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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 4 DE MARÇO DE 1864

PRESIDÊNCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde da Fonte Nova

As duas horas e meia da tarde, achando-se reunidos 36 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da precedente julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia: Um officio do ministerio do reino acompanhando a copia authentica do decreto datado de 2 de março corrente, pelo qual Sua Magestade El-Rei em observancia do artigo 75.° § 1.° da carta constitucional houve por bem convocar as côrtes geraes ordinarias para o dia 2 de janeiro do anno de 1865, em que deve principiar a nova legislatura. Foi mandado archivar.

O sr. Osorio de Castro: — Pedi a palavra para apresentar um requerimento; mas antes de o apresentar, antes de fazer algumas considerações ácerca do objecto a que elle se refere, pedirei a V. ex.ª que tenha a bondade de mandar participar para a camara dos senhores deputados, que o sr. conselheiro José Bernardo da Silva Cabral já tomou assento n'esta camara; porque eu sei que na commissão de legislação da outra casa do parlamento, de que o digno par era presidente, ainda senão providenciou ácerca da nomeação d'este cargo por não se ter ainda ali recebido noticia official de que s. ex.ª tomou assento n'esta casa.

Em seguida vou apresentar á camara um requerimento, em que peço ao governo alguns esclarecimentos sobre posturas municipaes.

Antes de o apresentar desejo fundamenta-lo, para que a camara conheça o fim que tenho em vista.

Sr. presidente, ha um objecto de magna importancia de que até hoje a administração do nosso paiz se tem descuidado: refiro-me á policia rural, objecto a respeito do qual quasi se não tem legislado, e o pouco que se tem feito não preenche o fim desejado.

A nossa policia rural consiste n'um complexo de posturas municipaes, que ainda mesmo que fossem efficazes emquanto ao pensamento que as tem dictado, deixam de o ser por não haver ninguem que fiscalise a sua execução, nem mesmo se sabe qual a auctoridade competente e o processo que se deve seguir no julgamento de causas d'aquella natureza.

Sr. presidente, ha districtos onde aquellas causas são julgadas pelos juizes ordinarios; ha outros aonde o julgamento das mesmas causas pertence aos juizes de direito; de sorte que ha uma verdadeira anarchia, permitta-se-me a phrase, n'este ramo da nossa administração publica.

Eu tenho, sr. presidente alguns trabalhos começados a este respeito, e se por um lado a consciencia das minhas poucas forças me accusa para não entrar em tarefa tão improba, por outro, o desejo de fazer alguma cousa util e a confiança em que este objecto uma vez apresentado, excitará toda a attenção d'esta camara, me obriga a procurar os meios de concluir aquelle meu trabalho.

Peço portanto a V. ex.ª tenha a bondade de remetter este meu requerimento ao ministerio do reino, a fim de serem enviados a esta camara os documentos que n'elle peço (leu).

Pedia tambem a V. ex.ª que enviasse este requerimento com urgencia.

O sr. Secretario (Conde de Peniche) leu-o, e é do teor seguinte:

«Requeiro que pelo ministerio do reino seja remettida a esta camara uma collecção completa de todas as posturas municipaes que actualmente se acham em vigor no continente do reino, e bem assim as que se poderem obter ainda que não estejam em vigor.

«Sala das sessões da camara dos dignos pares do reino, 4 de março de 1864. = Miguel Osorio Cabral de Castro.»

Mandou-se expedir.

O sr. J. F. de Soure: — Sr. presidente, eu desejava pedir a V. ex.ª se houvesse tempo, depois da ordem do dia, e se a camara o permitisse, a dispensa do regimento, a fim de entrar hoje em discussão parecer n.º 339 que diz respeito ao requerimento do sr. marquez de Sabugosa. Quero porém declarar que se algum digno par offerecer a minima objecção retiro o requerimento.

Consultada a camara decidiu afirmativamente. O sr. Marquez de Vallada: — Desejou ser informado se porventura o sr. ministro da justiça havia mandado alguma resposta relativamente á interpellação que o mesmo digno par annunciou n'uma das passadas sessões, ácerca do conflicto entre o sr. bispo de Coimbra e o governo. Não julga possivel, que tratando-se de um negocio já concluido, e que está no dominio publico, porque a imprensa já se tem occupado largamente d'elle, o sr. ministro se abstenha de comparecer na camara alta concorrendo comtudo na outra casa do parlamento sem que ahi presentemente o chame qualquer discussão que lhe diga respeito, e sabendo que um digno par do reino deseja interpella-lo, do que se póde inferir que s. ex.ª não comparece por não ter que responder. Ha negocios a respeito dos quaes póde haver uma defeza; porém n'este não a ha, e o nobre ministro terá necessariamente de ficar em muito mau terreno depois das considerações que se fizerem sobre o alludido assumpto. Não sendo esta a rasão não póde presumir qual seja, e por isso deseja saber se foi presente á mesa algum officio do sr. ministro declarando o dia em que possa responder á annunciada interpellação.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — A nota de interpellação foi expedida no mesmo dia em que o digno par a apresentou, e até agora não consta que viesse resposta alguma do sr. ministro da justiça.

O sr. Marquez de Vallada: — Roga portanto á mesa, em vista da declaração do sr. secretario, que seja novamente avisado o sr. ministro, avivando-se-lhe a memoria de que a camara havia approvado que se lhe remettesse a competente nota de interpellação.

O sr. Presidente: — Vae ser satisfeito o requerimento do digno par.

Como se não acha presente o sr. ministro da fazenda, antes de entrarmos na ordem do dia, vamos tratar da votação sobre a admissão do sr. marquez de Sabugosa.

O sr. Secretario (Conde de Peniche) leu o parecer n.º 339 que diz respeito a este objecto.

Distribuídas as espheras procedeu se ao escrutinio, e entrando na uma 36 espheras ficou approvado o parecer por 33.

O sr. Osorio de Castro: — Sr. presidente, eu não tenho em vista fazer apreciação alguma a respeito da votação que ha pouco teve logar; o que desejava era lembrar a V. ex.ª a conveniencia de se tomar alguma medida para se evitar a confusão nas votações por espheras. Muitos dignos pares, e eu fui um d'elles, hesitaram sobre se haviam de lançar a esphera branca n'uma ou n'outra uma, bem como a preta. Parecia-me pois conveniente que se adoptasse o systema de collocar uma especie de etiqueta na uma da direita com a palavra votação e na uma da esquerda a palavra inutilisação. Só assim me parece não haveria confusão, como na minha consciencia entendo que houve agora. É isto uma cousa que nada custa a fazer, e que impede haverem grandes inconvenientes.

