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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 20

EM 22 DE JUNHO DE 1908

Presidencia do Exmo Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta.— Expediente.— Teve segunda leitura o projecto do lei apresentado na sessão antecedente pelo Digno Par Francisco. José Machado, e foi enviado á commissão respectiva. — O Digno Par José de Azevedo Castello Branco participa achar-se constituida a commissão de administração publica. — O Digno Par Visconde de Monte - São justifica asfaltas a algumas sessões por incommodo de saude e agradece aos seus collegas que se interessaram pelas suas melhora -— O Digno Par Sebastião Baracho refere-se a disposições do concurso para a adjudicação do Theatro de S Carlos, protesta contra a censura theatral exercida pelo chefe da policia administrativa em relação a uma peça intitulada o Triunfo; critica o decreto de 23 de abril do corrente anno referente aos cadastros, allude a arbitrariedades praticadas pelo Juizo de Instrucção Criminal, deplora a demora da publicação da syndicancia ás occorrencias de 5 e 6 de abril ultimo, pede o repatriamento de um individuo desterrado em Timor, e de um outro refugiado em Brazaville. — Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho. — O Digno Par Francisco José Machado apresenta dois pareceres, um da commissão de verificação de poderes, e outro da commissão de guerra: participa estar constituida a commissão de marinha, e por ultimo envia para a mesa requerimentos pedindo documentos pelos Ministerios das Obras Publicas e Fazenda. — Os pareceres vão a imprimir, e os requerimentos são expedidos. — O Digno Par D. João de Alarcão participa que está constituida a commissão do ultramar.

Ordem do dia. — Continuação da discussão da proposta do Digno Par Sebastião Baracho, relativa ao inquerito ás Secretarias de Estado.— Usa da palavra o Digno Par João Arroyo. — O Digno Par Francisco José Machado requer que a sessão seja prorogada até se votar a proposta. É approvado. Falam sobre a proposta os Dignos Pares Alpoim, Sebastião Baracho e Luciano Monteiro. Esgotada a inscrição, o Digno Par Sebastião Baracho requer que a proposta seja votada nominalmente. — Approvado o requerimento é rejeitada a proposta em votação nominal por 27 votos contra 10. — É posto em discussão o parecer n.° 10, que fixa a força do exercito para o anno economico de 1908-1909 Usa da palavra o Digno Par Sebastião Baracho. — Tendo dado a hora, pede que lhe seja permittido continuar na sessão seguinte. — Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 20 minutos da tarde, feita a chamada e verificando se a presença de 25 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou, aberta a sessão.

Lida na mesa a acta da sessão anterior, foi approvada sem reclamação.

Deu-se conta do seguinte expediente:

Três officios do Ministerio da Marinha sobre pedidos de documentos dos Dignos Pares Sebastião Baracho, Já jacinto Candido da Silva o Teixeira de Sousa.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: — Vae dar se conta de um telegramma que foi dirigido á mesa.

É do teor seguinte:

Grandola, 22. — Presidente Camara Pares. — Lisboa. — Encarregados telegraphos postaes segunda pedem respeitosamente graça fazer-lhes seja dado vencimento na doença, aposentação, equiparação vencimentos sede concelhos segundos aspirantes, outras estações aspirantes auxiliares = Rodrigues, encarregado segunda.

Identico do encarregado da estação Cacem = Abilio Rocha Oliveira.

Teve segunda leitura o projecto de lei apresentado na sessão antecedente pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado e foi enviado á commissão respectiva.

Consultada a Camara sobre se permittia a publicação no «Summario», conforme o pedido do Digno Par., resolveu affirmativamente.

O Sr. José de Azevedo: — Participo a V. Exa. e á Camara que se constituiu a commissão de administração publica, escolhendo para seu presidente o Sr. Julio de Vilhena e a mim para secretario.

1 O projecto de lei a que se refere a deliberação da Camara vae publicado no final do Summario.

O Sr. Visconde de Monte- São: — Pedi a palavra a V. Exa. para declarar á Camara que tenho faltado a algumas sessões d'esta casa por motivo imperioso de falta de saude.

Aproveito a occasião para tornar publico o meu reconhecimento de gratidão para com todos os meus collegas d'esta Casa que se interessaram pela minha saude.

O Sr. Sebastião Baracho: — Começarei dando preferencia ao Theatro de S. Carlos, na serie de assuntos acêrca dos quaes desejo ouvir a opinião do Sr. Presidente do Conselho — theatro cuja nova empresa, consoante sou informado, depositou 9 contos de réis no Banco de Portugal.

É verdade esta noticia?

A que são destinados os 9 contos de réis?

E para serem applicados a bemfeitorias do theatro, indicadas pelo Governo, e conforme o compromisso tomado no n.° 3.° da proposta apresentada pelo empresario?

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Se é para esse fim — e o Sr. Presidente do Conselho gesticula affirmativamente — nada tenho a objectar. Insurjo-me, porem, contra o facto de o deposito se ter realizado no Banco de Portugal, quando devia ter sido feito na Caixa Geral de Depositos, que é o estabelecimento official, destinado a operações d'essa natureza.

Do Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino desejo igualmente saber quando se verifica a nova installação da luz electrica, para que não ha prazo marcado no programma do concurso. Todavia, as mais elementares conveniencias aconselham que a installação esteja ultimada ao inaugurar-se a nova epoca lyrica. Não só se attende, por essa forma, ás justas aspirações idos frequentadores do theatro, mas, sobretudo, se evitam gravissimos perigos e riscos previstos naturalmente, em virtude da inutilização absoluta do material empregado naquelle serviço.

Segundo o parecer de engenheiros, o qual deve existir no Ministerio das Obras Publicas, e a opinião do inspector dos incendios, da qual ha conhecimento no governo civil, a installação electrica actual ficou completam ente inutilizada no fim da ultima epoca.

Não a renovar, sem perda de tempo, importa um erro palmar, cujos resultados podem ser essencialmente funestos, se se der qualquer desastre na illuminação, como tudo deixa suppor.

Pergunto, pois, ao Sr. Presidente do Conselho,:

Está S: Exa. disposto a providenciar, por modo a que a nova installação comece a funccionar, no inicio da proximo epoca lyrica?

Se o Sr. Presidente do Conselho não proceder nesse sentido, assumirá grandes responsabilidades, pelas quaes terá de dar contas, se algum sinistro se der, motivado pela deficiencia e incapacidade manifesta do material do serviço da illuminação electrica.

Posto isto, mais uma vez protesto contra a censura theatral, exercida pelo chefe da policia administrativa, que cousa alguma tem que ver com tal assunto. Não permitte a legislação vigente a censura previa theatral; mas, quando a permittisse. poderia ella ser exercida pela ignara policia administrativa?

O decreto com força de lei de 29 de março de 1890, que regula o assunto, estatue:

Artigo 1.° São prohibidos os espectaculos publicos ou representações theatraes que contenham offensas ás instituições do Estado e seus representantes e agentes, provocações ao crime, criticas injuriosas ao sistema monarchico representativo, fundado na Carta Constitucional e seus Actos Addicionaes, caricaturas ou imitações pessoaes, referencias directas a quaesquer homens publicos ou pessoas particulares, ou offensas ao pudor ou á moral publica.

§ unico. A autoridade administrativa poderá prohibir a continuação do espectaculo logo na primeira representação, e em qualquer estado d'ella, ou a repetição d'elle.

Completando estas providencias, encontra-se no decreto de 20 de janeiro de 1898 o seguinte:

Artigo 29.° Fica competindo exclusivamente ao corpo de policia civil a policia dos theatros, espectaculos e reuniões publicas.

Confirmam-se, portanto, com o texto da lei as minhas asseverações.

As exorbitancias do chefe da policia administrativa não podem permittir-se. Só na constancia de um Governo ultra-reaccionario, como é aquelle a que preside o Sr. Ferreira do Amaral, se consentem ataques tão directos á livre emissão do pensamento.

Trilhando por tal caminho, tenha ao menos a coragem de criar a censura, exercida por entidades idoneas, como se praticava no regime absoluto legal.

Na minha opinião,, não é licito admitti-la sequer em hypotese, e muito menos que ella seja exercitada por qualquer salafrario policial, cuja ignavia não admitte duvidas. Mas não é esta a unica manifestação a que tenho de me referir, da ditadura policial existente.

A organização de cadastros constitue outra arbitrariedade, e esta, originaria da Bastilha, cujas violencias e torpezas não teem conta. Pelo abominavel decreto de 23 de abril de 1908, da paternidade do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro da Fazenda, preceitua-se:

Artigo 1.° O inspector geral dos impostos, coadjuvado pelo pessoal da sua dependencia e pelo que requisitar das repartições policiaes de Lisboa, procederá immediatamente á organização do cadastro................

A policia, conforme se observa, é apenas o agente auxiliar do inspector geral dos impostos, para a realização do serviço cadastrense.

Pois é ella agora que se arvora em mandante e dirigente, vexando o pessoal dos jornaes de Lisboa, cujo arrolamento ella se permitte fazer no antro infecto da Parreirinha.

O cadastro policial é exclusivo dos criminosos.

Para cadastros de outra qualquer ordem, não tem idoneidade a Bastilha, a cujo desprezivel pessoal está vedado desempenhar serviços honestos.

E é por isso que ella, na questão da incommunicabilidade dos presos, por motivo mysterioso, illudiu o Sr. Ministro da Justiça, levando-o a fazer declarações que não correspondiam, á verdade dos factos. A incommunicabilidade d'esses presos só foi levantada no dia 20 e não em 17, como assevarou o Sr. Ministro da Justiça.

Demais, essa tortura inquisitorial prolongou-se por 20 dias para alguns dos martyrizados.

As revelações feitas pelos presos, nas entrevistas jornalisticas dos ultimos dias, patenteiam quanto convinha á Bastilha conservá-los naquelle estado de tortura. Todos elles, os detidos, confessam que ainda lhes não foi declarada a culpa, pela qual estão privados da liberdade. Um d'elles, segundo hoje noticia o Mundo, foi instado para casar catholicamente com a mulher de quem tem uma filha.

Será possivel que o juiz de instrucção criminal se impusesse por forma tão descaroavel á consciencia de um detido, que acabava de lhe declarar que desejava legalizar a sua união, mas pelo casamento civil?

É indispensavel que o Sr. Presidente do Conselho averigue o que occorre, e que facilite a legitimação, pela união, exarada no Codigo Civil, da criança, filha do detido a que me reporto.

Por muito que estejam dominando as imposições ultramontanas, não se pode permittir que um funccionario publico, como é o juiz de instrucção criminal, cultive o carolismo até ao extremo de desacatar as leis do reino, e simultaneamente abuse do cargo que exerce para opprimir os seus prisioneiros, no que mais respeitavel é na consciencia e foro intimo de cada um.

Tenha em mente o Sr. Presidente do Conselho que S. Exa. é o immediatamente responsavel por este e por todos os outros abusos, praticados na abjecta Bastilha.

Assim o estatue o scelerado decreto de 19 de setembro de 1902, no seu artigo 1.° — decreto que, conjugado com o de 23 de abril ultimo — o dos cadastros — colloca este país entre os que possuem legislação mais deprimente e exautorante.

O Sr. Presidente do Conselho não revogou o primeiro e criou o segundo. Passará indubitavel e tristemente á historia como um dos reaccionarios mais completos do seculo xx, como quem mais tem fustigado-a liberdade, quando ella é tão potente e generosa que illumina até os seus mais crueis detractores.

Para sentir é que o Sr. Presidente do Conselho não comprehenda o que ha de verdade nas minhas affirmações, e que persista em erros que nem sequer se desculpam, como o respeitante á demora na publicação da syndicancia derivante das sangrentas occorrencias eleitoraes de 5 de abril derradeiro.

Quando é que o Sr. Presidente do Conselho, harmonizando o seu procedimento pelas declarações do Sr. Ministro da Justiça, manda publicar a syndicancia ?

Extrahidos como já foram d'ella os

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traslados para as justiças militar e civil, a demora subsistente é inexplicavel.

Appareça a syndicancia, para que se possa apreciar se houve justiça no julgamento dos factos occorridos, ou se o favor prevaleceu.

Por ultimo, de novo insisto pelo repatriamento do unico desterrado de 1896, existente em Timor, e que ali exerce um cargo publico. Novamente peço tambem clemencia para Manuel Caldeira Feio, refugiado em Brazza-ville, levantando-se lhe o impedimento que o traz afastado do reino.

Cora a adopção de medidas generosas, com o respeito pela lei e com o cultivo da liberdade, facil é governar os povos, na quadra democratica que atravessamos.

O despotismo e seus attributos, e o absolutismo bastardo em acção, servem apenas para comprometter a quem se arrima a tão putridos esteios. Pode crê-lo o Sr. Presidente 'do Conselho, por muito que isso o contrarie no seu arraigado sentir de retrogrado impenitente, que tão mal se coaduna com a acalmação e a legalidade tão preconizadas por S. Exa., no seu advento ao poder.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Presidente : — Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho.

V. Exa. tem apenas cinco minutos para responder ao Digno Par Sr. Sebastião Baracho. Se V. Exa. responder em cinco minutos, dou-lhe a palavra.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro o Reino (Ferreira do Amaral): — Em cinco minutos não posso, mas eu falarei até dar a hora e depois ficarei com a palavra reservada.

Vozes : —Fale, fale.

O Sr. Presidente:— Tem V. Exa. a palavra e, em vista da manifestação da Camara, pode falar durante o tempo que entender necessario sem prejuizo dos trabalhos dados para ordem do dia.

