos, dar-vos contadas suas deliberações, a fim de que a camara as considere como o seu alto criterio julgar.
Melhor do que a commissão o poderia fazer, foram já avaliados pela imprensa e pela nação inteira os distinctos actos de valor militar e de commando praticados pelos officiaes e mais praças do exercito, a sustentar e tornar firme e definitivo ò nosso dominio nas terras de Moçambique.
Ocioso seria, pois, encarece-los, se tantas e tão claras manifestações de affirmação do seu alto valor se têem já patenteado em todos os pontos do paiz onde palpita um coração portuguez.
Apreciados já tão grandes serviços pelo poder executivo na parte que lhe competia, com a concessão aos expedicionários, não só da medalha militar creada por Sua Magestade a Rainha para os serviços prestados em África, como pela graça dos differentes graus da ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, a primeira de todas as ordens militares portuguezas, restava ás camaras dar aos bravos que os prestaram uma prova real e pratica da gratidão do paiz de que ellas são seus representantes.
Assim, as vossas commissões de guerra e marinha, acceitando e ratificando o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados, teem a honra de apresentar á vossa consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° São concedidas pensões vitalícias e annuaes de 800$000 réis, pelos excepcionaes serviços prestados na recente campanha da África oriental, aos seguintes officiaes:
Coronel do regimento de infanteria n.° 2, Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo.
Capitão de cavallaria n.° l, lanceiros de Victor Manuel, Joaquim Augusto Mousinho de Albuquerque.
Art. 2.° São concedidas, pelos serviços relevantissimos prestados na mesma campanha, pensões vitalícias e annuaes de 500$000 réis aos seguintes officiaes:
Tenente coronel do regimento n.° 1 de infanteria da Rainha, Antonio Julio de Sousa Machado.
Capitão do corpo do estado maior, Eduardo Augusto Ferreira da Costa.
Capitão do estado maior de engenheria, Alfredo Augusto Freire de Andrade.
Capitão do estado maior de artilhem, Henrique Michell de Paiva Couceiro.
Medico naval de l.ª classe, Antonio José Rodrigues Braga.
Segundo tenente da armada, Filippe Trajano Vieira da Rocha.
Alferes do regimento de caçadores n.° 3, José da Conceição Costa e Silva.
Art. 3.° São concedidas, pelos relevantes serviços prestados na mesma campanha, pensões vitalícias e annuaes de 300$000 réis aos seguintes officiaes:
Primeiro tenente da armada, Francisco Diogo de Sá.
Primeiro tenente da armada, Álvaro de Oliveira Soares de Andréa.
Primeiro tenente da armada, Guilherme Ivens Ferraz.
Capitão da brigada de artilheria de montanha, Francisco de Sousa Pinto Cardoso Machado.
Cirurgião mór do regimento n.° 2 de caçadores da Rainha, Ignacio França.
Segundo tenente da armada, Julio Lopes Valente da Cruz.
Tenente do corpo do estado maior, Ayres de Ornellas de Vasconcellos.
Primeiro tenente da brigada de artilheria de montanha, Annibal Augusto Sanches de Sousa Miranda.
Tenente de infanteria, em commissão, Joaquim Pereira Leitão.
Tenente do exercito da África oriental, Manuel Luiz Alves.
Cirurgião ajudante da brigada de artilheria de montanha, Fernando de Miranda Monterroso.
Alferes de cavallaria em commissão, Raul Carlos Ferreira da Costa.
Art. 4.° Ás praças de pret, que fizeram parte do corpo expedicionário a Lourenço Marques, e que no praso de um anno, contado do seu regresso á metropole, se acharem impossibilitadas, em resultado de moléstias adquiridas em África, e comprovadas por uma junta militar de saude, de angariar pelo trabalho os meios de subsistencia, serão concedidas as seguintes pensões vitalícias e annuaes:
De 144$000 réis, aos officiaes inferiores, que se tiverem distinguido em combate;
De 72$OOQ réis? aos cabos e soldados nas mesmas condições;
De 72$QOO réis, aos mais officiaes inferiores;
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De 36$000 réis, aos mais cabos e soldados.
Art. 5.° As praças de pret do referido corpo expedicionário, mortas em combate ou em resultado de ferimentos recebidos em combate, ou por doenças adquiridas em África, legarão ás suas familias iguaes pensões, nos termos das concedidas pelo monte pio official.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 1 de março de 1896.= A. de Serpa Pimentel = José Baptista de Andrade = Carlos Augusto Palmeirim = Francisco Costa = Conde do Bomfim (com declarações) = Visconde da Silva Carvalho = Conde da Azarujinha = Cypriano Jardim, relator = Tem voto do digno par: Jeronymo da Cunha Pimentel.
A commissão de fazenda, tendo sido ouvida, concorda com este projecto na parte que lhe diz respeito. = Augusto César Cau da Costa = José Antonio Gomes Lages = Conde da Azarujinha = Marçal Pacheco (com declarações) = Antonio de Serpa Pimentel = A: A. de Moraes Carvalho.
Projecto de lei n.° 11
Artigo 1.° São concedidas pensões vitalícias e annuaes de 800$000 réis, pelos excepcionaes serviços prestados na recente campanha da África oriental, aos seguintes officiaes:
Coronel do regimento de infanteria n.° 2, Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo.
Capitão de cavallaria n.° l, lanceiros de Victor Manuel, Joaquim Augusto Mousinho de Albuquerque.
Art. 2.° São concedidas, pelos serviços relevantissimos prestados na mesma campanha, pensões vitalícias e annuaes de 500$000 réis aos seguintes officiaes:
Tenente coronel do regimento n.° 1 de infanteria da Rainha, Antonio Julio de Sousa Machado.
Capitão do corpo do estado maior, Eduardo Augusto Ferreira da Costa.
Capitão do estado maior de engenheria, Alfredo Augusto Freire de Andrade.
Capitão do estado maior de artilheria, Henrique Michell de Paiva Couceiro.
Medico naval de l.ª classe, Antonio José Rodrigues Braga.
Segundo tenente da armada, Filippe Trajano Vieira da Rocha.
Alferes do regimento de caçadores n.° 3, José da Conceição Costa e Silva.
