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ges Carneiro, a que se fez referencia, mas de um decreto publicado dentro da esphera das attribuições do executivo?

E comtudo é fóra de duvida, que ainda na hypothese que Borges Carneiro considera como simples facto, eminentes jurisconsultos e praxistas, como Macedo e Vicente Ferreira Cardoso, se apartaram inteiramente da opinião daquelle distincto jurisconsulto.

Ora, sr. presidente, não será esta mesma doutrina applicavel ao caso em questão? Pois o facto de que se trata não foi exactamente publicado na ordem do dia? Não é essa ordem do dia publicada em nome do Rei, na séde da sua residencia? Logo, verificaram-se exactamente todas as circumstancias, que prevê a lei e á jurisprudencia, para se não poder negar a auctoridade a estes actos; e por consequencia não se podem tirar as illações que se quizeram tirar para fazer censura ao sr. ministro da guerra. Não é possivel censurar o sr. ministro da guerra, porque s. ex.ª marchou conforme todos os principios a esse respeito. A questão de ser portaria ou decreto esta aqui resolvida da maneira mais clara e explicita que se podia resolver, e é fundada na mesma lei; porque, n'este caso, as ordens verbaes do Rei, referidas em portarias, devem ser guardadas; e tratando-se de um acto do poder executivo, é claro que foi cumprida a lei. Outra cousa seria, se porventura se tratasse de uma lei, porque então não estava por essa opinião.

Assim, quando se quiz fazer carga ao sr. ministro da guerra com a leitura da portaria de 28 de outubro, não se fez nada que fosse de conformidade com a lei. O que se quiz foi apresentar mais um daquelles argumentos que nada trazem á convicção e muito menos para o esclarecimento da verdade.

Sr. presidente, parece-me que tenho demonstrado que o segundo artigo de censura, ou na sua base ou nos seus accessorios, não tem o menor fundamento, e que quanto a elle, como no primeiro caso, o sr. ministro da guerra se conformou inteiramente com a lei, não havendo de sorte alguma motivo, nem o ha, para elle ser censurado. Resta por consequencia o terceiro artigo de censura, no qual vou entrar, e muito desejo acabar, porque estou a fazer uma grande violencia ao meu estado de saude.

Sr. presidente, o terceiro artigo de censura dirigido ao sr. ministro da guerra consiste no seguinte: — em não haver suspendido, e muitos acrescentaram mesmo, demittido o official de que se trata; primeiramente, porque sobre elle pesavam accusações de uma tal gravidade, que não era possivel deixar de affectar o brio e pundonor dos militares que ficavam debaixo das suas ordens; e tambem porque esse militar tinha-se por motu proprio suspendido das funcções que o mandato popular lhe tinha conferido; e que se havia rasão para elle se suspender do exercicio daquellas funcções, igual rasão havia no sr. ministro para o dever suspender do commando geral de artilheria, por isso que a dignidade n'um e n'outro caso, n'uma e n'outra especie corria parelhas, ou pouco menos. Eis-aqui, sr. presidente, a accusação de censura em toda a sua luz, e com relação aos fundamentos em que se basearam.

Precisamos tratar de uma e de outra cousa mui separadamente, porque em pontos de verdade, sr. presidente, em pontos de justiça, repito o que disse, mal iria á sociedade, se porventura houvesse quem recuasse diante de qualquer insinuação propria só de espiritos invejosos ou levados pela paixão (e não me passa pela imaginação que aqui os haja) a fim de impedir a verdade em toda a sua luz.

Sr. presidente, vamos aos fundamentos. Eu trato a questão, note-se bem, e repito-o segunda vez, em relação com a censura feita ao sr. ministro da guerra, sem referencia á pessoa que foi a causa d'essa censura, porque nem eu a conheço, nem nunca a vi. Disse-se que o sr. ministro da guerra devia suspender o general a que se tem alludido, e que por não o fazer faltou ás condições de brio, pundonor e honra que devem dirigir todas as acções da classe militar. Mas onde se foram buscar essas accusações? O sr. ministro não podia obrar senão em virtude da lei. Faziam-se accusações; devia elle porém proceder por ellas, sem que tivesse nas mãos competentemente documento com que estribasse uma providencia tão importante como a suspensão, que não é nada menos do que uma pena? Houve essas accusações a que não quero referir-me senão com relação á decisão e comportamento do sr. ministro; mas essas accusações estavam fóra da esphera em que gira o fôro militar, e emquanto estivessem perante os tribunaes civis, o sr. ministro nada podia ter com ellas para proceder conforme a lei militar; porque a lei lhe estabelece uma outra ordem de processo muito differente. Mas ahi mesmo o que se vê? Como querem fazer obra por depoimentos isolados transcriptos em varios jornaes? Não veem que podem cegar e enganar a consciencia publica?