O Orador:— Vou procurar ser tão breve quanto possivel. Com relação ao deposito de S. Carlos, a clausula do concurso que obrigava a empregar os 9 contos de réis em obras do theatro, não estava tão claramente escrita, que obrigasse este deposito a fazer-se na Caixa Geral de Depositos.

Fez-se porem no Banco de Portugal e á disposição do Governo para, logo que essa quantia seja precisa, se utilizar d'ella na feitura das obras, porque havia aqui duas cousas importantes.

Era preciso fazer bem frisar no espirito publico que as quantias correspondentes a esse deposito eram exclusivamente para empregar em obras do theatro, e não poderiam sei; applicadas noutra qualquer cousa.

A epoca em que deve começar a luz electrica está por si mesmo indicada.

Desde que a installação electrica do Estado não está em condições de funccionar sem perigo; desde que para a tornar em condições viaveis e acceitaveis pediam 41 contos de réis; desde que essa foi uma das razoes principaes para se fazer a adjudicação na base obrigatoria de uma nova installação com derivação para a Companhia do Gaz e Electricidade, é claro que dentro do mesmo contrato se estabeleceu que o empresario é que tem de fornecer, não só a illuminação, mas ainda a installação por sua conta, e sendo assim, o theatro não abre sem que a installação esteja feita.

O Sr. Sebastião Baracho: — O theatro não abre sem a installação estar feita?

O Orador : Não abre.

O Sr. Sebastião Baracho: — Registo a resposta de S. Exa.

O Orador: — A censura theatral, a que o Digno Par se referiu, não foi como S. Exa., decerto, está informado, tomada por minha iniciativa, por que não tenho o menor empenho em fazê-la.

O caso a que S. Exa. se referiu foi unica e exclusivamente particular; o proprio autor da peça, ou pessoa que tratava d'esse assunto, foi consultar particularmente o chefe da policia administrativa, ignorando eu o que se passou entre um e outro.

A mesma pessoa, ainda de uma forma particular, dirigiu-se ao Ministerio do Reino, falando ali com am dos meus secretarios, dizendo que lhe tinham sido indicadas algumas irregularidades, uma das quaes me lembro que era fazer-se em scena uma exautoração de um general; que o chefe da policia administrativa aconselhara a retirar da peça essa scena, com que o autor concordou, dizendo que não tinha nenhuma importancia esse corte, podendo ella provocar a indignação, não só por parte do publico, mas tambem do elemento militar, dado o conceito em que é tido o nosso exercito.

Como o autor insistisse em que desejava que alguem lesse a peça, eu pedi, tambem particularmente ao Sr. Schwalbach que a visse.

Pelas minhas palavras já S. Exa. vê que não passou de um assunto particular, e que não tenho o minimo desejo de occultar a verdade.

O Sr. Schwalbach leu a peça, e disse que não havia nada em contrario ás nossas leis, que pudesse sequer produzir o menor reparo.

A peça já se representou.

Fez-se o ensaio geral a que assistiu o chefe da policia administrativa, não por seu interesse, mas a pedido do proprio autor.

Não me consta que nesse ensaio se tivessem feito cortes, e, se alguns houve, não foram ordenados, mas sim combinados entre o autor e o chefe da policia, sem que houvesse da parte da empresa ou da sociedade promotora da recita qualquer protesto, porque, se se viesse a dar o caso, eu interviria de uma forma legal.

Como já disse, a peça representou-se e não tenho visto nos jornaes que tivesse havido a menor reclamação sobre os factos que acabo de expor á Camara.

Sou, por completo, contrario a qualquer censura previa, mas desde o momento em que o autor, o empresario ou ainda a pessoa interessada em fazer representar a peça, vae pedir a qualquer autoridade administrativa a sua opinião, não posso evitar essa apreciação, não podendo tambem evitar que o autor ou empresario acceitem os conselhos d'essa autoridade.

A censura posta em campo com todos os seus horrores, posso affiançar a V. Exa. que não houve, pelo menos nenhuma informação tenho nesse sentido.

O Sr. Sebastião Baracho: — Mas, cumprindo os preceitos legaes, ninguem pode fazer indicações e arvorar-se illegalmente em censor.

O Orador:— Vou ver se resumo quanto possivel as minhas considerações, para corresponder á amabilidade da Camara que me consentiu que tivesse a palavra hoje.

O cadastro é uma cousa que ha em toda a parte do mundo civilizado.

O Digno Par parece me que confundiu cadastro policial, isto é, relação dos criminosos, com cadastro de uma população.

Cadastro é o arrolamento simples, sem mais formas. Fazem-se diversas especies de cadastro com o fim administrativo, com o fim economico, ou com o fim de qualquer especie que V. Exa. imaginou, para varios reconhecimentos.

O Sr. Sebastião Baracho: — Os da policia são arrolamentos de criminosos.

O Orador : — O cadastro que mandei fazer não foi para arrolar criminosos 5 o cadastro de criminosos esse é feito noutra estação, naturalmente pelos delegados que passam as certidões de

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folha corrida, e essa especie de cadastro é diversa d'aquelle que mandei fazer.

O que mandei fazer, e que nenhuma lei me prohibe, destinou-se a dar ás autoridades administrativas, responsaveis pela ordem e por tudo quanto possa interessar á ordem, o conhecimento da existencia da população.

O que mandei fazer foi o que se faz em toda a parte do mundo. Em toda a parte se sabe quem habita nas casas das diversas localidades.

Em França, este arrolamento toma as proporções mais vexatorias; ha até uma brigada especial encarregada d'este serviço com 100 agentes em Paris, que fazem visitas domiciliarias, verificam se as participações são feitas pelos hoteis e entram em casa do cidadão a toda a hora com á intimação legal; fazem as inquirições que muito bem querem, sujeitam toda a gente a esta instituição e toda a gente fica muito satisfeita, porque é um dos elementos muitas vezes usado para poder provar a, identidade da pessoa e fugir á possibilidade de enganos que haja em materia de suspeitas criminosas.

Em Inglaterra, o processo é outro, mas muito dispendioso, e quasi que se verifica todos os dias e a todas as horas. Saem os viajantes de uma gare do caminho de ferro; á porta da gare está um policia e o cocheiro diz-lhe quantas pessoas conduz, o sexo e para onde vão. Este policia dá participação d'este facto nas estações competentes, para serem fiscalizadas estas participações, e obter-se com isto a certeza absoluta do sitio onde estão as varias pessoas que entram em Londres.

Fica-se sabendo assim quem são estas .pessoas que accidentalmente estão hospedadas nos hoteis, ou em qualquer estabelecimento semelhante.

Na secção dos correios ha uma repartição onde se sabem os nomes de todas as pessoas que moram nas differentes ruas. São essas pessoas que teem de fazer as declarações, que todos os dias estão a ser corrigidas, declarações de grande vantagem para os individuos em transito, que assim não ficam privados de receber qualquer carta a elles dirigida.

Isso não era facil fazer-se em Portugal, em vista da repugnancia que ha sempre em dar qualquer informação, por se suppor que é um abuso de autoridade o exigir que se diga onde mora, onde se está, quando isso é de toda a vantagem para todo o cidadão, quando as suas intenções não são más. Na Suissa, tambem como V. Exa. sabe, existe o cadastro, e eu cito estes países porque realmente me parece que se não pode dizer que haja nelles qualquer cousa que se tenha na conta de menos livre ou menos legal.

Na Suissa ha, como V. Exa. sabe, o imposto de capitação, e a forma de se lançar é o cadastro que se refere ás habitações.

Ha uma repartição onde os individuos teem obrigação de dizer as condições em que estão, e os impostos a que estão sujeitos, e depois o chefe do departamento faz a distribuição da quota com que cada individuo deve concorrer.

Para a veracidade d'estas declarações ha todos os esforços das autoridades administrativas na informação, na realização d'este trabalho, que é preciso para todos.

Não ha maneira de administrar bem um país sem se saber quaes as pessoas que nelle existem.

Ha mesmo, sob o ponto de vista da regularização do trabalho, como succede em França e na Suissa, uma grande attenção ao movimento dos operarios, e V. Exa. bem pode imaginar quanto precisa a autoridade administrativa de estar prevenida para se desempenhar bem d'este serviço de grande importancia, não digo só sob o ponto de vista policial, mas sob o ponto de vista economico.

É, portanto, uma questão a que em toda a parte se attende.

O cadastro, o arrolamento especial, nas cidades, de todas as habitações e habitantes, a entrada e saida de viajantes, de emigrantes e de outros individuos, o movimento emfim da população, constitue uma questão absolutamente moderna.

Dada a necessidade absoluta e completa de se fazer um arrolamento entre nós, não havendo nenhuma lei que o prohibisse, e havendo toda a vantagem de entregar á policia tudo quanto possa concorrer para a manutenção da ordem e para o policiamento de occorrencias que se possam dar nos diversos centros de população, que fez o Governo?

Deu á policia encarregada da fiscalização dos impostos esta fancção especial, julgando que fazia um serviço ao país, estabelecendo-o por uma forma que é absolutamente desconhecida em Portugal, qual era, sem criar uma nova repartição com novos empregados, sem criar novas despesas, antes aproveitando todas as diligencias que a policia fiscal tem de fazer para o seu exercicio normal, auxiliar a policia administrativa, que não tem nem tempo nem vagar para fazer este serviço, de maneira a pôr a policia administrativa ao facto de uma questão que a todos os respeitos muito principalmente se prende com a administração do país.

As informações officiaes que tenho com relação á incommunicabilidade a que V. Exa. se referiu, são que ella não passou, para alguns dos presos, de 6 dias, e para outros de 7, dias.

O Sr. Sebastião Baracho: — Pois nenhum teve menos de 18 dias.

O Orador:— Esta é a informação official que tenho.

Com relação ao motivo da prisão, sendo o assunto secreto e prendendo-se com uma questão penal de muita gravidade, e com a lei de 13 de fevereiro . ..

O Sr. Conde de Arnoso: — Peço a V. Exa. queira repetir as suas palavras e a data. Não ouvi bem.

O Orador: — Referia-me á lei de 13 de fevereiro.

O Sr. Conde de Arnoso: — Muito obrigado.

O Orador: — Se eu pudesse dizer aqui o que ha a tal respeito sem comprometter o exito da diligencia, di-lo-hia.

O que posso affirmar é que juntamente com as diligencias que se teem praticado em Portugal, a outras tem havido necessidade de se proceder no estrangeiro, pelas quaes tenho instado, para que tão breve quanto seja possivel possa apresentar uma solução completa do assunto.

Com respeito a imposição de casamento religioso a um dos presos, ponho essa informação...

O Sr. Sebastião Baracho : — De quarentena ?. ..

O Orador: — Considero-a absolutamente fora de toda a probabilidade: é um disparate que só se pode attribuir á fantasia do informador.

O Sr. Sebastião Baracho (interrompendo) : — Veiu hoje publicado em letra redonda.

O Orador: — A letra redonda custa tanto a fazer como a bicuda. (Riso).

O Sr. Sebastião Baracho: — Nem sempre.

O Orador: — Quanto ao inquerito á guarda municipal vou dizer a respeito d’elle o que posso.

Em França houve um inquerito, esse inquerito foi entregue aos tribunaes.

Clémenceau, declarou que desde que o assunto estava entregue ao tribunal, não havia nem poder legislativo nem poder executivo que pudesse intervir.

Pelo que toca aos tribunaes militares não haveria inconveniencia em publicar o que já se sabe 5 mas pelo que toca ao tribunal civil, estou todos os

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dias á espera, que a autoridade competente me mande dizer o que se pode publicar.

Se quisesse, porem, produzir effeitos politicos, talvez devesse publicar o relatorio; mas primeiro que tudo, quero serena, placida e lealmente cumprir o meu dever.

Quando me for affirmado que não ha inconveniente em que o inquerito se publique, o inquerito será publicado.

Disse se que o Governo tinha feito esse inquerito á guarda municipal, porque, como era uma questão que impressionava a opinião publica, a queria confundir com a dos adeantamentos.

Não sei para quê: nós não temos culpa dos acontecimentos de 5 de abril, nem dos adeantamentos.

Com relação aos deportados de Timor, tomei informações a tal respeito.

E com respeito a um outro que V. Exa. tambem recommendou, Caldeira Feio, ainda hontem estiveram em minha casa dois irmãos d'esse individuo, dois rapazes novos, que me foram pedir que eu interviesse favoravelmente acêrca de seu irmão, dizendo que o Sr. João Franco já tinha pedido por elle.

Disse-lhes que fizessem o seu requerimento, que o fizessem informar pelo Juizo de Instrucção Criminal, e autoridades competentes, e que eu ajuizaria da questão como devia.'

Creio ter respondido a todas as observações de V. Exa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: — Sr. Presidente: mando para a mesa dois pareceres o da commissão de verificação de poderes sobre o requerimento do Sr. Conde de Avillez em que pede lhe seja permittido dar entrada nesta Camara por direito hereditario, e outro da commissão de guerra relativo aos alferes da administração militar.

Aproveito a occasião para participar a V. Exa. que a commissão de marinha já se acha constituida, tendo escolhido o Br. Julio de Vilhena para presidente e a mim para secretario.

Mando ainda para a mesa dois requerimentos.

Lidos na mesa, foram expedidos os requerimentos, que são do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, me seja enviada nota :

1.° Das verbas gastas na conservação das estradas nos diversos districtos do reino nos ultimos dez annos ;

2.° A mesma nota relativa ás grandes reparações durante o mesmo periodo. = F. J. Machado.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada nota de todos os adeantamentos que tenham sido feitos a quaesquer funccionarios, sob quaesquer formas, pretextos, ou motivos, desde 1890 até 31 de janeiro de 1908.

