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SESSÃO DE 3 DE MARÇO DE 1875

Presidencia do exmo. sr. Custodio Rebello de Carvalho, vice-presidente supplementar

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Augusto Cesar Xavier da Silva

(Assiste o sr. ministro da justiça.)

Ás duas horas e um quarto da tarde, tendo-se verificado a presença de 47 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, que se reputou approvada, por não ter havido reclamação.

O sr. secretario (Visconde de Soares Franco) mencionou a seguinte

Correspondencia,

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo, para ser depositado no archivo da camara dos dignos pares do reino, o autographo do decreto das côrtes geraes, datado de 23 de fevereiro ultimo, já sanccionado por Sua Magestade El-Rei, e convertido na carta de lei de 20 do mesmo mez, que auctorisa o governo a isentar do imposto de transito as mercadorias que forem transportadas por pequena velocidade nos comboios das linhas do norte e leste, durante o periodo de trinta e seis annos.

Para o archivo.

O sr. Presidente: — Vae proceder-se ao sorteamento da commissão que ha de examinar o requerimento do successor do sr. conde de Seisal, que pede para tomar assento nesta camara.

Tendo-se procedido ao sorteamento sairam da uma os nomes dos seguintes dignos pares:

Antonio José de Barros e Sá.

Visconde das Laranjeiras.

Antonio de Sousa Silva Costa Lobo.

Visconde de Portocarrero.

João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.

José Augusto Braamcamp.

Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho.

O sr. Barros e Sá: — Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer da mesma commissão ácerca da proposta apresentada pelo sr. conde do Bomfim, com relação ao projecto que se discutiu ultimamente, e que trata dos direitos de mercê. A commissão entende que o pensamento dessa proposta está implicitamente consignado naquelle projecto, e que portanto não era preciso inseri-lo de novo.

Em vista da simplicidade do assumpto, peço a v. exa. que consulte a camara, se consente que se discuta este parecer desde já, prescindindo da sua impressão, o que seria muito conveniente. Faço requerimento n’este sentido.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer, e depois consultarei a camara sobre o requerimento do digno par.

Leu-se na mesa o parecer.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam que se não imprima o parecer da commissão de fazenda, que acaba de ser lido, a fim de poder entrar desde já em discussão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente:—Está em discussão o parecer, cuja impressão se acaba de dispensar.

É o seguinte:

Parecer

Senhores. — Por occasião da discussão do projecto de lei sobre direitos de mercê, já approvado por esta camara, foi apresentado pelo digno par, o sr. conde do Bomfim, e remettido á vossa commissão de fazenda, para dar o seu parecer, um additamento ao artigo 2.°, para que os agraciados civis e militares, a quem já foi concedido satisfazerem os direitos de mercê por alguma outra fórma de pagamento, continuem a solver o resto dos seus respectivos debitos segundo as condições a que se obrigaram.

A commissão, tendo, examinado com a devida attenção o citado additamento, entende, de accordo com o governo, que não ha necessidade de inserir na lei a providencia proposta, porque não podendo aquella ter effeito retroactivo, os agraciados civis e militares, a quem já foi concedido satisfazer os direitos de mercê segundo a1 legislação actual, continuam a solver o resto dos seus débitos com as condições a que se obrigaram.

N’estes termos, a commissão é de parecer que não ha logar a approvar, como desnecessario, o mencionado additamento.

Sala da commissão, em 2 de março de 1875. = Conde do Casal Ribeiro = Carlos Bento da Silva = Joaquim Thomás Lobo d’Ávila = José Augusto Braamcamp = Barros e Sá = José Lourenço da Luz = Custodio Rebello de Carvalho, relator.

Não havendo quem pedisse a palavra, posto á votação foi approvado.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, tendo de fazer algumas perguntas ao governo, representado naquellas cadeiras pelo sr. ministro da justiça, dirijo-me a s. exa. n’esse intuito.

Desejo saber se o governo tem tenção de tratar n’esta sessão legislativa do projecto de lei relativo aos caminhos de ferro das Beiras, e no caso afirmativo, não havendo tempo dentro do praso da sessão ordinaria, em que o parlamento deve estar aberto, se tenciona prorogar as sessões da camara até que se discuta aquelle projecto.

