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tendo incontestaveis, espero que m'o notem, e serei muito docil em reconhecer o meu erro, e em prestar testemunho á verdade; mas, se pelo contrario eu entender que se vem aqui com argucias ou sophismas atacar a verdade, hei de ser tão energico na replica como o Tui na contrariedade. Seria ainda, sr. presidente, porque eu fizesse alguma insinuação individual? Era impossivel, porque eu tratava de' discutir debaixo do predominio de uma idéa, qual era, que esta camara, pela sua incompetencia, e não menos pela sua dignidade propria, não era a que devia entrar n'estas questões pessoaes: mas ainda se alguma palavra me tivesse escapado, de que tambem a consciencia me não accusa, que m'a apontem, que eu darei testemunho á verdade, como na primeira hypothese.

Se, por consequencia, nem a primeira nem a segunda hypothese, segundo a voz da minha consciencia, podem ter sido motivo para esse movimento geral, que aliàs me agrada muito, então não podia ser senão a significação moral da sentença ou pensamento com que abri o meu discurso.

Sr. presidente, com a mais firme convicção direi (e repito sem jactância de infallibilidade, porque, como já disse, seria uma necedade) que depois de feita a narrativa dos capitulos ou artigos de censura que se dirigem ao sr. ministro da guerra, eu tratei de demonstrar a improcedencia, e não só a improcedencia, mas tambem a ineptidão do primeiro capitulo de censura. Tenho recorrido a differentes pontos da nossa legislação, e com elles demonstrei concludentemente que não só não se póde fundar a censura em lei alguma, mas que até ella estava em diametral opposição com a significação do seu pensamento. Depois d'isso passei ao segundo artigo da censura, que é exactamente o que diz respeito ás medalhas, no qual é accusado o sr. ministro da guerra de ter, em contradicção com o regulamento de 22 de agosto de 1864, concedido a medalha de oiro valor militar ao militar alludido, sem todavia preceder consulta do supremo conselho de justiça militar. Neste ponto estabeleceram-se differentes ordens de idéas: alguns dignos pares atacaram radicalmente a constitucionalidade do decreto de 2 de outubro de 1863 e outros, restringindo-se á especie, entenderam que se tinha commettido infracção da lei, por differentes motivos que logo enumerarei. Era portanto necessario seguir a ordem natural das idéas, e avaliar cada uma das opiniões que se apresentaram. Estavamos no campo do raciocinio, e a minha convicção era e é, que se não tinha asseverado nada com fundamento legal.

Devia por consequencia sustenta-la, e n'esse caso considerei a idéa primordial a constucionalidade do decreto de 2 de outubro de 1863. Sr. presidente, n'essa occasião demonstrei eu que era destituida de fundamento a opinião que atacava a constitucionalidade do citado decreto, insistindo agora sómente nas idéas geraes, porque não quero de maneira alguma abusar da attenção da camara nem dos dignos a quem respondo.

Sr. presidente, tendo-se querido inculcar a inconstitucionalidade do decreto de 2 de outubro de 1863, era preciso demonstrar que não existia tal inconstitucionalidade, e demonstrei-o com a disposição do artigo 75.° § 11.0 do carta, na sua letra e espirito, e com o mesmo artigo 75.° §§§.°, 10.° e 14.°; e depois como se tinham trazido argumentos subsidiários tirados do artigo 145.° §§ 12.° e 26.°, demonstrei eu que esse artigo não tinha applicação alguma na hypothese sujeita, por se achar debaixo da epigraphe — direitos civis e politicos; e nós, no artigo 75.°, tratámos da uma das attribuições do poder executivo. N'esta ordem de idéas tinha concluido que não era applicavel similhante doutrina, e portanto que não podia deixar de se concluir que tal inconstitucionalidade não havia; e se fosse necessaria á cabal demonstração d'esta conclusão que tirei, a auctoridade de publicistas celebres, respeitados de nacionaes é estrangeiros, estaria, entro outros, o eminente politico e estadista commentador da carta constitucional, o sr. Silvestre Pinheiro, que nas suas observações sobre a carta, n'este mesmo artigo 75.° § 11.0 expende exactamente a mesma opinião, não intendendo de outra maneira, porque não o podia fazer, ã carta constitucional.