Art. 3.° São concedidas, pelos relevantes serviços prestados na mesma campanha, pensões vitalícias e annuaes de 300$000 réis aos seguintes officiaes:
Primeiro tenente da armada, Francisco Diogo de Sá.
Primeiro tenente da armada, Álvaro de Oliveira Soares de Andréa.
Primeiro tenente da armada, Guilherme Ivens Ferraz.
Capitão da brigada de artilheria de montanha, Francisco de Sousa Pinto Cardoso Machado.
Cirurgião mór do regimento n.° 2 de caçadores da Rainha, Ignacio França.
Segundo tenente da armada, Julio Lopes Valente da Cruz.
Tenente do corpo do estado maior, Ayres de Ornellas de Vasconcellos.
Primeiro tenente da brigada de artilheria de montanha, Annibal Augusto Sanches de Sousa Miranda.
Tenente de infanteria, em commissão, Joaquim Pereira Leitão.
Tenente do exercito da África oriental, Manuel Luiz Alves.
Cirurgião ajudante da brigada de artilheria de montanha, Fernando de Miranda Monterroso.
Alferes de cavallaria em commissão, Raul Carlos Ferreira da Costa.
Art. 4.° As praças de pret que fizeram parte do corpo expedicionario a Lourenço Marques, e que no praso de um anno, contado do seu regresso á metropole, só acharem impossibilitadas, em resultado de moléstias adquiridas em África, e comprovadas por uma junta militar de saude, de angariar pelo trabalho os meios de _ subsistencia, serão concedidas as seguintes pensões vitalícias e annuaes:
De 144$000 réis, aos officiaes inferiores que se tiverem distinguido em combate;
De 72$000 réis, aos cabos e soldados nas mesmas condições;
De 72$000 réis, aos mais officiaes inferiores;
De 36$000 réis, aos mais cabos e soldados.
Art. 5.° As praças de pret do referido corpo expedicionario, mortas em combate ou em resultado de ferimentos recebidos em combate, ou por doenças adquiridas em África, legarão ás suas familias iguaes pensões, nos termos das concedidas pelo monte pio official.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 26 de fevereiro de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado, secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado, secretario.
O sr. Conde de Thomar (para um requerimento): O meu requerimento é o seguinte:
"Não tendo o governo apresentado á camara os documentos que serviram de base para o projecto em discussão, e que foram pedidos pelo signatario, peco o adiamento da discussão até que a camara tome conhecimento d'esses documentos.
"Sala das sessões, 9 de março de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar."
Sr. presidente, ha dias que pedi estes documentos para poder discutir com perfeito conhecimento de causa; mas o que vejo é que o governo não desiste do proposito em que está de desconsiderar o parlamento por todos os modos e feitios.
Os projectos são votados, sem que a camara possa obter o menor esclarecimento com relação ao assumpto de que se trata; e, na outra casa do parlamento, succede a mesma cousa.
Os documentos officiaes servem unica e exclusivamente para uso das commissões affectas ao governo; mas a quem discorda da politica governamental não é facultado o mais leve esclarecimento.
O sr. ministro da guerra, na outra casa do parlamento, declarou que este projecto de recompensas aos expedicionários era o resultado das informações fornecidas pelo commissario régio; devo declarar que estou argumentando pelo que dizem os jornaes, visto que não possuo nenhuns documentos de caracter official.
Não me forneceram as informações que pedi.
Que remedio tenho eu senão recorrer áquellas que os jornaes apresentam!
Dizem os jornaes que o sr. ministro da guerra tinha declarado que recebera esclarecimentos ou elucidações do sr. commissario régio.
E perguntado s. exa. ácerca de quem dera ao sr. commissario régio os elementos para essas informações, o nobre ministro respondeu que o mesmo commissario recebera um relatorio escripto pelo sr. coronel Galhardo.
Porque não vieram estes documentos á camara?
O sr. Presidente: - V. exa. dá-me licença que o interrompa?
(Signal de assentimento do orador.)
É para informar p digno par de que está sobre a mesa o relatorio do sr. conselheiro Antonio Ennes.
O sr. Cypriano Jardim: - Já ha muitos dias.
O Orador: - V. exa. vem dizer-me que está sobre a mesa o relatorio do sr. Antonio Ennes na occasião em que o projecto está em discussão, isto é, quando não ha tempo
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nem ensejo para compulsar esse documento, e, o sr. relator da commissão diz que já está ahi ha muitos dias!
É extraordinario!
Mas, sr. presidente, teve porventura a camara conhecimento de que o relatorio está sobre a mesa ha muitos dias?
Eu tenho assistido a todas as sessões e não ouvi uma unica palavra a tal respeito!
O sr. relator da commissão guardou os documentos para seu uso, e não deu conhecimento delles é camara. Esta é a verdade.
Sr. presidente, permitta-me v. exa. que lhe diga o seguinte.
Que me importa a mina que esteja sobre a mesa esse relatorio ou esses documentos, se o projecto está em ordem do dia, e eu não tenho tempo para os consultar?
Como quer v. exa. que eu os leia, que eu os analyse, que eu os compulse, a esses documentos?
É realmente esta uma comprehensão nova.
O sr. Marçal Pacheco: - Ou uma pratica nova.
O Orador: - Ou uma pratica nova, o que é ainda peior.
A commissão entendeu que os documentos são para seu uso exclusivo.
Pois enganou-se.
Os documentos officiaes pertencem á camara e, quando um membro della os requisita, o costume é facultar-lhos; mas desta vez nada disto succedeu, de modo que nós vamos discutir um assumpto sem ter delle o minimo conhecimento e, como nem todos podem ter o talento e a intelligencia de certos privilegiados, o natural é que façamos triste figura.
Já v. exa. vê, sr. presidente, que este meu requerimento tem uma rasão de ser.
Eu não dou grande importancia a esse relatorio porque, consta-me que nelle existem factos que denotam, segundo informações que tenho, a prova da pressa com que foi feito e a que os jornaes dão o nome de comedia das recompensas.
A um segundo tenente da armada dá-se uma distincção igual á que já tinha por feitos praticados na Guiné.