Pois nós estamos em alguma sociedade de barbaros, ou estamos em uma sociedade onde as leis devem ter toda a sua força? Como é, digo, que depois de ler todos aquelles depoimentos, fossem de quatro, fossem de mil, fossem de duas mil testemunhas, se não chegou ao ultimo termo em que se vê que um tribunal estabelecido por lei que a constituição reconhece e que é ao mesmo tempo juiz de facto e de direito, segundo os principios da nossa legislação, sentenciou contra a efficacia de taes provas?

O accordão da relação do Porto de 12 de novembro de 1851, tolhe absolutamente a homens que prezam a lei trazer á téla da discussão um objecto d'esta natureza. Que absurdas, que desgraçadas consequencias para a sociedade, se porventura podesse commetter-se uma tal infracção dos principios fundamentaes da rasão e da justiça! Ninguem poderia nunca julgar-se seguro, com tal desprezo pelas decisões dos tribunaes, ressuscitando o que elles julgaram morto.

Sr. presidente, não é possivel sustentar tal doutrina. E não fallo já na prescripção dos dez annos a que se referiu o meu amigo, o digno par. o sr Ferrão. Temos uma sentença, a qual diz sociedade! eu, tribunal que estou aqui pela lei, e em nome da constituição que te rege, decidi, no exercicio das minhas attribuições, que não ha criminalidade ou motivo para se proceder ás accusações do que não houve recurso, e por consequencia não tens a dizer mais uma palavra sobre ellas porque a minha decisão, é tida por verdade.

Eis-aqui estão, sr. presidente, os santos principios que dirigem a sociedade. Póde ser que aquellas que são dirigidas pela força, e em que o arbitrio póde mais do que a ordem tenham outras leis, outros principios; mas nós estamos n'uma sociedade constituida e não podemos deixar de acatar as leis que a regem.

Agora vou demonstrar na mesma esphera em que se quiz collocar a questão, a efficacia dos argumentos apresentados. Foi naturalmente porque não tinham outros argumentos, que o sr. ministro devia suspender aquelle militar do commando de artilheria; foi-se buscar certo boato propalado pela imprensa, de que a officialidade se destinava a fazer uma demonstração pacifica contra o general alludido.

Para evitar que os boatos tomassem corpo e fossem indevidamente influir na opinião publica, a officialidade de artilheria entendeu que era da sua honra militar protestar contra a exactidão d'elles, e por isso recorreu á imprensa. Já este procedimento, sr. presidente, é encarado como infracção da disciplina militar? Já é ir contra as leis militares o propugnar a officialidade pela sua honra! Sr. presidente, os militares, quando publicaram aquella declaração, fizeram justamente o que deviam fazer, e o sr. ministro da guerra nada tinha com tal procedimento, porque era uma declaração em defeza da verdade e nos limites da obediencia e disciplina; fizeram o que deviam, porque se tratava de pontos de honra, e em frente de pontos de honra até as proprias leis militares são indulgentes. Porque não veem os dignos pares tambem a ordem do dia do nobre marechal Beresford de 13 de julho de 1810, e que diz respeito a pontos de honra? Porque não examinam tambem o decreto de 2 de abril de 1762, onde se vê a estimação que o militar deve fazer da sua honra, não a deixando menospresar, nem offender em cousa alguma? Sr. presidente, este decreto esta, no sentido essencial, recopilado no regulamento de 1763, onde, prescrevendo os mais rigorosos deveres da disciplina e obediencia, o militar é relevado da desobediencia quando se trata de pontos de honra. Eu vou ler uma parte d'este regulamento e por ella se verá se eu tenho rasão de argumentar por este modo, ou se pelo contrario é insubsistente toda a interpretação que dou a este documento;

Diz o § 8.° do capitulo 23.°:

«Será muito do desagrado de Sua Magestade se qualquer official superior usar de termos e palavras indecentes com qualquer official que estiver ás suas ordens: porém se esta violencia proceder de um zêlo excessivo do serviço e for commettida na frente de qualquer tropa, o official particular (moderando seu primeiro impulso) não a reputará como offensa, nem (constando que não offenda a honra) responderá a ella; mas poderá depois queixar-se.»