O sr. Presidente: — O digno par apresenta unicamente a idéa, mas não fixa, creio eu, os termos precisos.

O Orador: — Apresento a idéa para ser apreciada pela mesa; e parece-me que é ella a que tem mais interesse em que estas cousas se façam sem engano, de mais todos nós lhe prestámos inteira confiança (apoiados). O sr. Presidente: — Passámos á

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ORDEM DO DIA

CONTINUA A DISCUSSÃO NA GENERALIDADE DO PARECER N.º 292 SOBRE O PROJECTO DE LEI N.° 290

O sr. Osorio de Castro: — Na ultima sessão propoz-se o adiamento até se achar presente o sr. ministro da fazenda; parece-me que as mesmas rasões que então havia não desappareceram agora.

O sr. Presidente: — Já se mandou á outra camara avisar o sr. ministro de que ía entrar era discussão este objecto.

O sr. Osorio de Castro: — Entretanto eu desejava que não se encetasse a discussão sem o governo estar presente, e por isso proponho o adiamento.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara a respeito da proposta do digno par.

Foi approvado o adiamento.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — Acabo de ser informado que o sr. ministro da marinha mandou dizer que o seu collega da fazenda se achava incommodado, e por isso não podia vir a esta casa, mas que tão depressa acabasse ali a sessão estaria aqui para substituir o seu collega.

(Pausa.)

(Entrou o sr. ministro da marinha, e continuou a discussão na generalidade, interrompida, como acima se disse, por não estar presente membro algum do ministerio.) ' •

O sr. Xavier da Silva: — Pouco tenho a acrescentar ao que disse o sr. ministro da marinha na ultima sessão d'esta casa.

Sr. presidente, apresentaram-se algumas duvidas sobre a necessidade de providenciar a respeito dos empregados de que trata o projecto, e receiou-se que as suas' aposentações trouxessem grande encargo para o thesouro, assim como se questionou se devem ser afirmativas as consultas do conselho d'estado para poder ter logar qualquer das aposenta--ções de que trata este projecto. São estes pouco mais ou menos Os argumentos apresentados.

Sr. presidente, V. ex.ª e a camara reconhecem que o serviço feito nas alfandegas demanda ser prompto e regular, não só pela relação que tem com o commercio, mas porque é Uma casa fiscal de que o governo percebe importante receita. Para que o serviço se faça prompta e regularmente é preciso que os empregados sejam habeis pela sua intelligencia, e que não tenham impossibilidade physica. Acontecia porém haver nas alfandegas empregados antigos que tinham prestado grandes serviços não só na sua repartição como á causa publica, e que todavia pela sua idade se achavam inhabilitados de continuar a servir; e não tendo os governos coragem de os mandar para casa, nem havendo lei pára os aposentar, via se na necessidade de os conservar, preenchendo o numero do quadro, mas soffrendo o serviço pela falta do pessoal. Na verdade era uma cousa dura mandar para casa, sem remuneração alguma, um empregado antigo, que tinha consumido a maior parte da sua vida em servir o paiz, ficando na velhice sem meios para poder sustentar a sua familia.

O governo resolveu-se a aposentar alguns empregados, e essa aposentação deu logar a grandes queixas, e a dizer que o governo não tinha lei que o auctorisasse para isso; e foram esses os motivos que deram origem a este projecto para a aposentação dos empregados da alfandega, e parece-me que todos hão de reconhecer que o serviço publico exije que os empregados que não estão capazes de prestar serviço, mas que fizeram bons serviços, têem direito á sua reforma,; embora d'ahi resulte algum encargo para o estado; o que não devemos lamentar, por isso que o empregado que bem serviu muitos annos, tem direito para que o estado o considere quando não está capaz de trabalhar. O serviço publico ganha, porque tendo empregados sempre promptos a bem cumprir seus deveres o serviço marcha com rapidez e regularidade, mas se os quadros das repartições se completem com empregados valetudinários, o serviço não se póde executar. A reforma pois não só é uma necessidade, mas um acto de justiça.

Emquanto á consulta da secção do contencioso administrativo do conselho d'estado, que a commissão lembrou e que não vem no projecto, respondo que me parece que a camara hade reconhecer que, apesar de que o parlamento tem todo o direito de estabelecer o que lhe parecer sufficiente para que os actos do governo marchem com a maior regularidade e não sejam actos de arbitrio é preciso comtudo deixar sempre as mãos livres ao poder executivo, e não o tornar uma simples chancella. A consulta do contencioso administrativo do conselho á estado não póde obrigar O governo» que proceda segundo a consulta; quanto a mim n'este caso, não é mais do que uma informação de um tribunal superior, que póde servir de base ao governo pára se dirigir como entender conveniente, tendo sempre a responsabilidade do acto que praticar.

O governo tem a responsabilidade perante o parlamento, a quem tem de dar conta dos seus actos. Não é justo estabelecer que só podem haver aposentações quando o conselho d'estado as consulte affirmativamente; isso é o mesmo que dizer que o governo é unicamente chancella do conselho do estado, o que não póde ser.

