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N.°19. Sessão de 3 de Fevereiro. 1843.

(PRESIDIU o SR. DUQUE DE PALIMELLA - E ULTIMAMENTE o SR. VISCONDE DE SOBRAL.)

Foi aberta a Sessão pela uma hora e tres quartos da tarde; estiveram presentes 38 Dignos Pares - os Srs. Duques de Palmella, e da Terceira, Marquezes de Abrantes, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes do Bomfim, da Cunha, de Lavradio, de Lumiares, de Paraly, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, e de Villa Real, Viscondes de Fonte Arcada, da Graciosa, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Barreto Ferraz, Miranda, Ribafria, Gamboa e Liz, Margiochi, Pessanha, Giraldes, Cotta Falcão, Silva Carvalho, Serpa Machado, PolycarpoJosé Machado, e Trigueiros. - Tambem estiveram presentes os Srs. Ministros dos Negocios do Reino, da Justiça, e Estrangeiros.
Leu-se a Acta da Sessão precedente, e ficou approvada.
Mencionou-se a correspondencia:
1.° Um Officio do Digno Par Sotto-Maior, participando que se achava em estado de nem poder sahir da cama, e por isso deixava de comparecer; incluia attestado de Facultativo.
2.° Um dito do Digno Par nomeado Visconde de Bertiandos, fazendo presente que não lhe sendo desde já possivel comparecer na Camara, em, razão do mau estado de sua saude, logo que este embaraço deixasse de ter logar se apresentaria.
3.° Um dito pelo Ministerio do Reino (em data do 1.° de Fevereiro), communicando que fora por S. Magestade designado o dia 2, pelas duas horas e meia da tarde, para ser recebida no Real Paço das Necessidades a Deputação encarregada de apresentar a Resposta desta, Camara ao Discurso da Coròa.
A Camara ficou inteirada destes tres Officios; assim como da seguinte participação referida ao ultimo:
O SR. PRESIDENTE:- Paiticipo á Camara que a mesma Deputação teve bontem a honra de ser apresentada a S. Magestade, e desempenhou a missão de que ia encarregada, sendo recebida com a costumada benevolencia.
O Sr. Secretario Conde de Lumiares apresentou tres representações dos Pharmaceuticos de Alpalhão, Portalegre, e Castello de Vide. - A Commissão de Petições.
O SR. BARRETO FERRAZ: - Sr. Presidente, eu desejava que a Mesa me informasse se já houve algum resultado de um Requerimento que eu apresentei, e a Camara approvou em 10 do mez passado?

O SR. SECRETARIO CONDE DE LUMIARES- No,dia 12 de Janeiro foi remettido ao Governo com Officio da Secretaria, e até ao presente ainda não veiu resposta.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Nesse caso peco licença para fazer um outro Requerimento aditando o primeiro: e o seguinte, e proponho a urgencia.
Requerimento.
Em additamento ao meu Requerimento, approvado por esta Camara em Sessão de 10 do mez passado, requeiro que o Governo faça exigirdos differentes Thesouteiros das Confrarias e Irmandades uma declaração expressa de todos os dinheiros que a respectiva Confraria tiver dado a juro, e do que existir em ser na mão dos mesmos Thesoureiros, bem como de quaesquer jóias ou alfaias preciosas que existirem em seu poder. - Camara dos Pares em 3 de Fevereiro de 1843. - Antonio Barreto Ferraz, Par do Reino.
Foi julgado urgente, e approvou-se sem discussão.
O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Sr. Presidente, o escandaloso abuso que nestes ultimos tempos tem feito os Secretarios d'Estado do bem mal intendido direito demissorio, privando por este modo o Estado dos seus Servidores mais zelosos, probos, e independentes, para os substituir, pela maior parte das vezes, por pessoas incapazes e ineptas, força-me a apresentar um Projecto de Lei, que vou ter a honra de ler á Camara, e para o qual peço a urgencia: e o seguinte
Projecto de Lei.
Art. 1.° Os Empregados Publicos, que tiverem sido nomeados por Decreto, não poderão ser demittidos sem previa audiencia do Conselho d'Estado.
Art.° 2.° Os Decretos de demissão dos Empregados Publicos serão sempre motivados, e nelles será feita expressa menção do voto do Conselho d'Estado.
Art.° 3.° Se os motivos allegados no Decreto de demissão forem inexactos, ou calumniosos o demittido terá acção, perante os Tribunaes competentes, contra o Secretario d'Estado, que tiver referendado o Decreto.
Art.° 4.° Os Decretos, tanto de nomeação, como de demissão dos Empregados Publicos, serão publicados na parte official do Diario do Governo.
- Camara dos Pares em 3 de Fevereiro de 1843.
- Conde de Lavradio.
Consultada a Camara sobre o pedido do Digno Par, resolveu que este Projecto ficasse para segunda leitura.
O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - A Commissão Especial encarregada por esta Camara de dar o seu Parecer sobre o Projecto do chamado bill de indemnidade, acabou de se constituir, e nomeou Presidente a V. Exa, Secretario ao Sr. Visconde de Laborim, e Relator a mim.- A Camara
ficou inteirada.
O SR. CONDE DE Rio MAIOR: - Sr. Presidente, eu pediria a V. Exa. que se não entrasse na Ordem do dia sem que estivesse presente algum dos Srs. Ministros, por que julgo o negocio grave. Não sei se a Mesa os linha prevenido do objecto da discussão de hoje.
O SR. SILVA CARVALHO: - Este negocio teve a iniciativa nesta Camara, não veiu do Ministerio. Eu mostrei o Projecto a alguns dos Ministros, que concordaram nelle; e por tanto parece que não é pre-

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caso esperar por elles, uma vez que fòram prevenidos, para entrar na discussão.
O SR. PRESIDENTE: - O que se póde fazer é prevenir agora algum dos Ministros, que creio estarão na outra Camara, de que se vae tractar deste assumpto.
O SR. BARRETO FERRAZ: - Não tenho duvida em adoptar a proposta do Digno Par que primeiro fallou, por que este Piojecto interessa muito as prologativas da Corôa; mas como eu tenho tenção de apresentar uma Proposta que equivale ao addiamento da questão, se ella for rejeitada, então terá logar o tractar-se da do Digno Par, a qual eu approvarei:, como disse.
O SR. PRESIDENTE:- Entretanto lei-se-ha uma Proposta que está em cima da Mesa, e a que e necessario dar destino.
- Foi effectivamente feita a segunda leitura da Proposta do Sr. Visconde de Sá da Bandeira (apresentada na Sessão de 30 de Janeiro) sobre ser reduzido a Projecto de Lei o Decreto de ... de ... de 1842, que declarou ou crime de pirataria o trafico da escravatura. ( V. pag. 147, coL 1.a)
Motivando-a, disse
O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - O Decreto publicado pelo Governo que declarou pirataria o crime do trafico da escravatura, não creou novas penas contra elle, mas ordenou que lhe fossem impostas as do Decreto de 10 de Dezembro de I836. Se nós queremos de boa fé executar o Tractado, como e nossa obrigação, se queremos fazer punir como piratas os traficantes em escravos, é preciso que a Lei assim o determine, para que quando os criminosos fórem levados perante o Poder Judicial, e quando o Ministerio Publico requerer que sejam castigados como piratas, este Podér lhes possa applicar as penas. Perguntarei aos Srs. Juizes, Membros desta Camara, se um Decreto do Executivo póde ser considerado Lei pelos Tribunaes? Se estes considerarão o trafico crime de pirataria? Para dar sancção legal a esta disposição do Decreto, é que apresentei a minha Proposta, para que a Commissão de Legislação reduzisse a Projecto de Lei o mesmo Decreto. afim de que, approvado pelas duas Camaras, e Sanccionado pela Soberana, elle se tornasse Lei do Paiz.
O SR. PRESIDENTE: -Peço licença á Camara para dar uma breve explicação. - Não me opponho a que esta Proposta vá a uma Commissão; mas quando ella der o seu Parecer creio que poderei mostrar que se não carece de nova Lei.
A Proposta foi remettida a Secção de Legislação.
Passando,-se á Ordem do dia, foi lido o Parecer (N.° 36) da Commissão Especial respectiva, que concluia por um Projecto de Lei (N.° 22) organica para regular o cumprimento do artigo 39.° da Carla Constitucional. (V. pag. 38 e 89.) Obtendo a palavra, sobre a ordem, disse O Sr.VISCONDE DA GRACIOSA:- Sr. Presidente, o Projecto que foi dado para Ordem do dia de hoje parece-me que tende a alteiar o Artigo 74 da Carta Constitucional no paragrapho 1.°: este Artigo e constitucional, e para elle se alterar deve a proposição ser apresentada primeiro na Camara dosses Deputados, por que lhe compete a iniciativa em taes casos, e é necessario, alem disso, que se observem as formalidades que a Carta marca: se nós continuarmos pois com esta discussão, usurparemos um direito da outra Camara. Portanto proporia que se não tractasse da materia antes de se decidir esta questão prévia.