A outro segundo tenente dá-se a medalha de prata inferior á que já lhe tinha sido concedida, creio que por factos identicos.
Este official já tinha a medalha de oiro.
Vê-se a pouca seriedade que presidiu a todos estes actos.
De duas uma: ou ha muitos officiaes incluidos neste projecto de recompensas, ou ha poucos.
Não é possivel que, entre tantos officiaes, não houvesse muitos que tivessem o valor A, outros o valor B, e tambem me consta, por informações particulares, que outros ha que não teem informação de valor algum.
Ora, o que vemos nós?
Vemos crear uma medalha para recompensar indistinctamente todos aquelles que estiveram em África.
Por isso, eu disse aqui, em tempo, que era uma medalha de presença, similhante á que se dá aos membros dos conselhos fiscaes, que assistem ás sessões.
Estes tambem têem o seu jéton de presença, para depois receberem a quantia que lhes cabe.
Do mesmo modo os que possuírem a medalha attostam por esse facto que estiveram em África; mas isso hão significa que se bateram ou que praticaram qualquer acto de valor.
Depois da medalha, veiu então o projecto do governo, distribuindo as recompensas, e abrangendo vinte ou vinte e cinco officiaes.
Pergunto eu: como se apreciou o quantum para cada um delles?
Foi pelo relatorio.
Mas quem fez o relatorio, pelo que respeita ao capitão Mousinho de Albuquerque?
O commissario régio não, porque já não estava em África; o coronel Galhardo tambem não, porque já vinha em viagem.
Logo, quem fez esse relatorio?
O que se conclue é que foi tudo feito arbitrariamente, porquanto eu vejo que foram incluidos nas recompensas individuos que já tinham recebido uma recompensa igual ou superior.
Por todas estas rasões, entendo eu, sr. presidente, que o projecto não póde ser discutido neste momento, emquanto a camara não poder ter occasião de tomar perfeito conhecimento do relatorio que v. exa. diz estar sobre a mesa.
Pela minha parte, pelo menos, terei que cingir-me aos artigos dos jornaes; e eu estou habituado a ouvir os srs. ministros dizerem, nesta camara, que os jornaes não fazem fé.
Naturalmente só fazem fé quando a s. exa. convem.
Ora, como não gosto de avançar proposição alguma sem ter um documento em que a baseie, ser-me-ia desagradavel citar qualquer artigo de um jornal, ouvindo logo em seguida o sr. ministro da guerra ou o sr. relator declararem que teem menos fundamento as minhas rasões, por isso que eram inexactas as informações desse jornal.
Portanto, peço a v. exa., sr. presidente, que consulte a camara sobre o meu requerimento, a fim de ser adiada a discussão do projecto até que todos os membros da camara possam examinar os. documentos que a elle se referem.
O sr. Presidente: - O que o digno par o sr. conde de Thomar mandou para a mesa não é um requerimento; é uma proposta de adiamento, que vae ser lida.
O sr. Conde de Thomar: - V. exa. tambem ha pouco classificou como proposta o pedido que eu tinha feito para que consultasse a camara sobre se consentia que no Diario do governo fosse publicado o extracto das nossas sessões. Foi sempre uso nesta camara, para assumptos desta ordem, pedir á presidencia que consulte a camara sobre uma pergunta ou requerimento verbal.
Para este caso gravissimo v. exa. classifica o meu requerimento como proposta de adiamento, e reserva-a para segunda leitura.
Eu, porem, considero-o como requerimento, e parece-me que o auctor deve ter mais conhecimento das intenções que o levaram a fazer o requerimento, do que a propria mesa, apesar da intelligencia de v. exa., que é muita.
A minha intenção é que a camara vote pura e simplesmente o adiamento da discussão do projecto.
O sr. Presidente: - O proprio digno par reconheceu que o papel que mandou para a mesa contem uma proposta e não um requerimento porque o discutiu e fundamentou, e os requerimentos não podem ser motivados.
Vae ler-se a proposta.
(Foi lida.)
O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta, tenham a bondade de se levantar.
Foi admittida, e ficou em discussão.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. Cypriano Jardim.
O sr. Cypriano Jardim (relator): - Sr. presidente, eu pedi a palavra, como relator do parecer, para declarar que o relatorio a que o digno par sr. conde de Thomar se refere está nesta camara ha alguns dez dias, pois foi presente á commissão de guerra logo na primeira reunião que ella teve para se occupar do projecto que acaba de ser posto em discussão; a commissão tomou conhecimento delle e depois disso nem o relatorio foi para casa do relator, nem para a de nenhum dos membros das commissões reunidas. Voltou para a secretaria da camara, onde tem estado; assim parece-me que tem havido nos dez ou doze dias que
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decorreram de então até hoje, com algumas sessões intercalladas, tempo sufficiente para ser examinado por qualquer membro da camara que o quizesse fazer.
Parece que o meu digno collega indica que me acha em contradicção, mas a verdade dos factos é esta.
O sr. Conde de Thomar: - Eu peço a v. exa., sr. presidente, que me diga se, por parte da mesa ou da commissão, foi informada a camara de que o relatorio do sr. commissario régio tinha chegado a esta camara, ou estava sobre a mesa.
O sr. Presidente: - O relatorio a que s. exa. se refere, foi, a requerimento da illustre commissão de guerra, requisitado á camara dos senhores deputados, que immediatamente o enviou a esta camara ficando na sua secretaria á disposição das illustres commissões, que conheceram do projecto, achando-se hoje sobre a mesa, como informei o digno par e a camara.
O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, então v. exa. diz que o relatorio foi requisitado pela commissão e que só hoje veiu para a mesa, e o digno par relator da commissão disse que está na mesa ha dez ou doze dias? O facto é que eu tambem requisitei esse relatorio, e só hoje soube que elle tinha chegado á camara.
É evidente que entre a opinião de v. exa. e a do sr. relator, ha uma divergencia e, que a verdade é que a camara não foi informada de estar sobre a mesa o relatorio. Como a verdade é só uma, a conclusão é que houve equivoco por parte do sr. relator, afirmando que o relatorio estava na mesa.