Estão exceptuados os casos de honra justamente n'este ponto, e tanto assim que, como aqui diz, mesmo quando a violencia tem, logar na frente de um corpo, manda-se obedecer; todavia quando se tratar de ponto de honra, muda o caso muito de figura, porque o militar que deixasse calcar aos pés a sua honra, devia ser exautorado. É este o modo como se procede em todos os paizes, e são estes os regulamentos da nossa terra.

Mas, sr. presidente, se n'este ponto as declarações estão todas em contradição com os factos, se se não póde estabelecer fundamento para dizer que a disciplina foi quebrada, como se vem censurar o sr. ministro da guerra? Como se falla então em suspensão? Todos sabem o que é suspensão; todos sabem o que esta palavra significa nas leis penaes, todos os que conhecem o codigo penal sabem o que elle diz-nos artigos 30.° e 31.°; porém nas leis militares não se conhece esta palavra, ha uma phrase que se lhe assimilha e é a inactividade temporaria. Quer a camara ver o que diz esse regulamento a que tantas vezes se tem alludido, quando trata d'este ponto? Diz no artigo 41.° o seguinte:

«Alem das penas mencionadas n'este regulamento que por transgressão de disciplina podem ser impostas aos officiaes, igualmente poderá ser comminada a de passagem á inactividade temporaria, nos termos do artigo 1.°, § 2.° e artigo 7.°, do capitulo 14.º, do decreto de 20 de dezembro de 1849.»

E o que diz o artigo 7.° do capitulo XIV do decreto de que se trata? Diz que para qualquer official passar á inactividade temporaria, é necessario um decreto especial e que haja um motivo plausivel. Ora eu perguntarei agora á camara que motivo poderia dar, na esphera da legalidade, o sr. ministro para passar á inactividade temporaria (suspensão), o official general de que se trata? Os boatos tinham perdido a força, e o que se tinha passado em um processo criminal, estava coberto com um julgado contra o qual o sr. ministro não podia ir sem atacar o salutar e liberal principio da divisão dos poderes estabelecido na carta. Que havia pois fazer o sr. ministro da guerra? Exactamente o que fez. S. ex.ª não podia nunca passar á inactividade temporaria o general alludido, unicamente pelo facto de taes e taes jornaes terem escripto contra elle. Isto não podia ser, e embora se deva em geral respeitar a imprensa, na hypothese em questão, se aceitassemos absolutamente similhante proposição, poderia dizer-se que estavam transtornadas todas as idéas de ordem n'este paiz.

Sr. presidente, parece-me ter demonstrado até á evidencia que, os tres capitulos de censura dirigidos contra o sr. ministro da guerra, não têem o menor fundamento, nem na constituição nem nas leis, e escusado é dizer que s. ex.ª tem marcados na carta constitucional da monarchia, os pontos em que póde ser censurado. E a este respeito, não posso deixar de dizer que esta minha opinião já foi expendida em 1841, quando tratando-se de accusar um ministro da corôa, defendi esse ministro pelo amor da verdade, do mesmo modo que hoje defendo o sr. ministro da guerra.

Sr. presidente, eu não vejo diante de mim pessoas, nem vejo partidos, vejo a rasão e a justiça, e para a defender já até debaixo de fogo dos inimigos da liberdade me abalancei a advogar a causa de um cidadão, que de outra sorte, segundo a opinião dos membros do tribunal, como se me disse depois, teria sido condemnado a ser fusilado, em virtude do decreto de julho, que então se tinha publicado. Defendo sempre a justiça sem attenção á pessoa, e é ainda n'este sentido que vendo que se abusava da * pouca experiencia parlamentar de um cavalheiro muito digno, que hoje se senta na cadeira de ministro da guerra, homem competentissimo em materias militares, eu não podia deixar de empregar toda a efficacia, toda a energia dos meus recursos e pequenas luses para fazer triumphar a verdade e justiça.

