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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 23 DE FEVEREIRO DE 1867

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios os dignos pares

Conde d'Alva

Conde da Ponte

Depois das duas horas da tarde, sendo presentes 34 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou se approvada por não ter havido reclamação.

O sr. secretario deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando uma proposição sobre a organisação dos bancos de credito agricola e industrial.

Ás commissões de agricultura e de fazenda.

O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, se o dia de ámanhã não fôsse o dia destinado para a eleição dos deputados que devera preencher as vagas que se dão na camara, eu annunciaria simplesmente uma interpellação ao sr. ministro do reino; porém, como s. ex.ª não esta presente, e se fizesse a minha interpellação, só passado o dia de ámanhã é que s. ex.ª viria responder, vou, attenta a urgencia, apresentar á camara a exposição de alguns factos de violencia praticados por agentes da auctoridade; factos que desacreditam o governo e vexam o paiz.

É sabido que no circulo 111 se travou uma luta renhida entre os respectivos eleitores; trabalhando uns para fazer triumphar a candidatura do sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, e outros pela do sr. Antonio de Serpa Pimentel, candidato sympathico ao governo. Posso afiançar á camara, sem o minimo receio de contradicção, que por parte da opposição se têem empregado só os meios licitos e honestos para o bom exito da candidatura por que trabalha.

Emquanto aos meios de que se tem servido o governo esses não os mencionarei eu, porque são bastante conheci dos pela imprensa; mas o que não posso é deixar de pedir providencias ao sr. ministro do reino contra as violencias que se praticam.

Hoje, depois de saír de minha casa, quando chegava á rua Nova da Palma, me foi contado por pessoas muito fidedignas que o proprio regedor da freguezia do Soccorro acabara de prender um rapaz pelo simples facto de ter andado a distribuir papeis que não continham proclamações incendiarias, nem chamavam o povo á revolta, e que só continham verdades, e verdades amargas, das quaes muito convem que o povo tome conhecimento. Estas violencias praticadas pela auctoridade fazem crer que da parte do governo a luta é sem rasão, e que elle teme a publicidade dos argumentos que nos taes impressos se achavam exarados. V. ex.ª, sr. presidente, e a camara, sabem que o decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, cujas disposiçoes foram na maior parte confirmadas pela lei de 23 de novembro de 1859 prohibe expressamente ás auctoridades a sua intervenção nos actos eleitoraes, e, commina-lhes penas como as que se acham expressas no artigo 136.° do referido decreto, e que vou ter (leu).

Eu, sr. presidente, não peço que se torne já effectiva a mencionada comminação para os funccionarios que protrahiram as disposições da lei; mas o que peço.....

(Entrou o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

Visto acabar de entrar o sr. ministro dos negocios estrangeiros, peço a s. ex.ª que faça constar ao seu collega o sr. ministro do reino, que eu apresentei este pedido para que s. ex.ª tome as medidas necessarias a, fim de se não repetirem actos d'esta ordem.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Casal Ribeiro): — Como acabo de entrar não sei de que se trata, e portanto pedia ao digno par o obsequio de repetir o que disse, a fim de eu tomar conhecimento do objecto que s. ex. está tratando.

O sr. Mello e Carvalho: — O caso é que andando hoje uns rapazes distribuindo papeis, que continham verdades amargas, das quaes comtudo eu não tomo a responsabilidade, esses rapazes foram presos, e um d'elles pelo proprio, rege dor da freguezia do Soccorro; como não ha, segundo me parece, disposição alguma que prohiba o espalharem-se impressos d'aquella ordem, que não continham proclamações, incendiarias, nem chamavam o povo á revolta, desejava pedir ao sr. ministro do reino, que tomasse providencias para que mais se não repitam abusos d'estes; mas como s. ex. não esta presente, peço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que faça constar ao sr. ministro do reino o que acabo de expor, porque estou certo de que s. ex.ª dará as providencias necessarias, a fim de não tornar a succeder o que acaba de se praticar.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — O digno par teve conhecimento de um facto occorrido na freguezia do Soccorro, e chama para elle a attenção do sr. ministro do reino, e eu de certo não posso ter duvida alguma em dar conhecimento ao meu collega do facto, que acaba de narrar.