O sr. Jardim (relator): - Perdão, eu. não disse que o relatorio estivera na mesa, disse que estava na secretaria da camara desde que pela commissão de guerra foi consultado.
E de mais, seja chamado o chefe da secretaria para se ver se isto é ou não exacto.
O sr. Conde de Lagoaça:- É que v. exa. não se lembra do que disse.
O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, o sr. relator diz agora que o relatorio estava na secretaria desta camara, mas as primeiras palavras de s. exa. não foram essas.
Comtudo, para o que principalmente eu pedi de novo a palavra, foi para dizer que não concordo com a classificação que a mesa deu ao meu requerimento.
O que eu tinha em vista era requerer que seja adiada a discussão emquanto a camara não tomar conhecimento do relatorio.
Entretanto, sr. presidente, sei que nestas assembléas, quem tem rasão é quem tem o numero. A camara tomará de certo uma resolução, que ha de estar em harmonia com as vistas do relator e do governo, e, por isso, acho inutil insistir neste assumpto, pois as melhores rasões não prevalecerão contra a força do numero.
O sr. Conde de Lagoaça: - Pedi a palavra simplesmente para insistir sobre o que acaba de dizer o digno par e meu amigo o sr. conde de Thomar.
Mais uma vez se observa o que se tem notado aqui em geral este anno: o relator da commissão estar em desaccordo com o governo ou com a mesa.
S. exa. acaba de dizer que o relatorio estava sobre a mesa da camara e o sr. presidente diz-nos que o relatorio só hoje foi para a mesa.
O sr. Cypriano Jardim (relator): - O que eu disse foi que o relatorio estivera sobre a mesa da secretaria desta camara, onde os dignos pares o poderiam consultar como se faz com os documentos dos ministerios.
O sr. Conde de Lagoaça (continuando): - V. exa. quereria dizer isso; mas as suas palavras não corresponderam ao seu pensamento nem á sua intenção.
O caso é que o relatorio não esteve na mesa antes de hoje, e que, de mais a mais, depois de um digno par o ter pedido, não foi participado á camara que tal documento havia sido recebido.
Por consequencia, nós não temos bases sobre que possa assentar a discussão do projecto.
Ora, se o projecto não tivesse referencias a nomes, se fosse generico, poder-se-iam dispensar os documentos, mas como o governo, contra todas as praxes, traz um projecto como este enumerando nomes, é claro que nós precisamos saber quaes foram as rasões differenciaes da recompensa; saber a rasão por que se dá 500$000 réis a A e 300$000 réis a B.
É preciso que isto se saiba e sem sombra de politica, porque politica não póde haver em assumptos desta ordem.
Por consequencia, entendo, como o sr. conde de Thomar, que o projecto deve ser adiado até que a camara tome conhecimento das rasões que levaram o governo a apresentar ao parlamento este projecto de lei.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção sobre a proposta do sr. conde de Thomar, mas antes de a pôr á votação permitta-me a camara que, visto o digno par haver insistido em classificar de requerimento, e não de proposta, o adiamento que apresentou, eu me julgue obrigado a ler o artigo 57.º do regimento.
"Tambem em qualquer estado da discussão se póde propor o adiamento, ou por essa discussão não ser conveniente ao bem do estado, ou por não se achar a camara suficientemente informada, ou ainda por alguma0 outra circumstancia muito attendivel. O adiamento póde ser indefinido ou temporario, e cada par tem direito a propol-o; mas para entrar em discussão é necessaria uma previa decisão da camara; se for admittido, tomará o logar da questão a que é substituido, e será resolvido antes della."
Parece-me que este artigo plenamente me justifica.
Vae ler-se agora a proposta do sr. conde de Thomar.
Leu-se na mesa.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a proposta, tenham a bondade de se levantar. Foi rejeitada.
O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, começo por declarar mais uma vez que em principio não concordo com este processo, usado pelo governo, de premiar com dinheiro os altos feitos e gloriosos serviços que os nossos heróicos soldados prestaram á patria, com risco das suas proprias vidas. Todavia, sr. presidente, entendo que tudo quanto se possa dar áquelles gloriosos soldados, é pouco. Se estivesse na camara dos senhores deputados, quando ali se discutiu este projecto, tel-o-ia combatido e rejeitado; como, porem, já ali fosse approvado, não quero que se diga que a camara dos dignos pares tende a levantar qualquer dificuldade politica ao governo em assumptos tão momentosos.
É esta a minha opinião pessoal: e por isso approvo o projecto.
Na distribuição destas graças e destas pensões, como de outras que se teem dado aos expedicionários, tem havido a confusão, o tumulto, e, por vezes, sr. presidente, uma grande injustiça relativa. (Apoiados.)
É possivel que discuta e aprecie este ponto, só tiver novamente de usar da palavra. Por agora, limito-me a formular algumas perguntas ao governo.
Para mim, nesta questão das recompensas, ha um ponto grave e principal, ha um ponto agudo, que é a promoção por distincção em campanha ao coronel Galhardo e a Mousinho de Albuquerque.
Neste assumpto hei de conservar toda a serenidade e empregar todos os esforços para não me desviar desse caminho, ainda que me custe, porque quero ver se levo o convencimento ao animo de alguem para que saia da teimosia em que está, se o posso resolver, embora tardia-
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mente, a pagar a divida de honra que a nação tem em aberto para com esses dois valentes expedicionarios.
Não ha senão contradicções nas palavras do governo, que se tem mostrado teimoso e rebelde ao pagamento dessa divida.
Especialmente a situação do sr. ministro da guerra que, entre os membros do governo, se collocou em evidencia, pelo papel que tomou nesta questão, é desgraçada. S. exa. não póde justificar-se de maneira alguma; por mais que faça, por mais que diga, não póde descobrir uma unica sombra de rasão seria, admissivel, pela qual possa trazer o convencimento ao animo de quem o escuta.
A rasão de que o governo se desinteressou dos postos de accesso, por que o coronel Galhardo procurou particularmente o sr. presidente do conselho para lhe pedir que sobreestivesse no caso, é pueril, é uma rasão que não devia ser trazida para o parlamento.
A questão é grave e seria, e não deve resolver-se com argumentos pueris, com sophismas, com trapalhadas.