Sr. presidente, ao sr. ministro da guerra direi, que não se admire de que d'entre os seus correligionarios, e entre aquelles mesmos que combateram a seu lado contra antigas administrações lhe sáia -a mais crua guerra, porque de remotas eras aconteceu sempre assim. Já Felix Bandeira na sua politica diz: « Que o odio entre as opiniões vizinhas é mais incarniçado do que entre opiniões contrarias ». Eu estou a dar evidentemente a prova d'isso. Ao meu illustre amigo, o sr. Silva Ferrão, direi, com a franqueza da amisade, e com o respeito que tenho pelos seus talentos, que não podia esperar que s. ex.ª viesse proferir no parlamento — quem disser que sabe direito mente; eu não o sei, e cada um entende direito a seu modo.

Sr. presidente, quando a opinião publica esta unanime e claramente protestando contra a segunda asserção, que nem á modestia se póde attribuir, porque todos reconhecem os altos merecimentos em jurisprudencia de s. ex.ª, vir aqui affirmar o contrario, valeria o mesmo que tirar todo o prestigio aos conselhos que lhe hão de pedir os seus constituintes, se a competencia do digno par n'este e outros pontos não protestasse brilhantemente contra tão inadmissivel e humilde confissão. Como teve s. ex.ª coragem para desconsiderar assim as qualidades com que a Providencia o dotou, sem parar ao menos diante do receio de offender aquelles que foram seus mestres e collegas na administração da justiça, porque todos estes, segundo o digno par, não sabem direito, e mentem se disserem que o sabem! Por onde se regulam então na administração da justiça?

Emquanto, sr. presidente, ao ultimo ponto, eu deixo-o á consideração ía camara. Póde ser exacto se porventura se disser que s. ex.ª se referiu a uma interpretação pessoal, mas não com referencia á interpretação juridica, segundo as regras de hermeneutica, que todos' devem saber para entrar no espirito das leis, porque seria realmente uma cousa inadmissivel tornar o direito dependente de modo como cada um arbitrariamente o quizesse entender. Ao mesmo meu illustre amigo, o sr. Silva Ferrão, que pretendeu tirar principios para apoiar a responsabilidade do sr. ministro, e por consequencia justificar a censura que se lhe dirigiu com o artigo 301.° do codigo penal, onde se trata dos excessos da jurisdicção e desobediencia: responderei primeiro com o artigo 104.° da carta constitucional; mas se quer um testemunho mais insuspeito e frisante eu o vou ler, e responderá ao digno par, o sr. Silva Ferrão, o que s. ex.ª escreveu, como eminente jurisconsulto, no seu commentario ao codigo penal.

No commentario ao artigo 301.° escreveu s. ex.ª: — «A penalidade estabelecida n'este artigo não encontra a menor «difficuldade, quando applicada aos juizes, membros do conselho d'estado, officiaes militares e outros inamovíveis que, «segundo a carta ou por lei, sómente podem perder os seus «logares por sentença...

«Mas é inapplicavel, tanto aos empregados amoviveis, coimo aos de pura commissão...

«Todavia os empregados que exercem em qualquer ramo do executivo alguma direcção, commando ou governo superior são os que podem estar mais no caso de abusar da sua força ou auctoridade para ultrapassar as suas attribuições, usurpando as do poder legislativo, constituindo preceitos ou theses geraes de natureza legislativa por meio dos seus decretos, portarias, editaes, ordens do dia ou de regulamentos...

«Entre estes empregados sobressaem como cabeças, como chefes, na ordem do funccionalismo, os ministros d'estado, e são os que infelizmente estão na posse de commetter impunemente este delicto...

«A responsabilidade do presente numero, que é de todos o mais importante, não lhes poderia dizer respeito por ser inconstitucional ou impossivel a applicação da sua sancção...

Creio que não póde ser mais explicita a opinião do digno par a este respeito.

O sr. Ferrão: — A minha doutrina esta expendida em outros logares do codigo a este respeito.

O Orador: — O que se segue d'ahi é que estão em contradicção umas com as outras (riso).

Eu não quiz senão sustentar a minha opinião, rendendo homenagem ao meu illustre amigo e collega.

Sr. presidente, ha uma portaria publicada na ordem do dia n.° 31, que aqui se citou como argumento de analogia, em sentido de mostrar que o illustre ministro tinha offendido a disciplina: é a ordem do dia de 15 de maio de 1841, publicada por occasião da demissão do sr. Miguel Correia