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Discurso do Sr. C. de Lavradio, que se não consignou na Sessão de 15 da corrente pela razão ahi apontada, e devia ter logar a pag. 202, col. 1.ª; discurso a que respondeu o Sr. C. de Thomar a pag. dita.

O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, mais de metade do tempo marcado pela lei fundamental para a duração das nossas Sessões Ordinarias, está já passado; e forçoso é dize-lo, até agora ainda não tractámos de negocio nenhum de utilidade nacional. Parece-me, Sr. Presidente, que era já tempo de acabar com os duestos; e parece-me, Sr. Presidente, que era tempo de nos occuparmos seriamente dos graves negocios desta desgraçadissima Nação: é para este fim, Sr. Presidente, que estamos neste logar.

Persuadido desta verdade, Sr. Presidente, e convencido tambem de que a primeira vez, que tive a honra de fallar nesta discussão, tinha dito quanto era sufficiente para provar, senão o acerto de todos os actos praticados pela administração, a que tive a honra de pertencer, ao menos a lealdade e boa fé dos individuos que a tinham formado; estava resolvido a não pedir a palavra, para não complicar esta discussão, porque não a quero tornar mais longa. Mas, Sr. Presidente, eu invoco o testimunho todo da Camara, fui provocado, lançaram-me a luva, e eu não seria cavalheiro se a não levantasse.

Tres D. Pares me combateram: os dois primeiros, os Srs. C. do Tojal, e Gomes de Castro, justiça é dize-lo, combateram-me com vigor, mas com muita urbanidade e extrema polidez, honra lhes seja feita. Estimo dar-lhes este testimunho da minha consideração e dar-lh'o em publico; porém poderei eu dizer o mesmo do terceiro D. Par que me combateu? Não por certo; e eu não serei injusto dizendo, que se S. Ex.ª no seu primeiro discurso foi violento, no segundo foi provocador. Não o imitarei; mas procurarei ser fortiter in rê suaviter in modo.

Sr. Presidente, o segundo discurso do D. Par, foi verdadeiramente uma repetição de todas as accusações, quantas S. Ex.ª tinha feito no seu primeiro discurso, com o augmento de um grande numero de expressões provocadoras, como eu disse.

A parte deste discurso já respondeu o meu nobre amigo o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, com uma força e uma eloquencia, que seria grande presumpção pertender iguala-lo. S. Ex.ª defendeu, e com grandissima imparcialidade (porque não deixou de notar os erros que commetteu), a administração a que pertencia. Em meu nome, e posso dizer que em nome da administração toda, eu lhe agradeço o modo pelo qual S. Ex.ª nos defendeu; mas direi, que S. Ex.ª até certo ponto estava obrigado a tomar esta defeza, porque ninguem melhor do que elle conhecia a pureza das intenções daquella administração (apoiados). S. Ex.ª não foi membro daquella administração, mas prestou-lhe um constante decidido, e sempre desinteressando apoio; S. Ex.ª assistiu a um grande numero, senão a todas, das nossas mais importantes deliberações: S. Ex.ª estava pois habilitado para nos defender, e tinha mesmo rigoroso dever de o fazer. Portanto, Sr. Presidente, se eu quizera repetir no meu estylo humilde e rasteiro, o que S. Ex.ª disse, não faria senão diminuir a impressão, que sobre esta Camara haviam produzido as palavras de S. Ex.ª, ditas em uma linguagem que faria inveja aos nossos melhores classicos. Mas vamos ao objecto do discurso.

O D. Par o Sr. C. de Thomar, começou logo por uma forte accusação contra mim, dizendo — o Sr. C. de Lavradio apresentou o programma da união da familia portugueza, e mostrou logo que não era sincero, mostrou que não queria observar o tal programma. (O Sr. C. de Thomar — As obras não correspondem ás palavras.) Esta accusação foi na verdade grande! Mas, Sr. Presidente, será verdade que eu não quiz aquillo que todos os bons portuguezes devem querer, e que venho ainda enganar esta Camara, exprimindo desejos e sentimentos, que não tenho? Não: eu fui sincero. Mas vejamos, Sr. Presidente, como e que eu entendo que se póde obter a união da familia portugueza, e como é que o D. Par a pretende obter. Eu entendo, que para se conseguir esta união da familia portugueza, é necessario, primeiro que tudo, que ella se faça sem humiliação, não digo só dos partidos, mas nem ainda dos individuos (apoiados); porque, só assim é que ella póde ser solida; e não quero que haja, como na antiga Suissa, cantões soberanos, e cantões vassallos. Mas como á que o D. Par pretende obter a união da familia portugueza? É pela subserviencia de todos os partidos ao seu. (O Sr. C. de Thomar — Eu não disse isso.) V. Ex.ª interpretou, como quiz, o que eu disse: seja-me tambem licito interpretar as palavras pelas obras. (O Sr. V. de Fonte Arcada — Apoiado.) O D. Par quer subserviencia para o partido a que pertence; e como se apresenta como symbolo desse partido, quer a subserviencia á sua pessoa.

Eis aqui pois a grande differença que ha entre mim e o D. Par. Eu quero que esta consiliação se faça pelo reconhecimento da igualdade dos direitos de todos os portuguezes, e S. Ex.ª quer que o haja pela submissão a um partido, a cujo partido quer se reconheçam direitos superiores aos do outro.

Mas, Sr. Presidente, e sem duvida, que os homens influentes nos partidos, são os que mais podem concorrer para essa união: prestem pois este grandissimo serviço ao Paiz, e o Governo rebata as paixões dos partidos, concilios todos, e sobre tudo seja justo para todos: eu não peço mais nada (apoiados). Renunciando a esse terrivel principio do exclusivismo, considere para os empregos só estas duas qualidades — capacidade e moralidade — não pergunte ao individuo donde vem (O Sr. C de Thomar — Apoiado), mas sim para que serve. Siga o Governo este systema, e facilmente, conseguirá a união de toda a familia portugueza. Renovo pois solemne e cordealmente o protesto, de que eu desejo como aquelles que mais a desejam, aquella união, e estou prompto a fazer todo o sacrificio de amor proprio, e até daria a propria vida se della dependesse a mesma união, tal é a importancia que eu dou ao conseguimento de tão desejado bem!

Disse depois S. Ex.ª que era para sentir que eu, e o D. Par que se assenta ao meu lado esquerdo, não nos tivessemos combinado sobre as causas da revolução; e que ainda mais notavel era, que eu me não tivesse combinado comigo mesmo. Quanto á primeira parte teve razão o D, Par, e invoco o testemunho de S. Ex.ª o Sr. Fonseca Magalhães, para que diga se nós nos combinamos: cada um veio aqui dizer os seus sentimentos, conduzido pelo conhecimento dos factos. Creio comtudo, que sem nos havermos combinado em particular, não houve notavel divergencia nas nossas opiniões, havendo só differença na superioridade do talento do meu amigo. Enganou-se o D. Par quando disse, que eu havia attribuido a tal ou tal Lei a revolução do Minho; porque eu estou persuadido, como sempre o estive, de que não foi uma unica causa a que deu motivo aquelle acontecimento, mas sim o complexo de muitas causas; e permitta-me S. Ex.ª que, sem de nenhum modo o querer offender, lhe diga e aos seus illustres collegas, que a verdadeira causa da revolução, foi a serie d'erros commettidos desde 10 de Fevereiro de 1842 até 20 de Maio de 1846: foi esta serie d'erros que eu combati, sem proveito algum, durante o espaço de quatro annos, com o fim d'evitar uma revolução; e agora chamam-me revolucionario!! Revolucionario eu! Não o sou: não só contraria os meus principios esse caracter, mas tenho a maior inhabilidade para o desempenhar. Por ventura serei revolucionario, por haver advertido durante quatro annos essa Administração, de que seguia um caminho errado? E não foram as Leis que eu mais combati, aquellas que mais apressaram a revolução?! Mas eu não quero, Sr. Presidente voltar atraz; já tractei desta materia; e se agora tractasse della outra vez, talvez fosse excitar mais as paixões, o que desejo evitar, e o que está dito está dito; isto é — que a causa verdadeira da revolução, foi a serie de erros commettidos pela Administração dos quatro annos. (O Sr. C. de Thomar — As arguições não foram pelo que disse como D. Par, foi pelo que fez como Ministro.) Pelo que fiz como Ministro é que fui revolucionario?!.. (O Sr. C. de Thomar — Sim Sr.) Pois bem. As notas que eu tomei são de certo muito numerosas, e por conseguinte, senão responder a todas as arguições que V. Ex.ª me fez, peço-lhe que me advirta.

Fez o D. Par varias observações, para provar os bens que a sua Administração havia feito a este Paiz, e chegou até a ter a leviandade de se querer comparar com o grande estadista, o M. de Pombal!... Os bens que e te grande homem fez, ainda hoje se sentem, e todos os reconhecem; mas poderá dizer-se o mesmo da Administração de S. Ex.ª? Eu nella só vejo erros.