O SR. PRESIDENTE: - O Sr. Visconde da Graciosa quer que se discuta, primeiro que tudo, se este Projecto tende, ou não a alterar uma disposição constitucional: esta proposta involve verdadeiramente uma questão prejudicial. Entretanto o Digno Par estabelece já como facto uma couza que a Commissão não lhe póde conceder, e só a discussão habilitará a Camara a decidir se com effeito o Projecto ataca ou não algum Artigo da Carta.

O SR. SILVA. CARVALHO:- Essa é a questão para alguns Senhores - se isto é ou não alteração a um Artigo constitucional; mas (como V. Exa. acaba de dizer) só no decurso da discussão se poderá mostrar se se tracta de uma reforma da Carta, ou se de fixar a intelligencia de um dos seus Artigos: ora como estas idéas necessariamente hão de apparecer no debate, parecia-me que o meu nobre amigo, poderia agora ceder da sua proposta, e que progredindo a discussão do Projecto então se traclaria dessa materia. (Apoiados.)

O SR. PRESIDENTE: -Se a opinião do Sr. Visconde da Graciosa fosse uma opinião indubitavel, (por assim dizer) liquida, de certo que similhante Projecto não poderia vir á discussão da Camara; mas como alguns Dignos Pares pensam diversamente, o mais que poderei fazer é propòr que se altenda esse ponto no debate.

O SR. VISCONDE DA GRACIOSA; -Então peço que a minha proposta se tracte como questão prévia, por que acho escusado estar a gastar tempo com a discussão da materia principal se a Camara vier a adoptar a minha opinião.

O SR. BARRETO FERRAZ:- Eu convenho em parte com as idéas do Digno Par que acaba de fallar; mas, se V. Exa. m'o permittir, eu tenho que apresentar uma proposta, e conjunctamente com a discussão della poderá ter logar a da sua questão prévia.

O SR. MARQUEZ DE LOULE:-Parece-me que a Camara não póde deixar de tractar a questão prévia em primeiro logar: alguns Membros duvidam que a materia do Projecto possa ter a iniciativa nesta Caza, e por consequencia é indispensavel, mesmo para a icgularidade da discussão, que essa duvida seja considerada, e decidida antes de qualquer outra couza.

O SR. MARGIOCHI: -Parece-me que não póde ter logar a questão prévia, por que esta involveria já a discussão especial do Projecto, e approvando ou rejeitando o Projecto na sua totalidade, vinha-mos a estabelecer que elle era, ou não opposto ao espirito da Carta. Por tanto intendo que se deve discutir o Piojecto, e nesta discussão os Dignos Pares apresentaião as suas opiniões sobre os diversos pontos que com elle estão ligados.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Eu creio que se não póde recusar a proposta do Digno Par sobre a questão prévia, visto que ha alguns Senhores que estão em duvida; eu não o estou, mas basta haver alguns Dignos Pares duvidosos a tal respeito, para se dever esclarecer a questão, e ver se este objecto pertence ao numero daquelles que a Carta Constitucional manda que tenham a iniciativa na Camara dos Srs. Deputados, que ali passem por dous terços dos

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seus votos, e que sejam tractados na seguinte Legislatura. Eu estou persuadido que esta não e daquellas questões que a Carta deteimina que siga taes termos: mas por eu estar convencido do contrato, não se segue que por uma discussão se não esclareça a opinião das pessoas que tenham encarado a questão de outra maneira: e até talvez que me venham a convencer a mim. Creio que a Camara deve entrar na questão prévia se este Projecto de Lei, tal qual está, é ou não contrario ao Artigo 74 da Carta Constitucional: eu estou na convicção de que este Projecto não é outra couza senão uma Lei regulamentar desse Artigo; (Apoiados.) entretanto creio que é preciso entrarmos nessa questão, e decidila antes de tractar da materia propriamente do Projecto.

O Sr. PRESIDENTE: - Hão de me perdoar que faça uma simples advertencia. - Parece que effectivamente se vae tractando já a questão prévia, e eu peço aos Dignos Parès que fallarem hajam de se atingir ao ponto - se se deve, ou não admittir questão prévia.

O SR. SILVA CARVALHO: - O Projecto contèm duas partes; uma que diz respeito aos Pares vitalicios, outra aos Pares hereditarios: ora nós tractamos somente de -regular o uso do direito que tem a Coròa de nomear Pares, ficando intacto o principio contagiado na Carta. E como quer a Camara retirar o Piojecto, depois que a mesma Camara o ecommendou a uma Commissão afim de regular este ebjecto? Parece-me pois que sem se contrdizer comsigo mesma, não póde deixar de entrar na discussão do objecto em geral.

O Sr. VISCONDE DE LABOURIM: -O que se desera! Que se demonstre, e com a clareza devida, se o projecto em discussão contraria, ou não o Artigo 39.° da Carta Constitucional. Seguro á Camara que esse projecto por força ha de ser discutido, particularmente se o Projecto tiver uma discussão na generalidade; e por tanto parece-me que obteriamos alguma economia de tempo se passassemos a essa discussão quanto antes.

O Sr. CONDE DL LAVRADIO: - Eu queria dizer simplesmente que me não oppunha a que se tractasse a questão prévia; mas queria lembrar tambem que, se se debater essa questão, viremos a ter duas discussões sobre a mesma materia. ( Apoiados.)

O Sr. VISCONDE DA GRACIOSA: - Eu peço licença para retirar o meu requerimento. ( Apoiados.)

A Camara anullou.

O Sr. CONDE DE LAVRADIO: - Agora careço de que V. Exa. me dè uma explicação. - Como ha dous Projectos diversos sobre este assumpto, o da Commissão e o que eu tinha apresentado, e nelles se nota alguma diffferença, desejava por isso saber se se ha de ir tractando immediatamente de ambos esses Projectos, ou se primeiro temos de discutir um, e só depois o outro?

O Sr. PRESIDENTE: - A primeira discussão e sobre a generalidade do Parecer da Commissão, e essa não poderá deixar de involver, tambem na sua generalidade, as Propostas do Digno Par; e quando se passar a especialidade então é que a Camara ha de decidir se devemos votar Artigo por Artigo o Projecto por que conclue o Parecer da Commissão, ou se o do Digno Par. Em quanto á discussão na generalidade, parece-me até superfluo dizer que versa sobre um e outro, por que ambos elles comprehendem a mesma materia, posto que estejam diversamente redigidos. (Apoiados.)

- E passando-se logo á questão em geral, teve a palavra, e disse

O SR. BARRETO FERRAZ: - Sr. Presidente, o pouco que eu vou dizer parece que satisfará os desejos do Digno Par que propoz a questão prévia.

Sr. Presidente, eu tive a honra de ser Membro da Commissão que apresentou este Projecto, o qual assignei conjunctamente com os obutros Membros della; mas eu assignei-o com declarações, e expuz com franqueza qual era a repugnancia que achava em combinar com as ideas emittidas pelos Dignos Pares: devo porêm agora dizer quaes são esses motivos.

Sr. Presidente, esta Camara, na Sessão do anno passado, reconheceu, na presença de differentes hypotheses apresentadas á mesma Camara sobre a admissão de alguns Paies que pretendiam tomar assento nesta Caza pelo direito hereditario, a necessidade de que se estabelecesse uma regra fixa sobre este importante objecto. Foi este o pensamento que a Camara teve (creio eu) quando se decidiu que se nomeasse uma Commissão; mas eu julguei que as funcções concedidas a essa Commissão especial se limitavam só a regular esses direitos hereditarios, e as hypotheses que se podessem suscitar quando tivessem de apparecer sucressores hereditarios. (Apoiados.) Debaixo deste pensamento é que eu não pude convir com as idéas que se apresentaram na Commissão, quando vi que ella queria organizar um Projecto contendo idéas que aqui não tinham sido emittidas: primeiramente, porque os Dignos Pares Membros da Commissão, mesmo naquella parte que se podia dizer que fazia o principal objecto da sua missão, apresentavam condições sobre a regularisação do pariato que iam atacar as prorogativas da Coròa, pois que vejo no paragrapho 3.º do Artigo 2.°, que elle estabelece, ou estipula que para se poder verificar o direito dos Pares é preciso que mostrem ter uma renda liquida de dous contos de réis: vejo mais que a mesma Commissão, estendendo ainda muito mais longe a faculdade que lhe era concedida pela Camara, passou a fazer-se cargo das condições e qualificações que deviam exigir-se para ser Par vitalicio, estarbelecendo cathegorias dentro das quaes havia de ser commettida a escolha dos Pares; e neste ponto acho mais flagrantemente atacadas as prorogativas da Corôa, por que eu no Artigo 39.° da Carta vejo determinado o seguinte: (leu..) e não vejo que neste Artigo se coarcte, por maneira nenhuma, o livre arbitrio da nomeação da Coròa. Em consequencia destas razões, eu disse que não podia convir na totalidade deste Projecto, bem como que convinha em alguns Artigos que dizem respeito á hereditariedade, com tanto que senão alterassem as prorogativas da Coròa. Ora quando este Parecer da Commissão não seja, segundo eu intendo, uma flagrante infracção das prorogativas da Coròa, o que nelle se acha exarado, é pelo menos uma interpretação authentica da Carta, que em todo o coso não póde ter logar nesta Camara, mas sim na dos Srs. Deputados, por que isso importa, uma modificação na letra da Lei Constitucional.
Por todas estas razõe, sou de parecer que esta não poderá tomar conhecimento de um tal

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Projecto, bem que intenda que eliminando alguns Artigos se póde aproveitar muita da sua doutrina. Com este fundamento pareceu-me que devia apresentar a seguinte Proposta, que vou mandar para a Mesa.

