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104 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ridade; e repito deploravel, porque a exaltação dos partidos e das idéas tinha dado um corpo áquella questão, que na realidade não comportava, e havia chegado a fazer-se acreditar a muitos de boa fé que a liberdade perigava de naufragar nas largas toucas d’aquellas pobres mulheres. O ministerio apresentou então um projecto radical, que não foi convertido em lei do estado. Não foi isso que decidiu a questão, ella foi decidida por outra maneira, que não preciso agora explicar.

Eu e os meus amigos politicos com quem estava então ligado, combatemos esse projecto, e declaro que nunca pratiquei um acto politico com mais força de consciencia. Não foi por opposição politica que combati o projecto, foi por convicção mais profunda.

Muitas vezes todos, e de mim tambem o digo sem vergonha, os homens politicos nas lutas da actualidade e na concorrencia do poder, sacrificam um pouco das suas idéas ás conveniencias de partido e situação.

Repito, porém, que então foi outro o caso, e nunca pratiquei acto de mais pura consciencia, do que quando escrevi um documento parlamentar, que por ahi anda assignado por alguns dos actuaes ministros, no qual combatiamos a solução do governo em nome da liberdade.

Mas por outro lado, sr. presidente, porque é preciso ser justo com todos, cumpre reconhecer que o governo d’aquella epocha não tinha criado a questão. Ella tinha crescido e augmentado por culpa de todos, ministeriaes e opposição.

A imprensa absteve se longo tempo de collocar a questão no seu verdadeiro terreno, e em vez de a encarar com desassombro preferiu discutir — sã o culpado de virem cá as irmãs de caridade era o sr. Julio Gomes, ou mais alguem.

Assim foi passando como axioma que aquellas mulheres eram a cassandra tenebrosa que faria perecer a liberdade, se a liberdade não se esquecesse do que a si mesma devia para as collocar fóra da protecção da lei.

Quando o governo d’aquella epocha apresentou o projecto que combati, estava a opinião geral formada contra as irmãs de caridade. Era uma opinião desvairada, mas existia. Hoje não é assim.

N’esta questão dos clerigos de Bragança nem isso ha, não póde allegar-se a mesma desculpa. Não havia questão religiosa, nem conflicto; creou-o o sr. ministro da justiça por uma exageração ideologica, que pouco vale, e arrogou-se a pouco invejavel gloria de levantar essa pobre questão ás alturas de uma questão partidaria, de principios e de escola.

Nunca, repito, nunca procedi mais despreoccupadamente de considerações partidarias, nunca em politica pratiquei acto de mais convicta consciencia, do que quando escrevi o parecer que tenho aqui presente, e que está assignado pelo sr. presidente do conselho, o sr. Fontes, pelo sr. Antonio de Serpa Pimentel, e pelo sr. Antonio Alves Martins, como então se chamava o nobre prelado de Vizeu.

Peço licença á camara para ler algumas palavras d’esse documento, que hoje pertence á historia, e que formava então programma, programma que significava em resumo as nossas opiniões fundamentaes. Diz o parecer o seguinte:

«Allega o governo que convem extremar os campos e descriminar as posições. Mantemos a nossa posição e demarcamos o nosso campo — é o da verdadeira liberdade, sem offensa dos direitos de todos e dos direitos de cada um, liberdade ampla, sincera e forte, liberdade para todos, para os que pensam como nós, e para os que pensam de modo contrario ao nosso, para os crentes na efficacia da nossa doutrina, e para os que a desadoram, comtanto apenas que a não offendam. Repetimos com a carta lei igual para todos.»

Para não cansar a camara com citações, em demasia longas, lerei apenas a conclusão:

«Queremos o estado independente, a igreja respeitada, a familia reconhecida, liberdade com ordem, auctoridade com força, instrucção com abundancia, caridade sem estorvos, policia sem exageração, repressão sem tyrannia.