Disse S. Ex.ª, que o commercio, a agricultura, e até a moralidade, tinham feito grande progresso durante a sua Administração; e accrescentou mais (o que eu ouvi com espanto!) — nunca o giro commercial teve tão grande acção, como naquella época — e eu assim que sahi desta Casa dirigi-me logo a alguns negociantes, perguntei-lhes pelo estado do commercio naquelle tempo, e todos elles me disseram o contrario daquillo que o D. Par aqui nos asseverou: eis aqui no que ficou o grande progresso e giro commercial!... Disse mais — que a agricultura havia prosperado de uma maneira incrivel — e eu confesso que esta asserção ainda mais me espantou! e perguntarei aos D. Pares presentes, que todos, ou quasi todos são proprietarios, se a agricultura naquella época teve esse immenso progresso. Mas S. Ex.ª não contente ainda com isto, disse-nos — e não só a agricultura prosperava tão rapidamente, mas até nunca o agricultor tinha tido com tanta facilidade o dinheiro necessario para os seus trabalhos. O contrario disto devia dizer o D. Par. Desgraçado daquelle que recorria a um emprestimo, porque ficava inteiramente perdido: o D. Par, tinha a fortuna de ser proprietario e capitalista, e por isso não conheceu os soffrimentos da agricultura naquella época; mas o pobre lavrador que não era capitalista, não achou esse bem; e em prova do que digo, appello para o testimunho dos D. Pares proprietarios que estão presentes. (O Sr. C. de Thomar — Mas é que os factos são contra.) Serão na opinião de V. Ex.ª Mas vamos á moralidade.

Quaes foram os argumentos, que S. Ex.ª apresentou para provar o augmento dessa moralidade? Essas statisticas nada provam, e sobre tudo n'um Paiz, onde eu já disse, o crime se tem conservado tantas vezes impune. Essas statisticas, Sr. Presidente, mesmo nos paizes mais civilisados do que o nosso, são quasi sempre inexactas: com tudo podem servir para sobre ellas se formar algum juizo, e dellas me tenho servido muitas vezes; mas das nossas nunca me servi porque reconheço o seu pouco credito. Ora perguntando eu ao D. Par, o que a favor da educação e instrucção religiosa fizera a Administração, a que S. Ex.ª pertencera, respondeu-me o D. Par — e que fez a Administração de Maio? — Oh! Sr. Presidente, pois uma Administração era quatro annos de paz não póde fazer cousa nenhuma, e queria S. Ex.ª que outra Administração á quatro mezes de anarchia, tivesse feito alguma cousa, quando essa Administração sem meios, apenas tinha tempo para tractar de acabar a anarchia, o que conseguiu, e no que, creio eu, não fez pouco! Mas appello para o nosso Presidente: V. Em.ª póde dizer, quaes eram os sentimentos em que eu estava, bem como os outros Membros da Administração, sentimentos que tive a honra de communicar a V. Em.ª a primeira vez, que lhe fallei depois de ser Ministro.

O D. Par apresentou tambem, entre outros beneficios feitos ao Paiz, a Reforma Judiciaria; e eu, Sr. Presidente, tenho sempre ouvido dizer a todos os Jurisconsultos deste Paiz, que uma das nossas primeiras necessidades, é reformar essa Reforma Judiciaria! Em quanto a mim confesso, que não sou Juiz competente para o poder avaliar; mas ingenuamente digo, que ainda não ouvi fazer a um unico Jurisconsulto o elogio da Reforma Judiciaria! Pelo que respeita a uma parte della, que é a Tabella, já eu consegui que se lhe fizesse uma reforma; mas presentemente lá appareceu na Camara dos Srs. Deputados uma proposta, para a reforma da reforma daquella Tabella, sem duvida bem oppressiva para os Povos. Vamos a outra arguição.

Tornou ainda o mesmo D. Par a caracterisar a Administração presidida pelo Sr. D. de Palmella, como uma Administração revolucionaria, e dando-lhe outros epithetos. Chamou-lhe revolucionaria, sem querer considerar qual era então o estado do Paiz, nem a missão dessa mesma Administração, á qual eu chamarei ante-revolucionaria (apoiados). Apresentarei pois alguns documentos daquelle tempo, a fim de provar por documentos de homens, que não podem ser suspeitos, qual era a opinião que elles formavam do estado do Paiz; e entre outros citarei um de certo cavalheiro notavel pelo seu honrado caracter, e pelo seu valor como militar; e creio que os seus illustres camaradas aqui presentes, me apoiarão todos nesta parte: é um documento do Sr. C. de Vinhaes (então V. de Vinhaes), e veremos qual era o juizo que S. Ex.ª formava então do estado do Paiz. Eis-aqui a proclamação que elle fez, e não lerei toda para abreviar um pouco mais. (Leu o § 3.º daquella Proclamação, inserta no Periodico Revolução de Setembro de 6 de Junho de 1846 n.º 1519. pag. 2, col. 3.ª) Segue-se uma representação feita por S. Ex.ª mesmo, á qual se deve dar muitissimo pezo. (Leu-a: está inserida no citado Periodico n.º dito, e pag. ditas). E eu tambem advertia o Governo sobre todos estes pontos, mas elle surdo ás minhas supplicas não queria conhecer a verdade, nem os seus erros.

Não era Soajo que se levantava, eram todas as Provincias, como dizia este honrado e valente General, que clamava havia muito tempo, e como Authoridade se dirigio ao Governo pedindo-lhe remedio para tão grandes males, e queixando-se de que as suas supplicas não tivessem sido ouvidas. Eis-aqui a representação que elle diz ser justa e verdadeira: é a representação feita pelos habitantes de Chaves. (Leu-a: está inserida no citado Periodico, n.º dito, pag. 3.ª, col. 1.ª) Havia direito de petição?.. Aonde estava elle? E de que serve o direito de petição sem o cumprimento do dever de deferir? Que significa um sem outro? Um escarneo. (O Sr. Conde de Thomar — Ha muitas representações como essa.) Mas eu li esta, por ser de um General notavel pelo seu valor, e honrado caracter, o qual não duvida dizer aos Povos que elles tem razão.

Li aquelle documento e podia lêr seiscentos daquella natureza, isto é, Representações de todas as partes do Reino, cujas Representações se devem encontrar na Secretaria d'Estado, em todas queixando-se os Povos das vexações que soffriam, e do miseravel estado do Paiz. Foi nestas circumstancias, Sr. Presidente, que aquella Administração declarou não poder continuar a reger os negocios publicos, e eis aqui está um documento mesmo do Sr. C. de Thomar que o próva. (Leu no já citado Periodico do 1.º de Junho de 1846, n.º 1514, pag. 2, col. 2.ª transcripto do Periodico Espanhol El Commercio, a declaração dos Srs.

C. de Thomar, e J. B. da Costa Cabral, sómente o § 1.°, e do 2.° o primeiro periodo). Este documento é assignado por S. Ex.ª o Sr. C. de Thomar, e por elle se vê, que o nobre D. da Terceira confessava o mesmo, que dizia o nobre C. de Vinhaes. Foi neste estado de completa desordem e anarchia, consequencia das medidas tomadas, como já disse, por aquella Administração; que se formou a Administração de Maio, Administração chamada revolucionaria, posto que nenhuma parte tomasse na revolução! bem longe disso, os membros que a composeram, uns nesta Camara, e outros na dos Srs. Deputados, bastantes vezes tinham advertido o Governo anterior, do abysmo em que parecia elles quererem lançar-se. Como?! revolucionarios aquelles que queriam evitar a revolução?! aquelles que tiveram a dedicação de querer impedir-lhe a marcha, embora ella os esmagasse e passasse por cima de seus corpos?!...