Este projecto carece de uma emenda de redacção no artigo 1.º, que escapou à commissão, e que hei de propor quando se tratar d'elle. (O sr. Conde d'Avila: - Apoiado)

Unicamente disse estas poucas palavras, sobre a discussão na generalidade, persuadido que o digno par, relator da commissão não estava na sala, mas agora que o vejo presente, s. ex.ª melhor explicará á camara o que seja necessário na especialidade. Este projectos parece-me que está sobejamente demonstrado que não só é um acto de justiça que se faz para com estes empregados, visto que outros têem direito á aposentação, mas uma necessidade publica, por isso que o serviço de qualquer repartição e muito mais das casas fiscaes, não póde fazer-se regularmente com um quadro cheio de invalidos,

O sr. Silva Cabral: — Eu direi mui poucas palavras sobre o objecto em questão; principio por declarar que approvo completamento o projecto na sua generalidade porque o principio que n'elle se estabelece está sanccionado em differentes leis, com relação a outras classes de empregados. Iríamos por consequencia contra o principio da igualdade estabelecido na carta constitucional, se porventura hoje chamados a darmos o nosso voto, sobre uma materia similhante; e não só similhante mas idêntica, seguíssemos diverso ou contrario caminho. Qual é o pensamento do projecto? É saber se simiou não se há de applicar. o principio de aposentação aos empregados, que vêem mencionados no artigo 1.°, quer dizer, dos empregados das alfandegas do continente do reino e ilhas adjacentes, aos da casa da. moeda, e papel sellado, aos da procuradoria geral da fazenda, e aos do conselho geral das alfandegas. Em que termos? Exactamente nos mesmos previstos na legislação geral do paiz, a saber: idade è diuturnidade de serviço ou quando se der o caso de impossibilidade physica ou moral para o continuar.

Ora, este principio, é o mesmo que está já sanccionado não sómente na lei de 9 de julho de 1849, com relação aos empregados do poder, judiciário; mas na lei de 17 de agosto de 1853, com respeito aos lentes e professores da instrucção superior e secundaria, (sobre o que existe o regulamento de 4 de setembro de 1860); não sendo menos terminante, e explicito o decreto de 11 de abril de 1861, tanto na adopção do principio como no modo consentaneo de sua applicação aos lentes e professores dependentes do ministerio da guerra. Por, consequencia, variar agora de rumo, seguir outra doutrina, quando as rasões de decidir são as mesmas, seria um procedimento pouco conforme com a seriedade e coherencia em que deve primar o legislador, sem querer eu ainda recorrer á feição de injustiça, embora relativa, que necessariamente se havia de attribuir a um similhante procedimento, que poderia chamar sobre si a nota de contradictorio. Sr. presidente, nós que como membros do corpo legislativo, temos reconhecido a justiça e conveniencia da aposentação com respeito a certas classes de empregados, não podemos prescreve-la tratando-se. da sua applicação a outras, classes na mesma esphera de serviços prestantes á causa publica. O modo de applica-la póde admittir diversos arbítrios, mas o principio exclue-os, porque se limita a reconhecer-se a sua conveniencia, justiça e opportunidade, pois que tal é a virtude e importancia da discussão da generalidade no sentido da jurisprudencia parlamentar.

Emquanto ás outras questões, a saber: a de estender o principio da aposentação aos magistrados administrativos, e á da natureza da consulta da secção administrativa do conselho d'estado, que o projecto mencionou como formalidade que deve preceder o decretamento da aposentação, são pontos que hão de ser avaliados e discutidos quando se tratar do artigo 1.° (apoiados). Sem desejar nem querer de maneira alguma chamar á secção administrativa do conselho d'estado similhante encargo, porque muito -favor se lhe faria em não lhe accumular mais similhante attribuição, já direi transitoriamente que a decisão da secção n'esta espera de não póde deixar de ser affirmativa (apoiados), porque de outra sorte cairíamos em contradicção com o que em idênticas circumstancias se acha legislado.

Tendo votado o parlamento em leis similhantes pela qualidade affirmativa, não ha rasão alguma, absolutamente nenhuma, para a decisão da secção administrativa deixar, na hypothese proposta, de ter a mesma natureza. Seria apartarmo-nos do espirito da nossa legislação, se porventura não tratassemos de applicar para com estes funccionarios publicos as mesmas garantias que se têem empregado em favor de outros. Mas quando se tratar do artigo 1.° é que é occasião propria de se discutir e examinar essa materia, e para então me reservo de demonstrar, com o respeito sempre devido á illustração do sr. ministro da marinha, que effectivamente não se fere a responsabilidade ministerial, attribuindo a consulta á qualidade..de affirmativa; muito pelo contrario, a responsabilidade ministerial fica inteiramente a coberto. Mas não quero saír do objecto em questão. Quando se tratar do artigo 1.° exporei as minhas idéas.

Concluo que me parece que a generalidade do projecto está demonstrada, e que não póde deixar de ser approvada. Não ouvi levantar uma só voz contra ella; quero dizer contra a opportunidade e conveniencia da medida; e nestes termos entendo que não póde deixar de ser votada.

O sr. Presidente: — Tem a palavra para um requerimento o sr. Osorio de Castro.

O sr. Osorio de Castro: — Sr. presidente, não desejo privar da palavra os dignos pares que se acham inscriptos, e por isso requeiro que seja julgada a materia discutida na sua generalidade, apenas se tenha terminado a inscripção actual, para o que peço a V. ex.ª consulte a camara.

O sr. J. F. de Soure: — Sr. presidente, não contesto o principio de extensão que se quer dar a este chamado direito de aposentação, porque na realidade hoje já quasi assim se lhe, póde chamar, visto que ha leis que já o determinam para muitas classes de empregados públicos entendendo nós esta medida de anno para anno.

Eu tenho combatido até agora o principio, mas tenho o combatido absolutamente, porque entendo que outras devem ser as medidas que cumpre adoptar, a fiar de que os empregados que se impossibilitaram morai ou physicamente tenham recursos para si e para as suas familias; mas a minha opinião não tem passado de opinião de minoria. Eu entendo que devem haver montes pios, associações de soccorros mutuos e outras, hoje tão conhecidas para todas as classes da sociedade, porque empregados publicos formam uma classe util e até necessaria da sociedade, mas não mais que das outras, pois o sapateiro, o alfaiate, o medico e o advogado não ganham licitamente, com o seu trabalho, o alimento, do mesmo, modo que o ganha o empregado publico? Porque não. hão de elles quando, se impossibilitam gosam das mesmas vantagens que o empregado publico? A sua indigencia e a das/suas familias, é menos digna de compaixão do que a dos empregados ,públicos? Devem elles e suas familias ser menos protegidos, pelo estado? Sustento que não póde ser, que não deve ser! Admitíamos porém por um pouco os principios que se acabaram de sustentar. Satisfaz este projecto as condições de justiça? Não, senhor.