Sr. presidente, o sr. ministro da guerra, em 23 de janeiro ultimo, levou á camara dos senhores deputados uma proposta de lei, estabelecendo postos de accesso por distincção em campanha. Era uma proposta que estava no animo, no sentir geral do paiz, e s. exa., quando a apresentou, correspondeu aos desejos da opinião publica 5 mais tarde, porem, desistiu dessa proposta.
Devo advertir v. exa. e a camara que não percebo nada deste singular - procedimento.
Para que levou, então, o sr. ministro da guerra essa proposta á outra casa do parlamento? Quem é que s. exa. queria enganar?
É esta a primeira pergunta que eu faço ao governo.
O governo declara ao parlamento que os expedicionarios se portaram com valentia extraordinaria, que salvaram a honra do paiz, que mantiveram com denodo e verdadeiro esforço a integridade da patria, que asseguraram o nosso dominio nas regiões africanas; mas se nós lhe dizemos que de postos de accesso ao coronel Galhardo, esse militar brioso, que foi o chefe da expedição, e ao capitão Mousinho de Albuquerque, esse extraordinario heroe, o que diz o sr. ministro da guerra?
S. exa. disse na outra casa do parlamento, segundo eu vi pelos extractos, que os postos de accesso por distincção só deviam ser concedidos em casos extraordinarios.
Parece-me, sr. presidente, em vista das manifestações do governo, do paiz inteiro e até do proprio chefe do estado, que se mostrou tão expansivo nas ruas, nos jantares e no theatro onde assistia a uma representação, pois que, assomando á frente do seu camarote, levantou vivas ao exercito e á armada; parece-me, dizia, que era vista de tantas manifestações de regosijo pelo brilhante feito das nossas armas não seria muito o conceder-se dois postos de accesso por distincção ao illustre chefe da expedição militar o sr. coronel Galhardo, e ao valente capitão Mousinho de Albuquerque.
Póde por acaso o sr. ministro da guerra contestar que seja um feito extraordinario o acto praticado pelo capitão Mousinho de Albuquerque, um acto de verdadeiro heroismo?
Não posso acreditar, não posso crer que haja coração portuguez que não palpite de enthusiasmo pelos feitos de heroismo praticados por este valente official, mormente o sr. ministro da guerra, que eu reconheço como homem intelligente e de caracter probo e desinteressado.
O illustre ministro não concedendo o gosto de accesso ao sr. Mousinho de Albuquerque, fica em contradicção comsigo mesmo e torna-se necessario que o paiz saiba o motivo desta contradicção.
Ao parlamento assiste o direito de o exigir, porque o illustre ministro não só em resposta a um sr. deputado, mas na sua proposta de lei de 23 de janeiro, diz no artigo 1.°:
"O official que pratique um feito distincto em combate ou que no desempenho de um serviço que lhe seja commettido em campanha, concorra, pelo seu valor e coragem, para o bom exito das operações, póde ser promovido por distincção ao posto immediato."
Diga-nos pois o illustre ministro: o sr. coronel Galhardo e o capitão Mousinho de Albuquerque não estão nos casos de receber esta concessão?
Porventura o sr. coronel Galhardo, no desempenho da commissão que lhe foi confiada, não se tornou digno desta recompensa?
Eu sei que ha muita gente que diz que se a politica se não tivesse mettido nesta questão, o caso teria corrido de maneira diversa. Mas, sr. presidente, isto é uma banalidade, não é de homens que se prezam. A politiquice a que o digno par, o sr. Thomás Ribeiro sé referiu, é outra cousa. Chegam os nossos soldados, todo jo paiz estremece de jubilo, e, comtudo, passaram-se dias e dias, sem que sejam galardoados os seus feitos! O que mais ainda faz realçar esses feitos é o desastre soffrido ha pouco tempo por uma nação amiga, pelo menos até ha pouco tempo era amiga; - não sei se é ainda, os srs. ministros que o digam.
Se tivéssemos tido um desastre identico, eu não sei o que seria de nós; onde estaria o governo e onde estariamos nós todos?
O que seria de Portugal se tivéssemos um desastre similhante ao que soffreu o exercito italiano na Abyssinia?
Pois o que é certo é que os nossos expedicionarios salvaram a honra nacional, levantaram o nome portuguez e mantiveram a integridade da patria, praticando um dos actos mais gloriosos que se têem praticado desde que o mundo é mundo. (Apoiados.)
Ê triste que haja um governo de uma nação que venha denegrir esse acto, esses gloriosos serviços, negando a quem os praticou o que lhe devia dar.
Conheço só uma hypothese em que se não devia dar um posto de accesso: era a de se darem a um official dois postos, e não seria de mais.
O sr. presidente do conselho, referindo-se a uns artigos do Diario popular, disse que elles accusavam falta de patriotismo.
Neste assumpto o governo não póde accusar ninguem. Falta de patriotismo é o seu proprio procedimento.
Estamos dando este triste espectaculo ao mundo civilisado, porque o mundo civilisado tomou conhecimento dos nossos feitos militares, por intermedio dos seus agentes no ultramar.
Pois é preciso que alguem venha pedir ao governo que devidamente galardoe quem deve galardoar? Aquelles heroes que arriscaram a vida, que praticaram actos de tal valor que chegam a parecer impossiveis!
É preciso que eu aqui lhes venha pedir, de joelhos, que cumpram o seu dever!
É extraordinario!
É por isso que eu peço ao sr. ministro da guerra, que é um homem de bem, que me diga o que ha por detrás disto tudo.
Alguma cousa deve haver.
O sr. ministro apresentou um projecto á camara e nelle entendia que se devem dar postos de accesso por distincção em campanha.
Mas não os quer dar ao coronel Galhardo e ao capitão Mousinho.
Logo, não considera distinctos os feitos praticados em campanha por Mousinho e Galhardo.
Eu peço a attenção da camara para este ponto.
Como é que se combina a theoria apresentada nessa proposta de lei, com o facto do governo querer sonegar aquillo que é de tanta justiça conceder?
É extraordinario o modo como se elaboram propostas de lei, a leviandade com que se escreve e falia!