Emquanto ás violencias do governo em actos eleitoraes, creio que ninguem acreditará n'ellas. Todos podem votar livremente, como sempre se tem feito ha longo tempo a esta parte. A liberdade eleitoral está completamente radicada no nosso paiz, e estou persuadido de que o facto a que o digno par alludiu, ou foi execução de alguma medida policial, ou, se o não foi, receberá da parte do governo a de vida correcção.

Emquanto ao que contém o impresso, ao qual se chamou verdadeiro, e de que depois se não quiz tomar a responsabilidade, nada posso dizer, porque o não vi. Entretanto to me nota de quo é verdadeiro, mas que se não toma d'elle a responsabilidade.

O sr. Conde de Cavalleiros: — Sr. presidente, estava muito resolvido a não dizer cousa alguma n'esta casa inherente ao exercicio do cargo de governador civil do districto de Lisboa, que tenho a honra de servir, porque me não julgava obrigado a isso; comtudo como um digno par se levantou para fazer uma grave accusação á administração superior do districto de Lisboa, ficando eu silencioso podia entender-se que eu annuia ao que se estava dizendo.

Sr. presidente, estes zelos pela pureza eleitoral, pela virgindade da uma, quasi sempre têem logar na vespera das eleições; eu não quero dizer com isto que tal succeda com relação ao digno par; comtudo, sr. presidente, creio que tem sido bem lata a liberdade eleitoral, a ponto de se terem usado de todos os meios para captar a vontade e animo dos que servem logares de confiança, conseguindo por via d'elles alcançar o triumpho d'aquelle que disputa a eleição ao candidato sympathico do governo.

Eu, sr. presidente, posso fallar bem alto, porque não ha ninguem em Lisboa que possa dizer que o governador civil pedisse votos para alguem, nem a favor de um, nem contra o outro; a favor de um não o podia fazer, porque m'o impedia a consciencia e a lealdade que devo ao governo; a favor do outro não o podia fazer sem desdizer o meu passado.

Sr. presidente, houve em Braga um governador civil que logo depois de uma eleição mandou affixar um edital nas esquinas, em que dizia que se houvesse alguma pessoa que tivesse visto as auctoridades praticar algum abuso eleitoral, quê o fizesse immediamente constar no governo civil para lhe ser instaurado um processo; o candidato da opposição accusou um administrador de ter effectuado trocas de listas; por esse facto foi entregue ao poder judicial; tendo porém vencido a eleição o candidato opposicionista, o que aconteceu? Desistiu da accusação!

Sr. presidente, estas intervenções das auctoridades nos actos eleitoraes, tiram-lhe todo o prestigio; é esta a maneira por que penso, e se o digno par tem em mim a mais pequena confiança, deve suppor que não me prestava a esses actos (apoiados); e creia mesmo s. ex.ª que se houvesse um acto d'essa natureza, que referiu o digno par, e se chegasse ao meu conhecimento, eu havia de fazer com que se désse a devida correcção a quem o tivesse praticado.

Sr. presidente, já fui arguido por mandar policiar Lisboa. V. ex.ª sabe que a policia civil da capital faz um serviço de comparsas de theatro, os mesmos homens têem de figurar por differente modo e logares. Os homens que fazem a policia preventiva fazem tambem a repressiva. Ha meia duzia de homens os quaes servem para tudo. Ámanhã tenciono mandar policiar as ruas de Lisboa, porque estou resolvido a proceder contra os brincalhões que incommodam toda a gente (apoiados).

