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100 DIARIO DA GAMABA DOS DIGNOS PARES DO REINO

a opposição parlamentar resolveu não crear embaraços ao governo com discussões, surprehende-me que ainda não se tenha tratado até hoje d’esta proposta estando já a sessão ordinaria muito adiantada.

Não havendo a prorogacão deduz-se que o governo não tem o verdadeiro empenho na discussão de simihante proposta, é desta conclusão que eu não me queria convencer, pois sendo o governo composto de homens intelligentes, que devem ter as idéas fixas sobre o systema governativo, e sobre a opportunidade de apresentar ao parlamento as propostas convenientes para o paiz, quando a opinião publica as reclama; não queria, sr. presidente, persuadir-me que o governo andou de leve e menos pensadamente promettendo o que não póde cumprir.

Portanto se o sr. ministro da justiça não está habilitado para responder á minha pergunta, eu peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando o sr. presidente do conselho estiver presente.

O sr. Ministro da Justiça: — Observando que talvez á hora que fallava se estivesse apresentando, ou a ponto de apresentar-se o parecer da commissão da camara electiva, mostrou quanta era a diligencia que o governo provava no andamento d’este negocio.

O sr. Vaz Preto: — Ouvi ainda o sr. ministro da justiça, e sinto que as suas declarações não sejam bem claras e explicitas, pois s. exa. deve estar lembrado de que o sr. presidente do conselho declarou, em nome do governo, que, logo que o parlamento se reunisse, se havia de tratar deste assumpto e das fallencias. Até agora ainda se não tratou nem de um nem de outro.

Ora, como eu confio nas promessas do governo, e o sr. presidente do conselho disse que não se podendo o anno passado discutir o projecto dos caminhos de ferro, elle se compromettia a discuti-lo na proxima sessão, por ser um objecto da maior importancia, eis a rasão por que faço hoje estas perguntas, e por que tenho insistido por uma resposta clara de s. exa.; e como s. exa. não póde resolver as minhas duvidas a este respeito, eu esperarei pelo sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia.

O sr. Marquez de Vallada:—Peço a palavra antes .da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Tem v. exa. a palavra.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, um incidente occorrido na sessão de hontem determinou-me a tomar uma resolução sobre o assumpto, a respeito do qual ha muito meditava. Refiro-me á abolição do juramento politico, e á reforma da camara dos pares. A abolição do juramento politico não é em mim uma idéa nova, é pelo contrario muito antiga. Já ha dezoito annos que n’esta casa do parlamento levantei a voz quando se tratava de impedir o ingresso na universidade a um cavalheiro que militava no partido que se denomina legitimista; fallo no sr. Gomes de Abreu, a cuja probidade e elevação de caracter todos prestam devido testemunho. Este cavalheiro, habilitado para entrar na universidade, recusou-se a prestar juramento. N’essa occasião subi á tribuna, e occupei-me largamente do assumpto. Creio que alguns dignos pares, que se sentam n’esta casa, se recordarão das palavras que então proferi, das idéas que enunciei e dos sentimentos que manifestei.

O incidente occorrido, a que me referi, foi o requerimento mandado para a mesa, por parte de um membro d’esta camara, no qual o filho de um collega que foi nosso, e cuja memoria muito respeito, pede para tomar assento nesta camara. Nesta questão eu não trato de pessoas, trato unicamente de principios, e é na altura delles que hei de occupar-me d’este negocio, que me parece de grande importancia. Não é pela pessoa do requerente, o filho do sr. conde de Seisal, que desejo levantar a questão. O sr. conde de Seisal foi um cavalheiro muito respeitado, e todos reconhecem os serviços que prestou ao throno constitucional da Senhora D. Maria II, occupado hoje pelo Senhor D. Luiz I; mas como elle não pertenceu á religião catholica, e é n’esse ponto que me hei de basear para sustentar a conveniencia da abolição do juramento politico, por isso é que o requerimento do filho do sr. conde de Seisal me levou hoje a pedir a palavra, a fim de requerer a apresentação de um documento que me faculte esclarecimentos precisos, para tratar a questão principal de que tenho que occupar-me. Esse documento é a certidão de baptismo do sr. conde de Seisal na religião lutherana, á qual me parece que s, exa. pertenceu, ou de outro acto de baptismo, se porventura houve mudança de religião.

Se o juramento é uma cousa santa, respeite-mo-la come tal; se não vale nada, fique abolido. Se no nosso systema todos são iguaes perante a lei, seja ella igual para todos e não haja privilegio.

Eu tenho-me sempre opposto aos privilegios, não os quero para ninguem; os privilegios acabaram com o absolutismo, e eu não o desejo, e espero que não tornará a imperar entre nós. Eu pelo menos hei de empregar todos os meus esforços para o combater todas as vezes que elle se queira erguer. Eu tomo gostoso a defeza franca e desassombrada dos principios que fundam e ficam, e nunca dos caprichos mesquinhos que desapparecem e passam.

Quando aqui se tratou da questão dos pares, filhos d’aquelles que pediram por um requerimento, feito por parte da nobreza, ao Senhor D. Miguel para que se declarasse rei, por essa occasião apresentou o sr. marquez de Rezende, cavalheiro respeitabilissimo e muito intimo e digno da confiança do Imperador D. Pedro IV, um parecer de mr. Hyden de Neuville, que foi consultado pelo Imperador relativamente á impossibilidade da entrada na camara dos filhos d’aquelles que tomaram parte naquella resolução; essa parecer tratava essa questão no campo dos principios.

Trate-se, portanto, esta igualmente no campo dos principios, pois é só n’elle que devem ser tratadas questões d’esta ordem.

A Inglaterra, paiz classico que nos póde dar lições de principios parlamentares; a Inglaterra, que está comtudo em circumstancias diversas das nossas, porque tem uma camara hereditaria, que representa verdadeiramente a aristocracia e a propriedade (e lá não é a aristocracia uma palavra vã); a Inglaterra, repito, depois da guerra da Russia, como é sabido, quando todos se occupavam só das questões de paz ou da guerra, aproveitou o ministerio habilmente aquelle ensejo para estabelecer uma reforma na camara dos pares para que fossem admittidos pares vitalicioa. Tratava-se de um cavalheiro, sir James Parke, que pertencia á alta magistratura, classe esta que o governo julgava não estar devidamente representada na camara dos lords. A camara, porém, não o admittiu, e o par nomeada não póde entrar.

A maioria não abusou d’esta sua victoria. Agitou-se igualmente no parlamento britannico uma questão importantissima, que eu acompanhei, e de que me recordo perfeitamente, a qual tinha por fim a reforma dos abusos de jurisdicção da camara; e apesar das circumstancias da Inglaterra serem muito diversas das nossas, julgaram opportuno, lord Lyndhurst e lord Derby propor que as bases d’esta reforma fossem submettidas a uma commissão composta de igual numero de pares governamentaes e de pares opposcionistas para examina-las e discuti-las. Portanto a Inglaterra, que, como disse, nos póde servir de exemplo, não se recusa a acceitar as reformas que julga necessarias.

Em Hespanha, quando Hartinez de la Rosa, em 1834, propoz o estatuto real, estabeleceu a camara alta, na qual entravam como elementos constitutivos d’ella a hereditariedade, a nomeação vitalicia e directa dos funccionarios que representavam a tradição historica, bem como de todos os altos dignitarios da hierarchia judicial, administrativa e militar.