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Disse s. exa. que no largo periodo de paz que temos gosado, nunca mais se tornou a fallar em posto de accesso. Era uma idéa posta de parte. Pois bem! Eu lhe vou mostrar o contrario, até com a legislação recente.
O sr. José Dias Ferreira já notou, na camara dos senhores deputados, uma das erradas affirmações do sr. ministro da guerra, e eu vou notar e insistir noutra.
O decreto de 10 de setembro de 1846 diz o seguinte:
"Artigo 3.° § 2.° Os officiaes que forem despachados ficando pertencendo ao exercito de Portugal ou á armada, terão direito ás promoções que houverem nos corpos ou estados maiores das provincias ultramarinas em que servirem, quer seja por antiguidade e mais requisitos legaes, quer por distincção em serviço extraordinario.
"§ 3.° Se a promoção for por distincção no campo da batalha, ou em combate naval, serão tambem por isso extraordinariamente promovidos ao posto immediato que lhes couber no exercito ou na armada do reino."
Ora, uma rasão haveria para que o sr. ministro da guerra não citasse este decreto.
Quer v. exa. saber quem o assigna?
É o visconde de Sá da Bandeira e Mousinho de Albuquerque.
Notavel coincidencia!
Sinto não ter dotes oratorios para nesta occasião pôr em parallelo aquelles dois ministros com as figuras mais salientes que teem tomado parte nesta malfadada questão.
Quando Mousinho de Albuquerque assignou o decreto de 1846 mal imaginaria que, passados cincoenta annos, una dos mais humildes representantes da nação, sem auctoridade propria, havia de estar aqui a esfalfar-se e a pedir de joelhos ao governo que transigisse commigo nesta malfadada questão. Mal imaginava elle que eu havia de estar aqui a chorar, a implorar que se desse um posto de accesso ao descendente daquelle que morreu em Torres Vedras atravessado por uma bala. Mas o Mousinho actual foi ainda mais feliz, porque praticou o acto mais glorioso da nossa moderna historia militar.
Mas vamos ver se legislação ainda mais recente que a de 1846 falla ou não em postos de accesso.
Vou citar o decreto de 10 de janeiro de 1890. É de outro dia ainda.
Tenho aqui o Diario do governo para que a camara não julgue que isto é uma mystificação.
"Artigo 21.°, § 2.° A pena de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos inhabilita o official de ser promovido, salvo por distincção em campo de batalha, e, quando imposta a praças de pret, produz a baixa de posto e tem como accessoria a pena de tres annos de deportação militar."
E disse s. exa. que neste largo periodo de paz nunca mais se fallou em postos de accesso!
Sr. presidente, affirmar que Mousinho de Albuquerque devia ter um posto de accesso em campo de batalha, é uma cousa que está no animo de todos, e tenho a certeza mathematica, posso jura-lo á face de Deus, que todos estão convencidos de que se devia dar essa distincção ao glorioso soldado do nosso exercito. Todos, menos agora o nobre ministro da guerra!
Mas, sr. presidente, atrás de tudo isto está qualquer cousa que s. exa. devia dizer, e não tem dito.
Eu não queria referir-me a conversações particulares que tive com alguns dos srs. ministros.
Mas sempre direi que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, num dos corredores, do theatro de S. Carlos, o primeiro telegramma em que se noticiava a prisão do Gungunhana, e o segundo em que se dava conta de que tinham sido fuzilados dois indunas na presença de 3:000 vátuas,- e de que o Gungunhana havia sido conduzido a Lourenço Marques, sempre quero dizer, repito, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros me disse por essa occasião. Muito commovido: "Eu sou um homem blasé. Mas isto dá-me vontade de chorar, porque é uma verdadeira epopêa".
O sr. Conde de Thomar: - Bem recompensada!
O Orador: - É uma verdadeira epopêa, mas só o sr. ministro da guerra não pensa assim.
Não é porque s. exa. não seja um valente militar, um distinctissimo official do nosso exercito, e não fosse capaz de praticar actos como aquelles que ultimamente os nossos expedicionarios, praticaram em África; é porque ha qualquer cousa que é preciso que se saiba, e que s. exa. deve dizer.
O meu desejo é que s. exa. fique bem collocado nesta questão.
Se é preciso sacrificar a sua pasta, sacrifique-a, porque s. exa. não tira dessa sua posição nem honra, nem proveito.
Sr. presidente, o que ninguem póde deixar de reconhecer é que o capitão Mousinho de Albuquerque, pelo seu acto de bravura, merece um posto de accesso, e que igualmente o merece o coronel Galhardo, commandante da expedição, á qual prestou relevantissimos serviços, concorrendo prestigiosamente pela sua coragem para o bom exito das operações.
Por isso eu proponho simplesmente o posto por distincção para o coronel Galhardo e o capitão Mousinho de Albuquerque,
Mas, sr. presidente, diz o sr. ministro da guerra que a respeito das recompensas aos expedicionarios procedeu de accordo com o relatorio do sr. Antonio Ennes.
Eu não sei o que o sr. Ennes diz no seu relatorio; mas tenho presente umas informações que vou ler, informações que vieram publicadas num jornal, cujo director politico me affiançou terem sido copiadas daquelle relatorio.
Vejamos o que aqui se diz.
(Leu.)
Sr. presidente, não insisto sobre este ponto.
Não estou aqui a fazer politica, e muito menos politiquice.
Escusa o sr. ministro da guerra de estar a tomar notas porque eu não insisto sobre este ponto.
Mas vou acabar a leitura.
(Continua a ler.)
Aqui se diz que o coronel Galhardo commandou com inexcedivel sangue frio.
É o mais que se póde dizer de um commandante.
(Continua lendo.)
Que mais quer v. exa., sr. ministro da guerra?
Que mais quer o governo?
Diga-me a camara, diga-me o paiz, diga-me quem me escuta, se não ha alguma cousa por detrás da insistente recusa do governo em conceder postos de accesso!
Ha de certo muita cousa que eu desconheço, mas que é preciso que se saiba para que, ao menos, se salve o decoro do paiz e a dignidade do governo, que está seriamente campromettida nesta questão.
Deus me livre de trazer para a camara o boato que por ahi corre a respeito de consultas feitas pelo nobre ministro aos coroneis dos corpos.