O sr. Ministro da Justiça (Barjona de Freitas): — Respondeu que o governo tinha todo o empenho em que o projecto fosse approvado na sessão actual; mas emquanto á prorogação nada podia dizer atai respeito, porque ainda estava distante a epocha do encerramento das côrtes.

O sr. Vaz Preto: — Ouvi com toda a attenção as explicações do sr. ministro da justiça, e confesso que as desejaria mais explicitas e menos vagas.

A questão dos caminhos de ferro das Beiras é uma questão de alta importancia pelas grandes vantagens que este melhoramento traz ao paiz, e o governo assim o reconheceu, pois trata d’ella ha tres annos, e hoje, na sessão ordinaria de 1875, que julgou occasião opportuna, por ter amadurecido a idéa, e o publico, convencido do grande interesse que aufere deste meio de civilisação moderna, no discurso da corôa, por occasião da abertura das côrtes, no proximo passado mez de janeiro, declarou que ía apresentar ao parlamento a proposta para a construcção dos caminhos de ferro das Beiras.

Como, porém, até hoje não se tem discutido este importantissimo assumpto e o tempo vae passando, e como o sr. ministro da justiça e seus collegas devem ter uma opinião firme e assentada a tal respeito, é por isso que eu fiz a s. exa. as perguntas a que o nobre ministro acaba de responder de um modo, que me deixou ficar perplexo e indeciso ácerca da opinião do governo, que eu julgava firme, assentada e decidida; portanto novamente peço a s. exa. para que clara e terminantemente declare quaes as intenções do governo com relação a ser ou não discutida nesta sessão a proposta de lei para a construcção dos caminhos de ferro das Beiras, e se o governo está resolvido a prorogar as camaras até que a proposta de lei seja approvada.

A rasão da minha insistencia para ouvir o governo ácerca deste assumpto é porque vendo eu, e sabendo todos que

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a opposição parlamentar resolveu não crear embaraços ao governo com discussões, surprehende-me que ainda não se tenha tratado até hoje d’esta proposta estando já a sessão ordinaria muito adiantada.

Não havendo a prorogacão deduz-se que o governo não tem o verdadeiro empenho na discussão de simihante proposta, é desta conclusão que eu não me queria convencer, pois sendo o governo composto de homens intelligentes, que devem ter as idéas fixas sobre o systema governativo, e sobre a opportunidade de apresentar ao parlamento as propostas convenientes para o paiz, quando a opinião publica as reclama; não queria, sr. presidente, persuadir-me que o governo andou de leve e menos pensadamente promettendo o que não póde cumprir.

Portanto se o sr. ministro da justiça não está habilitado para responder á minha pergunta, eu peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando o sr. presidente do conselho estiver presente.

O sr. Ministro da Justiça: — Observando que talvez á hora que fallava se estivesse apresentando, ou a ponto de apresentar-se o parecer da commissão da camara electiva, mostrou quanta era a diligencia que o governo provava no andamento d’este negocio.

O sr. Vaz Preto: — Ouvi ainda o sr. ministro da justiça, e sinto que as suas declarações não sejam bem claras e explicitas, pois s. exa. deve estar lembrado de que o sr. presidente do conselho declarou, em nome do governo, que, logo que o parlamento se reunisse, se havia de tratar deste assumpto e das fallencias. Até agora ainda se não tratou nem de um nem de outro.

Ora, como eu confio nas promessas do governo, e o sr. presidente do conselho disse que não se podendo o anno passado discutir o projecto dos caminhos de ferro, elle se compromettia a discuti-lo na proxima sessão, por ser um objecto da maior importancia, eis a rasão por que faço hoje estas perguntas, e por que tenho insistido por uma resposta clara de s. exa.; e como s. exa. não póde resolver as minhas duvidas a este respeito, eu esperarei pelo sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia.