Requeiro mais nota de todos os abonos feitos aos inspectores superiores do Ministerio da Fazenda, alem dos seus vencimentos de categoria e exercicio inherentes a esses logares, indicando quaes os motivos, razões ou pretextos para se fazerem esses abonos, isto desde que foram criados estes logares até 31 de janeiro de 1908.= F. J. Machado.

O Sr. D. João de Alarcão: — Participo a V. Exa. a que se acha constituida a commissão do ultramar, tendo escolhido para presidente o Sr. Francisco Maria da Cunha e a mim para secretario.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da proposta do Digno Par Sr. Sebastião Baracho, relativa ao inquerito ás Secretarias de Estado.

O Sr. João Arroyo: — Não vejo presente o Digno Par Sr. Beirão, mas, como as considerações que tenho a fazer por forma alguma revestem caracter pessoal, fá-las-hei na ausencia de S. Exa.

Declarou o illustre leader do partido progressista: primeiro, que não considerava opportuna a discussão da quês tão dos adeantamentos; segundo, que o Sr. José Luciano de Castro mantinha intacta a declaração que proferira dentro d'esta casa, na sessão de 21 de novembro de 1906; e terceiro, que os factos occorridos sobre a carta dirigida pelo Sr. José Luciano ao Sr. Espregueira em nada contrariavam a referida declaração feita pelo chefe do partido progressista.

Respeitando, como respeito, o uso do direito parlamentar, sou obrigado, não só a receber como moeda de boa lei a resposta do Digno Par Sr. Beirão, como a tomar as declarações do leader do partido progressista nesta casa como dimanadas da boca do illustre chefe progressista.

O Sr. Francisco Beirão não é só uma alta individualidade no partido progressista; é o leader d'esse partido nesta Camara e é ainda, como é voz corrente, o Arcebispo de Mitylene junto do Sr. José Luciano de Castro.

(Riso).

Ora as responsabilidades do chefe do partido progressista não são simplesmente as que pertencem a um membro qualquer d’esta casa do Parlamento.

Como chefe de um partido rotativo, e representante de uma grande agremiação, é o responsavel por administrações passadas, e um problematico chefe de administrações futuras, tendo,

portanto, perante as Camaras do seu país, responsabilidades preeminentes e particularissimas. Não é um Digno Par que fala unicamente, resalvando responsabilidades pessoaes; é um homem de Estado que acorrenta ás suas declarações uma legião de homens.

Que significa este procedimento de um chefe politico que, ou está valido para vir a esta Camara, ou está invalido e, neste caso, tem obrigação de se fazer substituir?

Quando um chefe, á frente de um partido, não se encontra em condições de robustez sufficiente para arcar com as respectivas responsabilidades, é sua obrigação patriotica, sem que isso contribua para seu deslustre, o fazer-se substituir.

Que representa, portanto, a ausencia do Sr. José Luciano.?

Eu já não protesto contra este procedimento; mas tenho o direito de dizer e de suppor que a verdadeira razão da ausencia do Sr. José Luciano é a impossibilidade em que S. Exa. está de se explicar, sem ficar completamente perdido para a vida politica.

E, se assim não é, porque não envia S. Exa. aos membros do Parlamento, e por intermedio dos leaders das duas Camaras, a declaração das suas responsabilidades?

Respondendo agora ao que disse no seu ultimo discurso o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, afigura-se-me que S. Exa., talvez por haver andado arredado durante largo tempo das lutas, parlamentares, tem uma epiderme em demasia susceptivel, alem de se encontrar um tanto desmemoriado.

Ora quem abriu esta discussão dos adeantamentos ?

Não foi S. Exa.?

Quem foi que, ao lado da questão juridica, levantou a questão politica, referindo-se largamente a adeantamentos? .

Não foi S. Exa.?

Não foi S. Exa. que pretendeu salvaguardar a responsabilidade do partido a que pertence?

Fui eu ou o Digno Par Sr. Alpoim quem levantou neste momento os debates politicos?

Não. Foi S. Exa.

Disse o Sr. Julio de Vilhena que eu e o Sr. Alpoim não seguiamos, como o Sr. Baracho, o conceito de Shakspeare, segundo o qual os olhos do homem devem servir para ver para ambos os lados e o nariz para farejar em frente.

Conforme o criterio de S. Exa., é o Sr. Baracho quem procede bem, pois fareja para a frente, ferindo o Governo.

É, pois, ao Governo, como se deprehende das palavras do Digno Par, que se devem dirigir os ataques.

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Este apoio do Sr. Julio de Vilhena ao Governo é verdadeiramente excepcional! Que bella camaradagem politica !

S. Exa. entende que o inimigo a atacar é o Sr. Ferreira do Amaral!

No seu discurso, o Sr. Julio de Vilhena comparou-se áquelle personagem de Corneille, a quem, atacado por três, só restava morrer. Morrer! Então o Sr. Julio de Vilhena estará isolado?

Onde se acham então os marechaes do partido regenerador, visto que é só o Sr. Pimentel Pinto que assiste com frequencia ás sessões d'esta Camara, e o Sr. Moraes de Carvalho que algumas vezes apparece, retrahido na penumbra a que injustamente quis condemnar-se.

E os outros marechaes? Onde estão elles. Não são marechaes, são conegos.

E que é ser conego? Canonico, dizia-me um espanhol em Salamanca, es el que gana los seis mil reales y que canta si quiere e si no quiere está sentado . . .

(Hilaridade na Camara e na galeria}.

O Sr. Presidente : — Advirto a galeria de que não pode manifestar-se.

O Orador: — Como os marechaes regeneradores não fazem nada, e o Sr. José Luciano cá não vem, os marechaes progressistas podem talvez auxiliar o Sr. Vilhena, mesmo para não perderem o habito de coadjuvar o chefe.

Quanto á irresponsabilidade do Rei, disse S. Exa. que defende o mesmo principio que eu defendo.

Parece-me bem que não, porque o Digno Par teve bastantes contradições no seu discurso.

Disse tambem S. Exa. que estava de harmonia com a proposta do Sr. Ba racho, excepto com o n.° 3.°

Neste caso eu entendo que o Sr. Baracho devia sacrificar o n.° 3.° da sua proposta a fim de a ver approvada pelo partido regenerador.

Devo dizer agora que, como o Sr Julio de Vilhena se referiu, a proposito de adeantamentos, a eu ter sobraçado a pasta de Ministro dos Estrangeiros, que durante o tempo em que fui Ministro da Marinha, da Instruccão e dos Estrangeiros, com meu conhecimento não se fez adeantamento algum á Casa Real.

Fui Ministro, e não fui ouvido sobre algumas medidas.

Poderão perguntar-me porque não sai logo do Governo?

Quem sabe o que tem sido a vida constitucional portuguesa calcula perfeitamente que, se na epoca em que eu fui Ministro, viesse declarar que saia do Ministerio por não ter sido presente em conselho uma determinada medida, ninguem a

Estava-se na epoca da submissão aos dois gran-vizires; quem entrava para um Ministerio tinha de acceitar tudo como de bom ouro de lei.

Quem foi Ministro sob um tal regime, sabe muito bem- como se vivia, e sabe igualmente que muitas vezes, nem inciativa tinha para nomear o pessoal privativo do seu Ministerio.

Em tal conjuntura, um Ministro que quisesse mandar, era logo arredado.

Eu, se hoje me encontro isolado, é porque tive a coragem de reagir contra esse estado de cousas.

Sempre entendi que um chefe politico não é um mandão de provincia ou aldeia. Um chefe politico é um cerebro regulador, um apparelho de união e concordia; é uma força de coordenação, e não um tyrannete conspirando contra individualidades.

Havia de soar — digo-o bem alto — a vez de se ouvir um brado de indignação contra um tal regime bastardo, aviltante e infame a que se sujeitaram homens publicos nesta terra!

Com tal regimen não se conformaram Emygdio Navarro, Marianno de Carvalho, Antonio Ennes, Alpoim e mesmo eu..

O regimen dos gran-vizires acabou de uma vez para sempre; e se existe ainda um d'esses gran-vizires, elle que appareça para não occultar as suas responsabilidades, e para pagar com o sacrificio da sua propria individualidade todo o mal que fez ao seu partido e ao seu país!

Os partidos rotativos encontram-se numa grave situação, e o Sr. José Luciano acha-se perante uma affirmativa tão falha de intelligencia como inexacta, e não vem aqui!

Isto é uma alta questão de moralidade politica; e os partidos teem de declarar se estão dispostos a sanccionar os erros do passado, os seus defeitos actuaes, e a mante-los no futuro com as suas consequencias.

A proposito da susceptibilidade doentia do Digno Par Sr. Julio de Vilhena susceptibilidade que lhe faz ver as cousas por um prisma errado, devolvo-lhe a frase de Shakspeare, que S. Exa. citou, lembrando-lhe que os rotativo olham para trás a ver se alguem os vê, e cheiram para cima a ver como de Já apreciam os seus actos.

Disse ainda o Digno Par que não advogou a abdicação do Rei D. Carlos nem defendeu a revolução.

Disse tambem que o partido regenerador não queria fazer a revolução

Direi agora eu que tanto o partido regenerador como o partido progressista, se em algum momento historico deram provas do seu nenhum valor collectivo, foi no ultimo periodo do consulado franquista.

A sanha, a ira, a colera, a condemnação e a apostrophe ficaram só a dentro das paredes das salas onde se realizaram as assembleias das agremiações rotativas!

Quando era necessario chegar á coordenação patriotica dos meios violentos, os partidos rotativos deram a mais triste prova da sua inanidade!

Que fizeram?

Nada

Tiveram manifestações platonicas e nunca orientaram um movimento serio, o unico que podia concorrer para salvar a liberdade!

Não tiveram forças, alma e vida para se lançarem no unico caminho que então se impunha e que estava indicado, principalmente aos homens que tinham sido aggravados tanto no país como no estrangeiro: a revolução.

Nada fizeram; gritaram, mas não se moveram.

Os partidos politicos portugueses deram ao país o espectaculo estranho de verem tratar como criminosa a maioria dos seus homens publicos, sem que d'aquellas collectividades saisse um grito de desespero e de indignação!

Eis a responsabilidade dos partidos rotativos.

Pode o Digno Par Sr. Julio de Vilhena procurar sustentar que elles cumpriram a sua missão. Desgraçado país que tem como garantia dos seus direitos e liberdades o procedimento dos rotativos !

Com os olhos fitos na porta que me fica á direita, espero a todos os momentos que as duas cortinas vermelhas se afastem, para permittirem o ingresso nesta sala á figura majestosa do Sr. Conselheiro José Luciano de Castro. Vou concluir o meu discurso porque, tendo sempre em attenção a paciencia da Camara, evito cuidadosamente procrastinar o momento em que tenha de calar-me; mas antes, e dando como possivel o apparecimento do illustre chefe do partido progressista, dir-lhe-hei:

— Venha d'ahi dar a explicação dos seus actos.

Já que, e ainda bem, dispõe nesta occasião de bastante saude, venha justificar o seu procedimento.

Venha d'ahi para confessar que erro capital e enormissimo foi o dos chefes dos partidos, quando, em novembro de 1906, não obrigaram immediamente o Governo transacto a liquidar a questão dos adeantamentos á Casa Real.

Venha d'ahi para que esta questão se liquide o mais rapidamente possivel. Venha d'ahi para ver se desapparece de uma vez para sempre a mais triste situação que nestes ultimos vinte annos tem apparecido no nosso horizonte politico.

Termino fazendo votos por que este meu discurso seja o ultimo que anteceda a solução de uma crise, evidentemente

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SESSÃO N.° 20 DE 22 DE JUNHO DE 1908 7

a mais grave do nosso periodo constitucional. (Vozes:—Muito bem).

(S: Exa. não reviu).

O Sr. Francisco José Machado:.— Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que sea prorogada a sessão até se votar a proposta do Digno Par Sr. Dantas Baracho.

Foi approvado.

O Sr. José de Alpoim :— Não respondo senão á parte do discurso do Sr. Vilhena, em que este se referiu ás minhas afirmações.

Os Dignos Pares Srs. Baracho e Arroyo, em eloquentes discursos, já refutaram as asserções do illustre chefe regenerador. Cabe-me a vez: falarei só por mim.

Mostrou-se muito maguado o Digno Par Sr. Vilhena pelas minhas palavras. Não tem razão. Professo por S. Exa., pelos seus talentos e notaveis dotes parlamentares, a maior admiração. Não aggravo o homem: combato o politico. Entre os dois ha a differenca do chefe de um partido conservador, amarrado a velhas formulas e ás responsabilidades politicas e pessoaes do seu partido, e eu que me acho á frente de um agrupamento, monarchico sim, mas avançado e radical, com a aspiração de quebrar os moldes da monarchia dos ultimos dezoito annos, de a rejuvenescer numa consubstanciação entranhada e profunda com as ideias politicas e sociaes modernas.

Houve uma parte do discurso do Sr. Vilhena em que este, respondendo ao Digno Par Sr. Baracho, disse que eu não tinha o direito de lançar sobre os partidos as responsabilidades dos erros e crimes politicos ou de qualquer ordem, dos seus chefes ou homens publicos eminentes. Argumentou que tendo eu declinado a minha responsabilidade em quaesquer adeantamentos do partido progressista, pela razão de que não fora sobre elles ouvido quando Ministro d’esse partido, não podem os partidos ser responsaveis pelo que fizeram o seu chefe ou os seus membros mais graduados.