Deus me livre, repito, de referir aos dignos pares o que por ahi se diz. Não o direi, salvo se a resposta do sr. ministro da guerra a isso me obrigar.
O sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - É melhor que v. exa. diga tudo, e já.
O Orador: - Não quero dizer, porque eu não estou animado de intenções hostis para com quem quer que seja
Ninguem lucra com as referencias que eu faça ao que por ahi se diz.
Eu não perdia nada, mas podia perder o prestigio do paiz, o do parlamento, o prestigio do governo e até o do proprio exercito, que é uma, corporação que eu respeito muitissimo,
Nada direi por emquanto; mas é preciso que o governo,
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com o seu procedimento, não venha como que justificar o que por ahi se diz.
Que mais precisa e governo?
Eu não quero entrar em mais largas considerações, e, por. isso, restrinjo por agora ò muito que poderia dizer; mas pergunto ainda: não praticaram Galhardo e Mousinho, feitos distinctos, pelos quaes se julgou dever dar-lhes o maximo da pensão?! Pois se é o proprio projecto que o reconhece?!
Não se tornaram ambos distinctos em campanha?
Que mais provas são precisas?
Serão precisas ainda novas provas?
Quer p governo que o coronel Galhardo volte outra vez para a África?
Parece ser este o desejo do governo.
Pois eu entendo que era até um dever repatriar Mousinho de Albuquerque, não consentir que elle morra minado pelas febres ou atravessado por uma bala.
Póde ser que o valor e a coragem deste bravo militar o levem a esse triste estremo, mas o governo, por isso mesmo, devia repatria-lo quanto antes.
Chega a parecer que ha má vontade contra este brioso official! Naturalmente não ha, mas parece-o bem.
Pois não estava naturalmente indicado, visto que Mousinho de Albuquerque, alem de ser um valente militar, é um homem intelligente, o que se revela nas cartas que tem escripto para aqui, não estava naturalmente indicado, repito, dar-lhe o logar de secretario geral ou de governador de Moçambique?
Não estava este distincto official naturalmente indicado para este alto cargo, pelo seu valor, pelo seu prestigio, pela bravura de que deu uma tão indiscutivel prova?
Não nomearam governador de Moçambique o sr. Mousinho, e deixam lá um secretario geral, muito bom empregado, de certo, embora eu o não conheça, mas um secretario geral interino, que é um tenente, ás ordens do qual tem de servir o capitão Mousinho de Albuquerque!
E depois, sr. presidente, não se deve considerar apenas o valor desse homem, mas tambem a sua abnegação no meio do seu grande triumpho. (Apoiados.) É de uma virtude civica quasi superior ao valor que elle demonstrou. (Apoiados.)
Não é dos nossos tempos, não é dos nossos dias uma abnegação de tal magnitude.
Pratica o acto brilhantissimo que de todos é conhecido, e deixa-se lá ficar, e não quer vir receber as ovações espontaneas que elle sabia com certeza lhe seriam dispensadas logo que desembarcasse em Lisboa, ou em qualquer outro ponto do paiz.
Isto deve calar no animo da camara, deve calar no animo do governo, como tem calado no animo do paiz.
O sr. ministro da guerra nada tem que responder a isto.
Não é pela minha dialectica, que não vale absolutamente nada; mas é pela verdade dos factos, que se impõe tão claramente, tão evidentemente, que falla tanto ao entendimento de cada um, tanto ao coração de todos, que s. exa. não tem uma unica rasão plausivel para me responder; tudo o que disser serão frivolidades, cousas de nada que eu reduzirei certamente a pó, quando ouvir a sua replica.
Esta questão não póde ficar assim. A teima, a birra do governo, ou do ministro, que não dá uma rasão clara de não fazer aquillo que é do seu dever, aquillo que a nação exige terminantemente, não se póde tolerar nem admittir.
Fechem a camara, mandem-me embora, mas ao menos ei de protestar emquanto poder.
Então, porque o sr. ministro da guerra amua e diz "não quero", havemos nós de estar sujeitos á vontade e opinião do governo?!
Eu appello para os srs. ministros que, apesar dos seus erros politicos, são homens honrados e teem feito uma administração honesta; faça-se justiça a quem de direito
pertence. S. exas., são leaes. Têem errado, porque todos erram, mas teem coração, são patriotas. Por isso appello para os srs. ministros. Arranquem, muito embora, o voto da sua maioria nas questões politicas, mas neste assumpto, que é de interesse nacional, façam a questão aberta e verão a votação que teem. Fica mal a esta camara ser, neste ponto, chancella subserviente da birra e teima de um ministro.
Isto não póde ser assim.
Já noutro dia appellei para o illustre almirante José Baptista de Andrade, e fa-lo-hei novamente hoje. Nunca é de mais exaltar aquelles que bem serviram a patria.
S. exa. não precisa dos meus louvores, tão desauctorisados são. Não os quer para nada, mas apraz-me exaltar sempre quem, com tanto denodo, e por tantas vezes, arriscou a sua vida pela patria.
Por isso appello para s. exa. para que ponha, ao lado da causa que defendo, toda a sua auctoridade, que é muita, porque é sempre muita a auctoridade dos heroes.
Nós tambem somos patriotas, mas como simples dilletanti, ao passo que s. exa. assistiu aos perigos, as balas já lhe assobiaram aos ouvidos. Por isso teve s. exa. dois postos de accesso, e muito bem. (Apoiados.) No seu tempo não havia ministros que hesitassem em conceder-lhos. -
O sr. Conde de Thomar: - Pensava-se de outro modo nesse tempo.
O Orador: - Nesse tempo não havia ministros teimosos nem rabujentos. Olhava-se para a patria, para a bandeira portugueza, e via-se que ella tremulava altiva, pelos feitos gloriosos praticados.
Hoje, porem, não succede o mesmo.
A proposito, citarei á camara um acto deveras glorioso, praticado pelo illustre almirante José Baptista de Andrade. Que mo desculpe a sua modéstia.
Contou-me o facto um official de marinha.