Dos homens que entraram no Ministerio de Maio, Sr. Presidente, nenhum entrou por vontade, todos foram violentados; e eu vejo aqui um D. Par, que sabe muito bem a violencia com que eu entrei (O Sr. Barão de Chancelleiros — Apoiado); mas se entrei, não foi por ambição do poder, Sr. Presidente, porque eu já tenho dado provas de que não a tenho, nem julgo que o poder neste Paiz, mormente em certas circumstancias, excite a ambição (apoiados); e posso dizer com verdade, que já por mais d’uma vez, na minha carreira publica, regeitei entrar no Ministerio; e que tendo sido chamado por Sua Magestade para formar uma Administração, eu respondi que reconhecia para tal encargo a minha incapacidade, e não era o homem que para elle convinha. Torno a repetir, visto que o D. Par repetio as suas accusações — o primeiro pensamento da Administração de Maio, aquelle que a dominava, era o restabelecimento completo da ordem no Paiz, para depois tractar da sua organisação. Quando depois se formou a Administração, não se reconhecia nem Lei Fundamental, nem Lei alguma; o Paiz representava uma federação mal organisada; pequena divisão de territorio tinha a sua Junta Governativa; e consta-me que até o Bairro de Belem projectara formar uma Junta Governativa independente de Lisboa. Neste estado de cousas já se vê, que o primeiro dever do Governo era o restabelecimento da ordem, e a salvação do Estado. Repito o que já confessei — a Administração de Maio foi uma Dictadura necessaria, cuja missão era a prompta restituição da ordem, e conseguindo este grande fim, o dever dos que propozeram aquella Dictadura, era apresentarem-se com seus actos na mão perante a Representação nacional, para esta resolver se mereciam elogio ou condemnação; e eu ainda me julgo debaixo do pezo da responsabilidade que contrahi, e aqui estou para responder, me hic adsum; submetter-me-hei á sentença desta Camara, qualquer que ella fôr; irei para onde quer que ella me mande, ou seja para os desertos de Africa, ou para a prisão; mas irei com uma grande consolação, qual é a da tranquilidade da minha consciencia, que me diz — que se errei, ao menos foi desejando o bem.

Considerou-se pois o Governo Dictador, e então julgou que não só podia, mas devia fazer tudo que lhe parecesse necessario para conseguir seu grande fim, que era a restituição da ordem. Tomou um grande numero de medidas: praticou actos a que o não authorisavam as leis vigentes, algum, ou alguns mesmo contra as disposições da Carta Constitucional; mas bastava haver-se arrogado as attribuições do Poder Legislativo (se a necessidade se não provasse), para haver commettido o maior attentado, como já muito bem notou o D. Par que se senta ao meu lado: disse muito bem, que nada havia de mais contrario á Carta do que legislar o Governo sobre qualquer materia. (O Sr. Fonseca Magalhães — Apoiado) Legislar o Poder Executivo é sem duvida atacar a Carta Constitucional na sua essencia. (O Sr. C. de Bomfim — Apoiado.) Mas o Ministerio de Maio legislou? Sim senhor, e nenhuma desculpa teria de haver commettido tão grande attentado, se não fosse a assas provada necessidade: reconheço porém, que esses que praticaram aquelles actos são responsaveis; e reconheço mais, que ao Dictador não é licito praticar acto algum extra-legal, cuja necessidade se não possa provar (apoiados). (O Sr. Fonseca Magalhães — Muito bem. Muito bem). E por isso digo: aqui estou para responder por todos os meus. Parecia-me que depois da exposição do estado do Paiz; depois desta confissão que já antes havia feito; não tornaria o Orador a renovar as suas accusações: todavia o D. Par tomou ainda a descer, não só a accusações geraes, mas tambem ás especiaes. Entre outros actos da Administração de Maio S. Ex.ª novamente stigmatisou o Decreto de 3 de Agosto de 1846; e com effeito, de ninguem esperava eu menos esta censura do que do D. Par, que foi o author do Decreto do 1.° de Agosto de 1844, publicado quando o Paiz gosava de tranquillidade, e o Governo se não achava revestido do Poder Dictatorial, Decreto do qual o D. Par fez, com já provei, um largo uso, ainda antes de haver elle sido approvado pelas Côrtes. Parecia-me pois, que era o D. Par o unico que não devia censurar o Decreto de 3 de Agosto de 1846, Decreto que eu confesso, tive grande difficuldade em approvar: direi mais, que quando elle foi pela primeira vez apresentado em Conselho de Ministros, votei formalmente contra elle; mas taes foram as representações das authoridades competentes, taes as provas que me apresentaram os Srs. Ministros do Reino e da Justiça, que eu me convenci da necessidade temporaria daquelle Decreto, para evitar que os povos continuassem o estar sem Juizes, que lhes administrassem justiça. E note-se mais, que a duração daquelle Decreto era limitada á das extraordinarias circumstancias, em que estava o Paiz, e as suas disposições não atacavam a independencia do Poder Judicial. Tambem não é exacto o que o D. Par disse, a respeito da disposição relativa ás transferencia dos Juizes. Não foi, como S. Ex.ª disse, para acommodar os homens da situação, que se estabeleceu aquella disposição, e isto facilmente se poderá verificar á vista das remoções feitas.

Quanto á accusação que o D. Par renovou sobre o abuso, que a Administração de Maio fez do poder dimissorio, sabe S. Ex.ª, que tem de certo esquadrinhado a minha vida publica, que eu não dimitti nenhum individuo do corpo diplomatico, nem do consular, nem, creio eu, da Repartição dos Correios. (O Sr. C. de Thomar — Só meu irmão do logar de Correio.) Nem esse mesmo me parece que dimitti; e confesso com sinceridade que não me lembro de ter assignado tal dimissão. Posso pois segurar ao D. Par e á Camara, que eu não pratiquei nenhum acto arbitrario: se acaso dimitti algum empregado da Repartição dos Correios, do que me não lembro, foi em presença das informações dos chefes das Repartições, e authoridades competentes. (O Sr. C. de Thomar — Eu declaro ao D. Par, que a accusação que eu fiz não foi especial, mas á parte que S. Ex.ª teve nessa Administração, porque o Ministerio era solidario, o D. Par pertenceu a elle, e por isso lhe cabe a responsabilidade.) Continuarei dizendo, Sr. Presidente, que quando fui por Sua Magestade encarregado da Repartição dos Negocios Estrangeiros, tractei de attender aos direitos de todos os empregados, meus

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subalternos, sem querer saber de donde tinham vindo, nem qual havia sido o seu protector, nem a sua politica: disse-lhes — Eu só quero saber qual é a vossa capacidade, e a vossa conducta. (Apoiados.)

Mas, Sr. Presidente, eu devo ser justo, e defender aqui os ausentes, reconhecendo que a minha posição era mais facil, do que a dos meus Collegas na Administração; e pergunto eu — poderia por ventura o Sr. Ministro da Guerra seguir o systema que eu seguia? Poderia o Sr. Ministro da Justiça e o do Reino, e é da Fazenda mesmo, seguir o meu systema? Não por certo. Devo com tudo confessar, que nunca vi apresentar a Sua Magestade um Decreto de demissão sem tremer; mas é justo dizer tambem, que algumas dessas dimissões pareceram necessarias, e talvez muitas fossem reparações de injustiças, que haviam antes sido praticadas, pelo abuso que a Administração precedente havia feito do poder dimissorio. Eu o vou provar com um Officio do Sr. Ministro das Justiças, o qual diz o seguinte (leu-o): isto é desde Fevereiro de 1842 até Maio de 1846. Quero conceder, Sr. Presidente, que muitos destes fossem dimittidos com justiça; mas não haveria tambem muitos outros que o fossem com injustiça? Eu tenho aqui uma statistica pela qual se prova, que uma grande parte delles foi dimittida sem causa: ao menos sem causa conhecida. (Leu-a.) Ora pergunto eu — uma parte destas dimissões não deveriam ter uma justa reparação? Assento que sim. Além do que, havia a necessidade das circumstancias.

Sr. Presidente, o uso do poder dimissorio que eu lamento muitissimo (e a respeito do que concordo inteiramente com tudo quanto disse o D. Par Fonseca Magalhães), deve ser muito restricto; e eu desejava que se fixassem melhor os direitos dos empregados publicos, no que muito lucraria o serviço publico, e não haveria tanta repetição de injustiças. Mas ha um grande abuso na classificação dos empregos de confiança; porque os empregos de confiança reduzem-se a muito poucos, em comparação da totalidade dos empregos publicos. Eu queria pois, torno a repetir, que aos empregados fossem fixados os seus direitos, e nenhum podesse ser dimittido pelo arbitrio do Governo. Eu já aqui lembrei n'outra occasião, o que se praticava em um Estado onde a justiça é muito melhor administrada, do que em muitos Governos constitucionaes: fallo da Prussia, onde os Ministros não podem dimittir, nem mesmo suspender um empregado por mero arbitrio, ou capricho. É porém notavel, que me façam esta imputação aquelles mesmos cavalheiros, que tanto uso e tanto abuso fizeram desse direito, e o estenderam até a empregados, quede modo nenhum poderiam ser considerados de confiança! E, Sr. Presidente, até alguns foram dimittidos não havendo quem convenientemente os podesse substituir: não era por tanto d'alli que eu esperava tal accusação.