O argumento não vale. Eu não posso ser responsavel pelo que, ás occultas, ás escondidas, sem o Conselho de Ministros ser consultado, sem sequer me haverem sido dadas informações particulares, foi feito. Mas os partidos, é diverso. Esses soffrem sempre dos erros e attentados dos seus chefes. São como os exercitos que se enchem de honra ou opprobio, pelas victorias e coragem ou pelas faltas e derrotas dos seus generaes. Alem d'isso os partidos são representados pelo seu chefe, pelos seus marechaes, pela sua commissão executiva.

Ora, quando estes, conhecendo o lado odioso e criminoso de um facto, se identificam com o chefe, o glorificam, o defendem, que fazem senão amarrar-se á sua vergonha? «Morra por elle» — diziam os nossos antigos. Os partidos morrem pelo desvario ou crime de quem os dirige. E não pode deixar de ser assim. Os chefes do Estado não podem chamar para junto de si representantes de partidos em decomposição, desacreditados perante a opinião, incursos em crimes que a lei penal castiga.

«Os Ministros são os crimes dos Reis» — disse um grande orador da França. Ministro de partidos desprestigiados e deshonrados pegam manchas ao manto real. Consubstanciam as instituições com erros ou attentados dos seus homens publicos. E onde pode haver menos erros, de natureza moral, do que na questão dolorosa dos adeantamentos?

Aproveito a occasião para mais uma vez dizer á Camara que não tive conhecimento nenhum de qualquer somma dada á Casa Real ou á Familia Real quando fui Ministro. Publicou-se agora uma carta em que, sendo eu Ministro, por ordem do Sr. José Luciano de Castro foi dada pelo Sr. Ministro da Fazenda de então, o Sr. Espregueira, uma somma, illegalmente abonada, a uma Senhora da Familia Real — Senhora que pelas suas altas qualidades e por não saber com certeza o que se faria na administração da sua casa, eu ponho e porei sempre fora do debate. Nunca sube de tal documento. Não analyso essa carta, em que á casa d'essa Senhora se man da dar a titulo de adeantamento — é espantoso ! — uma somma do Thesouro, e em que se diz que, depois, se procurará regularizar essa operação. O proposito de deturpar as contas publicas transuda d'estas palavras. Não conheço documento mais extraordinario, saido das mãos de um chefe de partido.

Só ha de mais assombroso — se é possivel! — o ser esta ordem dada numa carta reservada num documento particularissimo, que as mais triviaes noções de honra mandam inutilizar — todas as cartas são sagradas, e quanto mais cartas reservadas! — e essa carta ter o despacho de um Ministro, e ficar numa secretaria, entre documentos publicos, entre documentos officiaes. O Sr. Espregueira quis assim frisar, não ha duvida, que obedecia a ordens do chefe e quis demonstrar que em todas as questões de adeantainentos recebia a inspiração do Sr. Presidente do Conselho. Como o Sr. José Luciano expia a confiança deposta no Sr. Espregueira, o seu Ministro dos tabacos!... Não analyso essa carta, cuja existencia foi negada em pleno Parlamento, na imprensa, com aggravo e doesto para os que diziam ella existir — e que quarenta e oito horas depois foi confirmado achar-se em processos publicos, no Ministerio da Fazenda. Este facto é dos mais syrnptomaticos da moralidade dos tempos. Não o discuto até por não estar presente o chefe do partido progressista.

Faço votos por que este compareça brevemente na Camara. Prometteu-o o Digno Par Sr. Beirão, que disse que S. Exa. mantinha, firme e integras, todas as suas declarações feitas no Parlamento, na Camara dos Pares, na sessão de 21 de novembro de 1906.

Eu conheço documentos e sei de testemunha insuspeita, que contrariariam absolutamente as affirmações do Sr. José Luciano de Castro. Anceio, pois, pelo esclarecimento d'esse mysterio, desejando sinceramente que as negativas do chefe progressista não sejam desmentidas como as suas negativas sobre a carta agora trazida, á publicidade.

Tambem affirmo que o Sr. Espregueira, na Camara dos Deputados, attentou contra a verdade quando disse que tinha feito adeantamentos ao Rei legalmente, como a qualquer empregado publico. Não é exacto. E eu tomo o compromisso, quando essa questão se levantar, de provar essa affirmação.

Ha quem julgue que se conhecem já os incidentes mais notaveis da questão dos adeantamentos. Não é assim. Esta questão, toda de moralidade, demonstrativa, de como os chefes dos partidos especulavam com a Coroa para se conservarem no poder, para satisfazerem as suas ambições politicas ou perseguirem os correligionarios que os incommodavam, está, ainda, permitta-se-me a frase, no começo do começo!

Deixem vir os documentos que, por bem ou por mal, contra ou sem vontade, hão de vir á luz.

O Digno Par Sr. Vilhena diz que eu falo como um tribuno apaixonado e não como homem de Governo. Porquê ? Não comprehendo! Por dizer que o Rei Senhor D. Manuel deve estar fora d'esta discussão, que não tem responsabilidades algumas, e que, á sua sombra, envolvendo a questão dos adeantamentos com a da lista civil, se queria esconder atrás do seu nome a fallencia moral dos partidos?

Pois para que é que ao Sr. Amaral foi solicitada e inspirada a junção dos dois casos? Não pronunciei uma unica palavra de desrespeito para o Rei, que servirei e defenderei: quero, pelo contrario, livrá-lo dos homens publicos que o pretendem envolver.

E tanto o sentem assim os rotativos, que, para levarem ao Paço as suas intrigas, sentindo-se perdidos, vendo-se desacreditados, recorrem, ao expediente

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8 ANNAES DA CAMAEA DOS DIGNOS PARES DO REINO

de dizerem que na questão dos adeantamentos houve ligações com os republicanos.

Não houve, não ha a menor combinação, directa ou indirecta. Digo-o tanto mais claramente quanto, como se faz no estrangeiro, e como entre nós se tem feito, não tenho a menor duvida era affirmar que me alliarei com todos, monarchicos e não monarchicos, quando a liberdade perigue, quando o absolutismo pretenda imperar. O país e a liberdade estão, para mim, acima de tudo.

Sou monarchico assim: tanta dedicação ao Rei liberal e democrata, como absoluta separação, se se quiser fazer uma monarchia como a dos ultimos dezoito meses. Sabe-o o Rei, sabe-o o país.

Não quis aggredir o Sr. Vilhena, quando me referi ás ligações dos partidos progressista e regenerador com os republicanos. Quis defender-me e mostrar que os partidos faziam essas ligações quando lhes convinha, e que, no genero de incitamento revolucionario, elles tinham ido o mais longe possivel.

Confirmei, numa narração longa, as ligações dos progressistas com os republicanos, na colligação liberal que discuti, e a qual tratou planos revolucionarios: confirmei as negociações e combinações entre os republicanos, regeneradores, progressistas e dissidentes, para o 18 de junho: mostrei que, na imprensa, os dois partidos tinham ameaçado o Rei com a abdicação e a revolução, incitando todas as paixões populares: provei que, nas assembleias geraes dos partidos, ninguem — ninguem! — defendeu o Rei D. Carlos, que ali foi aggredido, pessoal e politicamente, e que, se as moções votadas não foram revolucionarias, o foram as assembleias, onde oradores proclamavam abertamente a incompatibilidade com o Rei, e até justificavam a revolução, sendo o Sr. Vilhena obrigado a dizer que eram votadas as moções com os seus commentarios.

Porque é que, agora, esses propagandistas da sedição e da resistencia, esses que tanto preparavam o espirito publico, assim atacam agora os dissidentes, accusando-os de ligados com os republicanos na questão dos adeantamentos Porque o que lhes convinha era que, com o pretexto da lista civil, os dissidentes lhes deixassem passar j incolumes, os adeantamentos de que elles teem culpa, a que igualmente se não eximem os franquistas pelo seu decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907, que tambem, contra lei, dava dinheiro á Coroa.

Os dissidentes combateram a junção da lista civil e dos adeantamentos como uma fraude compromettedora para a Coroa, como encobridora da verdade, como um ataque aos dinheiros publicos—como uns crimes dos rotativos. São por isso. . . ligados com os republicanos. Os rotativos querem uma monarchia de mentira e de extorsões ao Thesouro. Não a querem os dissidentes.

Continuando-se no caminhe do passado, faz-se uma monarchia mentirosamente liberal, com um Rei irresponsavel e sete Ministros irresponsaveis — amparados pelo exercito, pelo nobre exercito, cuja missão se falseia, e cujos interesses legitimos estão postos de lado.

O Sr. Vilhena, disse que faria adeantamentos ao Rei, se visse que este podia ser arrastado aos tribunaes.

Eu entendo que isso jamais podia succeder com o Senhor D. Manuel, pois só aconteceria com Soberanos que não amassem o seu país e não tivessem o nobre desejo de honrar o seu nome.

Não quero maguar o Sr. Vilhena, e não quero repetir, visto terem-me doido tanto as suas palavras, que me causaram assombro e magua.

Eu falo por mim. Digo bem alto que em caso nenhum faria ao Rei semelhante sacrificio.

Posso fazer-lhe um sacrificio pessoal: não posso fazer-lhe o da lei e do dinheiro do povo. Se tal facto acontecesse, eu convocaria logo o Parlamento, expor-lhe-hia a verdade, lealmente, á luz do sol.

Em alguns países, taes com na Inglaterra, tem-se pago as dividas dos Reis e dos Principes. Mas, no Parlamento. Fora d'elle, não. E affirmo que, em nenhuma monarchia constitucional jamais succedeu facto igual ao dos adeantamentos portugueses. Se não, citem-nos. Taes factos incompatibilizam moralmente os partidos com o Rei, quando esses partidos os sanccionam! Taes factos tornam-nos repugnantes á nação, que vê o seu dinheiro consumido em illegalidades, esbanjamentos e crimes.

O Digno Par Sr. Julio de Vilhena disse que o seu proceder seria o de um homem de Estado. O meu, não..

A frase homem de Estado, e as palavras razão de Estado servem para os homens publicos se justificarem a si, nos seus erros e contradições, para justificarem os seus actos, quando contrarios a razoes de liberdade e humanidade. Eu não quero ser homem de Estado assim.

Penso que, quando um país atravessa a crise do nosso, só é verdadeiramente estadista quebra comprehende as correntes que o atravessam, quem contra na as más, oppostas ás ideias modernas, e dirige e canaliza as outras, quem rodeia o regime de instituições liberaes e sociaes que o engrandeçam' e tornem amado, quem fale verdade ao Hei e o procure fazer seu amigo, não pela lisonja e pela corrupção, mas pela defesa dos interesses do país e da liberdade. Digo o que penso e o que sinto, para o povo e para o Paço.

Não soara bem, ali, as minhas palavras? Não são bem entendidas e interpretadas? Então, faço minhas as palavras do personagem da Antigone, palavras que já uma vez disse: — «Aquelle que, para a grandeza do Estado, não defende os melhores principies e deixa que o medo lhe amarre a lingua, é um mau homem: e eu desprezo aquelle que prefere um amigo á sua patria».

« Vozes:— Muito bem. (S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: — Não fui eu que desloquei a questão para o campo politico. D’isso dei prova a primeira vez que fiz uso da palavra, conduzindo-me com sobriedade extrema, na apreciação dos actos d'esse caracter. Neste momento, adoptarei identico norteamento; e se volto ao debate é apenas para responder ao convite que me fez o Digno Par Sr. Arroyo, não lhe acceitando a indicação que formulou ; e; pelo contrario, mantenho teimosamente, sem a minima discrepancia, as conclusões da minha proposta, cuja letra é a seguinte:

1.° Que por ella (esta Camara) seja nomeada uma commissão de 21 membros, que, dividida em secções, procederá a rigorosa syndicancia ás Secretarias de Estado e suas dependencias, a qual abrangerá, todo o periodo do reinado transacto.

2.° Que a commissão inaugurará os seus trabalhos procedendo ao apuramento das responsabilidades de toda a ordem, motivadas pelos adeantamentos illegaes á Fazenda da Casa Real e a quaesquer funccionarios do Estado — apuramento que deve abranger todos os beneficios de natureza varia, auferidos pela Coroa, por os diversos Ministerios, com violação das leis do reino.

3.° Que a commissão seja investida de plenos poderes, indubitavelmente consentaneos com a melindrosa e alta missão que lhe é confiada, e indispensaveis para que ella não' possa, por circunstancia alguma, ser contrariada e diminuida no exercicio das suas importantes funcções. = Sebastião Baracho.

Antes, porem, de corroborar as asseverações por mim expressadas, em sessões anteriores, fundamentando as conclusões da minha proposta, seja-me licito consignar que comprehendo que, em qualquer Constituição politica, não haja segunda Camara, consoante succedia na liberrima Constituição de 23 de setembro de 1822. Mas desde que a segunda camara existe, tem de ter attribuições identicas ás da primeira, em questões de fiscalização, como a que se discute.

De resto, na segunda Camara, como inquiridora, residem recommendações que a primeira não possue, e que não

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recordo neste momento, por as ter circunstanciado da primeira vez que usei da palavra. A interpretação dos textos legaes, por mim adduzidos tambem mais de uma vez, confirmam as misuas affirmativas.

E, evidenciados pela discussão, os igualitarios direitos syndicantes das duas Camaras, é obvio que a commissão investigadora, tem de registar o que apurou, conforme o que estatue a conclusão segunda da minha proposta.