Estando s. exa. fundeado no seu pobre navio - porque são sempre pobres, ainda que resistentes e honrados, os navios da nação portugueza- em um porto das nossas possessões, viu que de bordo de um navio inglez, tambem ali fundeado, se entretinham atirando ao alvo, a uma bandeira portugueza.
O sr. Baptista de Andrade: - Peço perdão a v. exa., mas não é exactamente assim. Era um alvo que tinha as duas cores, azul e branca, mas não era a nossa bandeira.
O Orador: - Em todo o caso, o animo do valente almirante, que nesse tempo era simples official, não soffreu que houvesse alguem que se lembrasse, sequer, de fazer de um trapo azul e branco, um alvo.
Eu creio que s. exa. declarou nessa occasião que, ou não fizessem alvo daquelle trapo azul e branco, só porque eram as nossas coôes nacionaes, ou então que iria com o seu pequeno navio antepor-se a esse alvo, e se quizessem lhe atirassem a elle.
Este é um facto que demonstra a tempera de s. exa. e o seu culto pela bandeira da patria.
Pois admira que o illustre almirante não visse agora na commissão de guerra, que não se galardoando condignamente o heróico Mousinho de Albuquerque, se praticava um acto similhante ao de atirar á bandeira portugueza, por elle tão nobremente defendida e exaltada.
O sr. almirante Baptista de Andrade, um bravo que pelo seu denodo teve dois postos de accesso por distincção em combate, - se nisto attentasse bem, - tinha auctoridade para se impor ao sr. ministro da guerra.
Então uma commissão que tem como membro um bravo que venceu dois postos por distincção em campanha, não ha de lavrar parecer favoravel a um projecto que conclue por dar postos de accesso a dois bravos, que tão brilhantemente acabam de honrar a patria e faze-la respeitar!
Uma voz: - Isso não está ainda em discussão.
O Orador: - Não está, bem sei, o meu projecto não está em discussão, nem me parece que venha a estar. Mas
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SESSÃO N.º 20 DE 9 DE MARÇO DE 1896 209
por isso mesmo eu desejo perguntar ao governo se este projecto que estamos discutindo prejudica o meu.
Sr. presidente, vou terminar por agora, comquanto, repito, tenha provavelmente de tomar de novo a palavra neste debate.
Tudo isto que eu disse está na consciencia e na mente de todos, e até appello para a propria opinião do sr, ministro da guerra.
Portanto, concluo perguntando a s. exa. se está ou não convencido de que se devem dar postos de accesso ao coronel Galhardo e ao capitão Mousinho de Albuquerque. Está, ou não está?
Se não está, quaes as rasões porque?
Se está, porque se lhes não dão?
O sr. Moraes Carvalho (por parte da commissão de fazenda): - Mando para a mesa o parecer sobre o projecto relativo á contribuição industrial.
Leu-se na mesa, e foi a imprimir para ser distribuido.
O sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - Diz que ha tempo um jornal, a cujo redactor o ligam relações de amisade, publicara um artigo aventando a idéa de que o accesso ao generalato fosse feito por escolha e não por antiguidade.
A opinião publica mostrara-se alvoroçada contra esse alvitre.
Conhecia a opinião publica, e, por isso, embora reconhecesse as vantagens da promoção por escolha, não apresentaria nenhuma proposta nesse sentido.
Mas estranhava que a opinião publica, que hontem reprovava o accesso ao generalato por escolha, quizesse hoje dar postos de accesso por distincção, o que era a mesma cousa.
Deplora que a politica se tivesse intromettido no assumpto das recompensas aos expedicionarios; se assim não tivesse acontecido, talvez que, fria e serenamente, podessem essas recompensas ter sido ainda melhor harmonisadas com os principios da justiça.
Não tem que defender o projecto, porque o digno par, o sr. conde de Lagoaça, não o atacou. S. exa. apenas dissera que não sympathisava com o principio de galardoar serviços militares com dinheiro. Mas lembrasse-se o digno par de que o facto não era novo, nem em Portugal, como o provava o que acontecera com Napier e os marechaes duques de Saldanha e Terceira, nem na Allemanha, com Bismark e Moltke, sendo que estes ultimos receberam recompensas pecuniarias, ainda que por uma só vez.
O governo era o primeiro a reconhecer os altos e gloriosos serviços dos expedicionarios. Entre esse reconhecimento, que é sincero e profundo, e a apresentação deste projecto, não ha contradicção alguma, como o digno par
quiz ver, porque o governo, reconhecendo aquelles serviços, quer e vem recompensa-los.
Deve, porem, dizer com inteira franqueza que os postos por distincção têem muitos defeitos, e podem ter ainda maiores inconvenientes.
Dará um exemplo. O sr. major Machado, cujas distinctas qualidades militares reconhece e respeita, já foi promovido por antiguidade a tenente coronel; se tivesse sido promovido por distincção, apenas teria adiantado na sua carreira uns cincoenta dias, prejudicando sómente um camarada.
Se, porém, o sr. Couceiro, a quem tambem se refere elogiosamente, houvesse tido um posto por distincção, teria adiantado uns doze ou quinze annos, e haveria prejudicado uns oitenta camaradas.
Bastaria apontar este facto, como exemplo da desproporção a que a promoção por distincção poderia dar logar.
Foram brilhantissimos os serviços prestados ao paiz pelos bravos expedicionarios. Mas por isso mesmo que a todo o paiz tinham sido feitos, todo o paiz os devia recompensar, e não apenas o exercito.
Disse s. exa. que se desinteressara do projecto apresentado na outra camara pelo sr. deputado Arroyo, porque o sr. coronel Galhardo havia procurado o illustre presidente do conselho a fim de lhe pedir que empregasse a possivel influencia para que esse projecto não proseguisse.
(Como desse a hora, s. exa. ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)
O sr. Presidente: - Fica s. exa. com a palavra reservada.
A seguinte sessão é amanhã, e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes á sessão de 9 de março de 1896
Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Gouveia, de Lagoaça, de Thomar; Bispo de Beja; Viscondes, de Athouguia, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Palmeirim, Cypriano Jardim, Ernesto Hintze Ribeiro, Margiochi, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, Pessoa de Amorim, Marçal Pacheco, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro.
O redactor = Alberto Pimentel.