O sr. Marquez de Vallada:—Peço a palavra antes .da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Tem v. exa. a palavra.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, um incidente occorrido na sessão de hontem determinou-me a tomar uma resolução sobre o assumpto, a respeito do qual ha muito meditava. Refiro-me á abolição do juramento politico, e á reforma da camara dos pares. A abolição do juramento politico não é em mim uma idéa nova, é pelo contrario muito antiga. Já ha dezoito annos que n’esta casa do parlamento levantei a voz quando se tratava de impedir o ingresso na universidade a um cavalheiro que militava no partido que se denomina legitimista; fallo no sr. Gomes de Abreu, a cuja probidade e elevação de caracter todos prestam devido testemunho. Este cavalheiro, habilitado para entrar na universidade, recusou-se a prestar juramento. N’essa occasião subi á tribuna, e occupei-me largamente do assumpto. Creio que alguns dignos pares, que se sentam n’esta casa, se recordarão das palavras que então proferi, das idéas que enunciei e dos sentimentos que manifestei.

O incidente occorrido, a que me referi, foi o requerimento mandado para a mesa, por parte de um membro d’esta camara, no qual o filho de um collega que foi nosso, e cuja memoria muito respeito, pede para tomar assento nesta camara. Nesta questão eu não trato de pessoas, trato unicamente de principios, e é na altura delles que hei de occupar-me d’este negocio, que me parece de grande importancia. Não é pela pessoa do requerente, o filho do sr. conde de Seisal, que desejo levantar a questão. O sr. conde de Seisal foi um cavalheiro muito respeitado, e todos reconhecem os serviços que prestou ao throno constitucional da Senhora D. Maria II, occupado hoje pelo Senhor D. Luiz I; mas como elle não pertenceu á religião catholica, e é n’esse ponto que me hei de basear para sustentar a conveniencia da abolição do juramento politico, por isso é que o requerimento do filho do sr. conde de Seisal me levou hoje a pedir a palavra, a fim de requerer a apresentação de um documento que me faculte esclarecimentos precisos, para tratar a questão principal de que tenho que occupar-me. Esse documento é a certidão de baptismo do sr. conde de Seisal na religião lutherana, á qual me parece que s, exa. pertenceu, ou de outro acto de baptismo, se porventura houve mudança de religião.

Se o juramento é uma cousa santa, respeite-mo-la come tal; se não vale nada, fique abolido. Se no nosso systema todos são iguaes perante a lei, seja ella igual para todos e não haja privilegio.

Eu tenho-me sempre opposto aos privilegios, não os quero para ninguem; os privilegios acabaram com o absolutismo, e eu não o desejo, e espero que não tornará a imperar entre nós. Eu pelo menos hei de empregar todos os meus esforços para o combater todas as vezes que elle se queira erguer. Eu tomo gostoso a defeza franca e desassombrada dos principios que fundam e ficam, e nunca dos caprichos mesquinhos que desapparecem e passam.

Quando aqui se tratou da questão dos pares, filhos d’aquelles que pediram por um requerimento, feito por parte da nobreza, ao Senhor D. Miguel para que se declarasse rei, por essa occasião apresentou o sr. marquez de Rezende, cavalheiro respeitabilissimo e muito intimo e digno da confiança do Imperador D. Pedro IV, um parecer de mr. Hyden de Neuville, que foi consultado pelo Imperador relativamente á impossibilidade da entrada na camara dos filhos d’aquelles que tomaram parte naquella resolução; essa parecer tratava essa questão no campo dos principios.

Trate-se, portanto, esta igualmente no campo dos principios, pois é só n’elle que devem ser tratadas questões d’esta ordem.

A Inglaterra, paiz classico que nos póde dar lições de principios parlamentares; a Inglaterra, que está comtudo em circumstancias diversas das nossas, porque tem uma camara hereditaria, que representa verdadeiramente a aristocracia e a propriedade (e lá não é a aristocracia uma palavra vã); a Inglaterra, repito, depois da guerra da Russia, como é sabido, quando todos se occupavam só das questões de paz ou da guerra, aproveitou o ministerio habilmente aquelle ensejo para estabelecer uma reforma na camara dos pares para que fossem admittidos pares vitalicioa. Tratava-se de um cavalheiro, sir James Parke, que pertencia á alta magistratura, classe esta que o governo julgava não estar devidamente representada na camara dos lords. A camara, porém, não o admittiu, e o par nomeada não póde entrar.