Agora pertence-me defender-me de outra accusação, que me fez o D. Par a quem respondo. Eu não disse, que todos os empregados da sua Administração eram homens mãos: eu não o disse, e se o dissesse, faltaria á verdade, porque eu conheço muitos empregados publicos dignissimos, pela sua moralidade, capacidade, e longos serviços; e a prova de eu reconhecer que havia muitos empregados publicos dignos, está em que eu não demitti nenhum. Quando fallei em empregados immoraes, fallei desses empregados que estão mais em contacto com os povos, e os vexam muito: havia, e ainda ha muitos, que são incapazes e indignos de occupar esses logares; e essas vexações, crueldades, e expoliações que esses empregados faziam diariamente aos seus subordinados, foi tambem uma das causas e das principaes da revolução. Foi pois injusta e infundada a accusação de S. Ex.ª

Voltou segunda vez o D. Par a queixar-se da injustiça que lhe haviam feito, e ao Sr. Conselheiro José Bernardo da Silva Cabral no Decreto porque foram dimittidos de Conselheiros d'Estado. Quando eu fallei a primeira vez, fiz justiça ao D. Par, dizendo, que S. Ex.ª se havia queixado com moderação e decencia, e devo confessar, que quando tive de lhe responder, vi-me embaraçado por estar em um campo muito desagradavel, visto ser uma questão pessoal. Confessei que havia considerado a medida extra-legal, mas necessaria attentas as circumstancias; porém o D. Par, no seu segundo ataque, não satisfeito com as minhas explicações, foi muito violento, e attribuiu a espirito de perseguição o que havia sido uma necessidade.

Antes de eu entrar na Administração, era ella composta dos nobres Duques de Palmella e Terceira, e posso dizer ao D. Par, que nenhum acto tyrannico se praticou, contra S. Ex.ª, antes da sua partida de Lisboa: não, Sr. Presidente. Por acaso eu entrei no Gabinete do nobre D. de Palmella, quando elle estava com o Encarregado dos negocios de França: não repetirei aqui o que então ouvi; mas desejava que S. Ex.ª tivesse ouvido as declarações generosas, que o nobre Duque fez aquelle Cavalheiro, e então ficaria bem certo de que o illustre Duque, longe de o querer perseguir, queria evitar por todos os modos que fosse offendido.

Repetirei outra vez, que a animosidade declarada no Paiz era principalmente, e talvez só, contra S. Ex.ª e seu irmão, e aprova disto está, em que os outros seus collegas no Ministerio ficaram tranquillos no Paiz, e voltaram a exercer os empregos em que estavam antes de serem Ministros. O procedimento pois que teve logar contra S. Ex.ª e seu Irmão, foi uma necessidade; eu deploro essa necessidade, e quizera não ser obrigado a entrar em mais detalhes a esse respeito.

A Administração era accusada de não tractar do processo de S. Ex.ª, e de seu Irmão (O Sr. C. de Thomar — Porque não o formou?) Não o formou por sentimentos de generosidade! mas talvez o podesse, e devesse ter formado (O Sr.

C. de Thomar — Era o que eu queria.) Talvez podesse, repito (O Sr. C. de Thomar — Agora.) Diziam pois todos — como é possivel que os homens contra os quaes o Paiz se levantou, e são a causa dos nossos males, sejam conservados nos Conselhos da Rainha?! Estes clamores pareceram attendiveis ao Governo, e temendo que senão fossem attendidos, podesse perigar o socego publico, julgou dever dimittir os dous Conselheiros de Estado, e pôr mais uma barreira á revolução (O Sr. C. de Thomar — V. Ex.ª tem a bondade de dizer quem eram essas pessoas?) Todo o mundo. (O Sr. C. de Thomar — Fallavam contra a Administração, e não contra mim.) O Conde de Vinhaes que o diga, e tambem invoco o testimunho do actual Presidente do Conselho; elle que diga o que ouviu e viu nas Provincias; e leia-se tambem a proclamação de 6 de Outubro de 1846 (O Sr. C. de Thomar — Era contra o Ministerio). E por ventura foi por vingança, que o Sr. D. de Saldanha deixou de logo restituir o D. Par ao logar de Conselheiro de Estado? Não por certo. (O Sr. C. de Thomar — Restituio.) Agora essa é outra questão. Não foi por vingança, torno a dizer, que o Sr. D. de Saldanha deixou de fazer logo aquella restituição, mas sim porque viu que não a podia fazer sem perigar a causa publica. Restituiu-o o Ministerio que se seguiu? Não; e foi por espirito de vingança? Tambem não. Eu faço justiça aos membros daquella Administração, nenhum delles era vingativo, paio contrario todos eram homens muito capazes, e nenhum se podia dizer antagonista do D. Par; mas não o restituiram porque não o podiam restituir; e tambem o não restituiu a outra Administração que se seguiu, o que tudo prova a necessidade daquellas demissões. (O Sr. C. de Thomar — Teve pretexto.) Não é desejo de accusar, é necessidade de dizer a verdade (O Sr. C. de Thomar — Apoiado); mas agora permitta o D. Par, não deixe eu sem algumas reflexões a notavel declaração, que S. Ex.ª fez nesta Camara, a qual, quando a ouvi, julguei que os meus ouvidos me haviam enganado; mas consultando os meus visinhos, todos me disseram que me não havia enganado. Como! Trazer a uma questão destas o nome augusto do Chefe do Estado? (O Sr. C. de Thomar — Não é exacto.) Disse que lhe constava.... (O D. Par C. de Thomar levantava-se para fallar) hei de dizer primeiro, e depois responda: disse lhe constava — que Sua Magestade, durante um mez se tinha recusado a assignar os Decretos da sua demissão, e da de seu irmão.

Sr. Presidente, parece-me impossivel que um homem, que se tinha sentado nos conselhos da Soberana, viesse trazer á barra desta Camara o Augusto Nome de Sua Magestade! Nome, que só deve ser invocado para o fazermos respeitar! (Apoiados). A Soberana não faz senão bem, todo o mal é dos Ministros que são os responsaveis pelos seus actos (O Sr. C. de Thomar — Apoiado); e por quem o soube o D. Par? Pelos Ministros, que S. Ex.ª considera não só seus adversarios, mas inimigos? de certo que não lhe haviamos dizer o que se passou no Conselho. Nem agora mesmo direi se é falsa, ou verdadeira a asserção do D. Par, porque qualquer declaração que eu fizesse, seria contraria ao meu dever; e daquella falta espero eu que o D. Par por honra sua se desculpe. (O Sr. C. de Thomar — Nego o facto.) Nega o facto! póde negar o que quizer, desculpe-se, mas não negue! (Sussurro. — O Sr. C. de Thomar — Dá licença para me explicar.) Sim Sr. — (O Sr. C. de Thomar — Pois então direi, que o D. Par tem estado, como já disse, a formar castellos para depois os destruir. Eu não proferi o Nome da Soberana, e trouxe um facto que occupou durante um mez a imprensa que representava as opiniões do D. Par, e as do partido deste lado da Camara: essa imprensa do partido do D. Par, por muitas vezes o accusou por não ter lavrado esse Decreto; e á outra por querer leva-lo a effeito não estando nas suas attribuições. Eu apresentei o facto das duas imprensas, e não podia trazer o Nome da Soberana; e já da primeira vez que fallei, tanto a respeito de nacionaes como de estrangeiros, disse — que o Nome de Sua Magestade estava superior a tudo era irresponsavel, os seus Ministros é que são responsaveis: appello para os Membros desta Camara. (Vozes — É verdade. É verdade.) Por tanto, não vá o D. Par intrincheirar-se neste reducto, para à falta de razões me combater nesta materia.) Eu declaro que não tive jornal nenhum que ma sustentasse, e bem pouco tempo tive mesmo para lêr era quanto fui Ministro; mas aqui estão as palavras do D. Par (leu umas notas). — (O Sr. C. de Thomar — Nada!) Eis-aqui as palavras que eu escrevi, quando o D. Par estava fallando, estas sustento, e agora póde o D. Par dizer, se quizer — banalidades! Já S. Ex.ª tinha escripto n'uma carta que está aqui, e foi publicada n'um jornal de Cadiz a mesma cousa; isto é, que sabia ter Sua Magestade repugnado á assignatura da sua demissão. Concluo que as demissões dos dous Conselheiros de Estado foram um acto dictatorial, julgado necessario, e eis-aqui porque o Governo o praticou, e se se enganou, torno a repetir — enganou-se com o Conselho de Estado, e com todas as administrações que lhe succederam até esta, que só passados quasi dous annos, julgou que devia annullar aquelles Decretos. O que é notavel e prova a animosidade do D. Par á Administração de Maio, é que só desta se queixou, tendo as subsequentes Administrações sustentado aquella resolução, e reconhecido a sua justiça, em consequencia da necessidade. Mas voltemos outra vez ás arguições de tyrannia, que S. Ex.ª tornou a renovar, arguição que disse me quadrava bem, e aqui estão as suas palavras (leu umas notas), dando-me o titulo de cruel e de tyranno.