Sr. presidente, ahi diz este celebre politico e compatriota nosso «que seria para desejar que esta materia fosse regulada por lei para se evitar o arbitrio do poder executivo»; e segundo a sua idéa favorita lembra o principio eleitoral; de onde se deduz que a carta não póde ter outra significação senão aquella que eu lhe acabei de dar e que sempre se lhe tem dado.

Sr. presidente, n'este ponto não é só a hermeneutica, não é só a letra daquelle artigo que nos diz — que o poder executivo esta exactamente na esphera das suas attribuições, quando concede titulos, distincções e honras, exceptuando sómente as mercês pecuniarias; mas a auctoridade vem tambem em auxilio d'esta asserção, a auctoridade de um publicista d’esta ordem.

Mas, sr. presidente, se porventura o decreto de 2 de outubro de 1863 tinha ferido a constituição, porque é que n'esse anno ou no seguinte se não levantou no parlamento esta questão? O digno par tão zeloso da observancia da constituição devia ter usado da sua palavra eloquente, cumprindo a obrigação que a mesma carta lhe impõe, de fiscalisar o exercicio d'esse poder, e n'esse caso não devia ficar no decreto de 2 de outubro de 1863, devia retrogradar muito alem. Pois não tem o decreto de 16 de outubro de 1861, referendado pelo sr. duque de Loulé e marquez de Sá, assim como aquelle o esta pelo sr. marquez de Sá e Mendes Leal? Pois póde attribuir-se a estes caracteres a intenção de offender a carta excedendo as suas attribuições? E para que, com que fundamento? Não ha portanto duvida nenhuma de que não tem o menor fundamento a asserção do digno par.

Consultando melhor a sua consciencia e com a alta illustração que possue, tanto juridica como politica, ha de reconhecer que não tem rasão para duvidar, porque o contrario seria ferir o poder executivo na esphera das suas attribuições.

Como este negocio veiu á téla parlamentar, eu não podia deixar de me referir a elle para protestar solemnemente contra similhante doutrina, porque se ella fosse verdadeira nós todos estavamos cumplices pelo menos de negligencia. Mas felizmente não aconteceu assim, e até nada tem isto com a hypothese que discutimos; nós não tratámos agora da constitucionalidade do decreto de 2 de outubro de 1863, o objecto da censura versa sobre outra base, não sendo esta base outra senão a conformidade ou não conformidade dos actos do sr. ministro da guerra com o regulamento que elle mesmo tinha referendado, e com as attribuições marcadas pela carta.

Eis-aqui o segundo ponto, em que vou entrar, que envolve umas poucas de questões, que é preciso tratar separadamente, em ordem a poder conhecer-se a importancia da materia.

O sr. ministro da guerra teria necessidade de se conformar com o voto do conselho, ou para melhor dizer (porque é a hypothese) poderia decidir objecto sobre que o conselho não fosse consultado, porque é preciso que se saiba, e sabe-o de certo a camara melhor do que eu, que este objecto das medalhas esta dividido em differentes classes. È preciso que se saiba que o supremo conselho de justiça militar foi mandado consultar sobre uma e outra classe, com relação ao militar de que se trata. E preciso ainda advertir e conhecer que o supremo conselho, fazendo a sua consulta, se limitou á medalha de prata, que significa bom serviço e exemplar comportamento, e deixou apenas sem consultar a medalha de oiro, que significa, conforme a disposição do artigo 4.°

§ 1.° do mesmo regulamento, valor militar.

Ora, sr. presidente, eu já demonstrei, porque, repito, não quero senão trazer á memoria da camara estas idéas, para depois continuar no exame dos factos de que é accusado o sr. ministro da guerra; já demonstrei pelos principios, pela regra e pela natureza do systema constitucional, que é exactamente na fórma do governo mixto, que não é possivel deixar de se attribuir a ultima decisão n'este assumpto ao governo, porque sem isso ficava derogado o principio de responsabilidade, o qual não póde existir sem a liberdade de decisão.

Tudo isto comprovei eu com auctoridades irrecusáveis, com o espirito com que foram redigidas as nossas leis administrativas. Mas, sr. presidente, como para sustentar a proposição contraria se recorreu aos exemplos, e se apontaram differentes leis, nas quaes vem claramente necessitado o voto affirmativo, como succede a respeito da aposentação dos juizes, decidida pelo supremo tribunal de justiça; a respeito' de certos membros do magisterio, pelos conselhos escolares; a respeito dos membros do tribunal de contas, pelo conselho d'estado; a respeito da suspensão dos juizes e certos professores de instrucção publica, pelo mesmo conselho, etc...; cumpre reflectir que estas excepções expressas na lei, ácerca de certos e determinados casos, não fazem senão confirmar a regra, que é favoravel á hypothese que discutimos, sendo ainda para notar que as garantias estabelecidas n'essas leis não respeitam senão a certas classes, cujas funcções são declaradas perpetuas pela lei, e algumas até inamovíveis.