A maioria não abusou d’esta sua victoria. Agitou-se igualmente no parlamento britannico uma questão importantissima, que eu acompanhei, e de que me recordo perfeitamente, a qual tinha por fim a reforma dos abusos de jurisdicção da camara; e apesar das circumstancias da Inglaterra serem muito diversas das nossas, julgaram opportuno, lord Lyndhurst e lord Derby propor que as bases d’esta reforma fossem submettidas a uma commissão composta de igual numero de pares governamentaes e de pares opposcionistas para examina-las e discuti-las. Portanto a Inglaterra, que, como disse, nos póde servir de exemplo, não se recusa a acceitar as reformas que julga necessarias.

Em Hespanha, quando Hartinez de la Rosa, em 1834, propoz o estatuto real, estabeleceu a camara alta, na qual entravam como elementos constitutivos d’ella a hereditariedade, a nomeação vitalicia e directa dos funccionarios que representavam a tradição historica, bem como de todos os altos dignitarios da hierarchia judicial, administrativa e militar.

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Ha tambem uma opinião manifestada sobre as primeiras camaras, que é a de serem ellas compostas de membros nomeados; pela propria camara como se pratica nas academias seientificas, mas esta idéa nunca chegou a ser convertida era lei.

Em Portugal a camara dos dignos pares, em que nós temos assento, tambem se occupou de uma reforma em 1845; Já se vê, portanto que a instituição da camara alta não é um dogma inatacavel.

Convicto da necessidade de se proceder a algumas modificações, eu tenciono apresentar á camara um projecto para a sua reforma, declarando desde já que hei de acceitar todas as modificações rasoaveis, que lhe forem offerecidas por cavalheiros de tanta respeitabilidade e competencia, como o são todos aquelles de que se compõe esta camara.

Por essa occasião provavelmente se nomeará uma commissão especial para examinar o assumpto, ou irá á commissão de legislação ou a qualquer outra que, de accordo com o governo, não deixará de tomar esta resolução.

O actual governo, que eu teriho apoiado, e espero continuar a apoiar, não póde ser accusado de maneira nenhuma por que não realisou já essas reformas. Tendo-as annunciado, entendeu, que devia seguir os exemplos da Inglaterra, em cuja historia parlamentar se encontram eloquentes lições, que os governos não devem desprezar.

Effectivamente se lançarmos um lançar de olhos para essa historia, veremos os esforços dos differentes ministerios no caminho das reformas, e veremos tambem esses esforços muitas vezes frustrados ou suspensos pela força das circumstancias. Vemos mais ainda. Vemos ministros, como suceedeu com lord Palmerston, rejeitarem reformas que tinham proposto; vemos que um d'esses vultos gigantescos, que apparecem de quando em quando, no correr das idades, para honra dos seculos em que vivem, e gloria da hamanidade, sir Robert Peel, pertencendo ao partido conservador inglez, não hesitar em fazer ver que não tinha andado bem em se oppor ao Catholic Relief Bill, e cantou honrosa palinodia, fazendo confissão publica de ter errado.

Sir Robert Peei aproveitou dá experiencia e da lição da historia, e por isso adptou essa e outras reformas que tinha combatido. E quando lhe davam applausos por essas reformas terem sido adoptadas respondia: «Não é a mim só que essa gloria pertence; aos esforços de outros se devem ellas, que eu combati, e que apesar da minha opposição triumpharam; portanto, a esses tambem cabem os applausos que me concedeis».

Sr. presidente, recordando estes factos, não posso deixar de lembrar tambem o que disse um homem notavel mr. Burke; fallando sobre as necessidades das reformas, muito judiciosamente ponderou que era conveniente e necessario que houvesse sempre opposições. Ha duas correntes de opposição, em diverso sentido. Ha a opposição d'aquelles que se oppõem a toda a especie de reforma simplesmente porque é reforma, e ha a d'aquelles que querem toda a casta de innovações, e esses são os anarchistas.