Este projecto vae unicamente estender o principio a certas e determinadas repartições, e. ainda ficam muitas outras excluidas; e, pergunto agora, com que direito deixámos nós outras repartições publicas excluidas d'este beneficio? Não • vejo. rasão nenhuma, absolutamente nenhuma. Alem de muitos funccionarios que têem os vencimentos marcados no orçamento e que ainda ficam de fóra, ha todos aquelles que vivem só de emolumentos, e que não têem no orçamento verba para a sua, sustentação? E porventura devem elles, quando te. impossibilitam, e suas familias, ser engeitadas pela sociedade?,Não devem. Os principios que vigoram para os juizes, para os professores, para os militares, para as secretarias d'estado, para o thesouro, para o tribunal de contas e parai as outras repartições que têem aposentações devem ser tambem applicados a estes! Aliás a injustiça relativa é patente, e esta injustiça ainda fere mais que a absoluta.

Sr. presidente, o principio é que é falso em si; e se continuar, e se o quizerem estender como pede o rigor logico, todos nós passado certo tempo seremos aposentados ou pensionados, e o paiz será todo de classes inactivas!!.

O principio ainda vae mais longe, segundo o tem entendido até agora os poderes publicos, porque até se tem estabelecido pensões para as familias ricas de individuos que têem servido o estado.

Estou cansado de sustentar sem fructo doutrinas que me persuado são verdadeiras (o sr. Miguel Osorio: — Apoiado), A escola economica que eu sigo em grande parte é a mais humanitária, porque tende a fazer o menor numero de infelizes. A escola que prega a comiseração só dá em resultado a imprevidencia e a preguiça, que traz comsigo irremediavelmente a miseria e a indigencia, organisando a sociedade sobre falsas bases.

Sr. presidente, é preciso fazer conhecer não só aos empregados publicos, mas a todas as classes, que ellas precisara cuidar de si; que não é a sociedade que deve encarregar-se de olhar, para o seu futuro e das suas familias. E preciso fazer sentir bem que esta doutrina é a unica sobre que há de assentar a boa politica; porque a não ser assim tudo se abandona, ninguém economisa nem se moralisa.

Quererá o digno par que sustentou os principios que acabei de ouvir, deixar de estender o principio da aposentação a todas as outras repartições do estado, que ainda estão fóra da applicação de tal principio?

Nós vamos todos os annos estendendo o tal principio, e applicando o já a umas, já a outras repartições; mas ainda não se fez justiça a todas. Quando é que se ha de fazer?

Peço portanto que se me admitta uma proposta que é a unica justa em vista do que está feito; e vem a ser — que não haja empregado nenhum do estado a quem não e estenda este principio, porque não devera haver privilegios Vou mandar, para a mesa a minha roposta, esperando que a camara obre com justiça; mas antevejo que apoz os empregados do estado hão ide vir as outras classes da sociedade exigir o mesmo.

Estão-se ahi a formar todos os dias associações de soccorros, porque não hão de forma-las tambem os funccionarios do estado? O funccionario tem na lei marcado o seu vencimento, é então não tem direito a mais nada; e a prova de que esse estipendio é estimulo bastante para que haja quem queira ser empregado publico, é que não vaga nenhum emprego publico, para o qual não se apresente logo um sem numero de pretendentes.

Por consequencia mando para a mesa o additamento, para que, passando o projecto na generalidade, todos os funccionarios publicos, quaesquer que elles sejam, tenham direito ao mesmo beneficio.

Perguntarei agora aos illustres signatarios do parecer; se os guardas das alfandegas são comprehendidos n'este projecto?

Uma voz: — Não, senhor.

O Orador: — Então porque se não ha de applicar o mesmo principio a estes empregados? E porque occupam grau ínfimo na escala? E porque têem vencimentos inferiores? Isto, sr. presidente, não são principios de justiça. Em nome da commiseração decretar um beneficio aos que lêem melhor posição e excluir os mais desvalidos é uma palpável injustiça..

Mandou para a mesa o additamento; é o seguinte:

ADDITAMENTO

Proponho que se applique o principio da aposentação a todos os funccionarios publicos. = Soure.

O sr. Marquez da Vallada: — Expoz que em, presença do que acabara de expender o digno par, o sr. Silva Cabral, tencionava votar sobre a questão, sem tomar a palavra n'este assumpto; porém ouvindo ao digno par o sr. Soure, levantar a questão de principios, não podia deixar de levantar a sua voz para defender a justiça.

Fallou o digno par a que se reportava em escolas e principios humanitarios, apontando a doutrina que seguia, e declarando-se francamente opposto áquelles que vão pelo projecto em discussão. Nota porém nas palavras do mesmo orador, uma contradicção, e vem a ser, que contestando s. ex.ª os princípios expostos pelo digno par o sr. Silva Cabral, relativamente á applicação desta medida por um principio de igualdade, depois de dizer que este era mau e pes-

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simo, pediu que se applicasse a todo e qualquer funccionario, até mesmo a individuos de toda e qualquer classe que fosse. Presumia o orador querendo mau um principio, era mais lógico restringi-lo do que amplia-lo. Viera porém a terreiro a escola humanitária e a escola economica e ao ouvir elle orador a exposição que se acabara de fazer, recordavam de certas publicações, do que se intitula escola ultra-progressista, que quando trata da questão do pauperismo diz que este é um flagello, e trata os pobres não como irmãos esquecendo os principios da verdadeira fraternidade, escriptos na sua bandeira a par do letreiro da igualdade e liberdade; d'essa bandeira que se ensanguentou na França e que foi o grito de guerra para que, excitadas as paixões das classes baixas, estas se conspirassem contra as mais elevadas da sociedade. Não póde portanto ficar silencioso quando vê levantarem se estas questões de principios, a fim de que os seus fiquem bem conhecidos.

Admira-se de ouvir dizer n'este senado que os empregados do estado não têem direito a cousa alguma mais do que ao seu vencimento emquanto possam servir! Pois será isto uma cousa bem entendida! Presume que não (apoiados). Pois o empregado gasta a sua vida servindo o paiz, e quando lhe chega a velhice, quando tem a cabeça coberta de cans, a cara de rugas, e finalmente o corpo impossibilitado hade-se-lhe dizer que vá para as portas das igrejas pedir esmola para o seu sustento? E isto quando outros em elevadas posições têem as suas aposentações, conforme está estabelecido n'uma outra lei!