Se não pormenorizar as faltas encontradas: e, associadamente não designar os delinquentes, nem tão pouco que sobre elles incide a acção penal, ou outra, que utilidade salubrizadora residiria na syndicancia?

Apurar todas as responsabilidades não é condemnar, como tribunal judiciario. A este respeito não são permittidas duas opiniões.

A acção parallela e simultanea, d'esta com a outra Camara, por intermedio de respectivas commissões de inquerito, teria beneficas consequencias. Com o estimulante que dimanaria da concorrencia, muito haveria a lucrar para o apuramento da verdade, e para a punição dos delinquentes.

Sem plenos poderes concedidos á commissão syndicante, seria muito possivel que a sua acção fosse completamente esteril, senão contraproducente.

E tanto essa exigencia não é demasiada, que o Sr. Ministro da Justiça prometteu, por parte do Governo, que seriam fornecidos á commissão todos os documentos de que ella carecesse.

Esta offerta comprova, sem a menor duvida, a genuinidade da aspiração dos plenos poderes, constante da 3.ª conclusão da minha proposta.

Não seria, pois, muito mais conveniente, a camara attribuir os plenos poderes á commissão sua mandataria, do que sujeitá-la ás restrictivas contingencias resultantes do decorrer do tempo, com as suas inherentes substituições ministeriaes?

São constitue base muito mais solida das operações inquiridoras, substituir o favor e a boa vontade do Governo, indubitavelmente falliveis, pelo direito emanante da delegação de poderes, ampla e nitida?

Confirmando as minhas asserções, vem a proposito recordar o que tem succedido e está succedendo em França!

Com a syndicancia ao Ministerio da Marinha, levada a effeito, durante a gerencia ministerial do Sr. Camillo Pelletan, nada se apurou : — não houve conclusões.

A Camara dos Deputados foi substituida legalmente por outra; e com esta substituição deixaram de ter idoneidade os primitivos syndicantes, aos quaes não foram dados successores.

Com a syndicancia senatorial, concernentemente á liquidação dos bens das ordens religiosas, nada tambem se tem apurado definitivamente, não obstante a respectiva commissão ter sido nomeada ha bastantes meses, e presidi-la um homem de indiscutivel acção e de elevada categoria politica, como é o Sr. Combes, o anterior Presidente do Conselho de Ministros.

Tudo isto é profundamente significativo, sem a menor duvida.

A esterilidade das duas commissões indigitadas deriva principalmente de os seus membros não terem sido investidos de plenos poderes inquiridores. Alguns d'elles reclamaram esses poderes, que lhes podiam ser dados, respectivamente, por cada uma das Camaras, nas suas correspondentes delegações.

Os reclamantes, porem, não foram attendidos, e o resultado foi, e é, a patente inefficacia averiguadora, attestada pelo occorrido.

Entre nós succederia outro tanto, sem a menor vacillação para o meu espirito.

Em taes circunstancias, mantenho a minha proposta na sua integridade, desejando que a votação incida sobre as suas tres conclusões, conjuntas, formando bloco.

Como homem pratico que me prezo de ser por principio algum me associo a qualquer deliberação, cuja inutilidade seja incontroversa, segundo o meu criterio. Em tal caso estaria a disjunção, ou antes, a inutilização da 3.ª conclusão da minha proposta.

As outras duas, somente, não poderiam produzir resultados beneficos, moralizadores e de effeitos seguros.

Quando na França, onde os Parlamentos é que fazem os Governos as commissões parlamentares cousa alguma apuram, por não serem investidas de plenos poderes, o que succederia entre nós, onde são os Governos que fazem os Parlamentos?

A resposta é por tal forma intuitiva, que eu, pela minha parte, me abstenho de a formular e dou, para não consumir mais tempo á Camara, por concluidas as minhas observações, não alimentando a menor duvida acêrca do destino que vae ter a minha proposta.

Na vigencia rotativa, não tem cabimento a luz intensa e radiante, que desvendaria os mysterios, mais ou menos tenebrosos, que se acoitam nas Secretarias de Estado, e adjacencias.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Luciano Monteiro.— Eu pedi a palavra, não para discutir a proposta do Digno Par Sr. Sebastião Baracho, que já está sufficientemente debatida, mas para fazer uma simples declaração de voto.

Está proposta tem por fim um inquerito aos actos de administração do ultimo reinado. Eu fiz parte da ultima situação ministerial comprehendida nesse limite.

Seja qual for a diversidade de opiniões sobre a competencia d'esta camara em relação ao fim que se tem em vista, desde que a nota dominante seja a do inquerito aos actos das passadas gerencias ministeriaes, vejo-me na necessidade imperiosa de dar o meu apoio a essa proposta.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: — Estando esgotada a inscrição, vae votar-se o projecto.

O Sr. Sebastião Baracho: — Rogo a V. Exa. se digne consultar a camara sobre se quer votação nominal para a minha proposta.

O Sr. Presidente:— Os Dignos Pares que approvam que haja votação nominal sobre esta proposta teem a bondade de se levantar.

Approvado este requerimento, e feita a chamada, disseram approvo os seguintes Dignos Pares:

Visconde de Monte- São, Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva, Ayres de Ornellas de Vasconcellos, Henrique Baptista de Andrade, Henrique da Gama Barros, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Luciano Affonso da Silva Monteiro- e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Disseram rejeito os seguintes Dignos Pares:

Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimentel; Marquezes: de Alvito, de Avila e de Bolama, de Penafiel e de Sousa Holstein; Condes de Bertiandos, do Bomfim, do Cartaxo, de Mártens Ferrão, de Paraty e de Villa Real. Visconde de Asseca, Antonio Augusto Pereira de Miranda, Eduardo José Coelho, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Maria da Cunha, D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio. Joaquim de Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo Castello Branco, José da Silveira Vianna, Julio Marques de Vilhena, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Fisher Berquó Pôças Falcão e Luiz de Mello Bandeira Coelho.

Foi, portanto, rejeitada por 27 votos contra 10.

O Sr. Presidente:— Como declarei que a sessão se encerrava ás 6 horas,

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vae ler-se, para entrar em discussão, o parecer n.° 10.

Leu-se na mesa o parecer, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 10

Senhores.— A vossa commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.° 9, vindo da Camara dos Senhores Deputados, que fixa a força do exercito, em pé de paz, em 30:000 praças de pret de todas as armas, para o anno economico de 1908-1909, não devendo ser licenceada, nos termos das leis em vigor, força que prejudique o serviço e instruccão militar.

Tendo a vossa commissão apreciado devidamente o mencionado projecto, é de parecer que deve ser approvado, para ser convertido em lei.

Sala das sessões da commissão, era 9 de junho de 1908. = Francisco Maria da Cunha = Sebastião de Sousa Dantas Baracho (com declarações) = F. F. Dias Costa = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Conde de Tarouca = Conde de Bomfim == Antonio Eduardo Villaça = F. J. Machado.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 9

Artigo 1.° A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1908-1909 em 30:000 praças de pret de todas as armas.

§ unico. Será licenceada, nos termos da legislação em vigor, toda a força que puder ser dispensada, sem prejuizo do serviço e da instruccão militar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 2 de junho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes, Presidente — Amandio Eduardo da Motta Veiga, 1.° Secretario = João Pereira de Magalhães, 2.° Secretario.

N.°4

Senhores. — A vossa commissão de guerra, apreciando a proposta de lei n.° 3-H, que fixa em 30:000 praças de pret de todas as armas a força do exercito em pó de paz para o anno economico de 1908-1909, com ella concorda plenamente, entendendo que pode ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1908-1909 em 30:000 praças de pret de todas as armas.

§ unico. Será licenceada, nos termos da legislação em vigor, toda a força que puder ser dispensada, sem prejuizo do serviço e da instruccão militar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 23 de maio de 1908. = José Mathias Nunes = João de Sousa Tavares = João Soares Branco — Antonio Augusto Pereira Cardoso = José Joaquim Mendes Leal = Roberto da Cunha Baptista = Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho (relator).

PROPOSTA DE LEI N.° 3-H

Artigo 1.° A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1908-1909 em 30:000 praças de pret. de todas as armas.

§ unico. Será licenceada, nos termos da legislação em vigor, toda a força que puder ser dispensada, sem prejuizo do serviço e da instruccão militar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 18 de maio de 1908.= Sebastião Custodio de Sousa Telles.

O 8r. Sebastião Baracho:— Desde novembro de 1904 que não se discutem as leis constitucionaes, concomitantes com o orçamento do Estado, que tem tido a mesma sorte. E todavia, o artigo 7.° do 3.° Acto Addicional, de 3 de abril de 1896, recommenda mui differentes processos administrativos, conforme se reconhece pela sua letra, que é d'este teor:

Artigo 7.° Nos primeiros quinze das depois de ser constituida a Camara dos Deputados, o Governo lhe apresentará o orçamento da receita e despesa do anno seguinte, as propostas fixando as forças de terra e mar e a dos contingentes de recrutamento da força publica. Quando, até ao fim do anno economico, as Côrtes não hajam votado as respectivas leis, continuarão em vigor no anno immediato as ultimas disposições legaes sobre estes assuntos até nova resolução do poder legislativo. Se porem, as Côrtes não estiverem abertas, serão extraordinariamente convocadas e reunidas no prazo de trás meses, a fim de deliberarem exclusivamente sobre os assuntos de que trata este artigo; se estiverem funccionando, não serão encerradas sem haverem deliberado sobre o mesmo objecto, excepto sendo dissolvidas; no caso de dissolução serão convocadas e reunidas no prazo já indicado, em sessão ordinaria ou em sessão extraordinaria, para o mesmo exclusivo fim.

A par d'isso a Carta Constitucional preceitua:

Artigo l5.° E da attribuição das Côrtes:

§ 8.° Fixar annualmente as despesas publicas, e repartir a contribuição directa.

§ 10.° Fixar annualmente, sobre informação do Governo, as forças de mar e terra, ordinarias e extraordinarias.

Na constancia do absolutismo bastardo vigorante e de degenerada cultura do arbitrio e da illegalidade, das mais anarchicas consequencias, foram postergados os sadios preceitos, resultantes dos textos constitucionaes que ficam mencionados.

No projecto em discussão não se menciona a cifra da força dispensada do serviço activo, sem prejuizo de, maior.

Esta omissão, que nem sempre existiu em diplomas d'esta indole, pode dar margem a despesas, exageradas, que mal se coadunam com as apertadas circunstancias do Thesouro.

Com effeito, o Diario do Governo, de hoje, publica um decreto autorizando um credito especial, confirmativo das asserções que deixo expendidas, e que é d'este teor :

Com fundamento no disposto no § 1.° do artigo 1'6.° do decreto de 29 de junho de 1907, no n.° 8.° do mesmo paragrapho e na carta de lei de 24 de novembro de 1904, que fixou em 30:000 praças a força do exercito, lei esta cujas disposições te em continuado a vigorar até o corrente anno economico de 1907-1908 inclusive, nos termos do artigo 7.° da lei de 3 de abril de 1896: hei por bem determinar, tendo ouvido o Conselho de Ministros, que no Ministerio da Fazenda, devidamente registado na Direcção Geral de Contabilidade Publica, seja aberto a favor do Ministerio da Guerra um credito especial pela quantia total de 212 contos de réis, sendo 135 contos de réis para o artigo 11.°, réis 8 contos para o artigo 12.°, 65 contos de réis para o artigo 25.° e 4 contos de réis para o artigo 31.°. com applicação no anno economico de 1907-1908 ás despesas respectivas.

Os 212 contos de réis autorizados voem engrossar o deficit, cujas doentias habilidades do Sr. Ministro da Fazenda procuraram reduzir á expressão minima de 1.301:111$532 réis, incompativel desgraçadamente com a verdade dos factos e com a respeitabilidade no poder.

Emquanto; por esta forma, nada seria, se falar ao país, e se lhe cuidar do seu passadio, não pode haver esperança em que se trave a roda da desventura, na qual nos encontramos, financeira, economica e politicamente enleados:

Para notar é que se a guarda municipal fosse transformada em guarda civil, uma importante economia produziria esta reforma salutar. A sua dispersão pelo reino no serviço policial pouparia a esse encargo o exercito, cuja instruccão seria, em tal caso, mais cuidada. Alem d'isso, o licenceamento de praças, tambem do exercito, poderia ser mais avultado, deixando de haver materia prima para os creditos especiaes esmagadores, como aquelle que acabei de considerar.

A transformação alludida impõe se a todos os respeitos, desde que a guarda, pelos seus odientos excessos, se tornou odiosa para com o povo, que lhe paga, por seu turno, em identica moeda.

Debalde faço propaganda, nesse sentido, ha bastantes annos. Como a reforma indigitada, produziria melhoria no serviço e diminuição no dispendio publico, tem sido systematicamente

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posta de parte, dando-se preferencia a outras medidas que não se recommendam por preceito algum.

Dito isto, convem observar que, no decorrer das minhas considerações, amoldar-me-hei pelo requerimento que fiz, pedindo esclarecimentos, pelo Ministerio da Guerra, dos quaes ainda nem um unico me foi fornecido. Procurarei agora ver se sou mais feliz, obtendo vocalmente do Sr. Ministro as informações que não se dignou dar-me por escrito.