Ora, por ser ámanhã domingo em que ha de haver um acto eleitoral, não hei de suspender a acção da policia. Eu levo a tolerancia a ponto de não me escandalisar com os meus parentes e antigos amigos que fazem reuniões onde não se discutem os actos eleitoraes, mas unicamente a pessoa do governador civil como incapaz de estar á testa da administração do districto de Lisboa. Riu-me d'essas miserias que desprezo, porque a maior vingança que podia tirar d'essas pessoas era pedir ao governo que me tirasse d'aquelle logar, substituindo-me por quem se mostra tão digno d'elle.

Fique o digno par certo que saindo d'esta casa hei de indagar os factos a que s. ex.ª alludiu, e ámanhã espero que nenhum eleitor tenha de se queixar de perseguição das auctoridades, e se alguem tiver rasão de queixa a apresente motivada para se proceder contra os contraventores. Por agora não sei de acto nenhum que me obrigue em consciencia a proceder.

O sr. Mello e Carvalho: — O sr. conde de Cavalleiros, pessoa a quem consagro muito respeito e consideração, não só como homem particular mas como homem publico, mostrou se resentido por uma asserção que eu avancei sobre violencias hoje praticadas por uma auctoridade, entendendo que n'essa minha asserção me referia a s. ex.ª Peço licença para lhe notar que não mencionei a auctoridade administrativa do districto de Lisboa, mas sim a auctoridade parochial, e pedi ao sr. ministro dos negocios estrangeiros para que participasse ao seu collega o pedido que fiz de se tomarem providencias sobre os actos praticados hoje no circulo n.° 111. Eu não me podia dirigir para esse fim ao digno par, porque s. ex.ª é aqui um membro da camara e não o governador civil. Só podia dirigir-me ao sr. ministro do reino para fazer o meu pedido, e como não estava presente fi-lo por intervenção do seu collega dos estrangeiros. Disse s. ex.ª que nunca pediu votos para nenhum dos candidatos que se empenham na eleição que se ha de effectuar no proximo domingo. Não era precisa esta declaração de s. ex.ª, porque ninguem o accusou de tal facto. S. ex.ª disse tambem, que nas reuniões que têem tido logar de varios eleitores por parte da opposição se tem discutido a pessoa do governador civil como incapaz de desempenhar tal cargo. Eu affirmo a s. ex.ª, e posso dar testemunho, tomando a responsabilidade da minha asserção, que nas reuniões a que tenho presidido da commissão eleitoral do circulo n.° 111, por parte da opposição, nunca se proferiu uma unica palavra em desabono da auctoridade superior do districto de Lisboa. Acrescentou s. ex.ª que se tomavam todas as medidas para que cada um possa andar pelas ruas pacificamente; mas é da não observancia d'essas medidas que eu me queixo, pois que parece-me que não se deve tambem obstar a que qualquer prosiga no seu caminho só porque leve e vá distribuindo meia duzia de papeis, que não contêem doutrinas ou principios que possam levar o povo á revolta. O que eu desejo é que se mantenha a liberdade da urna em toda a sua pureza, e que os cidadãos tenham o mais livre accesso á mesma para n'ella deporem o seu voto sem receio de coacção.

Quanto ao que disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que eu tinha considerado verdadeiro o impresso, mas que não queria tomar d'elle a responsabilidade, tenho a declarar que eu disse que esse papel continha verdades amargas, mas não queria dizer com isto que não contivesse alguma asserção, que, embora podesse ser tambem verdadeira, o meu caracter, a minha educação não permittiam que eu tomasse d'ella a responsabilidade.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Expoz que fôra seu desejo não tomar parte n'este debate, que, collocado como o foi pelo sr. Mello e Carvalho, tinha para elle, orador, um caracter suspeito.

Não via entre os membros da camara senão o digno par como representante da luta eleitoral, que se travava no circulo 111, e por isso não podia, elle orador, deixar, da considerar um pouco suspeita a opinião de s, ex.ª Quando o digno par a que se reportava, levantou o grito a favor da liberdade eleitoral, pedindo providencias ao governo a favor d'essa liberdade, não podia tambem, elle orador, deixar de recordar a luta eleitoral que presenciou ainda o anno