Proposta.

Proponho que o Parecer, que actualmente se discute, volte á respectiva Commissão, afim de que esta, separando delle toda a materia que não foi relativa as differentes hypotheses da suecessão do pariato por direito hereditario, apresente um novo Projecto, que preenchia completamente as intenções e voto desta Camara, quando resolveu e determinou a nomeação da mesma Commissão. - Camara dos Pares em 3 de Fevereiro de 1843. - Antonio Barreto Ferraz.

O SR. PRESIDENTE: - Esta Proposta do Sr. Barreto Ferraz equivale a um pedido de addiamento, e se for adimittida pela Camara, deverá tractar-se previamente: por consequencia vou propôla.

Assim o fez logo S. Exa. e foi admittida.-- Seguiu-se a fallar

O SR. SILVA CARVALHO: -- Sr. Presidente, eu conheço muito bem a importancia e delicadeza da questão de que nos vamos occupar, e estimaria muito ouvir as razões que se apresentavam, porque vejo todos os lados da Camara com uma disposição para a tractarem com toda a placidez que lhe é propria, e pela minha parte de boamente adoptaria qualquer opinião que julgasse ser de adoptar.

O que disse o Sr. Barreto Ferraz é verdade: S. Exa. ponderou algumas duvidas na Commissão, e a primeira foi - se a Carta dava poder á Coròa para nomear Pares vitalicios, por que lhe parecia que no Artigo correspondente senão comprehendia esta qualidade, por que ahi só falla de Pares hereditarios.. .

O Sr. BARRETO FERRAZ: - Eu tambem disse Pares vitalicios mas não intendia que competisse á Camara o regular as qualificações dos Pares vitalicios.

O SR. SILVA CARVALHO:- Falla de Pares hereditarios e vitalicios logo póde nomear uns e outros. - Eu intendo que nós não vamos violar as prorogativas da Caròa, e digo que e da attribuição desta Camara regular o exercicio que a Coroa tem em nomear os Pares, e que ella não é atacada, porquanto as suas proiogativas consistem na livre nomearão de um numero illimitado. (Apoiados.) Agora perguntarei eu se e possivel que este Artigo da Carta fique no mesmo estado, deixando ao Governo a faculdade de nomear Pares hereditarios e vitalicio como bem quizer? Eu digo que isto é contra a Coròa, e que é necessario remediar este mal. Escuso de trazer o exemplo da Carta Franceza, por isso que o Artigo da nossa Carta foi d'ali tirado com uma pequena differença, por que nesta diz - vitalicios e hereditarios, -e na outra diz - vitalicios ou hereditarios.--Se assim não for, a decencia e independencia dos Pares estão destruidas, por que a primeira qualidade que se requer nesta Camara é que ella seja propria a conservar a independencia dos tres Poderes do Estado, mas essa independencia se tomaria mui arriscada se o Governo podesse nomear indistinctamente quem quizesse sem attencão mais que á sua vontade, podia acontecer que um máu Governo só nomeasse os que lhe conviesse sem se importar com o bem publico.

Á Commissão pareceu não exorbitar do fim para que foi nomeada, quando indicou as cathegorias, ou qualidades que deviam ler os Pares hereditarios; quero dizer, que deviam ter uma renda propria que lhe désse independencia, e os podesse ao abrigo de qualquer couza que podesse haver na sua conducta parlamentar.- Em quanto aos Pares vitalicios, disse que estes pelo seu caracter, pelos seus serviços que tem prestado ao Estado, esses mesmos relevantes serviços affiançavam a sua independencia na Camara dos Pares; e por isso mesmo que não tinham, essa renda sufficiente, pela qual podessem transmitir o pariato aos seus descendentes, os considerou, nomeados durante a sua vida, até mesmo por não privar a Camara das suas luzes e talentos, por que ao Cidadão que foi util á sua patria tambem se proporcionava uma recompensa honiosa como é esta.- Estas fôram as razões que a Commissão teve para marcar as condições de vitalicios e hereditarios.

Nada mais direi agora, mas depois tornarei a pedir a palavra se me parecer necessario.

O SR. VISCONDE DE LIBORIM:-Não e sem repugnancia que eu me vejo forçado a fallar nesta materia, sendo um dos principaes motivos o ser V. Exa. o Presidente, e ter sido Membro da Commissão; tal é a figura politica e respeitavel que eu considero que V. Exa. faz nesta Camara; e para me não ver outra vez perplexo, e, pela parte que me toca, não offender os principios de delicadeza, digo que sempre votarei contra qualquer nomeação do Presidente para Membro de Commissão, como um embaraço que tolhe, tanto ou quanto, a liberdade de pousar. Apezar do meu receio, Sr. Presidente, entro na materia.

Consigna-se no Projecto da Commissão, e nos dous apresentados pelo Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio, o principio de que - o Rei póde nomear Pares hereditarios, ou vitalicios. - Este principio aqui consignado, no meu humilde intender, esta contra o Artigo 39 da Carta Constitucional, por que elle diz claramente que a Camara dos Pares se compõem de hereditarios, e vitalicios ora, servindo-me eu até dos principios de hermeneutica grammatical, não quero que se faça tão grande injustiça á conjuncção =e= por isso que ella, segundo os preceitos dos mestres da lingua, tem a natureza de copulativa, e raras vezes se ve tomada na disjunctiva, e quando o for, julga-se ser uma excepção da regra geral: por consequencia, restringindo-me aos principies de hemeneutica grammatical, considero estas duas qualidades, hereditaria e vitalicia, em uma só e unica pessoa; isto é, considero o Par vitalicio, em quanto dura o individuo que recebeu essa graça, e hereditaiio, em quanto essa graça passa para o seu legitimo herdeiro pelo privilegio da Lei fundamental.

Mas,Sr. Presidente, esta questão assim tractada, por que se falla em conjuncção, talvez não passará de questão de nome; as razões em que fundo e estribo a minha opinião, vão um pouco mais avante; são tiradas do empilho da Carta Constitucional, que, se me não talhar a minha convicção, todas tratarão um resultado que abone a minha proposição.

A Carta, Sr. Presidente, foi dada pelo Senhor D. Pedio de gloriosa e saudosa memoria, aos Portuguezes no anno 1826, quando a aristocracia Portuguesa de sangue e herdade se achava em toda a sua

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força, e esta fidalguia foi garantida por aquella no paragrapho 31 do Artigo 145. deu-se ao Rei na Carta tudo quanto se podia dar (convém para tirar a minha illação parta deste principio); deu-se-lhe o Podér Moderador, que, como a mesma diz, é a chave de todos os Poderes politicos, e deu-se-lhe, para neutralizar a força destes, quando o bem da Nação assim o exigir, como vem a saber, ao Poder Legislativo, nomeando Pares sem numero fixo, e addiando e dissolvendo as Còrtes; ao Executivo, nomeando os Ministros, e demittindo-os sem conselho; e ao Judiciario, nomeando os Magistrados, suspendendo-os, minorando as penas, ou perdoando-as, ouvido o Conselho d'Estado; a alta aristocracia deu-se a necessidade e influencia na confecção das Leis; e se não se lhe deu tudo quanto era necessario para que ella fizesse quanto lhe aprouvesse, e pedisse o bem publico, deu-se-lhe tudo quanto era necessario para se oppòr a que fizessem o que ella não quizesse; deu-se-lhe, Sr. Presidente, a sancção das Leis, pois não querendo esta Camara (por que assim o peça a sua sabedoria, e a sua prudencia), não poderá pasar Lei alguma.-Esta influencia, e necessidade na confecção das Leis esta ligada com a necessidade da hereditariedade, por que, Sr. Presidente, se este principio não existisse, seguia-se d'aqui que, falecendo estes Pares, e tendo o Rei o arbitrio de nomear todos vitalicios, o perder-se esse fòro. Serei tachado de demasiadamente aristocrata, mas sou Par, e honro-me muito de o ser.