O D. Par encontrou as provas da minha tyrannia, no despacho que dirigi ao Ministro de Sua Magestade na Côrte de Madrid (do qual a Camara já teve conhecimento pela leitura que delle lhe fiz, e o D. Par depois repetiu), ordenando-lhe pedisse, que o D, Par fosse mandado sahir de Madrid, e seu Irmão de Cadiz, e que tanto um como outro escolhessem uma residencia affastada da nossa fronteira, e que a Legação portugueza não tivesse relações com SS. EE. A estes actos de tyrannia podia S. Ex.ª accrescentar outros, na ordem que se encontra em outro despacho meu, dirigido ao dito Ministro, para não apresentar o D. Par na Côrte de S. M. Catholica; mas vamos examinar se estas ordens foram ou não uma necessidade. Todos sabem e eu melhor do que ninguem (porque bastantes trabalhos tive com isso), qual foi o modo como o Governo de S. M. Catholica considerou a revolução de Maio. O Governo de S. M. Catholica atemorisou-se com os movimentos que tinham havido em Portugal, receando que elles podessem perturbar a tranquillidade publica nas Provincias hespanholas visinhas deste Reino, e ainda ha pouco agitadas por uma revolta. Havia além disso neste Paiz um grande numero de refugiados politicos hespanhoes, que estavam em Depositos affastados da fronteira, mas que por occasião da revolução se haviam dispersado, e até alguns armados: estabeleceu-se por tanto uma desconfiança, até certo ponto desculpavel, entre os dous Governos. Esta desconfiança foi-se cada vez exacerbando mais, não obstante a lealdade com que a Administração de Maio tractou logo de remover, tanto quanto podia, todo o pretexto de queixa ou fundada desconfiança (o que o D. Par não ignora, pois esteve senhor dos Archivos da Legação de Madrid) cumprindo o que havia promettido, fazendo todos os esforços para que este Paiz não servisse de ponto de apoio a uma revolução na Hespanha. Os Srs. Ministros do Reino, e da Guerra, apesar do estado em que estava o Paiz, tomaram com feliz resultado todas as medidas necessarias, para que as promessas que eu havia feito ao Representante de S. M. Catholica, em nome do Governo de Sua Magestade Fidelissima, fossem religiosamente cumpridas.

Accresceu por este tempo mais uma circumstancia, que deu logar a discussões muito desagradaveis entre os dois Governos, que foi a da entrada neste porto de um navio com uns 200, ou 300 emigrados hespanhoes, que o governo daquelle paiz exigiu lhe fossem entregues, ao que á Governo de Sua Magestade resistiu, e eu antes sairia do Ministerio do que entregar aquelles homens, que tinham vindo acolher-se á protecção da bandeira portugueza. (Apoiados.) A tudo isto se seguiu um milhão de intrigas, exigencias, e foi crescendo a animosidade do governo hespanhol contra nós, a ponto de ameaçar que havia fazer marchar um exercito, composto de forças consideraveis, sobre as nossas fronteiras; e com effeito dellas se aproximaram, tanto pelo lado do Norte como do Sul, forças muito notaveis, que obrigaram o Governo a fortificar as praças da fronteira, e tomar outras medidas. Alguns pontos do territorio portuguez, que não estavam guarnecidos, foram invadidos por forças hespanholas. (Vozes — Foram.) Foi nestas circumstancias, quando a Côrte de Lisboa estava em tão melindrosa posição com a Côrte de Madrid, que o D. Par se dirigiu a esta Côrte; sim, o D. Par, que tinha, como perfeitamente se sabia, relações e relações intimas com as pessoas que eram mais adversas ao estado então de cousas em Portugal, apresentou se naquella Côrte, não se limitando só a isso, porque ao Governo constou, que entretinha relações com altos funccionarios hespanhoes! E constou mais, que S. Ex.ª, sendo Grande do Reino, e Par, se tinha feito apresentar a Sua Magestade Catholica, pelo seu mordomo mór, como Membro da Ordem de Carlos III! (O Sr. C. de Thomar — A ordem que V. Ex.ª expediu foi anterior a isso.) Não póde ser, porque a indisposição do governo hespanhol com o de Portugal, foi desde o momento em que se formou a nova Administração, e logo na primeira entrevista que eu tive com o Ministro ás Sua Magestade Catholica, adquiri provas disso; e saberá V. Ex.ª tambem melhor do que eu quanto se passou nessa entrevista? Esta é melhor!... Sabe o que se passou com Sua Magestade a Rainha? Sabe o que se passou na entrevista que eu tive com o Ministro de Sua Magestade Catholica? De maneira que o D. Par sabe tudo quanto ha!... É muito saber. O Governo tinha noticia dos manifestos, que o D. Par fizera em Cadiz, assim como dos escriptos incendiarios, que elle e seu irmão publicavam quasi diariamente nos jornaes do reino visinho; e accrescia de mais a mais a ida aquella Côrte, que certamente apresenta poucos attractivos, pois eu já lá estive, e declaro que é uma das Côrtes da Europa, que menos interesse offerece a um estrangeiro. Não teria pois o Governo motivos para suspeitar, do que S. Ex.ª ia fazer aquella Côrte em taes circumstancias? O Governo tinha motivos e motivos fortes para suspeitar, e não era pequeno o da apresentação do D. Par a um Soberano estrangeiro, sem ser pelo Ministro da sua Côrte; porque, Sr. Presidente, quando um Cavalheiro vai uma Côrte, e o seu Ministro se recusa a apresenta-lo, prefere não ser apresentado a ser apresentado de maneira inconveniente, e por pessoa incompetente. (O Sr. C. de Bomfim — Apoiado.) No reinado da Senhora D. Maria I, esteve aqui um cavalheiro inglez, illustre pelo seu merecimento e talentos, homem muito rico de Inglaterra, e até membro do parlamento, e este cavalheiro nunca póde conseguir ser apresentado pelo seu Ministro a Sua Magestade a Senhora D. Maria I; e não obstante ter intima amizade com o então Estribeiro mór o M. de Marialva, que o queria apresentar a Sua Magestade, elle recusou a honra que muito ambicionava, mas que só julgava devia obter por intervenção do Representante da sua Côrte. O facto pois que S. Ex.ª praticou foi extraordinario, e digno de desconfiança, e assim o consideraram todos, e este junto a outros muitos me obrigaram a expedir as ordens, de que o D. Par se queixou.

Mas o D. Par, que se empenhava em me apresentar como um tyranno, desde muito tempo foi procurar actos da tyrannia da minha mocidade, e os encontrou na seguinte Portaria expedida em 1826. «Manda a Senhora Infanta Regente, que o Intendente Geral de Policia faça embarcar fulano de tal (não digo o nome por me não parecer bem nomear ausentes) no Brigue tal.» Vamos agora a vêr que tyrannia pratiquei eu neste acto. — Deliberou-se era Conselho ser necessario, que o tal fulano fosse a Londres com uma Commissão, e incumbiram-me deste negocio, e sinto não vêr já nestas cadeiras o D. Par, auctor desta lembrança, o Sr. C. de Sobral, de saudosa memoria, porque foi elle quem disse — seja o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros quem dirija este negocio — encarreguei-me delle, e mandei chamar o tal fulano, e depois de lhe perguntar se queria ir a Londres, e de elle me responder que sim, entreguei-lhe um Decreto, para receber 50 moedas para a sua viagem, as quaes com effeito recebeu; mas quando chegou a occasião de embarcar não quiz partir, o que me foi participado pelo Intendente Geral da Policia, de quem era subdito: foi então que eu expedi aquella Portaria, que o D. Par caracterisou de acto de tyrannia. Aqui tenho eu alguns outros documentos, dos quaes me não quero agora servir para não cançar a Camara; mas ahi anda uma memoria impressa, e pelo queixoso apresentada nas Côrtes daquelle tempo. Este caso, Sr. Presidente, foi á Camara, dos Srs. Deputados, e eu sinto não vêr aqui nesta Casa um homem, que pelos seus talentos e virtudes, merecia occupar huma destas Cadeiras, o Sr. Camilo Fortes; e desejava, digo, que se consultasse o parecer deste sabio e incorruptivel Jurysconsulto sobre o facto citado pelo D. Par.

Sr. Presidente, ainda me resta responder a uma queixa do D. Par, e confesso não desejava que elle me tivesse chamado a esse terreno. O D. Par disse, que eu, maliciosamente citando nesta Camara um facto da nossa historia antiga, havia lançado sobre elle insinuações insidiosas. Quanto ao facto citado direi, que não o appliquei nem ao D. Par, nem a ninguem: citei-o para exemplo de todos. Quanto ás insinuações insidiosas, peço á Camara se recorde do que eu disse, e não encontrará nas minhas palavras insinuação alguma insidiosa. Eu disse que folgava, por honra dos altos funccionarios, da energia com que o D. Par protestava contra as accusações feitas contra elle no Parlamento inglez; mas accrescentei — e mais folgarei, quando S. Ex.ª dellas se defenda de uma maneira triumphante — e pode-se a isto chamar insinuações insidiosas?