«Queremos a constituição dom estado interpretada sem sophisma e executada com lealdade.»

Eis-aqui o programma velho. Agora relendo estas palavras que escrevi ha treze annos, não pude deixar de sentir alguma cousa de triste dentro em mim, vendo que hoje os novos doutores da igreja politica, em que militei tanto tempo, vem renegar a tradição antiga, defender doutrina opposta e collocar a questão de extremar os partidos, liberal e reaccionario, em assumptos d’esta ordem.

Sr. presidente, nessa epocha tambem eu sustentei a liberdade dos cultos. Essa idéa não é de hoje, já a defendi na camara dos deputados como hoje a defendo aqui. Eu quero a liberdade dos cultos, ampla, clara e garantida, para todos; quero a liberdade dos cultos sinceramente entendida, e que cada culto seja tambem livre dentro de si mesmo, nem o artigo 6.° da carta diz outra cousa, nem se oppõe a isto. Eu sei que nas cadeiras do poder não se póde realisar tudo quanto se deseja. Mas se é verdade que no poder não se póde sempre realisar o ideal, tão pouco se devem os homens publicos limitar a seguir cegamente a rotina. Os governos teem obrigação de saber para onde vão, de mirar com segurança o fito onde se encaminha a sociedade. Ora, de certo o governo não marcha para a liberdade dos cultos, não se approxima d’ella quando entende, traduz e explica a prerogativa da corôa, exagerando as doutrinas do marquez de Pombal e de José de Seabra, e parodiando Bismark; já que fallei em Bismark direi ao meu nobre amigo o sr. Miguel Osorio, que com tanta benevolencia me tratou, que me permitia discordar completamente da s ia opinião a respeito da actual politica do chanceller allemão. Sei a reserva que convem guardar quando se falla da poliiica de outros paizes, das nações grandes e poderosas; mas sei tambem que todas as opiniões se podem exprimir sem perigo nem inconveniente, guardando as reservas precisas.

Não sou do mesmo parecer do digno par com relação ao que se está passando hoje na Allemanha. Não me parece que Bismark fosse forçado a adoptar a politica que adoptou provocado pelo procedimento do clero. Receio muito que o novo imperio allemão, levantado sobre as espadas e a força, que a unidade allemã, que aliás tem uma base solida, vá encontrar o seu escolho na questão religiosa, imprudentemente levantada, e que o grande collosso se vá quebrar n’esse antagonismo.

Muitas vezes os grandes homens desarrasoam. Bismark, que é incontestavelmente um grande homem, desarrasoou, como quasi todos os grandes homens quando tocara muito alto a méta das suas aspirações. O mesmo aconteceu a Napoleão no primeiro quarto do seculo.

Sr. presidente, eu quero e desejo a liberdade dos cultos como liberal e tambem como catholico. Quero a como catholico, porque tenho tanta fé na força expansiva da religião de meus pães sobro todas as outras, que estou convencido que na concorrencia só ao catholicismo poderá advir o mais brilhante triumpho.

E, sr. presidente, isto que affirmo não e só uma theoria. Tem por si a experiencia sanccionando o principio. Que estamos vendo no paiz vizinho? Não quero fallar dos ultimos acontecimentos, nem da desgraçada revolução que esphacelou a Hespanha, mas como não ha mal que não traga algum bem, eu creio que a revolução trouxe á Hespanha um bem, um só, na liberdade de cultos.

Vejam ali o resultado pratico desse principio. Que valem, que são, que significara os novos templos protestantes junto das velhas cathedraes catholicas? Nada. Deixemos abertos, que não affrontam ninguem.

A questão religiosa hoje não existe quasi entre catholicos e protestantes. Se não apontem-me onde estio hoje os Lutheros, os Calvinos, os Melanchtons!

A questão religiosa hoje está entre a religião catholica por um lado, e por outro o indifferentismo e o secpticismo. Hoje já não ha Luthero com o seu immenso orgulho, mas