Sr. Piesidente, estou inteiramente convencido de que o pariato não é um emprego individual, e sim um privilegio, e um fòro de classe, e se elle e um privilegio, e um fòro de classe, é necessaria a consequencia que elle deve ser hereditario, - Sr. Presidente, tambem conconro para abonar a minha proposição a natureza das Cartas do Immortal D. Pedro, de saudosa e gloriosa memoria, dirigidas aos Pares em 1826. Tinham por ventura alguma clausula? Não.Dizia nellas o Rei, por que tinha esse poder, que os nomeava Pares do Reino, nem dizia que seriam vitalicios nem hereditarios; e disse bem, por que isso era desnecessario, isso terminantemente declarava a Lei fundamental. Sr. Presidente, veiu depois a usurpacão, vieram esses ominosos tempos, e forçoso é confessar que a fidelidade da fidalguia Portugueza, herdada de seus maiores, sorfreu grande alteração, porque uns conservaram-se firmes e fieis, cujos nomes muito respeito, outros seguiram diversa mneira, e em abono da verdade não os posso respeitar. Seguiu-se d'aqui, Sr. Presidente, que, sendo então mui pequeno o numero dessa aristocracia, cumpria ao Senhor D. Pedro chamai novos Pares: e donde os chamou elle, e donde os tirou? Da aristocracia que existia na Nação, das primeiras classes do Estado, e das principaes jerarchias. Pergunto eu, se as Cartas, dirigidas a esses novos Pares, tinham diveiso cunho daquellas que tinham sido diiigidas aos Pares de 1826! Como se explicavam essas Cartas? Da mesma maneira -nomeando-os Par do Reino como aos primeiros e, Sr. Presidente, não poderei eu tambem tirar argumento de outra razão, a saber: sendo igualmente Author da Carta dada aos Brasileiros o Senhor D. Pedro, teve sobre tal ponto para com o Brazil a mesma conducta? Não, por que em Portugal ao tempo da Carta existia esssa fidalguia de sangue herdade, e no Brazil, não existindo esta, mudou de rumo, e nomeou Senadores vitalicios, subjeitos a uma eleição: e por que os fez assim? Por que efectivamente não existia ali aquelle principio, e então deu-lhe a independencia tornando-os só vitalicios, como disse.

Sr. Presidente, todas estas razões me conduzem a fazer ver que este foi o pensamento que presidiu ao Grande Legislador; mas tenho ainda outra razão, e vem a ser, aquella que me prescreve a hermeneutica, isto e,- que as Leis devem ser interpretadas pelas outras Leis. - Como se explica os Dados da Carta no Decreto de 30 de Abril de 1826, quando determina que os Bispos pelo simples acto da sua elevação áquella dignidade sejam Pares? Ahi decidido está claramente que os Pares sejam hereditarios note-se bem, a hereditarios, não ajuntou vitalicios, considerando esta qualidade unida áquella na mesma pessoa. Ora agora, pergunto eu, entre esta obra filha deste Legislador mediou tempo durante o qual variasse de ideas? Não, por que esse Decreto, sendo de 30 de Abril de l826, e exactamente da mesma data em que foi registada a Carla, e um dia depois della ser dada: e poderá accreditar-se qui o Legislador mudasse de idea? Não, e diz positivamente - Estando determinado que os Pares sejam hereditarios.- Mas dir-se-ha, Sr. Presidente, que esta materia não e perfeitamente liquida; então se o não é, temos, interpretação de Lei: e será esta propria desta Camara? Não; deve ter origem na outra, seguindo-se tudo mais que é necessario para a formação das Leis, por que é sobre a fundamental do Estado.

De todos estes principios, Sr. Presidente, a illação que que, o tirar, é que nós não podemos fazer obra po este Projecto, por que o principio que deixei exposto está consignado na Carta, e delle só podemos aproveitar o que for da nossa competencia; e assim acho muito judiciosa a indicação do Digno Par, o Sr. Barreto Ferraz, para que estes; Projectos vão a uma Conmissão, que estreme o que é constitucional daquillo que deixa de o ser, para que se faça obra dentro das attribuicões desta Camara.- Por estas razões, Sr. Presidente, e que me levantei para sustentar a indicação do meu nobre Collega, e se fôr necessario dizer ainda mais alguma couza, pedirei a palavra; entretanto subjeito estas observações ao juiso da Camara, que as avaliará como julgar conveniente.

(O Sr. Presidente deixou a Cadeira, que ficou occupado pelo Sr. Visconde de Sobral.)

O Sr. SERPA MACHADO: - Sr. Piesidente, tanto o .Projecto primario que se fez sobre a herança do pariato, como o Parecer da Commissão, trazem assignaturas tão respeitaveis, que eu não posso deixar de tributar-lhe o maior respeito. Tanto a Proposta do Sr. Conde de Lavradio, como o Parecer da illustre Commissão, que elaborou o novo Projecto, ou aperfeiçoou aquelle, contem nomes muito respeitaveis, e que estou costumado a venerar desde a minha mocidade, entre elles o do nosso Digno Presidente; e por isso com algum acanhamento, e com toda a reverencia patentearei as minhas idéas, não sobre a materia, em que estou de perfeito accòrdo com o Parecer, mas quanto ao modo como deve ser discutida; e perdòe a nobre Commissão, e mesmo o illustre author do primeiro Pro-

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jecto que eu pareça discrepar das suas opiniões, em quanto a fórma de discutir, por que, considerado o assumpto como objecto verdadeiramente constitucional, não pertence a esta Camara a iniciativa sobre elle; e uma verdade, de que ninguem poderá duvidar, que só póde interpretar authenticamente a Lei aquelle que a póde fazer, e ainda que o interpretar a Lei doutrinalmente é permittido a todos os que a tem de executar, dentro das forças da sua hermeneutica, e valendo-se das regras desta, comtudo, a interpretação authentica só compete a quem póde fazer as Leis. (Apoiados.) Se eu poder demonstrar que alguns objectos destes Projectos de Lei não sào de pura Legislação, porem que só tem logar na Camara dos Srs. Deputados, ou que lhe são privativos, claro fica que nós não podemos propor Artigos addicionaes á Carta, nem alterar os existentes, e tambem que não podemos interpretala de modo que se altere; toda a chave deste raciocinio e pois saber se estes Projectos tendem a alterar a Constituição ou não, e tudo o mais são principios de que se não póde duvidar.

A minha opinião, salvo o melhor juizo desta Camnara, e que em verdade neste Projecto entram alguns Artigos que se podem julgar como constitucionaes, e o Artigo que fixa o que sejam assumptos constitucionaes, acha-se indicado na mesma Carta Constitucional; é o Artigo 144, que diz-E só constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuiçoes respectivas dos Poderes politicos, e aos direitos politicos e individuaes dos Cidadãos &c. - Temos por tanto dons objectos constitucionais: aqui não se tracta de direitos politicos e individuaes do Cidadão, mas tracta-se de attribuições e limites de um dos Podères politicos do Estado; e ninguem podera duvidar que um dos seus direitos mais importantes e a livre nomeação dos Pares, concedido ao Poder Moderador, que é um quarto Poder da politica moderna, e um Poder muito importante, que esta acima de todos como Podér regulador. Por consequencia, se a nomeação dos Pares é um attributo do Poder Moderador, se nós fizermos com que o poder de nomear Pares se limite alguma couza, ou se amplie, de todo o modo temos uma verdadeira alteração na parte constitucional da Carta; e isto ainda que pareça uma pequena modificação; estas modificações são comtudo de grande importancia politica, e offendem o decoro da Camara, por que offendem o Poder Moderador, que não e o Ministerio com o seu Chefe, é o Poder mais elevado, o mais independente, quem o exerce não são os Ministros, e o Chefe da Nação, e o Rei; e nem qualquer abuso delle, possivel que seja, se imputa aos Ministros mas a quem pertence, e a quem a Carta o concedeu, que e ao Chefe Supremo do Estado: se fórmos pois limitalo, offendemos não só a chave politica da Carta, mas tambem as prorogativas da Camara dos Srs. Deputados, a quem a iniciativa sobre objectos constitucionaes exclusivamente pertence, estabelecendo-se ali até uma ordem de processo tanto na votação como na discussão para este objecto especial.