Citarei o facto de um homem de Estado dos mais illustres, que tem tido a Monarchia Portugueza, o Marquez de Pombal. Este homem illustre, que era senhor de uma boa fortuna ainda antes de entrar na gerencia dos negocios publicos; que havia figurado com grande brilhantismo em varias Côrtes estrangeiras, como na de Vienna e Londres; constando-lhe que havia quem murmurasse do augmento, que tinha tido em sua fortuna depois da sua entrada no Ministerio: que fez este homem de Estado? Pegou na penna e redigio uma bem deduzida memoria, que é para lamentar não ande impressa (Vozes — Anda impressa), e nella provou que o augmento da sua fortuna, provinha das heranças que tivera de seus tios e irmãos, das mercês d'El-Rei, e da ordem e boa direcção que dava aos seus negocios. Este homem pois não respondeu — são banalidades — apresentou provas para mostrar que eram infundadas as accusações. Só D. João de Castro poderia responder assim: este abalisado Varão, estando no leito da morte, pediu ao Senado de Gôa que lhe désse uma galinha, porque não tinha dinheiro para a comprar, nem para os remedios necessarios. Repito porém — que eu não fiz, nem faço accusação alguma ao D. Par, antes quero crer que o augmento de sua fortuna é todo legitimo, todo puro, e assim o quero acreditar; mas, Sr. Presidente, como muitas e graves accusações se tem feito, dentro e fóra do Paiz ao D. Par, e S. Ex.ª se apresentou uma vez no parlamento dizendo — que era pobre, e só vivia do seu ordenado — parece que deveria seguir o exemplo do Marquez de Pombal, provando a origem do augmento da sua fortuna. Torno a dizer, para que bem se entenda, que eu não pretendo fazer; nem faço accusações ao D. Par, e que o meu fim é mostrar, que a accusações taes como aquellas que se lhe fizeram, não se póde responder com a phrase de S. Ex.ª — são banalidades. (O Sr. Presidente — A hora já deu.) Mas eu pediria a V. Em.ª, que consultasse a Camara sobre se permitte que eu termine nesta Sessão o meu discurso, porque me sinto bastante incommodado, e ámanhã talvez o não possa concluir (O Sr. C. de Thomar — Eu pedia a V. Em.ª e á Camara, que não só conviesse era que o D. Par conclua o seu discurso, mas que me concedesse depois a palavra, para dar uma pequena explicação, que julgo absolutamente necessaria, em vista de accusações, e accusações tão graves que se me tem feito. (Vid. Diario N.° 43 pag. 202 col. 1.ª a explicação.) Perdoe V. Ex.ª, eu não accusei ninguem, o que fiz foi responder ao que se tem dito. (O Sr. Presidente — Aquelles Srs. que são de opinião, que se prorogue a Sessão até acabar o seu discurso o D. Par o Sr. C. de Lavradio, e dar uma explicação o D. Par o Sr. C. de Thomar, tenham a bondade de se levantar — Foi approvada a prorogação.) Tenho ainda um objecto de grave interesse, sobre o qual devo chamar a attenção da Camara.

O D. Par a quem respondo, arguiu-me por haver usado da palavra malversações, quando mencionei a sessão feita pela Companhia Lombré de estrada de Lisboa ao Porto, ao Governo e á Companhia das Obras Publicas. Não affirmarei se usei ou não da expressão malversações; mas agora direi, que não só houveram malversações, mas até violação manifesta da lei, o que vou demonstrar com a leitura do sabio Parecer do Procurador Geral da Corôa, Magistrado por todos respeitado, pelo seu saber, e caracter incorruptivel. Peço

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pois á Camara que preste attenção á leitura deste Parecer, ainda que é um pouco longo; mas nelle se observa uma analyse do occorrido entre o Governo e a Companhia Lombré, da qual necessariamente se conclue, que houve malversação, e violação da lei. Só tractarei de lêr a segunda parte do Parecer, porque a primeira é relativa ás estradas do Minho, cujos contractos tambem foram feitos contra as disposições da lei, mas sobre os quaes senão póde fazer accusação, por isso que depois foram approvados pelas Côrtes, e por tanto estão sanadas as suas nullidades. Peço a attenção da Camara.

«Pela escriptura de 2 de Julho de 1845, ratificada pelo Decreto de 12 do mesmo mez e anno, Pedro Lombré e Companhia, emprezario da estrada de Lisboa ao Porto e sua ramificação até ás Caldas da Rainha, cedeu no Governo e na Companhia das Obras Publicas todos os direitos, vantagens, e privilegios provenientes do seu contracto de 6 de Abril de 1844, approvado pelo Decreto de 10 do mesmo mez e anno, sobre a construcção da referida estrada, a fim de ficar comprehendido nas regras e condições geraes do contracto do 1.º de Março de 1845. Foram clausulas desta cessão, que a Companhia das Obras Publicas pagaria ao emprezario cedente, por conta e responsabilidade do Governo,; a quantia de 500:000$000 em seis prestações; sendo a primeira de 108:000$000, logo solvida no acto da cessão, e as outras cinco em parcellas iguaes em cada um dos annos seguintes; que outrosim o cedente receberia mais pelo espaço de trinta annos, contados da conclusão das obras, a terceira parte do producto liquido dos direitos de transito nas barreiras da estrada, e na ponte de Sacavem, reguladas segundo os termos do contracto do 1.° de Março de 1845, saíndo esta parte das duas, que pelo mesmo contracto competem ás Companhias das Obras Publicas, a qual tambem desistio de todos os privilegios e direitos cedidos, para que só vigorassem os assegurados no seu proprio contracto.

«Por effeito desta cessão, o Governo, além das obrigações a que se sujeitou pelo contracto do 1.° de Março, que em virtude da mesma cessão, nos termos da Lei, se tornaram extensivas á construcção desta estrada, responde mais á Companhia das Obras Publicas, pela quantiosa somma de 500:000$000 com os seus respectivos juros, a qual segundo a propria confissão da Companhia, no seu officio de 27 de Junho de 1845, na maxima parte, não corresponde ás obras já executadas na estrada, nem as representa; e parece-me illegal esta clausula do contracto, porque o Governo não estava authorisado por Lei para tomar a si esta obrigação, nem para fazer esta despeza á custa da Fazenda Publica. A Lei de 19 de Abril de 1845, no artigo 7.°, a só outhorgou ao Governo a faculdade de incluir no contracto geral da Companhia, o contracto especial sobre a construcção desta estrada, para lhe applicar as mesmas regras, para satisfazer pelos mesmos principios as obrigações nelle contrahidas, se a Companhia o adquirisse por sucessão legitima do emprezario; mas não authorisou o Governo para despender, ou obrigar alguma parte do patrimonio publico, a fim de se verificar aquella adquisição. Á Companhia das Obras Publicas incumbia obter a cessão do contracto pelos seus proprios meios; qualquer premio della, quaesquer compensações ou vantagens, que fosse necessario conceder á Empreza anterior, para transferir o contracto, deviam correr só por conta da Companhia, do mesmo modo que a cargo della exclusivamente ficaram na cessão dos outros contractos das cinco estradas do Minho; o Governo porém, a meu juizo, carecia de authoridade para prestar algum auxilio pecuniario á Companhia, afim de com elle poder conseguir a transferencia do contracto.

«As obrigações do Governo limitavam-se a ampliar á construcção desta estrada todos os principios, regras, e clausulas do contracto geral da Companhia, logo que esta se mostrasse habilitada com a respectiva cessão; mas além delle não podia conceder nenhum outro beneficio com dispendio da Fazenda Publica, porque o não authorisava a Lei, que poz a cargo da Companhia, e não do Governo, a adquisição dos contractos especiaes anteriores, sobre a construcção de diversas estradas do Reino.