Nesse intuito, vou fazer a leitura do primeiro articulado do alludido requerimento, concebido nestes termos:

Nota da despesa feita com a installação do Supremo Conselho de Defesa Nacional; e bem assim do despendido com as installações derivantes da reforma da Secretaria da Guerra e serviços associados. Nesta especificação haverá a attender ao seguinte :

a) Designação dos varios serviços e sua distribuição pelos differentes edificios publicos.

b) Despesa realizada com cada uma installação.

c) Somma de todo o despendido.

d) Indicação da verba ou verbas das quaes sairam as despesas realizadas.

e) Citação do diploma legal que as autorizou.

O Supremo Conselho de Defesa Nacional, a que se faz referencia, é das mais completas mystificações da magra inventiva dos nossos safaros dirigentes.

Assim o considera o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, e o Sr. Ministro da Guerra, que, se a memoria me não falha, quando esse aborto veio aqui á discussão, o acceitou apenas, a titulo de experiencia, o que equivale dizer — em linguagem forense — á beneficio do inventario.

O Supremo Conselho, em todo o ponto inconstitucional, é um dos productos confirmativos do engrandeci mento do poder real, cujas funestas consequencias se affirmaram desde a sua gestação, ha bons quinze annos, até á sua mais sinistra manifestação, com a macabra tragedia de 1 de fevereiro.

Do Supremo Conselho de Defesa Nacional é, repito, acerrimo adversario o Sr. Presidente do Conselho. A sua opinião, patenteada na sessão de 22 de maio d'este anno, em replica ás minhas reflexões, acêrca da resposta ao Discurso do Throno, merece ser divulgada.

Como, porem, deu a hora, segundo informa o Sr. Presidente, limito-me, neste momento, a pedir que me fique reservada a palavra para a sessão seguinte.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente:— Fica V. Exa. com a palavra reservada para a seguinte 1 sessão, que é no dia 30 do corrente, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas da tarde.

Dignos Pares presentes á sessão de 22 de junho de 1908

Exmos. Srs: Antonio de Azevedo Castello Branco; Eduardo de Serpa Pimentel, Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, do Cartaxo, de Mártens Ferrão, de Paraty, de Sabugosa, de Villa Real; Viscondes: de Asseca, de Monte-São; Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Costa e Silva, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Gama Barros, D. João de Alarcão, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,

A. BRAMÃO.

Projecto de lei apresentado pelo Digno Par Francisco José Machado na sessão de 20 de junho.

Senhores. — Estamos no auge da crise vinicola. Vem ella a desenhar-se desde 1901 e, aparte breves intermittencias, sempre patenteando-se com aspectos cada vez mais assustadores.

Diversas providencias teem sido tomadas pelo poder executivo, todas ellas de caracter ditatorial, e talvez por este motivo não teem produzido os resultados que se previam.

Por decreto de 14 de junho de 1901 criaram-se adegas sociaes com regalias e concessões de certa importancia, mas os seus effeitos não trouxeram vantagens á viticultura em geral. Antes constituiram um encargo oneroso para o Estado, que continua no desembolso de importantes quantias, senão em pura perda, pelo menos sem beneficios apreciaveis para a vinicultura.

Por decreto de 14 de janeiro de 1905, estimulou-se a criação de companhias vinicolas, a que o respectivo regulamento de 5 de junho do mesmo anno cerceou regalias e favores; alteraram-se as taxas do direito de consumo aos vinhos entrados na cidade de Lisboa, e estabeleceram-se premios de exportação aos vinhos de pasto com marcas registadas. Somente duas companhias vinicolas se organizaram com capitães minimos, e outras duas se adaptaram ao mesmo decreto, para usufruirem das vantagens que elle conferiu. No entanto, a nova modificação tributaria ao vinho entrado para o consumo de Lisboa, em virtude da diminuição na escala alcoolica, trouxe um alargamento consideravel na importação de vinho, accusando, nas receitas fiscaes, um acrescimo superior ao computado no relatorio que precedeu esse decreto de 14 de janeiro de 1900, e que tem sido de importancia acima de 200:000$000 réis. De 1897 a 1906 esse aumento foi de 569:832$826 réis. Com este aumento de receitas, ficou o Estado habilitado com fundos sufficientes a fazer face aos premios de exportação de vinhos de pasto, e a organizar e a fortalecer o denominado fomento commercial.

O decreto mais recente, de 16 de maio de 1907, legislando especialmente para o commercio de vinhos licorosos do Porto, estabeleceu a demarcação da região duriense, prohibiu ali o fabrico de aguardente e offereceu garantias exclusivistas á barra do Douro e ao porto de Leixões.

Ao mesmo tempo regulamentou os serviços dos depositos geraes de alcool vinico para auxilio da viticultura, abriu creditos na Caixa Geral de Depositos e criou a emissão de warrants. Igualmente remodelou a distribuição do acrescimo de receitas provenientes do imposto de consumo do vinho entrado na cidade de Lisboa, dando-lhe novas applicações.

Não obstante tudo isto, não se conseguiu normalizar a situação nem conjurar a crise vinicola.

Outros remedios mais energicos são urgentes e indispensaveis nesta hora angustiosa para a lavoura e para o commercio de vinhos nacionaes.

Teem-se confundido até agora as causas que determinaram a actual crise e, por isso, é indispensavel historiar-se, em poucas palavras, as origens da situação era que nos encontramos.

O alcool industrial, que foi o sustentaculo da nossa exportação quando a phylloxera fez desapparecer os vinhedos que produziam o alcool de vinho, devia ter suspendido = o seu fabrico, quando a restituição d'aquelles vinhedos facilitava a producção da propria aguardente de vinho. Não se fez assim e os vinhos na somma importante de 200:000 hectolitros, que até ahi se transformavam em aguardente, vieram para o mercado, na qualidade de vinho de copo, affrontar a venda dos naturaes vinhos de pasto. D'aqui procede

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o desequilibrio que motivou um apparente excesso de vinhos, que na verdade nunca existiram nem existem.

Quando as leis do Marquês de Pombal protegeram com largueza os vinhos do Douro, Deão teve este estadista em mim o proteger exclusivamente a, região duriense. Foram de maior amplitude as suas vistas. E elle viu, no seu alto e justo criterio, que, protegendo o Douro, protegia simultaneamente o sul e iniciava um periodo de prosperidade para todo o país vinicola. Porque é preciso accentuarmos bem que, com a marca «Porto», cada pipa que se exporta leva em si, como elemento indispensavel a sua constituição, mais duas pipas de vinho ordinario, que não teria outro prestimo ou applicação, que não fosse o de ser distillado.

Sem a pretensão de igualar nos seus nobres intuitos o grande Marquês de Pombal, cumpre-nos declarar que o nosso intuito é salvaguardar, simultanea e conjuntamente, os interesses do norte e do sul, como provarei na sequencia d'esta minha exposição.

Mas mão foi só a sustentação do fabrico do alcool industrial, fora do periodo em que elle se tornou benefico, que motivou a situação em que nos encontramos.

Exigencias economicas do commercio, por dificuldades de collocação nos mercados externos, obrigaram estes a abandonar os compromissos que tinha com os viticultores e a só acceitar ninhos, valorizando apenas o seu grau alcoolico. D'aqui a desvalorização completa do vinho, que passou a perder as suas qualidades intrinsecas, para conservar apenas a sua graduação alcoolica sem escolha de procedencia.

Posto isto, entremos na apreciação dos factos que actualmente se dão.

Effectivamente verifica-se uma falta de procura de vinhos e uma certa estagnação d'elles nas adegas dos proprietarios. Isto porem, não representa abundancia de vinho, porque se fosse assim não teria elle sido vendido em 1901 a 200 e 300 réis os vinte litros e no anno seguinte a l$400 réis igual capacidade. Onde- se esconderia uma abundancia que não accusava stock de um anno para o outro? É claro que a crise não pode ser explicada por uma abundancia que se provou não existir.

A crise tem hoje, com certeza, como principal factor, uma exportação menor do que a actual producção.

A restricção do plantio, sobretudo nos terrenos baixos, é mais uma accusação aos negociantes de vinhos de pasto do que um abuso praticado pelo viticultor.

Não consta que em Bordeaux alguem se revoltasse contra a plantação dos vinhos de Palus. Pela razão muito simples de que o negociante em Bordeaux paga o vinho pela sua qualidade e não engloba no mesmo preço o vinho da planicie com o da encosta, como acontece entre nós, em que o commissario do negociante offerece o mesmo preço, com ligeiras variantes, pelos vinhos de diversas categorias.

O que se dá em Bordeaux succede em todos os países vinicolas, e se se procedesse assim em Portugal, poderiamos salvaguardar os interesses de todos, sem repressões offensivas á liberdade individual.

Mas sem pretender por modo algum exigir que se alterem as convenções estabelecidas pelo commercio português, é facil, por meio de um novo processo fiscal, corrigir-se essa flagrante desigualdade de valorização entre vinhos de encosta e de planicie.

A modificação do systema tributario sobre terrenos com vinhas por uma forma muitissimo simples, que consistiria em estipular-se um imposto progressivo por pipa de producção, ciaria não só maiores proventos para o Estado, como tambem estabeleceria a igualdade dos lucros entre os viticultores.

Portugal, sendo um país essencialmente vinicola e devendo ao vinho a sua maior riqueza, encontra-se, neste momento, a braços com um excesso de producção, encarado em face da sua restricta exportação.

Digladiam-se interesses antagonicos entre o norte, sobretudo na região duriense, que goza do privilegio de s afamados vinhos do Porto, e o sul, rico e abundante em vinhos de diversas, categorias.

Urge acudir com rasgadas medidas de protecção á viticultura duriense. não esquecendo medidas de fomento ao commercio de vinhos do Porto, no que respeita á exportação d'esses mesmos vinhos.

Mas nem por isso se despreze a viticultura do sul, que demanda auxilios embora de outra natureza, e não seria justo sacrificar em holocausto ao Douro, os respeitaveis e importantissimos interesses que a região aquem Mondego tem de defender em beneficio da vinicultura em geral.

Se o Douro tem a soberania de um producto por excellencia e por isso deseja legitimamente apoderar-se exclusivamente das garantias e privilegios que lhe cabem, não menos carecem de relativa protecção as regiões do centro e sul do país, onde tão diversas e interessantes qualidades de vinhos existem, em quantidades tão avultadas, a fim de se encontrar habilitada a competir nos mercados externos, com productos similares de outros países concorrentes.

O nosso país possue extra Douro, excellentes massas de vinhos, que não
só podem criar typos originaes de muito valor, como o Bucellas, Carcavellos, Dão e Collares, mas ainda com o Torres Vedras nós podemos obter o Saint Emilion e Barollo e no Alemtejo e Algarve temos elementos de sobra para fabricar o Xerez e Malaga.

No sul do país temos vinhos fracos, tintos e brancos, em Collares, Mafra e Chelleiros etc; vinhos de força media em Torres Vedras, Cartaxo, Dão e parte do Ribatejo; vinhos de lote na Bairrada, Alemtejo e Beira Baixa; vinhos licorosos na mesma Beira Baixa, onde no sitio do extremo, ha mostos com 30 graus de açucar; vinhos generosos no Ribatejo, onde os mostos de Alemquer, Coruche, Benavente e Almeirim, igualam muitos annos em riqueza saccharina, os mostos do Douro, e bem assim em Villa Alva (Alemtejo) onde se repetem as mesmas condições; e finalmente no Lavradio e Carcavellos especializando sobretudo o Algarve.

E, perante tanta diversidade de massas de vinhos, escasseiam-nos os typos definidos com que possamos entrar afoitamente nos mercados externos, firmando lá a nossa posição e acreditando os nossos productos. . .

Nos centros commerciaes do estrangeiro, está estabelecido um typo de vinho de pasto, que, se existe entre nós, não é em condições commerciaes absolutamente definidas. Esse typo deve representar um vinho ligeiro, fraco, com gosto a fruto e com um aroma e um fundido que autentifique tres ou quatro annos de cave.

Nestas condições, confiadamente podemos affirmar que não temos essa classe ou typo de vinho.

E não a temos, porque, pelo menos, faltam as caves,, que representam, por assim dizer, o meio indispensavel ao melhoramento do vinho que o consumidor aprecia no estrangeiro.

Pois a conquista de mercados novos para os legitimos vinhos portugueses, especialmente para os de pasto, depende essencialmente de apresentação dos productos nas condições requeridas pelo paladar dos consumidores e do bom êxito da propaganda a iniciar-se entre elles.

Para o primeiro requisito temos, como parte mais importante, massas de vinhos de excellentes qualidades, mas, se esses vinhos não forem tratados e educados com os desvelos exigidos hoje pela oenologia moderna, não haverá propaganda, por mais intelligente, activa e desinteressada que seja, que possa lançar os creditos do producto.

Deprehende-se d'aqui a indispensabilidade da criação de uma poderosa companhia de vinhos que, valorizando os vinhos do sul de tão diversas applicações, fique habilitada com capitães

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importantes para arcar com os encargos de preparo e educação d'esses vinhos e bem assim para occorrer ás grandes despesas de propaganda, demoras e empates nas vendas, e carestia de fretes, inevitaveis á natural expansão de vinhos portugueses para países onde se teem de defrontar com productos identicos de outras nações concorrentes.

Nenhuma casa commercial, que se dedique á exportação de vinhos, pode abalançar-se a commettimentos d'esta ordem, não só porque lhes falta o numerario para taes arrojos, como porque precisa de conquistar remuneração immediata para proveito do respectivo fundo social.

Nestas condições, impõe-se a criação de uma Companhia de Vinhos, com sede em Lisboa, habilitada com determinada latitude de capital social, que não será difficil obter-se, especialmente entre a lavoura viticola e o proprio commercio exportador de vinhos, desde que o Estado garanta o juro ás primeiras series da emissão de capital social.