Vem pois esta doutrina em confirmação do grande principio, principio que não póde ser de maneira nenhuma coarctado a não haver lei que expressamente o coarcte. Desde que as leis estabelecem o voto affirmativo, necessariamente se ha de cumprir, mas esta excepção não faz mais do que confirmar a regra em contrario, quero dizer, ficando subsistindo o principio fundamental da administração geral, porque ao governo, como chefe do estado, é que compete a ultima decisão dos negocios. Fallou-se tambem em especial na lei do conselho d'estado e no regulamento de 9 de janeiro de 1852. É não o ter lido, digo-o francamente. Eu já não queria que se referissem ao espirito com que foi redigido, mas não estará o artigo 172.° inteiramente em conformidade com este principio? Não se diz ahi que as decisões do conselho d'estado, depois de reduzidas a consulta, na fórma d'este decreto, não terão força de obrigar senão depois 'de resolvidas pelo governo?

Sr. presidente, eu sou do voto, e fui sempre, que o governo deve ser o mais cuidadoso em se afastar d'estas consultas, por isso que tem obrigação de sustentar a auctoridade dos differentes corpos constituidos do estado, porque se se estabelecesse a desharmonia, entre uns e outros, quem padecia era a causa publica; mas isto não deroga o principio de maneira nenhuma, nem o póde derogar; e a verdade é, que tanto no paiz, cuja legislação adminstrativa servia de modelo para a nossa, como entre nós se deram exemplos que confirmam a minha proposição.

Sr. presidente, em França, até á epocha em que escreveu Cormenin, este celebre escriptor de direito administrativo, é verdade que elle refere sómente um caso em que o governo se apartasse da decisão do conselho d'estado. Similhantemente entre nós não temos senão um facto: é o facto dos representantes do sr. barão de Barcellinhos com Jorge Croft. N'este objecto, a que eu me refiro, a camara póde ver que não houve só divergencia, houve contrariedade da decisão que se tinha tomado no conselho d'estado. Mas quaes foram os meios porque se chegou a este resultado? Era ministro do reino o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, e a questão deu-se da maneira seguinte, Tratava-se de uma insinuação de um dote importante. Os representantes do fallecido barão de Barcellinhos instavam, por isso que se não tinham satisfeito certas solemnidades, durante a vida do mesmo barão, que a insinuação já não podia ter logar, por consequencia valeram-se d'esta circumstancia para impugnar a insinuação.

Os dotados sustentavam que se tinham cumprido todas as solemnidades, e por consequencia requeriam e instavam pela insinuação. Havendo duvida sobre isto, e tendo decidido o ministerio do reino contra uma das partes, a questão foi levada, como era de necessidade e de lei, ao contencioso administrativo, e este tribunal decidiu contra a insinuação, e redigiu-se por consequencia, na fórma do artigo 84.° do regulamento de 9 de janeiro, o competente decreto que devia subir com a consulta; mas o governo n'essa occasião recebeu uma reclamação importante do governo inglez, e a esta reclamação respondeu-se, primeira e segunda vez, que o governo portuguez não podia ir contra a decisão dos tribunaes, resposta esta que consta dos autos, que eu n'essa occasião tive motivo para ler e estudar a pedido do ministro.

Appareceu primeira e segunda resposta do governo inglez, até que veiu a nota em que se estebeleceu o ultimatum, marcando praso para fazer justiça á reclamação com o fundamento de que as decisões dos tribunaes administrativos não eram as sentenças de que fallavam os tratados. Em consequencia d'isso o governo viu-se embaraçado, porque não tinha senão um curto espaço para decidir esta questão.

O sr. Conde de Thomar: — Este não é o caso.

O Orador: — Rogo-lho que ouça o que se vae seguindo. Não sei como o digno par não se lembra d'isto.

O sr. Conde de Thomar: — Não assisti a isto.