Elle orador pediria ao digno par que empregue a sua influencia para com o governo a fim d'este adoptar certos principios que estão estabelecidos em paizes tão civilisados, quaes a Inglaterra e a Belgica.

«Deixae os braços livres á caridade», disse mr. Gruizot; sim, deixem-se os braços livres á caridade; porém ha uma certa escola que presume consistir unicamente a verdadeira caridade nos monte pios e nas associações de beneficencia, e prega portanto que estas se formem; todos sabem porém quantas difficuldades ha com que lutar para estabelecer associações de caridade publica, apparecendo logo mal cabidas suspeitas de que se trama n'essas associações uma cousa differente do fim da instituição, e que entra n'esta o espirito de partido, systema horrivel de suspeições, que substitue o despotismo de outras epochas em que os aulicos ou os republicanos davam occasião a crises perigosas de desorganisação social!

Presume elle orador que o projecto em discussão se basea n'um principio justo, fundamentado e muito rasoavel; sendo certo que esse principio está regulado convenientemente, isto é, que estão marcadas já certas regras dentro das quaes a aposentação é concedida. Ninguém dirá que o negociante e o artista não sejam dignos da protecção da sociedade, mas esses não trabalham para o estado, trabalham para si, podem nas suas. respectivas espheras estabelecer os seus ganhos, as suas economias, os seus monte pios. Não succede assim com os empregados em geral, porque estes nada mais podem fazer do que applicar o salario que vencem ás suas mais urgentes necessidades, e ainda mesmo a estas com muita difficuldade (apoiados).

Aproveita o orador esta occasião para dizer que tambem deseja as economias, porém são as economias de natureza a não prejudicarem o serviço «publico, nem irem de encontro ás leis sagradas da justiça. Como se pôde exigir que o empregado trabalhe bem e tenha effectiva res possibilidade, se Continuamente se lhe regatear o pão de cada dia. E seu voto que, em harmonia com as circumstancias do thesouro se vão augmentando os ordenados aos servidores do estado, por ter tambem confessado e reconhecido por todos que elles não estão remunerados na devida proporção das actuaes necessidades ida vida. Tal ha sido sempre o seu procedimento desde que tomou assento n'essa camara; e justiça se lhe fará de que não pugna por esta classe, em rasão de pertencer a ella, pois todos sabem que é mui diversa a de proprietario, na qual sómente está incluido.

O digno par a que se reportava, depois de combater o principio propoz que elle se fizesse extensivo a todas as classes. Mui bem; proponha então o governo uma lei geral, apresente um projecto de organisação administrativa regulando os differentes serviços que elle orador não lhe negará o seu voto; e isto será mais proficuo do que as questões politicas, das quaes o paiz não póde tirar resultado vantajoso, por isso mesmo que só servem de cimentar a sisania entre os partidos, e estabelecer ou alimentar as discórdias entre os cidadãos.

Não seja porém rasão para addiar este projecto a esperança de que uma lei se proporá n'aquelle intuito emquanto ella não vem ao parlamento não é justo que se deixe de conceder a uns as mesmas vantagens que já outros gosam.

O orador pede desculpa ao seu mui respeitavel amigo o digno par o sr. Soure, das observações que acabava de fazer, e do calor que toma na defeza das idéas que expõe. Já é notorio que no parlamento elle e o digno par quasi nunca estão de accordo; sendo certo comtudo que fóra d’esta assembléa são accorde em muitos assumptos (O sr. Soure: —Apoiados) Elle orador é o primeiro a prestar homenagem ao caracter integro do digno par, e estimará ver chegar um dia em que s. ex.ª se approxime dos principios que o exponente professa, que n'este caso tem a certeza de que esses mesmos principios ganharão um defensor fiel e dedicado.

Emquanto a estender se o beneficio do projecto em discussão aos guardas das alfandegas, presume que a rasão de os não incluir é por não serem empregados encartados, mas sua opinião de já muito fundamentada é que se deve attender a todos. Estes são os seus principios, assim o tem demonstrado quando se trata de questões em que entende que lhe cumpre advogar a causa de desvalidos da fortuna d'esses que herdaram com o amor do trabalho o amor da virtude. Nesta occasião, portanto, não faz mais do que demonstrar a sua coherencia, provando mais que tudo que respeita a justiça, essa columna á sombra da qual o homem publico se deve acolher e abrigar, por isso que é uma columna sublime cuja base vem assentar sobre a terra tendo o seu capitel no céu.

O Sr. Secretário (Conde de Peniche): - Vou lêr a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. Soure.

Depois de lida foi admittida á discussão conjunctamente com a generalidade do projecto.

O sr. A, Xavier da Silva: — Sr. presidente, esta discussão tem ido mais longe do que se esperava. Eu não suppunha que um negocio tão simples, e quanto a mim de tanta justiça, desse logar a uma discussão do modo que a apresentou o digno par o sr. Soure, que muito respeito. Se s. ex.ª tivesse apresentado estas idéas, que acabou de expor, quando pela primeira vez se tratou das aposentações, seria uma occasião opportuna para essa discussão; mas agora julgo-a não admissivel depois de reconhecido o principio das aposentações, e de haverem tantas classes a que têem sido concedidas por differentes modos, porque hoje os juizes tem aposentação, o professorado tem aposentação, e os militares têem aposentação, os empregados de fazenda todos têem aposentação, os empregados das secretarias d'estado têem aposentação e muitos outros que não lembro, e vejo com grande admiração que só agora se discuta o principio quando se trata dos empregados da alfandega.

Sr. presidente, não sou empregado publico, tive já a honra de servir n'esta terra em uma commissão que não era politica por espaço de sete annos gratuitamente, e havendo perdido a carreira, para que me destinava e habilitei na universidade, tive afortuna de me dedicar á carreira commercial para adquirir meios sufficientes para educar e sustentar com decencia uma numerosa familia, e tenho a consciencia de haver cumprido os meus deveres de chefe de familia sem ser pesado ao estado. Portanto pareceme, sr. presidente, que fallando a favor dos empregados publicos não sou um homem suspeito (apoiados).

Sr. presidente, «lamento que os empregados do estado sejam tão mal remunerados (o sr. Marquez de Vallada: — Apoiado), e sinto que conhecendo todos que os vencimentos que o estado paga mal chegam para a sua parca sustentação, queiram ainda tirar a esta classe respeitavel da sociedade a unica esperança que pôde ter, que havendo dedicado toda a em vida ao serviço do estado se lhe dará na velhice ou quando se impossibilite, um pedaço de pão para comer e a sua familia.