Evidentemente que não se trata de um subsidio, no sentido de doação, como succede á importantissima verba de 270 contos de réis que o Estado entrega annualmente á Companhia dos Caminhos de Ferro Peninsulares, para custear uma linha ferrea em territorio espanhol, subvenção essa que foi elevada áquelle limite de 270 contos de réis por lei de 29 de agosto de 1889. O que se pretende simplesmente é um supprimento de fundos sufficiente para se garantir um typo de juro fixo ás acções de uma Companhia de Vinhos, com sede em Lisboa, e tão depressa esta companhia aufira lucros que bastem para cobrir os encargos da emissão do seu capital, restituirá ao Estado os excessos de interesses que consiga apurar, para a amortização graduai d'essa mesma divida.

É assim que se tem procedido com as construcções de varias linhas ferreas no continente e no ultramar e com o cabo submarino para Angola, nada lendo com isto a perder o Estado e muito tendo a lucrar o país.

No entanto, essa responsabilidade do Estado, que se pede agora, será limitada a uma verba desde já fixada, não podendo jamais ser excedida a um desembolso annual de 210 contos de réis. A companhia poderá constituir-se com um capital entre 6:000 a 10:000 contos de réis, offerecendo os suas acções á subscrição dos interessados na sua organização, em tres ou cinco series de 2:000 contos de réis.

A 1 .a serie de 2:000 contos de réis garantirá o Estado o juro de 6 por cento ao anno, e á 2.ª serie o Estado apenas garantirá o juro de 4 1/2 por cento ao anno.

Evidentemente que o encargo para o Estado é gradual, pois, por agora, limita-se a sua responsabilidade a 120 contos de réis, e só quando se effectue a segunda emissão de acções é que se tornará effectiva a responsabilidade maxima de 210 contos de réis, caso a companhia não aufira lucros nenhuns, o que não é provavel.

Como, porem, não é justo que o Estado, em vista das condições do Thesouro, desvie de verbas orçamentaes as quantias precisas para a garantia de juro ás acções da nova companhia, tudo isto foi previsto no presente projecto de lei que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame.

Poder-se-hia reclamar que a parte do imposto do consumo cobrado em Lisboa, em virtude do decreto de 14 de janeiro de 1900, que até aqui se tem distribuido sob o titulo premios de exportação aos vinhos de pasto saidos pelas barras do Douro, Figueira e Leixões, fosse destinada a servir de garantia ás acções da companhia, que passa a ter a sua sede em Lisboa.

Realmente justificava-se que o imposto pago pelo commercio importador de Lisboa, fosse applicado em proveito do commercio exportador da mesma cidade. E, nesta orientação, julgo acertado que essa referida receita seja distribuida em premios de exportação aos vinhos de pasto, mas somente saidos pela barra de Lisboa e sempre que esses vinhos se destinem a mercados novos. A nossa exportação de vinhos de pasto, tem estado circunscrita aos mercados do Brasil e ás nossas colonias em Africa. Para o Brasil ha carreiras frequentes de vapores e até navios de vela, com fretes relativamente modicos. Para a costa oriental de Africa ha tambem benefica concorrencia de vapores, e os nossos vinhos gozam naquellas nossas colonias do differencial pautai. E a proposito seria justo que, assim como os açucares coloniaes em Africa gozam de uma reducção nos fretes até a metropole, igual beneficio fosse concedido aos vinhos de pasto exportados da metropole para as nossas colonias, para onde temos navegação subsidiada. E, sendo isto assim, comprehende-se que, não estando conhecidos os nossos vinhos de pasto alem das nossas colonias e do Brasil, seria mester auxiliar a exportação d'elles para mercados novos, como sejam os países da costa do Pacifico, os da America Central, os da Asia, e, especialmente no velho continente europeu, designadamente na Inglaterra, Allemanha e Russia. A carestia de fretes, sobretudo para a America e para a Asia, por falta de competencia em navegação a vapor, pode e deve ser compensada com premios de exportação para vinhos de pasto, toda a vez que estes se destinem a mercados novos.

Não é possivel competir se, por exemplo, na Republica Argentina em vinhos de pasto, com os que este país recebe da Espanha e da Italia. Ao passo que uma pipa de 500 a 600 litros de vinho paga de frete, de Valencia e Barcelona até Buenos-Aires, o equivalente a 4$000 réis, a mesma vasilha de igual capacidade expedida do Porto ou de Lisboa paga 10$000 réis de frete até Buenos-Aires. Uma differença de 6$000 réis em pipa de 600 litros, ou 10 réis em litro, que Portugal paga a mais que a Espanha por frete de vinho a Buenos-Aires, constitue um differencial de encargo bastante para os nossos vinhos de pasto não poderem competir em preços com os similares espanhoes, que de ha muitos annos estão de posse do grande mercado argentino. Emquanto, pois, não se conseguir modificar a actual tarifa de fretes para carga de vinhos, o que somente será possivel quando estejam lançados e acreditados os nossos vinhos de pasto naquelle país, por então haver larga exportação e ser facil carregar se por completo, não só vapores como navios de vela, nos quaes os fretes ainda são mais economicos, ha necessidade de se estimular essa mesma exportação por meio de uma indemnização de frete para o que servirão os premios de exportação.

Mas desde que se dê esta justa e patriotica applicação á verba designada, não se deve desviá-la para vir de reforço á garantia de juro para a projectada Companhia de Vinhos, tanto mais que ha outras fontes de receita que, sem gravame e até com vantagens para a vinicultura em geral, podem e devem destinar-se para o fim especial que ternos em vista.

Como sabeis, pelo decreto ditatorial de 10 de maio de 1907 (artigo 6.° e § 19.°) é prohibido distillar vinho dentro da região duriense.

É claro que a disposição d'esse decreto obedeceu ao proposito do sul destinar -á caldeira os vinhos baixos que não podem ter senão essa applicação de serem distillados. E assim, ao mesmo tempo que se garantia ao Douro a zona para os typicos e tradicionaes vinhos do Porto, compensava-se o sul com o exclusivo do fabrico da aguardente que o norte consumisse.

Todos sabem que está determinado que o preço maximo da lei para a aguardente de vinho de 78 graus centesimaes é de 205 réis o litro. No entanto, o actual preço do mercado para este genero, de igual graduação, é de 123 réis o litro, e, dada a presente producção de vinho, não é crivei que

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tão cedo se obtenha o preço maximo marcado pela lei em vigor.

Nestes termos, comprehende-se e justifica-se a criação de um imposto de transferencia de 15 réis por litro de aguardente de vinho, que transite do sul para o norte, designadamente para applicação a vinhos.

A aguardente exerce papel indispensavel á constituição do vinho generoso do Porto ou Douro. Se, pela barra do Porto, se exporta annualmente cerca de 50:000 pipas de vinho licoroso, pode-se affirmar que 15:000 pipas são de aguardente encorporada naquelle total exportado. Como, porem, todo o vinho do Douro que se beneficia não se exporta, succede que o consumo de aguardente, tanto do vinho do Porto que se vende no país, como para as lotações correntes que se effectuam nos depositos do commercio exportador, pode-se affirmar que o norte compra annualmente quantidade aproximada a 20:000 pipas de aguardente de vinho. Por consequencia, d'este imposto de transferencia será licito suppor a criação de Uma receita animal que variará entre 140 a ,180 contos. Media 160 contos de réis. É obvio que este imposto deve permanecer até que o preço da aguardente não attinja, com elle, o preço maximo da tabella legal. Chegando esse producto no mercado ao preço venal de 205 réis o litro, desde esse momento cessa a incidencia d'este imposto de transferencia.

A criação de um imposto de transferencia vinicola para os vinhos de pasto até 14 graus de força alcoolica, tintos e brancos, que do sul transitem para o norte, que poderia ser entre 5 a 10 réis por litro, alem de vir proteger a viticultura do Douro, por encontrar mais facilidade em collocar na cidade do Porto os vinhos de mesa d'essa região, estabeleceria uma certa igualdade e uniformidade em preços.

Os vinhos de pasto do centro e sul do país, não só por se prestarem melhor que os similares do Douro ás lotações dos vinhos acidules do Minho em razão da sua constituição, como tambem porque entram na constituição de typos Collares e Claretes, são sempre muito procurados pelo commercio exportador do norte. Acresce ainda a circunstancia de, pela sua barateza de custo, poderem competir em vantagens com os vinhos de pasto produzidos na região duriense. Reconhecendo-se, pois, a conveniencia, para utilidade do commercio de vinhos do norte, em este adquirir vinhos do sul para as suas lotações e organização de typos especiaes, e sendo justo considerar que se deverão pôr esses vinhos em condições de preços que não affrontem os similares do Douro, entendo acertado a criação d'este imposto de transferencia, vinicola que poderá dar uma receita calculada entre 40:000$000 a 60:000$000 réis por anno.

Senhores.— A principal causa da crise vinicola reside principalmente na falta de typos definidos nos grandes mercados de vinhos de pasto.

Os vinhos generosos, apesar do mal estar que reflecte em todo o commercio de vinhos do mundo, ainda felizmente teem collocação certa e cotação invejada nos centros consumidores.

As estatisticas entre o producção e a exportação demonstram claramente que o deficit é aterrador para a producção de vinhos de pasto nacionaes, pois que nesta categoria de vinhos não ha privilegios de regiões: o que ha é uma complicação anarchica sem individualidade caracteristica, sem objecto commercial que deve presidir á criação de typos de vinhos de pasto portugueses.

Ninguem ignora que a causa fundamental da má situação do mercado para as vinhos communs é o seu pessimo fabrico, é a enormissima variedade dos chamados typos productores sem individualização alguma regional que dê ao estrangeiro a caracteristica da superioridade dos nossos vinhos de pasto.

Assim, sendo os nossos mercados actuaes situados quasi todos em países quentes, não são observadas regras algumas oenologicas nem technologicas que permittam ao vinho a sua viça chimica em mudanças de meio, já nas travessias do oceano, já nos depositos importadores. E d'ahi grandes insuccessos que todos conhecem na exportação: vinhos toldados, vinhos refermentados, vinhos agridoces, vinhos cassiados, que, alterando fundamentalmente as qualidades naturaes do vinho, contribuem largamente para o seu descredito commercial.

Não ha meio de evitar esta calamidade senão recorrendo á criação de typos exportadores, inteligentemente preparados, seguindo os processos modernos no fabrico e educação dos mesmos, de harmonia com as exigencia do paladar dos consumidores.

A unica solução encontrada nos países mais adeantados consistiu e consistirá sempre na criação de typos.

É frequente e materia corrente encontrar typos diversos de vinho, imundos ás vezes da mesma propriedade e ate mesmo de anno para anno.

É de mais a mais notorio que, tendo o Governo Allemão desejado adquirir um typo de vinho de pasto português igual a uma amostra que havia sido approvada, a fim de esse vinho ser fornecido ao exercito d'aquelle país, não houve forma de se obter qualquer quantidade d'esse typo de vinho.

Esses defeitos são certamente devidos a erros de vinificação, mas é casual encontrarem-se typos diversos da mesma freguesia, onde as castas predominantes são as mesmas em todos as vinhas.

E esta diversidade de typos é de grande desvantagem para o viticultor que encontra sempre dificuldade na collocação do seu producto, porque o commercio, pela necessidade que tem de firmar e unificar os seus typos de vinhos, prefere as grandes massas de vinho de typo unico.

Esta é uma das razões por que o vinho do sul conquistou tão facilmente o mercado do Porto. O grande negociante que gira com enormes massas de vinho encontra á mão, em qualquer adega do sul o que necessita.

Não assim no Douro. O negociante que necessite comprar umas duzias de pipas comprará outros tantos typos de vinho que elle necessita lotar para conseguir o typo que deseja. Ora isso é um grande inconveniente que colloca em embaraços o commercio. Esse inconveniente está sendo evitado em todos os países viticolas e principalmente na, Allemanha, onde o cooperativismo, como se sabe, vae na vanguarda de todos os países.

E esse cooperativismo visa unicamente á criação de typos definidos e unificados que manteem, para affrontar a concorrencia e assegurar a superioridade ou a preferencia dos seus vinhos.

Só, entre nós, uma grande companhia pode realizar este objectivo e conquistar nos mercados externos o logar de destaque e de brilho a que teem inquestionavel direito os excellentes vinhos de pasto portugueses.

São estas razoes que me levaram a fundamentar o presente projecto de lei para dar impulso á exportação de vinhos communs.

Fica assim justificada a necessidade imperiosa da constituição de uma companhia auxiliada parcimoniosamente pelo Estado, mas com uma larguissima compensação no nosso primeiro ramo de riqueza publica, como é indiscutivelmente o que se prende com a vinicultura nacional.

Ha, todavia, outros alvitres que devem constituir o conjunto de providencias a considerar para resolver, quanto possivel, esta temerosa crise que nos assoberba e que dia a dia se tem aggravado e que pode ser, num dia mais ou menos próximo, origem de gravissimas complicações de toda a natureza.

Assim, ao Estado compete desenvolver e fomentar o consumo de vinhos de pasto nas nossas colonias, visto que a corrente dominante é para se emancipar o negro da influencia nociva do alcool pelos seus effeitos perniciosos. A proposito, convem chamar a attenção do poder, executivo para a situação especial que o nosso país occupa

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SESSÃO N.° 20 DE 22 DE JUNHO DE 1908 15

no fornecimento da população indigena mineira para a Africa do Sul.