Aproveitar as lições da historia e da experiencia é util; mas é preciso ter tambem em vista os costumes dos povos, e não ir de repente de encontro a elles, por meio de reformas não meditadas, e pouco amadtirecidas na opinião publica, e que produzindo a revolução nas consciencias, podem atrás de si trazer a revolução nos factos. Por isso pertence áquelles que desejam alliar esses dois grandes principios da liberdade sem anarchia, e de ordem sem tyrannia, promover o bem estar dos povos e faze-los progredir no caminho da civilisação, com cautela e moderação; que admiram e seguem a luz do astro brilhante que allumia, e não a do brandão nefasto que incendeia.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Sr. presidente, desejava eaber de que questão se trata?

O sr. Marquez de Ficalho: - Se se trata da reforma da carta constitucional, então peço a palavra para entrar nessa discussão.

O Orador: - Estou tratando, antes da ordem do dia, de demonstrar as rasões que actuaram sobre o meu espirito para fazer um requerimento, que tem relação com corta reforma que desejo propor conjunctamente corria d'esta camara. O que tenho estado a expor é como um prologo. Parece-me que não offendi ninguem nas reflexões que fiz e considerações que apresentei. Uso de um direito, que não me póde ser contestado.

Sr, presidente, pedindo estes documentos adopto um meio que a lei me faculta, para poder sustentar uma certa ordem de idéas que tenciono apresentar.

V. exa. dará.º andamento que entender a este requerimento, que vou mandar para a mesa por escripto; e na proxima semana tenciono apresentar o projecto de reforma da camara dos pares, assim como um projecto sobre a abolição do juramento. Quando as commissões tiverem dado o seu parecer, quando forem trazidos á téla da discussão estes assumptos, tratarei de sustentar as minhas idéas; e se for vencido, sujeitar-me-hei; ficarei vencido, mas não convencido. É honroso ficar vencido, quando é a convicção que nos dirige os passos e não os interesses egoistas.

Eu entendo que os homens politicos devem expor os principies em que se fundamentam, e pôr de parte os caprichos, que são sempre de grande inconveniencia.

O sr. Conde do Gasal Ribeiro: - Usarei da palavra para uma simples explicação. Não quero imitar o sr. marquez de Vallada, nem seria capaz de o fazer, trazendo aqui com voz sonora, locução facil e abundante erudição historica, de modo agradavel aos ouvidos, porém nada a proposito, assumptos que não estão em discussão.

S. exa. annunciou que apresentaria um projecto de reforma da camara dos pares. Estamos de accordo por estav vez. Tambem tenho um projecto de reforma a apresentar. O meu já está feito, e em breve verá a luz da publicidade. Ha muitos que o sabem; já o viram o sr. marquez dA vila, o sr. presidente do conselho e o sr. duque de Loulé.

Até me constou que estando eu ausente, vieram aqui o digno par, o sr. marquez de Vallada denunciando grandes apprehensões por causa de uma deputação dirigida ao nobre duque de Loulé. Pois a deputação fui eu, eu só... Aqut tem confessada a culpa; irnponha-lhe agora a penitencia.. .

E procurei o sr. duque- de Loulé e outros collegas nossos para ouvir o parecer d'elles sobre objecto tão grave com é a reforma da camara dos pares.

Creio que procede asaim: quem deseja ver praticamente resolvidos assumptos politicos, que só se resolvem bem pelo accordo dos partidos e com o concurso dos homens que teem tradições e importancia reconhecida. Faltar n'essas questões por fallar largamente antes dar ordem do dia, será ostentação de palavras; não denota intuito reflectido. Pois bem. A reforma de que s. ex.ª quer occupar-se ha de vir, então a discutirá; agora não se discute isso, discutem-se os clerigos de Bragança.

Sobre o juramento politico tambem se tem discreteado muito dentro e fóra d'esta casa; é o artigo 6.° da carta teor sido torturado por certos escrupulosos, paralhe fazerem dizer o que nunca disse. É que haoatholicos que só fazem mal ao catholicismo, como ha liberaes que só prejudicam o liberalismo. Mas levantar agora uma questão impertinente, tratando de prevenir o juizo sobre um requerimento, que foi apenas apresentado e não tem ainda parecer de commissão, é acto pouco curial e conveniente.