Se o parlamento hoje quizesse tirar aos empregados publicos a esperança da aposentação,.uma vez impossibilitados physica ou moralmente, ou depois de terem exercido o seu cargo honradamente por longos annos, determinando que de seus diminutos ordenados façam um pecúlio para a sua velhice, seria uma resolução injusta, e muito mais havendo muitos que podem ser aposentados. Como queria o digno par que esta classe respeitavel, que luta com tantas difficuldades que tem os pequenos vencimentos que o estado lhe dá, podesse accumular para attender ás suas futuras necessidades? Quereria o digno par que os empregados publicos, mal retribuidos como são, pensando no futuro das suas familias se lançassem em uma vida desgraçada, lembrados de que n'um dia se podiam impossibilitar e ficar sem pão para a sua sustentação!!

Sr. presidente, esta questão podia dar largas a muitas observações. Não desejo demorar-me sobre este assumpto, sou chefe de familia e sei avaliar o que é o amor de familia, e só direi que em outras nações que remuneram muito melhor do que Portugal os serviços do estado, podia ir buscar o exemplo das aposentações que se dão logo que o tempo de serviço se preenche, fallo da Inglaterra; mas na nossa terra até se querer cercear esse direito que póde ser a unica compensação que póde ter o empregado como indemnisação do exiguo vencimento durante e tempo que elle serve.

Reconheço, sr. presidente, que o estado não tem meios para ter tres classes de empregados, quero dizer para empregados effectivos, empregados aposentados e ainda pensionistas; reconheço que seria muito conveniente que os empregados publicos podessem reunir-se em sociedades, applicando para ellas uma parte dos seus pequenos vencimentos, para assegurar ás suas familias uma decente sustentação, e não virem ao parlamento e ao poder executivo pedir o pão quotidiano.

Mas, sr. presidente, para isto ter logar, a primeira cousa quês se deve fazer é pagar ou retribuir, convenientemente ao empregado para elle poder viver decentemente, e para poder fazer essas economias (apoiados).

Emquanto não podemos pagar exactamente o vencimento que se lhe prometteu e que ainda hoje estamos cerceando, porque as circumstancias do thesouro assim o exigem, a camara ha de convir que o empregado publico não póde fazer economias, é muito difficil.

Para, mim o, que julgo mais injusto, é que se duvide do direito que possa ter o empregado para pedir ao estado que carregue comia sua sustentação, depois de ter empregado toda a sua vida e forças no serviço do paiz, porque, está incapaz de trabalhar. Pois quereria o digno par que o militar que vae á campanha, que fica mutilado no serviço da pátria, não tivesse o pão quotidiano, achando-se impossibilitado de continuar no serviço do estado? Pois quereria o digno par que o empregado que tivesse servido bem em qualquer repartição publica vinte ou trinta annos, masque a sua idade ou molestias lhe não permittia continuar a trabalhar, fosse mendigar o seu, pão, e que o estado o lançasse ao desprezo já que não tinha saude para ganhar o pão quotidiano?

Ainda que o digno par impugnou o direito da aposentação, não duvidou propor que esse direito se torne extensivo a todas as classes da sociedade, e pela minha parte não me opporei no que julgar justo; porém esta questão deve ser tratada separadamente da questão que hoje se ventila, e esse principio que o digno par apresentou poderá ser objecto de uma nova proposta; e porque não podemos fazer justiça a todos não devemos deixar de a fazer a alguns (apoiados).

Eu já disse, e repito, que a reforma ou aposentação dos empregados da alfandega é uma necessidade publica, e como tal a approvei na commissão; e se ellas não forem determinadas, havemos ver o mesmo que acontece em muitas outras repartições publicas, isto é, que o empregado mal apparece ou mal exerce o seu logar, e o estado soffre com isso. Por consequencia, parece-me que este projecto, na sua generalidade, deve ser adoptado, e que as idéas do digno par podem fazer objecto de um novo projecto, se a camara assim o entender.

O sr. Presidente: — Agora segue-se a votação do requerimento do digno par, o sr. Miguel Osorio.

O sr. Miguel Osorio: — Eu já pedi por duas vezes a V. ex.ª que pozesse o meu requerimento á votação, mas agora desisto d'elle.

O ss. Presidente: — Então tem a palavra o sr. José Bernardo da Silva Cabral.

O sr. Silva Cabral: — Eu cedo da palavra.

O sr. Presidente: — Tem o digno par o sr. Soure a palavra.

O s. J. F. de Soure: — E preciso que eu me explique, porque me parece que não fui bem entendido.

Eu, sr. presidente, voto contra o principio das aposentações em these, e não voto só agora contra elle, tenho sempre assim votado, oppondo-me constantemente a que se estabeleça. Já aqui em certa occasião se fez allusão á minha pessoa, julgando-se ter-se-me achado em contradição, e não se fazendo justiça ao meu caracter, dizendo-se que eu me não tinha opposto á lei das aposentações dos juizes; mas eu mostrei então que quando essa lei se discutiu e passou não tinha eu a honra de ser membro do parlamento, porque se a tivesse de certo teria votado contra. Mas como se quer estabelecer o principio que eu reprovo, então digo, se se consignar que aos empregados do estado se devem aposentações passado certo numero de annos de serviço, então seja este beneficio concedido a todos; não ha rasão para excluir nenhum. Não obstante (entenda-se bem) eu estou convencido de que se não deve dar pensão a ninguem, reforma a ninguem, e aposentações a ninguem, porque não podemos ter senão empregados effectivos que trabalhem, e que pelo seu trabalho ordinario recebam uma justa retribuição. Quando se derem serviços relevantes e extraordinarios justifiquem-se perante os poderes publicos, e estes também extraordinariamente decretarão condigna recompensa. De outro modo não é possivel organisar o orçamento. Se o empregado publico serviu, quando trabalhou, o seu paiz, tambem o que exerce qualquer industria particular o serviu.