Como é sabido, exercem a sua actividaden as minas do Transvaal cerca de 150:000 indigenas portugueses a quem não é permittido o uso de bebidas, sob pena de rigorosas penalidades.

Parece-me que no Transvaal se podem collocar annualmente cêrca de 30:000 pipas de vinho de pasto, uma vez quê no modus vivendi relativo á emigração portuguesa se preceitue a obrigação de, no contrato dos indigenas, dar diariamente a ração de 4 decilitros de vinho português, fornecido directamente pelo Mercado Central de Productos Agricolas á Curadoria Portuguesa de Johannesburg, que, pela sua parte, venderia ás minas mediante requisições officiaes.

Temos ainda o recurso do preparo de uva para mesa, para consumo interno e embarque, fabrico de passa, ramos estes que representam uma industria importante na vizinha Espanha, computada num movimento annual de réis 3.500:000$000 a 4.000:000$000 réis.

Entre nós essa industria quasi não existe, sendo até Portugal tributario de Espanha na importação de uvas de mesa durante todo o anno. Julgo que o meio mais facil, mais economico e mais pratico de fomentar esta industria é de estabelecer, em apropriados centros viticolas, estações technicas de preparo de uva segundo os usos commerciaes, contratando praticos estrangeiros devidamente habilitados.

Ainda como meio de alargar mais o consumo interno, entendo mais uma vez insistir que ao exercito seja dada uma ração normal de vinho, fornecido aos conselhos administrativos dos regimentos e unidades militares do continente e do ultramar, por intermedio do Mercado Central de Productos Agricolas ou pelas delegações.

E este alvitre é valioso, pois que, havendo em media uma effectividade de 20:000 praças, pode assegurar-se um consumo de 10:000 pipas de vinho.

Referindo-me agora ao que particularmente diz respeito á região duriense, centro dos afamados vinhos generosos do Porto, entendo que a adopção das diversas demarcações estabelecidas, quer a decretada pelo Marquês do Pombal e a esboçada pelo Barão de Forester, quer ainda a determinada por lei ditatorial de, 16 de maio de 1907, não conduzem a nenhum resultado pratico sob o ponto de vista, a meu ver essencial, de se attribuir o valor merecido aos autenticos e legitimos vinhos generosos superiores do Douro e Porto.

Todos sabem, e os proprios viticultores reconhecem e confessam, que na chamada região duriense se produzem vinhos generosos de diversas categorias.

São de 1.ª ordem os vinhos colhidos de castas especiaes em terrenos abruptos de difficil e dispendiosa cultura e amanho, que na verdade representam os verdadeiros typos do nobre vinho do Porto. Vêem depois, para 2.ª ordem ou categoria, os vinhos licorosos derivados de terras menos ingratas, e cuja percentagem de producção proporcionalmente á plantação de vinhedo representa um determinado interesse cultural e logicamente um abaixamento de valorização. E constituirão os vinhos de 3.ª categoria os produzidos de cepas plantadas em terrenos baixos ou de alluvião, de que ha longos tratos na chamada região duriense.

Por aqui se conclue que não importa, para o caso que estamos estudando, que a demarcação seja a de Pombal, a de Forester ou a de 1907, devendo manter-se a ultima.

O que importa apreciar, especialmente, são as diversas qualidades de vinhos licorosos que se preparam no Douro, classificando-os por categorias e distribuindo respectivamente e com toda a equidade a somma de auxilies e o contingente de protecção por parte do Estado.

Posta assim a questão, vejamos quaes os remedios a applicar aos males de que enferma a inditosa região duriense.

Em primeiro logar, tem que se effectuar annualmente a classificação dos vinhos licorosos ou generosos da região. Dividir-se-hão em tres categorias.

Para tal effeito, o Governo nomeará, todos os annos, uma commissão classificadora dos vinhos do Douro, constituida por dois delegados do Estado e reconhecidos oenotechnicos, e por dois representantes dos viticultores do Douro, sendo esta commissão presidida pelo director geral da agricultura, ou por pessoa de reconhecida competencia, a fim de poder realizar-se a pretendida classificação, com a justeza e imparcialidade que tal exame reclama.

Aos vinhos que a commissão desse a classificação de primeira categoria seriam passados certificados especiaes, não só assinados pelos membros d'essa commissão, como pelo titular da pasta da Agricultura e Commercio, certificados esses que receberiam a chancella do director da Alfandega do Porto, quando esses vinhos fossem exportados.

Evidentemente que a commissão estipularia o preço de venda para os vinhos de primeira categoria, em harmonia com o seu valor intrinseco.

Se o portador do certificado não puder obter no mercado do Porto, ou no estrangeiro, preço superior áquelle que a commissão estabeleceu pelo seu vinho, o Estado o adquirirá e o pagará pela cotação attribuida. Para tal fim, o Estado terá armazens especiaes no Pinhão ou na Régua, onde recolherá os vinhos de primeira categoria que tiver de comprar, constituindo propriedade d'esses armazens os respectivos certificados de classificação.

E o Estado, por sua vez, collocará esses vinhos generosos na Inglaterra, abrindo, se necessario for, um mercado português em Londres, a fim de convenientemente valorizar esses stocks de autenticos vinhos do Porto.

Não é de crer que o Estado tenha de arcar com quaesquer prejuizos nestas operações, pois que paga os vinhos em papel-moeda e realiza as vendas dos mesmos em ouro, e concomitantemente os interesses naturaes a aproveitar da excellencia dos productos que exhibe á venda.

Mas se, apesar d'isso, fosse necessario cobrir qualquer deficit, ir-se-hia buscar a respectiva compensação ao fundi o do fomento commercial ou ás receitas ao Mercado Central de Productos Agricolas.

Em segundo logar, deixar-se-hia campo de acção livre ao commercio exportador dos vinhos do Douro ou Porto, para adquirir os chamados vinhos de segunda e terceira categorias, que não receberão nem certificados nem valorização por parte da commissão nomeada.

Mas, em compensação, o commercio exportador de vinhos licorosos pela barra do Douro, ou pelo porto de Leixões, ficará obrigado a satisfazer um imposto de exportação de 5 réis por litro de vinho generoso encascado.

É intituitivo que este imposto não pode recair sobre o vinho do Douro que exhiba certificado de qualidade. Mas, sobre os demais, a receita d'esta contribuição deverá attingir uma importancia entre 50 a 80 contos de réis.

Metade d'esta receita destinar-se-hia ao fundo do fomento commercial, e a outra parte restante seria distribuida em rateio e proporcionalmente pelos viticultores do Douro, cujos vinhos tivessem merecido a classificação de 2.ª categoria. Seria tambem medida acertada a reducção nas actuaes tarifas das linhas ferreas do Estado, especialmente nos ramaes do Douro e Villa Real, para os transportes de vinhos da região duriense, e até mesmo um abatimento de vulto aos direitos de consumo na cidade do Porto aos vinhos procedentes d'aquella região.

Esta ultima concessão deve ser feita nos prazos limitados em cada anno. Quanto á isenção de contribuições no Douro, entendo que essa isenção deve manter-se por prazo determinado, mas sem por forma alguma desfalcar as receitas que pertençam ás camaras municipaes e juntas de parochias. E como

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16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

as contribuições camararias e parochiaes constituem addicionaes sobre as contribuições do Estado, é preciso estudar-se a forma regulamentar para que as primeiras sejam devidas e pagas, a manter-se a gratuitidade para o Estado dos impostos que a estes cabe.

Apontados os remedios que julgo acertados para a região duriense, pretendo tambem, com a imparcialidade que presidiu a este estudo, reclamar algumas providencias especiaes para auxilio do commercio exportador de vinhos do Porto.

Não se pode negar que ao commercio do Porto deve a lavoura de vinhos o seu maior e melhor estimulo.

As raras qualidades de combatividade dos representantes d'esse commercio, nacional e estrangeiro, são tanto mais apreciaveis quanto é certo que teem sido elles os pioneiros da propaganda dos excellentes vinhos licorosos nos mercados externos.

Se as circunstancias em que o Thesouro se encontra, se as difficuldades que atravessa a viticultura nacional, pudessem permittir novos auxilios ao commercio exportador do Porto, não vacillaria eu em os apontar e solicitar.

Não succede, porem, assim, e por isso apenas me limitarei a recommendar-vos a manutenção dos actuaes premios de exportação conferidos aos vinhos engarrafados e a desejar que se arbitre um direito de importação, meramente estatistico, a objectos que se destinem a reclames de vinhos portugueses.

Como todos sabem, é indispensavel lá fora acompanhar, com a propaganda dos nossos vinhos, a distribuição gratuita de multiplas cousas uteis, objectos de valor, reclamando-se os productos que se pretende collocar nesses mercados.

Os vinhos engarrafados, italianos, franceses e até espanhoes, levam sempre, dentro de cada caixa de duzia que se exporta, um reclame de apreço que convida ao interesse da surpresa, e que, sendo ao mesmo tempo de alguma utilidade, é preciosamente guardado e até exhibido em local visivel.

Constitue assim esta especie de reclame um annuncio permanente e interessante de um determinado producto.

Ha no estrangeiro diversas industrias que se organizam com capitães extraordinarios, muitissimo superiores aos indispensaveis para o movimento da sua fabricação.

Citarei por exemplo a pequena industria de uma pasta especial para dentes, que se constituiu com o capital de 500:000 francos, dos quaes se destinaram 450:000 francos para reclames e apenas os restantes 50:000 francos para a elaboração d'essa industria!

Com os nossos vinhos do Porto, já o commercio d'aquella cidade está seguindo, de ha annos, este systema de propaganda.

Não podem, porem, enviar de cadeau aos seus clientes objectos de utilidade manifesta, pela rasão de que os direitos que as alfandegas applicam a esses artigos de reclame são de tal forma gravosos que iriam encarecer o preço do vinho.

Ora, estabelecendo-se um direito estatistico a objectos para reclame de vinhos do Porto, ou de casas exportadoras de vinhos d'aquella cidade, toda a vez que esses objectos trouxessem gravadas as palavras: «Para distribuição gratuita o, não só não se lesava o fisco, como se prestaria um auxilio indirecto ao commercio de vinhos generosos da segunda cidade do reino.

Senhores. — Não tenho a pretensão de apresentar á Camara a solução exacta para o grave problema vinicola.

Viso apenas, ao apresentar este projecto de lei, a contribuir com os modestos recursos da minha intelligencia, do estudo aturado das circunstancias economicas da viticultura e da vinificação portuguesa, a dar o meu concurso para que se suavize este mal estar, emquanto é tempo de acudir a uma situação bem critica e melindrosa.

PROJECTO DE LEI N.° 17

Bases para a constituição da Companhia de Vinhos de Portugal

1.ª E organizada uma Companhia de Vinhos de Portugal, com sede em Lisboa, com o capital de 6:000 a 10:000 contos de réis, destinada ao commercio de vinhos portugueses, especialmente a lançar os vinhos de typos definidos nos mercados externos, obrigando-se a ter 50:000 pipas de vinhos permanentemente nos seus depositos.

2.ª O Estado garante a esta companhia o juro de 6 por cento ao anno á primeira serie de 2:000 contos de réis de acções do seu capital social e o juro de 4 1/2 por cento ao anno á segunda, serie de 2:000 contos de réis de acções, quando estas sejam emittidas.

3.ª A companhia restituirá ao Estado os supprimentos que este fizer pelas indicadas garantias de jures, pelas forças excedentes dos lucros depois de pagos os juros do seu papel social.

4.ª A companhia aproveitará todos os privilegios e regalias conferidos pelos, decretos de 27 de setembro de 1901 (adegas sociaes), 14 de janeiro e 5 de junho de 1905 (companhias vinicolas), inclusive a isenção do imposto do sêllo, sendo ampliado a cincoenta annos o prazo para gozo de todas as isenções concedidas por aquelles decretos, visto que pelo decreto de 14 de janeiro de 1905 essas isenções são conferidas pelo periodo de dez annos a companhias vinicolas constituidas com um capital de 500 contos de réis.

5.ª O Estado fornecerá edificios á margem do Rio Tejo para montagem dos principaes armazens da companhia e estipular-se-ha desde já uma renda que a companhia terá a pagar annualmente, depois de decorridos os primeiros dez annos da sua constituição.

6.ª Os armazens principaes da companhia em Lisboa serão considerados sujeitos ao regime de zona franca.

7.ª O Estado cederá gratuitamente á companhia as estações agricolas de distillação que actualmente possua e que não estejam em laboração.

8.ª O Estado tornará a seu cargo, durante o prazo de dez annos os vencimentos dos oenotechnicos que a companhia tiver de contratar, não podendo dispender neste serviço quantia superior a 6 contos de réis por anno.

9.ª A companhia obrigar-se-ha a ter sempre em serviço, pelo menos, 10 caixeiros viajantes, a maior parte d'elles em mercados novos e sempre na propaganda dos legitimos vinhos portugueses.

10.ª O Estado exercerá fiscalização em todos os actos da companhia, por intermedio de um delegado do Mercado Central de Productos Agricolas, sendo gratuitas as funcções d'esse delegado.

11.ª Será criado um imposto de transferencia (classe aguardente de vinho) de 15 réis por litro de aguardente vinica, que transite do sul para o norte do país, até que o preço do mercado attinja o de 190 réis por litro.

12.ª Será estabelecido um imposto de transferencia (classe vinho de pasto) de 7 réis por litro de vinho commum até 14° de força alcoolica, que transite do sul para o norte do país.

13.ª Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares do Reino, em 20 de junho de 1908.= O Par do Reino, F. J. Machado.

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