Ora parece-me que a parte do Projecto, que diz respeito aos Pares vitalicios, é assumpto constitucional; pondo de parte a questão - se os Pares são vitalicios ou hereditarios, ou uma couza e outra ao mesmo tempo, como alguns querem intender - materia que parece ter sido interpretada authentecamente pelo outro Decreto de 30 de Abril de 1826 nas palavras « Estando determinado que os Pares sejam hereditarios, ha por bem que, o Patriarcha, todos os Arcebispos, e Bispos do Reino sejam havidos por Pares pela elevação áquella dignidade» - digo
que, mesmo considerando que a Carta, como parecem inculcar as suas proprias expressões, usa da particula =e= que nem sempre é conjunctiva, e ás vezes é disjunctiva, ou que por mais commum uso se costuma pôr a palavra vitalicios contraposta a hereditarios; mas pondo esta questão de parte, digo que se eu tractasse de jure conatituendo, e se nos pertencesse fazer este Regimento do pariato vitalicio, eu o approvaria, e desde já declaro que a approvo, e acho muito sensata a doutrina do Projecto a tal respeito: porem a minha duvida é se nós o podemos fazer sem nos expor a que a Camara dos Srs. Deputados nos de (para assim dizer) um quinau, censurando-nos por que nos intromettemos no que nos não pertence, e mesmo se assim vamos limitar as attribuições do Poder Moderador.

Por mais justa que seja uma doutrina, não póde adoptar-se quando ella vae offender as prorogativas dos outros Podères politicos; e por isso me parece que não seria da dignidade della Camara expor-se a isto. Eu intendo que algumas das disposições do Projecto tendem a limitar o Podêr Moderador, e assim deviam ter a sua iniciativa na Camara dos Srs. Deputado. Parece-me pois mais conveniente o que disse o Sr. Barreto Ferraz, isto e, que o Projecto volte á Commissão, e que se estreme o que diz respeito aos Pares hereditarios, que e da competencia desta Camara por que não limita poderes. - Não me conformo porem com uma opinião que o Digno Par emittiu, de que se não devia exigir uma quota de rendas aos successores dos Pares; com isto não me conformo, por que acho que esta condição não offende em nada as prorogativas da Coròa, e nesta parte acho inadmissiveis os seus argumentos, por que não póde sustentar-se o pariato hereditario sem alguma riqueza. Mesmo o Sr. Conde de Lavradio estrema o que e constitucional e o que o não e; e basta isto para se não arriscar uma decisão desta Camara. E em fim e certo que ainda nos resta o meio da interpretação doutrinal para a resolução dos casos occunentes em quanto não houver Lei clara.

Por tanto parece-me que a Proposta do Sr. Barreto Ferraz e muito sustentavel, em quanto pede que este negocio seja reconsiderado, e que a respeito do mais, estremando essa doutrina, volte á Camara para decidir, por que são objectos que merecem discussão separada; nem acho inconveniente em que se demore este negocio por mais alguns dias, e até que a Commissão faça esta operação da separação de materias.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: -Eu acho-me hoje nesta discussão numa posição summamente embaraçada; primeiro, por que estou de má saude, e em segundo logar, por que tenho receio de que os meus sentimentos, e as minhas intenções quanto aos Projectos que propuz não sejam bem intendidas, ou bem apreciadas por toda a Camara.

A Proposta do Sr. Barreto Ferraz pareceu-me muito sensata, como é sempre reconsiderar um Projecto de tal magnitude, sobretudo não sendo de gran
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de urgencia, posto que o supponha de urgencia, por que sem duvida o é - regular as habilitações dos Membros que devem compôr esta Camara. - Quando redigi os meus Projectos, não me esqueceu a maneria de alguns Artigos que se acham no Projecto da Commissão; mas, pelas observações que fizeram os Dignos Pares, os Srs. Barreto Ferraz e Serpa Machado, confesso que recuei, por que me pareceu que sahia das attribuições que competem á Camara: duei todavia que as condições apresentadas pela Commissão me parecem muito judiciosas, e mesmo vitaes para a permanencia desta Camara.

Eu poderia desde já responder a algumas das observações feitas pelo Sr. Visconde de Laborim, mas não é agora a occasião S.Exa. parece-me que sahiu um pouco da materia que estava em discussão, entrando na apreciação dos Projectos: creio que a Camara não quererá que neste momento se tracte do assumpto; mas eu poderia provar a S. Exa. que me parece laborar em um erro a respeito do Artigo da Carta. S. Exa. tomou por conjuncção, aquillo que (se eu quizer) posso tomar por disjuncção, e nenhum de nós assenta que se affastasse das regias grammaticaes nem do preceito da Carta; para comprovar esta asserção, poderia eu citar muitos exemplos dos nossos clássicos. - S. Exa. atacou os meus Projectos pela distincção que eu queria se fizesse entre os Pares. Sr. Presidente, eu considero iguaes todos os que se assentam nesta Camara: o motivo por que no Artigo 1.° de um dos meus Projectos indiquei os creados em 30 de Abril de 1826 como Pares hereditarios, foi pelo mesmo Decreto que S. Exa. citou para piovar o contrario. A minha idea reduzia-se a que os Pares actualmente todos eram vitalicios, mas que o Imperante tinha dueito a declarar hereditarios aquelles que quizesse; entretanto vi que existia esse Decreto pelo qual os Pares então creados fóram declarados hereditarios: agora os outros que se seguiram (no numero dos quaes eu entro) não devemos considerar-nos com o mesmo direito: ao menos eu, se tivesse um filho, decerto que o não considerava com direito a herdar a minha qualidade de Par, por que nem na Carta, nem em Lei alguma vejo a declaração que para isso julgo necessaria. Este foi o motivo unico que me obrigou a incluir no Piojecto essa disposição, que em tempo competente, se a questão vier á Camara, eu sustentarei.

Parece-me não dever dar agora mais explicações a este respeito, e reservo-me para o fazer depois, se o tiver por conveniente.

O Sr. VISCONDE DE LABORIM: - Permitta-me S. Exa. que eu lhe faça uma reflexão. - S. Exa. fez-me uma injustiça em duer que eu sahi fóra da questão; e eu faço-lhe toda a justiça em dizer que sahiu fóra della: eu não sahi fóra da materia, por que o principio que combati acha-se consignado no Projecto; e o mesmo principio tem S. Exa. no seu, quando diz: (leu.) Por tanto consinta S. Exa.de que lhe repita que eu não sahi da materia, e que S. Exa. e que sahiu, pois fallou em objectos que não vinham a proposito.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - V. Exa. faz favor de mandar lei a Proposta que está em discussão?(Foi satisfeito, e perguntou)Não ha duvida que o Digno Pai Barreto Ferraz, nas conferencias que teve com os outros Membros da Commissão, apresentou escrupulos e duvidas sobre varios pontos do Projecto aqui proposto ultimamente, e as principaes veisavam sobre o receio que e se tinha de que as disposições relativas aos Pares vitalicios, que se acham no Projecto da Commissão, fossem atté certo ponto invasivas da prorogaliva Real, ou da natureza daquellas que segundo a Carta devem ter a sua iniciativa na outra Camara. A maiorii da Commissão não foi desta opinião, e redigiu o Projecto, de que esta Camara já tem conhecimento, assignado tambem pelo Sr. Barreto Ferraz com declarações. Entretanto, se S. Exa. me da licença, direi que divergindo elle num ponto tão capital do Parecer da maioria da Commissão, parece que teria sido mais proveitoso para o andamento deste negocio, e atrever-me-hei a dizer que mesmo mais coherente, apresentar um Parecer separado, ou não assignar aquelle.. . (O Sr. Barreto Ferraz:-Peço a palavra.) Isto não é uma arguição: digo que talvez nesse caso se tivesse evitado alguma parte da confusão já agora inseparavel da questão.

A Proposta do Sr. Barreto Ferraz e para que o Projecto volte á Commissão, para ahi se fazer uma separação do que é relativo a hereditariedade do pariato, de modo que pieencha o voto desta Camara. Eu, como Membro da Commissão, direi que nesse caso peço á Camara que me escuse de tomar parte nos trabalhos della, por que não poderei deixar de considerar esta sua decisão como uma increpação á Commissão, de que ella excedeu os limites do seu poder. Mas eu não o considero assim. É certo que em consequencia das decisões que aqui houve na Sessão passada, a alguns filhos de Pares foi negada a admissão nesta Caza, e que outros tormaram assento nella como successores que erarn de Pares falecidos: estes factos, até certo ponto contradictorios uns com os outros, demonstravam a necessidade de se sahir, e de uma vez para sempre, dos escrupulos que poderiam ficar subsistindo sobre a organisação desta Camara, afim de a tornar mais solida, e menos subjeita a eventualidades. Por tanto foi no interesse da Camara dos Pares que eu pensei assim. Póde ser que me enganasse, nem pretendo dizer que a minha opinião seja infallivel; no entretanto pareceu-me que, sendo os desejos da totalidade dos Membros da Camara o manter illesa. a Carta Constitucional, e o decoro da mesrna Camara, como parte integrante do edificio da Carta, (Apoiados.) esse desejo ficaria satisfeito encarando sem receio, directamente, e abertamente esta questão.