Eis-aqui as consequencias logicas do principio que vejo querer-se estabelecer! Se a sociedade tem o dever de sustentar aquelle que a serviu de um modo, tambem o deve ter a respeito do outro que a serviu de outro. Em que paiz ha um tal principio de conceder pensões aos servidores do estado, pelo modo como entre nós se quer estabelecer? Em nenhum! É verdade que em certos paizes concedem-se pensões a alguns servidores do estado, mas em que casos? Em casos muito limitados, e com pensões ténues da retirada do serviço, mas nunca pelo modo amplo e generoso por que se faz entre nós.

Mas que é isto que se quer fazer? Não será porventura o querer-se estabelecer a caridade legal? Eu entendo que sim, porque não póde ser outra cousa; mas nós sabemos que, apesar da maneira.com que a caridade legal é exercida em Inglaterra, quaes são ali os seus effeitos, não obstante as restricções, os correctivos e meios de vigilancia que nós aqui não temos. Se pois, sem embargo das minhas opiniões, manifestadas na camara, o principio consignado no projecto de lei passar, neste caso digo, proponho que o principio adoptado seja applicado a todos os empregados do estado sem excepção alguma. E peço que estas minhas palavras se addicionem á minha proposta, esperando que o digno par, o sr. secretario, tenha a bondade de ali as mencionar.

Mas disse-se que combater um principio applicado a certos empregados, e depois propor que se applique esse mesmo principio a todos os empregados, é um sophisma! Em que é pois que há aqui sophisma? Eu não quero que se estabeleça o principio da aposentação para ninguem; mas digo que desde o momento em que se adoptar este principio para uma classe, nós não podemos deixar de o applicar a todas as outras, porque é esta a consequencia logica.

Um digno par fallou em partido ultra-progressista, revolucionario e idéas demagógicas. Eu entendo que o direito á aposentação não difere nada do direito ao trabalho, e que por isso os que o defendem podem mais rasoavelmente ser alcunhados de demagogos e socialistas. Emquanto á allusão de revolucionario, direi ainda uma vez que só fui revolucionario na luta contra o despotismo, porém que depois d'elle vencido nunca, absolutamente nunca, entrei em revolução, antes pelo contrario sempre defendi e aconselhei o emprego unico e exclusivo dos meios constitucionaes, entendendo que se o systema representativo não serve para nos dar bom governo sem revoluções, então para muito pouco presta. Estas idéas, que ainda conservo, é que me valeram algumas vezes o ser appellidado retrogrado e aristocrata, não obstante o meu nascimento plebeu; logo para que vem tantas vezes, essas insinuações, quando eu, desde 1834, tenho constantemente manifestado as minhas opiniões

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com toda a franqueza, e quando os meus factos, como politico, são conhecidos, porque se em mim ha alguma qualidade boa, é de certo a da franqueza.

Não fallemos portanto em revoluções nem em revolucionarios, nem me obriguem a fallar de mim; que não era preciso porque os factos da minha vida publica ahi estão patentes, e o paiz nada lucra com estas questões, nem isto são argumentos.

O sr. Ferrão: — Tomando parte n'esta discussão para responder a argumentos de varios oradores que o tinham precedido, defendeu o principio consignado no projecto em discussão.

O sr. Presidente: — O digno par o sr. Osorio pediu a palavra para um requerimento; mas o sr. ministro da marinha tem a palavra, e pouco tempo julgo tomará á camara.

O sr. Osorio: — Desisto do meu requerimento primitivo; mas peço a palavra para fazer outro, antes de se pôr o projecto á votação na generalidade.

O sr. Marquez de Niza: — Tinha pedido a palavra pára um requerimento e era que se prorogasee por mais alguns minutos a sessão, para que o sr. ministro da marinha tivesse occasião de fallar; é questão de delicadeza para acamara, pois já tinha pedido a palavra, o fóra privado pela inscripção; mas como agora o sr. presidente acaba de declarar que a concede a s. ex.ª desisto do meu requerimento.

O sr. Ministro da Marinha: — Expoz achar se n'esta questão em substituição do seu collega da fazenda, porque não estava na outra camara, quando por esta foi convidado a vir aqui, e a sua ausencia tanto n'esta como na outra era devida a incommodo de saude. Todavia, como elle orador já havia tomado parte n'esta questão, não hesitou em vir perante esta camara responder por parte do governo. A impugnação na generalidade do projecto, elevou-se á altura dos principios. Nada se perdeu com isso 6enão alguns minutos, ao passo que a causa publica ganha muito com este debate, porque se liquidam os pareceres e se averiguam melhor.

Sente n'esta occasião discordar especialmente das objecções em nome dos principios, apresentadas pelo sr. Soure; e tanto mais o sente, quando é facto de que muitas vezes ha tido occasião de concordar com s. ex.ª, e espera muitas vezes mais ainda estar de accordo com o digno par.

 doutrina exposta pelo sr. Soure, não seria absolutamente injusta, nem destituida de fundamento, se tivessemos tido outra legislação, e essa legislação tivesse sido regida por outros principios. Não ha duvida que o abuso das remunerações dadas pelo estado póde levar, como s. ex.ª ponderou, á inércia quando as classes abusem dos seus deveres; mas não se póde necessariamente deduzir d'isso que o estado, remediando a escassez antiga com que o serviço dos empregados é remunerado, garantindo lhe o pão e ás suas familias, quando se impossibilitem no serviço, dê motivos aos males que o digno par receiou.

Parece-lhe apresentar se a idéa, perigosa idéa, de que em pouco tempo todos seriam subsidiados do estado, na qualidade de reformados; mas deve reconhecer-se que a propria lei que actualmente se discute, fixa as regras em virtude das quaes as aposentações são dadas.

Acresce mais, receiar se que o orçamento se povoe de reformados e aposentados; mas esta mesma lei diz que os aposentados só o poderão ser aos sessenta annos e consideradas as condições da idade. Pois é possivel imaginar uma classe do Mathusalens tão petrificados na vida que venha encher o orçamento exclusivamente? (Riso.) Pois póde imaginar se que os reformados se hão de tornar eternos pelo facto do serem reformados? Então vinham logo todos os proprietarios, os individuos de todas as classes inscrever-se na classe dos reformados para gosar da immortalidade com uma pensão do estado (riso). Nada seria mais agradavel. Todos nós iríamos, com um tão justificado desejo, fazer uma revolução, em que até talvez o digno par o sr. marquez de Vallada tomasse parte.