O Orador: — E porque estava fóra. A consequencia foi que o governo vendo-se embaraçado, convocou, como era natural, as duas secções do conselho d'estado, a administrativa e a do contencioso administrativo; fez mais, convocou outras pessoas importantes que elle entendia que estavam nas circumstancias de darem a sua opinião sobre tão grave assumpto, entre ellas os dois procuradores geraes da corôa e da fazenda. Ventilou-se a questão e todos opinaram, não com relação á nota, mas com relação aos principios, menos dois ou tres votos, que o governo inglez tinha rasão, e que effectivamente a decisão do contencioso administrativo não podia tirar ao governo a attribuição que lhe competia para decidir, na ultima instancia, os negocios administrativos e que, por isso, o governo podia não se conformar com a consulta e decreto, e conceder a insinuação. Eis-aqui o que se fez, e d'ahi veiu a rasão porque um chorado collega, que o foi de muitos n'esta camara, e meu no conselho d'estado, o sr. Duarte Leitão, nunca mais quiz tornar ao contencioso, considerando como desfeita áquelle tribunal, a resolução tomada, em vista do artigo 95.° do regulamento de 9 de janeiro.'Comtudo o principio lá esta. E como demonstrei, não sómente em França, de cujas leis foram tiradas as nossas, mas no nosso paiz, o principio é alem de sustentado pela theoria, pela natureza do systema, e até os factos veem confirmar esta mesma theoria.

Porque rasão e que não se olha para a differença dos dois documentos? Pois é possivel que nuvens tão espessas obscureçam a intelligencia de pessoas tão illustradas? Pois podem as decisões que têem relação com aquelle decreto de 9 de janeiro de 1852, ter alguma paridade ou analogia com o caso presente? Pois não sabem todos que aquelle decreto tem força de lei em virtude da auctorisação concedida na lei de 3 de maio do 1845, emquanto que este não é mais do que um acto do poder executivo, revogável, emendavel, modificável, sempre que o poder executivo o queira fazer?

Todos sabem que assim como as leis não podem ser interpretadas, revogadas ou emendadas senão pelo poder legislativo, assim tambem os actos do poder executivo pelo principio cujus est condere, ejusdem est tullere podem ser interpretados, revogados ou emendados; principio de eterna verdade, e applicado a toda a legislação, e por isso, o poder executivo que teve o direito de fazer este decreto, tem direito de o revogar ou modificar como entender.

Não se devem pois confundir hypotheses tão differentes; e esta confusão é que deu logar a fazer-se reparo no que disse o meu nobre amigo o sr. Alberto Antonio de Moraes Carvalho, a respeito da revogação de leis por portarias. S. ex.ª não disse, nem podia dizer isso, o que disse foi, que a portaria podia interpetrar o decreto, mas nem isso disse, me parece.

(Interrupção do sr. Moraes Carvalho, que não se ouviu.)

Ora, sr. presidente, este negocio é tão simples, que eu entendo que não merecia a pena que oradores tão distinctos como aquelles que têem fallado n'esse assumpto viessem occupar-se d'elle. Sabe-o qualquer praticante de escriptorio juridico, porque todos têem diante de si o Borges Carneiro, o Almeida e Sousa, e outros que tratam d'essa classificação das leis, e ahi se diz qual era a verdadeira jurisprudencia. Sómente o dizer-se que uma portaria ou um aviso podia revogar uma lei era um absurdo que não se -podia admittir mesmo no antigo regimen; mas a verdade é, que não só nas leis mas na opinião de muitos jurisconsultos e praxistas, apparecem factos em contrario, e que a historia da legislação apresenta innumeras especies de revogação de -leis por portarias ou avisos, a que a pratica do fôro e dos tribunaes não deixaram nunca de prestar assentimento o obediencia, vindo por tal fórma a fazer-se excepção ao principio que sob o regimen constitucional deve ser sustentado • em toda a integridade. Mas isto não é questão para agora, nós aqui não temos""nada d'isso, o que temos é unicamente um decreto filho das attribuições do poder executivo, e por consequencia devemos considerar o negocio debaixo d'este ponto de vista.

Ora, sr. presidente, se na jurisprudencia antiga a auctoridade das portarias, em virtude da ordenação, livro 2.°, titulo 41.°, era respeitada em attenção ás palavras, que no fim da mesma ordenação estavam escriptas, ut ibi «sem lhe ser mandado por nós verbalmente», que diremos, tratando-se, não de uma lei, que é a hypothese da nota de Bor-