Disseram alguns Senhores que me precederam - que nós nos arrogavamos por este modo o direito de interpietar a Carta: não creio que nos arrogássemos mais este direito pela decisão que resultaria agora da approvação do Projecto, do que o arrogamos recebendo nesta Camara os succossoies de alguns Pares falecidos; (Apoiados.) recepção que teve logar com o meu assentimento e voto, mas que implica o reconhecimento da Camara ao principio de que os Pares até agora nomeados são hereditarios, (Apoiados.) por que, a não sei assim, de certo que não poderiam aqui tomar assento: todavia esse mesmo conhecimento recebeu uma especie de ferida com o voto da Camara, na Sessão passada, em quanto excluiu desta Caza a alguns filhos de Pares falecidos; verdade é que se achavam em diversas circumstancias, entretanto foi uma interpretação, forçada por ellas, mas que a Camara se abalançou a fa-

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zer. Agora pergunto eu, se a Camara tomará sobre si uma decisão mais arriscada reconhecendo que o Artigo da Carta concede ao Soberano o direito de crear Pares hereditarios, e vitalicios, do que tomou declarando que considerava como hereditarios os primeiros Pates que tinham sido nomeados? Eu creio que não, posto que não repute esta minha opinião como incontestavel. Pedirei licença para accrescentar que me parece haver nisto alguma contradicçao; e tambem lembrarei que, em couzas politicas, ás vezes e preferivel arriscar um pouco a encerrar-se nos limites de uma prudencia timida.

Em quanto ao outro argumento que se fez, da limitação da prorogativa da Corôa, declaro que não posso annuir a elle, por que não julgo essa prorogativa limitada pelas condições que se exigem neste projecto relativamente aos Pares vitalicios; e não julgo assim, por que ella fica sempre intacta e plena para a nomeação dos Pares hereditarios, e em segundo logar, por que o prescrever certas condições para o exercicio de uma certa faculdade, não e limitar mais a prorogativa Real, do que já a limitam as Leis que exigem diversas condições para a nomeação de varios empregos: eu me explico. O Soberano, pela Carta, tem o direito de nomear os Empregados Publicos; entretanto não póde nomear para lente um homem que não seja formado na Universidade, assim como não póde nomear para postos militares individuos que não tenham exercido os postos immediatamente inferiores. Logo, como é que se diz que fica prejudicada a prorogativa Real só por que os Pares vitalicios devam ser tirados de certas classes e cathegorias Dir-se-ha que desse modo fica o Rei inhibido de nomear Par a quem mais lhe agrade. Respondo que não, por que a esse individuo póde nomealo Par hereditario; ainda vou mais longe: é indispensavel, mesmo em relação a estes, que haja certas condições, aliás incorre-se no absurdo, e o absurdo e a morte das instituições. Por ventura póde consentir-se que um mendigo (por exemplo) venha ser Membro do Corpo Legislativo? Seria aqui admissivel um homem que pelas suas circumstancias se visse obrigado, sahindo desta Caza, a ir por essas das agenciar a sua subsistencia diaria? Creio que nimguem o affirmará. (Apoiados.) - Por tanto o direilo do Rei fica sempre illeso, e só é restricto o modo de o exercer. Alguns querem mais: o Digno Par que redigiu um Projecto sobre este assumpto (Projecto que a Com missão teve em muita consideração) intende que são necessarias, mesmo para os Pares hereditarios, certas habilitações, certas qualificações moraes, e não sómente as pecuniarias. É questão em que não entro agora, mas toquei este ponto para mostrar quanto póde julgar-se indispensavel o exigir algumas condições, e quanto e falso que por esse modo se limitem as prorogativas da Coroa; não penso eu assim, e antes pelo contraiio intendo que então e que ellas se tornam possiveis, (Apoiados.) por que dada uma tão grande latitude, corre-se o risco de que, em qualquer epocha futura, ellas venham a inutilizar-se: pelo menos esta e a minha opinião.

Em quanto á questão constitucional, direi que no Artigo 140.º da Carta se lê o seguinte: (leu.) Aqui não se tracta senão da fórma pela qual se devem reformar os Artigos da Carta, quando isso seja necessario, pois tambem vejo no 144.º o seguinte:(leu.) Ora no objecto que se discute não se limitam os Poderes Politicos, e por consequencia não creio que este Projecto seja daquelles que devem ter a iniciativa na outra Camara; e não posso por tanto, nem por estas razões, nem pela minha situação de Membro da Commissão, votar pela Proposta do Digno Par, mas concordarei, se parecer mais util, que esta questão fique addiada, afim de que se combine mais de espaço, e de accôrdo mesmo com o Governo, mas sem lhe pôr condições de que possa resultar que o Piojecto volte a esta Camara sizado ou desfigurado.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Sr. Presidente, eu não pedi a palavra sobre esta questão, por que, ou o addiamento se decida em virtude da Proposta do Sr. Barreto Ferraz, ou pelo modo que lembrou o Sr. Duque de Palmella, vem a ser o mesmo, pois o resultado será igual. Entretanto, como Membro da Commissão, pedi a palavra, visto ter assignado o Parecer da Commissão com declaração.- Não entrarei agora no desenvolvimento dos motivos que tive para isso: só direi que em uma das conferencias que tiveram os Membros da Commissão, observando-se a divergencia que havia a respeito de alguns pontos, e lembrando-se a necessidade de apresentar diversos Pareceres, se assentou (eu ao menos assim o intendi) que era melhor apresentar um só Parecer para sorvir de base á discussão, e que cada um submetteria as suas ideas, na parte em que não concordava com os outros, á approvação da Camara. O Sr. Conde de Lavradio foi convidado a vir á Commissão um dia; mas eu nessa occasião não pude comparecer, e foi então que se concordou na apresentação deste Projecto sobre certos Artigos do qual tenho algumas duvidas, por isso o assignei com declaração: não entrarei na explicação dos Artigos, por que para isso seria necessario entrar na materia, e só direi que concordo com o addiamento.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS DO REINO: - Sr. Presidente, não entrarei muito na questão que occupa actualmente a Camara, por que pedi a palavra especialmente para confirmar a declaração que fez um Digno Par, por occasião da discussão deste Projecto, de que elle havia sido mostrado a alguem do Governo, que tinha combinado na sua doutrina. Eu fui um dos Membros do Governo a quem o Projecto effectivamente foi mostrado, e declarei logo que convinha na sua generalidade, entretanto, accrescentei, que alguma couza continha que me parecia em contravenção da Carla Constitucional, mas que na discussão se poderia averiguar esta materia, aliás de summa importancia, por quanto ella e tendente a reformar alguns Artigos da Carta, e a regular a organização desta Camara. Intendo que qualquer dos meios apresentados, ou seja o da Proposta em discussão, ou o que suggeriu o Sr. Duque de Palmella, ambos preencherão o mesmo fim, por que ambos tendem a esclarecer mais a questão; e se a Camara quizesse ter com o Governo a deferencia de que os Ministros fossem ouvidos na Commissão ácerca deste objecto, elles o estimariam muito, por que alu desejavam discutir alguns pontos, pois francamente declaro que, pela minha parte, não estou agora prevenido para entrar nesta discussão, por isso que não recebi communicação alguma, (segundo a pratica constante desta Camara) de que se ia tractar de tal Projecto, e por tanto mal poderia

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entrar neste debate, ao menos com bastante conhecimenlo de causa. Por tanto, repito, que me parecia conveniente que a Camara adoptasse uma ou outra Proposta, afim de que a Commissão, de accôrdo com o Governo, houvesse de reconsiderar esta importante materia; o Ministerio ficaria muito satisfeito, agradecido mesmo, se se tomasse esta decisão, mostrando assim que o seu maior desejo e o de tomar parte na discussão das materias de um modo conducente a conseguir a resolução mais adequada aos interesses publicos.

O Sr. SILVA CARVALHO: - Pedi a palavra para dizer que estou de accòrdo com o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que teve a bondade de declarar que se lhe mostrou o Projecto de que se tracta. Eu julguei que S. Exa. estivesse habilitado para entrar já na questão, mas vejo que occurreram couzas que obstaram a isso; entretanto desejo que o Projecto se addie, e que os Sis. Ministros sejam convidados á Commissão, e depois se a aclara na Camara novamente este negocio.