O sr. Marquez de Vallada: — De certo.

O Orador: — Ora graças a Deus que já uma vez seria s. ex.ª revolucionario (riso). Isto parece-me simplesmente exageração por parte do digno par o sr. Soure, de uma preoccupação que póde ter um principio plausivel, mas que levada a consequencia, nos termos que s. ex.ª a apresentou, não se póde admittir.

Acrescentou o digno par, e isto é tambem questão de principios, porque se não ha de estender o principio da aposentação a todas as classes, a todos os operarios, a todos os artistas, a todos aquelles emfim que com o seu trabalho concorrem, para o esplendor do estado? Por uma rasão muito simples. E porque todas essas classes fixam o seu salario, emquanto ao empregado é o estado que lh'o fixa (apoiados.)

Ora, se o operario, se o artista, se todas as outras classes que contribuem com o seu trabalho para o esplendor e solidez do estado podem fixar as condições e recompensa d'esse trabalho, é claro que se põem por esse facto nas circumstancias de preparar o seu futuro e o das suas familias...

O sr. J. F. de Soure: — A regra da procura e da offerta desappareceu.

O Orador: — Mas ahi temos ainda uma rasão militando a favor dos empregados, pois estes não podem, como o operario, arbitrar o que lhe convem para fazer economias. O principio do digno par é que todos devem fazer economias com os olhos no futuro.

De accordo; mas o orador desejaria que s. ex.ª podesse praticamente explicar o modo de applicar esses principios com referencia á maior parte dos vencimentos dos empregados do estado. Desejava mais que s. ex.ª lhe justificasse a possibilidade de fazer economias; o marinheiro, o soldado e tantas outras classes, a que em troca de um serviço arriscado se lhe dá um escasso salario quotidiano e nada para o futuro (apoiados). Como ha de o digno par exigir do official de marinha e do militar, que é mandado para inhospitas regiões, quaes os sertões da Africa, a arrostar com climas insalubres, com mares tempestuosos, e a quem se dá, um diminuto salario diario e nada mais, como lhe ha de exigir economias? Fazei economias, sim senhor, mas dae nos com que as fazer (apoiados).

Isto é o que responderá, e responderá bem o militar e o maritimo; e o que se applica a estes, applicasse a muitas outras classes. Se se lhes exige que façam economias é preciso que lhes dêem o necessario para a vida e para as fazer. As aposentações derivam pois necessariamente da nossa situação actual e da taxa dos vencimentos dos empregados do estado. Não era possivel dar lhes tão escassos vencimentos, sem por outra fórma lhes recompensar os serviços. O principio do digno par ou ha de começar de agora por diante, dando aos empregados do estado uma remuneração com que possam fazer economias, ou se ha de pôr em pratica este principio, que não é caridade official, mas um complemento de remuneração.

O orador presume pois que o principal sobre o assumpto está dito, e não acompanhará o digno par o sr. marquez de Vallada nas suas digressões, porque espera occasião era que esses assumptos se liguem, para então responder a algumas phrases de s. ex.ª; mas pelo que respeita ás suspeições, pelo pouco que permittia o grande adiantamento da hora, apenas diria a s. ex.ª, que essa anarchia e tyrannia a que se referiu e descreveu largamente, deve ser considerada como na realidade é, sem se phantasiar, e procurando-se-lhe a verdadeira origem.

Emquanto á questão mais propriamente dita, e que verdadeiramente occupa n'aquella occasião a camara dirá emquanto á caridade, ou publica, ou particular, que Portugal a esse respeito nunca fica em situação inferior a outros paizes, por isso mesmo que já é sabido, conhecido e provado sempre, que a caridade é um attributo que faz parte dos nossos costumes nacionaes, e a proposito não póde deixar de se referir agora a um exemplo recentissimo, que mais particularmente toca com a repartição que tem a seu cargo no ministerio, refere-se á subscripção aberta para os infelizes habitantes de Cabo Verde, a qual em tão pouco tempo subiu a mais de 20:000$000 réis, tudo soccorros espontaneos, nem ha caridade que não seja espontanea (apoiados), mas é por descriminar o que é legal ou official, d'aquillo que o não é, e que mais verdadeiramente se torna espontâneo pela nenhuma interferencia official, porque segundo diz S. Paulo: «a caridade deixaria de o ser se fosse obrigada». E deve notar-se tanto mais o valor e importancia d'esta subscripção a que se referia, por isso mesmo que é para acudir a males que não estão debaixo de nossos olhos, e que por isso parecia não ser natural que estimulassem do mesmo modo como se fossem presenceados (apoiados). Pois apesar de tudo isto não houve difficuldade para colher tão bom resultado; a subscripção foi concorrida e n'ella figuram os caracteres mais eminentes da capital e do paiz.

O orador terminou alludindo, entre outros incidentes, á condemnação de mr. de Montalembert, pelo que o digno par, o sr. marquez de Vallada, pediu se lhe reservasse a palavra para uma explicação.

O sr. Presidente: — A primeira sessão...

O sr. Osorio: — Peço a V. ex.ª, que me mantenha a palavra para um requerimento antes da votação na generalidade.

O sr. Presidente: — A primeira sessão será na segunda feira proxima, continuando a mesma ordem do dia; e convido os dignos pares que são membros da commissão das obras d'esta camara para se reunirem na mesma segunda feira á uma hora da tarde, pois n'essa conformidade a mesa fará expedir aviso de convite ao sr. ministro das obras publicas.

Está levantada a sessão. Eram cinco horas e um quarto.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 4 de março de 1864

Ex.mos srs.: Conde de Castro; Duque de Palmella (Antonio); Marquezes, de Niza, de Vallada; Condes, das Alcaçovas, de Alva, de Avilez, d'Avila, de Fonte Nova, de Peniche, da Ponte de Santa Maria, do Sobral, Bispos, do Algarve, de Vizeu; Viscondes, de Santo Antonio, da Borralha, de Condeixa, de Fornos de Algodres, de Paiva, de Soares Franco; Barão de Foscoa; Mello e Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Soure, Pestana, Braamcamp, Pinto Basto, Silva Cabral, Reis e Vasconcellos, Baldy, Matoso, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Vellez Caldeira, Miguel Osorio, Miguel do Canto.

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