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SESSÃO N.° 20 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1907 187

como representantes do poder central, teem de ser autónomas no exercicio das suas funcções.

Se nenhuma auctoridade pode ser perturbada no exercicio das suas funcções por qualquer acto ou resolução do poder judicial, o corollario ou consequencia lógica que d'ahi deriva é que a garantia administrativa é necessaria. (Apoiados).

As auctoridades administrativas, em muitos casos, procedem por iniciativa e alvedrio seu, em presença das circumstancias que se dão; mas, em muitos outros, se tiveram ensejo de consultar os seus superiores hierarchicos e d'elles receber instrucções, procedem em cumprimento de ordens recebidas. N'este caso, embora à primeira responsabilidade seja d'essas auctoridades, essa responsabilidade vae até o Governo.

Quando se tenta qualquer acção contra essas auctoridades, se o Governo approva o seu procedimento, a responsabilidade é do Governo e só contra o Ministro se pode proceder; se, porem, entende que a auctoridade abusou ou foi alem do que era necessario em defesa dos interesses do Estado para a manutenção da ordem, deixa proseguir a acção e o processo continua.

Precisamente n'isto é que está a garantia administrativa.

Como é, portanto, que se pode proceder contra essas auctoridades, se ellas não fizeram mais que cumprir ordens recebidas e se foram simplesmente executorias de mandados do poder executivo?

Como podem ser responsaveis essas auctoridades se a ellas lhes não é permittido reagir?

Desde que a responsabilidade não é das auctoridades, mas sim de quem dá as ordens, como é que se lhes pode impor pena ou processo?

Ora, se assim é, a ausencia ou suppressão da garantia administrativa representa um vexame injustificavel para as auctoridades. (Apoiados).

Mas não é só este o inconveniente da abolição da garantia administrativa.

Qual é a funcção mais importante que os delegados do Poder Executivo teem. a cumprir?

É a manutenção da ordem publica. E, para isso, é indispensavel que as auctoridades administrativas tenham força, prestigio e valimento para se sairem airosamente de conjuncturas que, por vezes, são difficeis e embaraçosas.

É indispensavel, portanto, que as auctoridades estejam a coberto das responsabilidades que lhes queiram attribuir.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Apoiado, apoiado.

Orador: — As auctoridades administrativas, não estando a coberto das responsabilidades que lhes queiram assacar, entibiam-se, altera-se-lhes a força que dimana da propria auctoridade, o que é extremamente grave quando se trata de assumptos de ordem publica, nos quaes, muitas vezes, as paixões se incendeiam ou se chocam mais ou menos violentamente.

E é sabido que a manutenção da ordem social é indispensavel ao bem commum.

Como ha de um funccionario administrativo, de ordem inferior, ter a precisa resolução, energia, actividade e desembaraço para cumprir a sua missão: affrontando paixões e dificuldades que o enroscam, se não tiver deante de si uma garantia que lhe dê força e estimulo para proceder, em momentos ás vezes decisivos, não só para a propriedade mas para a vida dos cidadãos? (Apoiados).

Disse que para isso lá estão os tribunaes.

Posso não ver bem; mas pergunto: quem é que não erra?

Tenho o poder judicial na consideração que lhe é devida pela auctoridade, rectidão e imparcialidade dos seus julgamentos ; presto inteiro preito de homenagem ao poder judicial que, por meio dos tribunaes competentes, pode resolver como julgar mais conveniente.

Mas é de facil intuição que um juiz, por ser juiz, não é infallivel, porque a fallibilidade é propria da natureza humana. (Apoiados).

De errar ninguem está isento; e a certeza absoluta nunca existiu nem pode exislir.

Se existisse a certeza absoluta não eram necessarios os recursos de um tribunal para outro, e quantas vezes mesmo no Supremo Tribunal as opiniões divergem, os criterios são difficeis e as resoluções são influenciadas devido á divergencia de criterios e de opiniões? (Apoiados).

Se assim é, por que é que se ha de fazer intervir o poder judicial em assumptos que muitas vezes teem um caracter politico?

Creio que a intervenção do poder judicial em taes assumptos representa um erro. O poder judicial é uma força que merece, sem duvida, a consideração e o respeito de todos, mas é necessario afastá-lo das questões politicas, nas quaes muitas vezes a razão se transvia e a lucidez do criterio se perde.

Pergunto: perante quem responde o poder judicial?

Perante ninguem.

O poder judicial é absolutamente soberano; só em casos restrictos ou especiaes é que a Constituição dá ao Chefe do Estado o direito de intervir, ou para commutar as penas, ou para conceder amnistia ou perdão.

O poder judicial é um poder ao

qual ninguem pode tomar contas, o que é um bem, mas será bom tambem não alargar o absolutismo da sua acção, affectando a pela politica.

O poder administrativo tambem tem a sua hierarchia,. Mas não tem resoluções decisivas, absolutas, porque lá estão as Côrtes para lhe tomar conta dos seus actos na pessoa dos governantes. Levanta-se uma accusação contra uma auctoridade qualquer.

Supprime-se-lhe a garantia. É levada aos tribunaes, e sobre que assentam estes a presumpção de direito para, o fim de pronunciarem ?

Sobre a accusação, e, como o accusado cão foi ouvido, é de ver como se torna facil no campo politico formular accusações.

Que de excessos e de abusos se podem praticar!

Não vejo, portanto, que haja motivo ou fundamento solido para que se destrua a garantia dos funccionarios administrativos; e não ha nada peor do que o Estado tirar força, energia e prestigio aos representantes do poder executivo, na sua respectiva escala de funcções, deixando uma porta aberta para, n'um dado momento, localizar a acção das auctoridades.

Analysando detidamente os perigos que existem na entrega do julgamento de questões politicas aos tribunaes, tratarei de ver se o projecto em discussão é uma medida justificativa do programma do actual Governo, para o que basta-me percorrer rapidamente os differentes diplomas publicados referentemente á garantia administrativa desde o principio do regimen constitucional.

No decreto de 16 de maio de 1832, firmado por Mousinho da Silveira; no decreto de 1835, assignado por Rodrigo da Fonseca Magalhães; no Codigo Administrativo de 1836, devido a Manoel da Silva Passos; no decreto de 1842, de Costa Cabral, e nos codigos penaes de 1852 e 1886 está assegurada a garantia administrativa, não se podendo accusar de falta de liberalismo homens como Mousinho da Silveira, Rodrigo da Fonseca Magalhães e Manoel da Silva Passos.

A doutrina não pode ser outra: quem é inferior, cumpre; quem manda, toma a responsabilidade. Este é o principio fundamental de toda a nossa organização social.

Ou revogamos o Codigo Penal, ou temos de conservar a garantia dos funccionarios.

Que se conclue? Que todos os criterios historicos da nossa politica quando a fé era viva e ardentes as crenças, chegando ao sacrificio da propria vida, eram accordes no principio que se pretende agora abolir.

Rodrigues Sampaio, no codigo de