O Sr. BARRETO FERRAZ:- Eu comecei por dizer, no principio dessa discussão, que julgava de inteiesse, e conveniente a presença dos Srs. Ministros quando se tractasse deste objecto; por tanto, á vista do que o Sr. Ministro do Reino acaba de expor, mais me convenço de sei necessaiio ouvir o Ministerio, afim de se entrar com pleno conhecimento de causa nesta materia; e não tenho duvida em modificar a minha Proposta, reduzindo-a aos termos indicados pelo Sr. Duque de Palmella, para que o negocio volte á Commissão, afim de que esta, de accòrdo com o Ministerio, de uma nova forma ao Projecto. (Apoiados.) Nesta intelligencia redigi, e vou mandar para a Mesa a seguinte

Proposta.

Modificando a minha primeira Proposta, proponho, que o Projecto volte á Commissão para ser novamente considerado, sendo convidados os Membros do Ministerio para tomar conhecimento deste negocio. - A Barreto Ferraz.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu não me opponho ao addiamento, mas quererei que elle não seja sinc die, e que se marque hoje mesmo o prazo em que este negocio ha de tornar á discussão, por que a materia é muito importante: eu expliquei-me mal quando ainda agora disse que ella era urgente, pois devia ser urgentissima. A todo o momento te póde aconselhar ao Chefe do Estado que use do direito de crear os Pares que bem lhe agrade; portanto e necessario, quanto antes, regular o uso desta prorogaliva. Pedia pois á Camara quizesse hoje mesmo, marcar o dia em que a materia se deve tornar a tractar. Esta Lei urge, para que, sem demora, se ponha uma barreira a estes desejos do Ministerio, por isso que me disseram, (já depois de estar sentado neste logar) que havia tenção de aconselhar a Soberana a que fizesse nomeações afim de encher esta Caza com os novos Pares, creados ao bel-prazer, para que o Ministerio possa pagar os serviços que alguns individuos lhe tem feito, e os votos que lhe tem dado na outra Camara! - Por todos estes motivos, peço a maior urgencia para a discussão deste objecto.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Pedi a palavra para dizer que concordo com a opinião do Digno Par, o Sr. Barreto Ferraz, que o Projecto volte á Commissão afim de ser reconsiderado em quanto á parte legulamentar, para se discutir depois.

Seja-me permittido, por esta occasião, dizer qual o modo que eu julgaria mais acertado adoptar para a oiganização desta Camara. - Obediente á Lei fundamental que nos rege, como o tenho sido ás outras Constituições que temos tido, não me privarei por isso do direito de expor as minhas ideas francamente sobre as disposições desta mesma Lei.

É minha opinião que a constituição desta Camara não está de accòrdo com o estado premente da civilisação: esta tende a dar a supremacia á intelligencia e á moralidade; mas nenhum dos Dignos Pares, actuaes Membins desta Camara, póde assegurar que os seus succesores ao pariato hão de ser dotados dessas duas qualidades. Se nós, respeitando a Lei fundamental do Estado, podessemos obter que esta Camara fosse composta de individuos que tivessem taes qualidades, teriamos conseguido uma grande couza. Eu estou peiruadido que isso póde fazer-se mantendo a prorogativa Real da nomeação de Pares sem numero fixo, e o Artigo da Carta Constitucional que deteimina que os Pares sejam hereditarios e vitalicios. Darei um exemplo, que mostrará como isto se póde conseguir. - Na Gram-Bretanha, a Camara dos Lords compôem-se de tres qualidades de Pares; tem os Pares antigos de Inglaterra, que fòram chamados Pares da Gram-Bretanha depois da união em um só dos dous Parlamentos delnglateira e de Escocia, assim como os outros nomeados pela Corôa depois desta união; estes são hereditarios: tem dezesseis Pares de Escocia, que, pelo acto da reunião dos dous Parlamentos, são eleitos, para funccionarem em cada legislatura, pelos Pares Escocezes descendentes dos que havia no acto da união, e que por este ficaram com o direito a fazer tal eleição, alem de conservarem todos os privilegios de Pares; e tem vinte e quatro Pares da Irlanda, os quaes, pelo acto da união do Parlamento da Irlanda com o da Gram-Bretanha, são eleitos pelos herdeiros dos antigos Pares de Irlanda; as funcções destes são vitalicias. Deste modo ha no Parlamento Britannico tres qualidades de Pares-Pares hereditarios, Pares vitalicios, e Pares temporarios. - Seria possivel combinar estas circunstancias: a Corôa teria o direito de nomear Pares quantos individuos lhe aprouvesse, os Pares nomeados elegeriam entre si ou Pares vitalicios, ou Pares para funccionarem durante uma Legislatura: os Pares que não tivessem exercicio nesta Caza conservariam todos os privilegios do pariato. - Aqui está um modo já praticado, até certo ponto, em outro paiz, e que poderia ser adoptado com vantagem entre nós.

Quanto á Proposta em discussão, concordo, como disse, com a idea do Sr. Barreto Ferraz para que este Projecto volte novamente á Commissão.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS DO REINO:-Sr. Presidente, pareceu-rne quando entrei nesta Sala, pelo que se passava na discussão, que todos estavam de accòrdo em que o Projecto devia ser addiado; e que havia só differença no modo não me podia pois persuadir que duas palavras, que eu havia proferido no mesmo sentido, dessem logo fundamento a um Digno Par para me fazer uma gravissima censura,

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e apresentar suspeitas contra o que eu acabava de dizer.-Eu não pedi que esta questão fosse addiada indefinidamente, ao contrario,signifiquei a conveniencia de se tractar quanto antes; (O Sr. Duque de Palmella:- Apoiado.) na occasião em que fallei, disse eu que julgava a materia muito importante, visto que era tendente a reformar alguns dos Artigos da Carta, e accrescentei que, se se quizesse ouvir o Governo, elle ficaria muito agradecido a Camara. Ora destas palavras não poderá deduzir-se que eu não quero que se tracte da questão, nem eu podia ter o pensamento de que ella fosse addiada indefinidamente: creio que a Camara toda me ouviu, (.Apoiados.) e tal consequencia não podia tirar-se com o fundamento que apiesentou o Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio, que não e senão o resultado da sua desconfiança continuada contra o Governo.

Não sei até que ponto as informações dadas ao Digno Par são dignas de credito, mas, se S. Exa. acredita a declaiacão de um Membro do Governo feita nesta Camara, e na presença da Nação, direi que essa informações são inexactas, por que o Governo não pensa, nem tem dado uma só palavra sobre nomeação de novos Pares.-Quanto a attribuir-se ao Governo que elle pretende pagar votos e serviços por meio de pariatos, não sei se isto póde julgar-se injurioso só aos Ministros, ou se mesmo ás pessoas em quem recahissem essas nomeações; mas, de qualquer modo, e muito suspeitar! Sr. Presidente, a idea geral e que todos os Governos obram tendo em vista os interesses do paiz; ao menos é a que eu formo delles, e a que me parece merecer aquelle de que faço parte: por isso intendo que as nomeações que se fizeram para esta Camara não tem sido em paga de sei viços pessoae? feitos aos Ministros, mas sim á Nação. (Apoiados.) Este e o pensamento que me tem conduzido, nem outro terei quando tiver a honra de apresentar quaesquer nomes á benevolencia da Soberana, ainda que, por agora (permitta-me a Camara repitir) não ha tal idea.

Pelo que respeita a questão, digo outra vez que estou de accòrdo com os Dignos Pares; mas não esperava que as duas palavras por mim ditas sobre este assumpto podessem dar motivo ágravissima censura que me foi dirigida, de certo muito inopportunamente.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Sr. Presidente, eu pedi a palavra quando o meu amigo, o Sr. Conde de Lavradio, requereu que se fixasse o addiamento para um dia deteiminado, por que, concordando en que se tracte deste negocio com brevidade, não julgava possivel nem proprio que se marcasse um dia. Pedir-lhe-ia por tanto que retirasse essa parte da sua proposta, por que seria difficil fixar o dia para a Commissão dar o seu Parecer sobre este objecto. Espero que tenha essa referencia para com os Membros da Commissão. Não deve duvidar de que elles tenham desejo de apresentar esse Parecer com brevidade.