«Pelo contracto do 1.º de Março de 1845, o a Governo só responde á Companhia, pelos capitaes com os juros das sommas por ella despendidas nas obras das estradas, e nos estudos, reconhecimentos, planos, e trabalhos technicos, que devem preceder á feitura das mesmas estradas: a quantia de 500:000$000 a que o Governo se obrigou por este contracto, no proprio juizo da Companhia das Obras Publicas, não corresponde, na maxima parte, a obras já effeituadas nesta estrada, a qual segundo se affirma no Relatorio da Secretaria annexo á Proposta deste contracto, estava por fazer na sua quasi totalidade, sendo insignificantissimos, além da Ponte de Sacavem, os trabalhos já executados nella: não se verificou a parte daquella somma, que se podia referir ás obras já realisadas da ponte e estrada, bem como aos estudos topograficos, mappas, planos, e utensilios cedidos na Companhia, unicas despezas porque o Governo era responsavel nos termos do contracto do 1.º de Março: a sobredita quantia foi principalmente exigida e concedida, segundo se deprehende da representação da Companhia de 27 de Junho de 1845, como indemnisação das grandes perdas, que a Empreza cedente havia soffrido na original convenção, e como compensação dos lucros que esperava retirar da ultima modificação, permanecendo no contracto; e em taes termos parece-me illegitima, e excessiva da authoridade do Governo a responsabilidade de toda esta quantia contrahidi pelo Governo, que na conformidade do contracto do 1.º de Março, approvado por Lei só estava obrigado aos capitaes com os juros pagos; pela Companhia, em relação sómente ás quantias gastas na construcção da Ponte de Sacavem, em algumas poucas obras effectuadas na, estrada, e nos estudos topographicos, mappas planos, e utencilios, que a Companhia recebia. Ainda quando a cessão, por este modo feita, fosse grandemente vantajosa ao Estado, que por ella se desligava das obrigações do contracto especial mais onerosas, que as do contracto geral da Companhia, que ficavam regendo; nem por isso deixava de ser necessaria a authorisação expressa da Lei, para legitimar a obrigação desta somma de 500:000$000, que na sua maior parte não se comprehendia no contracto do 1.° de Março de 1845, e por consequencia não estava authorisada pela Lei de 19 de Abril do mesmo anno. Não vejo porém demonstradas as conveniencias e utilidades deste contracto. para o Estado. É certo que por esta convenção, o Estado se desobrigou da subvenção de 2$000 réis por braça quadrada de estrada, estipulada no contracto de 6 de Abril de 1844, e a qual se diz estimada na quantia de réis; 997:980$000; mas o Estado não lucrou esta somma, porque senão livrou de fazer as despezas, a que em muita parte respeitava esta quantia, as quaes continuam a onerar o Governo, e hão de por elle ser satisfeitas á Companhia das Obras Publicas. A referida subvenção foi em parte outhorgada, como compensação da importancia das expropriações necessarias para construcção, e melhoramento da estrada que estavam a cargo do Governo, pela plantação das arvores nos lados da mesma estrada, e pela fabrica das casas dos Guardas nas Barreiras; porém estando a estrada quasi inteiramente por fazer, não havendo sido ainda executadas as obras convencionadas, nem feitas as necessarias expropriações, a Companhia das Obras Publicas ainda tem que proceder a todos estes actos á custa do Estado, que a ha de embolsar; do capital despendido com os seus respectivos juros, sendo assim que, além do encargo de 500:000$000 que tomou o Estado, fica mais obrigado á despeza, a que corresponde em muita parte a sobredita subvenção, que cessou. Esta subvenção tambem attendeu á vantagem do Estado, pela cedencia da exempção dos direitos na Alfandega, de que gosava a anterior Empreza pela Lei de 24 de Julho de 1839, nos objectos necessarios para a construcção das pontes, e para o serviço das diligencias e carros accelerados; mas revivendo esta exempção pela cessão do contracto na Companhia das Obras Publicas, que tem este privilegio nos termos do artigo 19.º do seu contracto, cessou aquella vantagem; e privado della o Estado, não tinha nenhuma conveniencia em prestar alguma compensação por um proveito, que deixava de perceber. Do mesmo modo, pela transferencia da construcção desta estrada para a Companhia das Obras Publicas, os direitos de transito nas Barreiras estenderam-se a 60 annos, nos termos do artigo 15.° do contracto de 1 de Março de 1845; desvaneceu-se logo o interesse publico da reducção de cinco annos de direitos feita pela Empreza anterior nos trinta e cinco annos assegurados no original contracto, e extinguindo-se pela cessão da estrada na Companhia das Obras Publicas esta conveniencia geral que fóra contemplada para o arbitramento da subvenção na Escriptura de 6 de Abril de 1844, já não podia continuar a ser tomada em conta, para se haver por proveitosa ao Estado a sua compensação com alguma parte da quantia de 500:000$000, a que o Governo se ligou no ultimo contracto.

«Estas reflexões são igualmente applicaveis á reducção dos preços de serviço das diligencias e carros accelerados, que tambem foi attendida na subvenção; porque dependendo a fixação dos preços deste serviço de convenções especiaes com a Companhia, na fórma do artigo 26.º do contracto do 1.º de Março, ignorava-se ainda se aquella vantagem permaneceria; e nesta incerteza não podia merecer compensação. A Lei de 26 de Julho de 1843 no artigo 32.º se authorisou o Governo para alterar de accordo com a Empreza da estrada de Lisboa ao Porto, o contracto sobre a feitura desta estrada, de modo, porém, que as obrigações contrahidas não excedessem as vantagens geraes estabelecidas na mesma Lei; mas não lhe outhorgou poder, para com despendio da Fazenda Publica fazer transacções sobre incertos ou suppostos direitos de indemnisação, que a Empreza pertendesse ter contra o Estado, á conta da arguida falta de adimplemento do primeiro contracto. Ainda quando estes direitos fossem certos e reconhecidos; ainda quando a importancia da liquidação estivesse clara e competentemente liquidada, cumpria que a Lei authorisasse este pagamento, sem a qual o Governo se não podia obrigar a elle: por onde entendo que menos legitimamente foi attendido na subvenção concedida pela Escriptura de 6 de Abril de 1844, o allegado direito a esta indemnisação, e só com o mesmo defeito podia ser contemplado na Escriptura de cessão de 9 de Julho de 1845, que substituiu a sobredita subvenção pela somma de réis 500:000$000 a cargo do Governo.

«Permanecendo a subvenção de 2$000 réis por braça de estrada, convencionada no contracto de 1844, o Estado por meio della estava livre das despezas de todas as obras da construcção da estrada, e das necessarias expropriações, e subsistiam as vantagens publicas que se attenderam para ella se outhorgar: pelo acabamento desta subvenção nos termos do contracto de 9 de Julho de 1845 o Estado, além da obrigação de 500:000$000 réis a que se submetteu, ficou mais obrigado a todas as sommas, que custassem á Companhia as obras ainda não feitas na estrada, que eram quasi todas, e as expropriações que ellas demandassem, e deixaram de existir as mais das conveniencias publicas, que serviram de fundamento á mesma subvenção; e por este modo o contracto não me parece que se possa considerar como vantajoso ao Estado.»

«Representou-se como vantagem do Estado a entrega da Ponte de Sacavem: é real na verdade esta vantagem; o Estado estava obrigado ao custo desta Ponte, logo que fosse cedida na Companhia das Obras Publicas; porém não se verificou a verdadeira estimação della, pela qual devia entrar na somma arbitrada dos quinhentos contos de réis, e a propria Companhia reconhecei que esta somma na maxima parte não respeita a obras já feitas. A mais prompta conclusão da obra foi outra conveniencia invocada para justificar a utilidade deste contracto, mas a Empreza anterior estava obrigada pelo artigo 26.º do contracto de 6 de Abril de 1844 a concluir a estrada no praso de cinco annos, e sujeita a todas as obras já feitas ficarem perdidas, senão; preenchesse esta obrigação, ao passo que a Companhia das Obras Publicas, pelo artigo 3.° do seu contracto, tinha o espaço de oito annos para a conclusão da obra: não havia logo razão fundada para suppôr mais promptamente ultimada; a estrada em virtude da cessão na Companhia. O Estado, por effeito desta cessão ficou percebendo a terça parte dos direitos de transito nas barreiras desta estrada, que, nos termos do contracto de 6 de Abril de 1844, não recebia durante o praso dos trinta annos do mesmo contracto; mas esta vantagem ficava compensada com a ampliação desses direitos a mais trinta annos, na conformidade do artigo 15.º do contracto da Companhia das Obras Publicas, e sendo a consequencia legal e forçosa da adquisição do contracto desta estrada pela Companhia, não era necessario ao Governo despender somma alguma para a obter; porque havia de gosar della em virtude da Lei, logo que a Companhia alcançasse; esta cessão. Esta percepção é a clausula util do contracto do 1.º de Março de 1845, contra posta a todas as outras onerosas delle; e submettendo-se o Governo a esta em relação á construcção desta estrada, tinha o direito de desfructar aquella sem necessidade de nenhum outro sacrificio. Se a Companhia das Obras Publicas tinha interesse em tomar a feitura desta estrada com as mesmas vantagens do seu proprio contracto, na percepção do juro de 6 por cento das sommas despendidas na construcção das obras, no recebimento de parte dos direitos de transito por 60 annos, e no privilegio das carruagens depostas e carros de transporte por 40 annos, era ella só que devia, em compensação dos proveitos recebidos, indemnisar a Empreza anterior dos lucros de que se privava; o Governo, porém, não podia obrigar para se effectuar a cessão; alguma parte dos dinheiros publicos, porque para este acto o não authorisava a Lei, apezar de não poder deixar de reconhecer que, em virtude da adquisição desta estrada pela Companhia, o Estado vinha a lucrar a terça parte dos direitos de transito, que antes lhe não pertencia. Quaesquer, porém, que sejam as desvantagens deste contracto para o Estado, não bastam ellas para produzir a sua rescizão ou nullidades, uma vez que senão mostre que dellas provém lezão enorme ou enormissima; e este requisito ainda não está demonstrado, e é difficil de o ser parece-me, comtudo, que a falta da authoridade do Governo para obrigar a referida quantia de réis 500:000$000 da Fazenda Publica, ainda quando o contracto fóra vantajoso, vicia o mesmo contracto e desliga a Nação de responder por elle, salvo se mostrada a sua real e verdadeira conveniencia fôr confirmado por lei. É principio de direito, consignado na lei 19.º de Reg. a Jur. que aos contrahentes incumbe certificarem se da capacidade e condição daquelles com quem contractam, e que senão podem esquivar aos effeitos da falta da mesma capacidade á conta de ignorancia: assim a Empreza anterior desta estrada, e a Companhia das Obras Publicas sabiam, ou deviam saber que o Governo não estava authorisado por lei, nem para despender quantia alguma da Fazenda Publica, a fim de que se realizasse a cessão desta estrada na Companhia, nem para fazer transacção alguma, com obrigação da mesma Fazenda, sobre os direitos e encargos convenientes do anterior contracto desta estrada; devem logo soffrer todas as consequencias legaes da incapacidade da pessoa, com quem tractaram.