Depois dt1 ter pedido a palavra, ouvi o Sr. Visconde de Sá citar o que acontece em Inglaterra, e trazer o exemplo da actual formação da Camara dos Lords para o nosso caso. Parece-me que elle não prova nada para o fim que pretende, antes prova o contario (seja-me licito entrar a este respeito em algumas explicações para que se não forme uma idea inexacta). Disse o Digno Par que ha na Camara dos Lords Pares nomeados pelo Rei, e Pares electivos de Irlanda e de Escocia. Assim é. Mas eu não admitto que deste facto se possa deduzir a consequencia que quer tirar o Digno Par. A Inglaterra, Escocia, e Irlanda formavam tres Reinos distinctos; havia um Parlamento em cada um delles: pela reunião successiva de cada um destes Reinos ao de Inglaterra se estabeleceu, por actos do Parlamento, o modo pelo qual os Pares dos dons Reinos seriam representados no Parlamento em Inglaterra, que vinha a ser o unico Parlamento da Gram-Bretanha e Irlanda, e todos os que antes da união com a Escocia eram Pares de Inglaterra ficaram sendo Pares da Gram-Bretanha. Depois daquella reunião todos os individuos elevados ao pariato são nomeados Pares da Gram-Bretanha, e tem assento no Parlamento, e todos os Pares da Gram-Bretanha são hereditarios, tendo assento durante as suas vidas os vinte e oito Pares de Irlanda, eleitos pelos Pares de Irlanda, e só durante o tempo da legislatura, os dezesseis Pares Escocezes, eleitos pelos Pares Escoceses, no principio de cada Parlamento novo. - E por tanto em virtude da reunião destes dons Reinos ao de Inglatena que existe esta differença. Mas os Fieis de Inglaterra tem d ido assento na Camara dos Lords a muitos Pares Irlandezes e Escocezes nomeando-os Pares da Gram-Bretanha, e assim ficam sendo Pares hereditarios, por que estes, como disse, sempre o são.

Em quanto ás idéas que emittiu o Digno Par sobre a organização desta Camara, faltando no estado presente da civilisação, sinto muito não as partilhar, direi antes, estimo muito não as partilhar; por que, admittindo que se podem nomear Pares vitahciob, considero que e uma essencia da Carla que esta Camara seja hereditaria, eque conserve esse caracter sempre. Se se pretende alterar esse principio, póde-se dar á Carla o nome que se quizer, mas não será já a Carta. - Esta e a minha intima convicção. Ainda que eu deseje que o progresso das sciencias e das artes se mostre tambem em Portugal, e que nos adiantemos a par das outras Nações em illustracão, terei sempre mais confiança no Chefe do Poder Executivo, em quanto ás nomeações que fizer para preencher esta Camara, do que na sua formação feita por qualquer modo que o Digno Par tenha na sua mente, mas que não desenvolveu; por que esse modo, qualquer que elle seja, só se póde realizar pela destruição da Carta, e o estado presente da civilização, que tem servido de pretexto em muitos tempos, e em muitas occasiões para tantos abusos e desordens, antes prova hoje que devemos resistir a qualquer inovação tendente a derribar a Carta Constitucional.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Sr. Presidente, por mais que se faca e se diga, e por mais que falleiu em Carta e ein espirito da Carta, não ha nada no mundo que seja capaz de fazer madar a ordem das couzas; por que tudo tem o seu tempo, e contra a marcha, e poder desse tempo sobre as couzas, não ha Carta que resista. Sr. Presidente, toda a vida houve certos concelhos privilegiados que tiveram uma parte principal nos negocios publicos: antigamente havia os Campos de Marte, e eram os mais fortes quem só tinha entrada nelles; depois vieram os Concilii Regis, os Proceres Regni; mais tarde os Reis, que já tinham arregimentado gente, que era
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166 DIARIO DA CAMARA

onde estava conservada a força do Estado, e d'ahi se formaram os primeiros administradores: mudaram os tempos, ea aristocracia foi quem alcançou a submissão, e tinha o poder; eram os unicos que formavam os conselhos governativos: finalmente chegou o reinado da intelligencia, que vem a ser, as luzes, por que tiveram uma grande influencia, como hoje ainda tem, na confecção das Leis, e nella é que verdadeiramente residia o poder...(Havia grande sussurro na Sala.) Assim hào posso fallar.- Pois Senhores, então declaro que não creio nesta Lei, nem em qualquer outra que se tracte de fazer, por que não póde haver organisação em Portugal em quanto estiver nas circumstancias em que hoje está. (Apoiados.)

O SR. CONDE DR LAVRADIO: - Estimo ter provocado a explicação do Sr. Ministro dos Negocios do Reino, e, á vista do que elle declarou, eu peço aos Srs. Secretarios que lancem na Acta da Sessão de hoje- que S. Exa. fez a declaração - de que não estava proxima uma nova creação de Pares. - Esta declaração é muito importante; é a primeira vez que agradeço a S. Exa, mas agradeço-lha muito, (Riso.) e mesmo em prova do meu reconhecimento é que peço que ella seja lançada na Acta.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS DO REINO: - Sr. Presidente, permitia-me V. Exa. dizer duas palavras, por que é necessario que nestes negocios fiquem as rectificações feitas nos devidos termos. - Eu disse que não se tractava de fazer novas nomeações de Pares, mas com isto não só,intenda que ellas absolutamente se não farão, pois que, se S. Magestade quizer nomear alguns, elles hão de ser effectivamente nomeados. (Apoiados.) O que neguei foi o facto apresentado de um modo tão afirmativo pelo Digno Par, quero dizer, que houvesse intenções de fazer uma nova jornada de Pares para pagar votos ou serviços prestados aos Ministros (e esta declaração é que eu peço tambem se lance na Acta); mas, repito, não se intenda que o Ministerio se de por inhibido de propor, e S. Magestade de nomear novos Membros para esta Camara. (Apoiados.)

(Havia grande sussurro.)

O Sr. CONDE DA TAIPA:-Eu peço a V. Exa. que levante a Sessão, por que a Camara está em tal confusão que já não se póde tractar de nada.

(Depois de uma breve pausa, restabelece-se o silencio.)

O Sr. VICE-PRESIDENTE: - Vou consultar a Camara, para saber se permitte que o Sr. Barreto Ferraz retire a sua primeira Proposta, e depois porei i

á votação a segunda pela qual modificou aquella. (Apoiados.}

Tomados votos, consentiu-se em que fosse retirada, a Proposta primitiva do,Sr. Barreto Ferraz, e approvou se a segunda.

Obtendo então licença para dar uma explicação, disse

O SR. BARRETO FERRAZ: - Eu pedi à palavra quando fallava o Sr. Duque de Palmella, que de alguma sorte me censurou, por que sendo eu Membro da Commissão, e tendo assignado o Purecer com declarações, seria melhor (disse S.Exa.) que, em logar de vir aqui combater o mesmo Parecer, apresentasse um Projecto separado: eu peço ao nobre Duque que se lembre do que eu disse quando concurri na Commissão, aonde francamente declarei que não podia convir naquelle Projecto, e que estava prompto, disposto mesmo, a apresentar um Parecer especial; mas, em consequencia do desejo do Digno Par para que viesse com brevidade o Parecer da Commissão, disse que me limitaria só a fazer declarações" com a reserva de pedir a palavra quando se entrasse na discussão, e expor na Camara as minhas razoes, - Por consequencia parece-me que devo ser absolvido da censurra que S. Exa. me fez, e que procedi neste caso com a lealdade que costumo.

O Sá. DUQUE DE PALMELLA: - Sr. Presidente, darei tambem uma explicação. - Eu não pretendi fazer censsurra ao meu nobre Collega e amigo, o Sr. Barreio Ferraz, só apresentei como opinião minha que, divergindo elle do Parecer da Commissão, seria na mais conveniente que desse um voto em separado do que vir a esta Camara, no primeiro dia em que o mesmo Parecer entrava em discussão, pedir que e se voltasse a ella: intendi que nisto havia um perdimento de tempo, e que nos termos em que estava lançada, a sua indicação, em certo modo, havia tambem uma increpação á Commissão; mas não pretendi, como disse e repito, censurar o Digno Par em razão deste seu procedimento.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Quanto a isso, estou de accòrdo; quanto ao mais, não. (Rumor.)

O SR VICE-PRESIDENTE: - A Ordem do dia para ámanhan e o Parecer da Commissão de Legislação sobre 5 processo do Sr. Marquez de Niza, (Apoiados-) e as leituras que occurrerem. - Está fechada a Sessão.

Eram quatro horas e um quarto.

N.° 20. Sessão de 4 de Fevereiro.

(PRESIDIU SR. DUQUE DE PALMELLA - E ULTIMAMENTE o SR. CONDE DE VILLA REAL.)

Foi abeita a Sessão pelas duas horas da tarde; estiveram presentes 34 Dignos Pares - os Srs. Duque de Palmella, Marquezes de Abrantes, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Niza, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes do Bom fim, da Cunha, do Fariobo, de Lavradio, de Lumiares, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, da Taipa, e de Villa Real, Viscondes de Fonte Alçada, da Graciosa, de Laborim, de Oliveiia, de Sá da Bandeira, e da Serra do Pillar, Barreto Ferraz, Miranda, Ribafria, Margiochi, Giraldes, Cotta Falcão, Silva Carvalho, Serpa Machado, Polycarpo José Machado, e Trigueiros.

Leu-se a Acta da Sessão antecedente, e ficou approvada.

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