«Entendo que pelo simples facto da suspensão dos trabalhos nas estradas, ordenada pela Companhia das Obras Publicas, não está o Governo authorisado para rescindir o Contracto do 1.° de Março de 1845, o qual só poderá ser dissolvido por mutuo accordo de ambas as partes contractantes. A Companhia das Obras Publicas, em nenhuma clausula do seu contracto, estipulou expressamente que as contribuições directas de repartição seriam os unicos rendimentos publicos, de que havia de sahir a necessaria dotação para o pagamento das quantias por ella dispendidas: no artigo 13.° do contracto se accordou sómente que o Governo apresentasse ás Côrtes a conveniente Proposta de Lei, com a dotação annual á Junta do Credito Publico de seiscentos contos de réis para satisfação dos titulos da Companhia, com a designação dos rendimentos publicos, que a haviam de constituir, e com as mais providencias adequadas para assegurar o augmento da dotação quando necessario. Fez-se a referida Proposta, e em virtude della foi promulgada a Lei de 19 de Abril de 1845, que no artigo 2.° mandou abonar esta dotação pelo rendimento das contribuições directas de repartição. Foi, por tanto, a Lei, e não o contracto, que designou os referidos rendimentos para esta dotação; mas nem a lei nem o contracto, podem ser entendidos de modo, que por elles ficasse limitada a authoridade do Legislador para no futuro extinguir aquella contribuição, se assim o julgasse conveniente á causa publica. O fim, a intenção do contracto foi que a dotação estivesse firmada em rendimentos certos, designados e seguros; donde se segue que logo que a lei determinar outros rendimentos, igualmente solidos, que affiancem a dotação, está satisfeita esta parte do contracto, e ao Governo assiste o direito de exigir da Companhia o complemento das obrigações contrahidas, reparando-lhe quaesquer damnos provenientes da interrupção: como porém, a designação dos rendimentos publicos feita na lei, deixou de existir pelo Decreto de 22 de Maio ultimo, que aboliu as contribuições directas, a Companhia das Obras Publicas tambem tinha o direito para sobreestar, pela sua parte, na execução do contracto, em quanto não fosse preenchida pelo Estado a clausula do mesmo contracto com a designação feita na lei de outros rendimentos igualmente seguros com applicação á dotação da Junta do Credito Publico; e bem assim compete á mesma Companhia o direito de reclamar do Estado o adimplemento daquella clausula, ou a indemnisação de todos os damnos recebidos pela falta de cumprimento das obrigações, a que legitimamente se ligou. Entendo pois, que sendo legitimou facto da suspensão dos trabalhos nas estradas por effeito da falta de designação legal dos rendimentos applicados á dotação da Junta do Credito Publico, não póde elle authorisar o Governo para rescindir por si só o contracto, sem o assenso da Companhia das Obras Publicas.

«A Companhia das Obras Publicas, posto que no seu officio de 18 de Julho proximo passado declare que não desiste do contracto apesar da suspensão das obras, todavia nas outras representações de 24 e 29 d'Agosto seguinte, reconhecendo a impossibilidade de se lhe assegurar a dotação annual de 600:000$000 réis em rendimentos solidos, concorda na dissolução do contracto, procedendo-se de commum accordo á liquidação dos direitas da Companhia, e á fixação dos meios porque hão de ser satisfeitos. Se pois, o Governo tambem julgar impossivel, ou inconveniente a prestação annual da referida quantia, e a determinação de rendimentos publicos, que a assegurem com solidez; só póde proceder á dissolução do contracto com o consentimento da outra parte contractante: mas a Companhia das Obras Publicas que propõem o destracto, parece que o torna dependente do rei conhecimento dos seus proprios direitos, que com justiça deverem ser attendidos, e da fixação dos meios para serem reparados; e assim é quasi certo que difficilmente consentirá no mes me destracto, sem que logo nelle se determinem e particularisem os direitos que ficam reconhecidos, e se assente o modo de serem satisfeitos. Quando porém, a Companhia assinta na immediata dissolução do contracto, deixando para depois a liquidação dos direitos que hão de ser respeitados e indemnisados, poderá o Governo convencionar a resolução do contracto anteriormente ao acto da referida liquidação: mas cumpre notar que, sendo expresso em direito que os contractos se dissolvem pelo mesmo modo porque foram contrahidos; e tendo o contracto da Companhia das Obras Publicas sido approvado pela lei de 19 de Abril de 1845 a dissolução delle não póde ser havida por valida e perfeita, sem a confirmação de lei, de que a depende; e em quanto não estiver perfeito o destracto, não póde legalmente caber a restituição do deposito que foi dado pela Companhia em garantia do contracto, e que é agora reclamado pela mesma Companhia.

«É quanto se me offerece dizer sobre esta materia, em cumprimento dos officios do Ministerio do Reino de 8 de Agosto, 1 de Setembro, e 26 de Outubro ultimos, e com este devolvo todos os papeis, que acompanharam os sobreditos officios; Vossa Magestade porém. Resolverá o mais justo. Procuradoria Geral da Corôa, 20 de Novembro de 1846. = O Procurador Geral da Corôa, José de Cupertino d'Aguiar d'Ottolini.»

Depois da leitura deste Parecer, dado por pessoa tão competente, parece-me que a Camara estará convencida, de que não fui exagerado nas minhas expressões, nem temerario no meu juizo. E como neste Parecer está a minha defeza, requeiro que elle seja impresso. (O Sr. Presidente — É necessario saber a natureza do documento para a sua publicação, porque se elle não é outra cousa mais, do que um Officio do Procurador Geral da Corôa para o Governo, então sem decisão da Camara, creio que senão póde imprimir.) Perdoe-me V. Em.ª: eu não julgo que seja necessaria a decisão da Camara para a publicação deste documento, que nos foi mandado pelo Governo para delle usarmos como fosse conveniente; e permitta-me V. Ex.ª licença para lhe observar, que o Membro do Parlamento, que nelle apresenta e lê documentos, tem direito a pedir a sua impressão (muitos apoiados), muito mais quando essa publicação é essencialmente necessaria para sua defeza. O D. Par citou-me perante a Camara e a nação, para que dissesse em que eu fundava o meu juizo a respeita do Contracto a que alludi: eis-aqui o meu fundamento; é o Parecer do Procurador Geral da Corôa, cujas idéas eu adopto por minhas; mas é necessario que a Camara e o paiz as conheçam para poderem julgar, e este conhecimento só se póde ter pela publicação do Parecer na sua integra (apoiados). Eu li o Parecer, porque tudo quanto eu dissesse havia de ter menos força, do que esta analyse feita com frialdade, pleno conhecimento de causa, e summa imparcialidade: julgo pois, que para a impressão por mim pedida, se não carece de resolução da Camara (apoiados).

Eu desejava responder alguma cousa a S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, sem com tudo entrar na parte do discurso de S. Ex.ª relativo a uma época em que eu não tomei parte alguma

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nos negocios publicos; mas confesso, que além de reconhecer estar a Camara fatigada, sinto-me em tal estado que quasi não posso fallar, e por isso não continuo.

Tendo-se publicado o discurso do Sr. C. de Thomar com algumas incorrecções importantes, previne-se o publico de que será reimpresso em separado do Diario.

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