Não é regular que o digno par apresente um requerimento pedindo documentos antes da commissão que foi nomeada ter dado o seu parecer sobre o assumpto. Porventura já o digno par sabe se o requerimento do visconde de Seisal, que mandei hontem para a mesa, está acompanhado de todos os documentos necessarios, e duvida que o pretendente seja baptisado?

Quer mais documentos? Pois hão de vir todos, e creia que ha de ter adversario. Está aqui, e está prompto, e se não possue a elevada eloquencia do digno par, o sr. mar-

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quez de Vallada, não cede absolutamente a ninguem em firmeza de convicções, e costuma expo-las com lingua despegada.

Tenho dito? sr. presidente, não acrescento mais, e peço que entremos na ordem do dia. (Apoiados.)

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a v. exa. que me conceda a palavra, porque preciso responder ao que acabou de dizer o sr. conde do Casal Ribeiro.

O sr. Presidente: — Diz o regimento que passada a meia a hora, depois de lida a correspondencia, deve entrar-se na ordem do dia. (Apoiados).

O sr. Marquez de Ficalho: — Pedi a palavra a v. exa. para perguntar se nesta occasião se discute a reforma da carta constitucional? Parece-me que esta questão é muito importante, e que deve ser tratada com toda a seriedade, e por isso entendo que não é conveniente fallar agora nella por incidente, porque a carta constitucional foi jurada na presença do Imperador e no meio de cem combates. (Apoiados).

Portanto se ha quem julga que a carta deve ser reformada, eu entendo que este assumpto é muito serio, e que deve ser tratado como é conveniente.

O sr. Marquez de Vallada: — Eu não fallei na reforma da carta. Não tenho culpa de que esta casa não possua as condições acusticas que são necessarias para se poder ouvir o que dizemos, porque não entrei na sua construcção. Em que fallei foi na reforma da camara dos pares, e apresentei o prologo do projecto que hei de mandar para a mesa, como costumam fazer todos os auctores de qualquer obra, os quaes precedem-n’a de um prologo, que quasi sempre concluem pedindo perdão aos seus leitores, segundo a usança antiga. Eu tambem, querendo seguir a usança antiga d’este reino, estou precedendo a obra, que vou escrever, de um prologo.

O sr. conde do Casal Ribeiro, que é um homem que todos respeitam pelos seus elevados conhecimentos e distincto talento para muitas cousas, principalmente para escrever obras de instrucção, que tem sido premiadas, sabe que nestas questões se tocam pontos principaes, que são depois desenvolvidos no correr da obra. Não tratei da reforma da carta, fallei na reforma da camara dos pares, e apresentei as minhas idéas a este respeito; não as imponho; mas submetto-as ao juizo dos outros, e hei de ter a devida resignação se for vencido, porque o meu projecto poderá soffrer correcções ou emendas em qualquer artigo.

Mas os echos d’esta casa não levaram aos ouvidos dos dois dignos pares, que me precederam, o que eu tinha dito, e entenderam que eu apresentava um projecto em sentido diverso do que eu enunciava. O sr. conde do Casal Ribeiro, que é dotado de alta intelligencia, não comprehendeu comtudo o que eu disse, porque me não ouviu.

Eu pedi a certidão do baptismo, mas não foi a do actual requerente, foi a certidão do baptismo de seu pae, e isto não tinha nada com o requerente, que ha de provar o seu direito. Isso é uma questão de que não quero agora tratar, para não offender os ouvidos do digno par. Ninguem accusou a s. exa. de procurar o sr. duque de Loulé para tratar da reforma da carta; foi o sr. Latino Coelho, que responde por si, e por quem eu não respondo, que milita num campo multo opposto áquelle em que eu combato, e que redige um jornal conhecido, a Democracia; foi o sr. Latino Coelho, repito, que narrou esse facto; e eu, sem o censurar, apenas aqui o repeti, manifestando uma certa ordem de idéas.

Sr. presidente, resumindo as minhas palavras, direi que o meu fim, ao fazer este requerimento, é todo liberal. Eu preciso esclarecer-me completamente sobre os assumptos que prendem com a questão da abolição do juramento politico, que é uma medida verdadeiramente liberal. Quando a questão vier aqui, eu hei de sustentar a necessidade da abolição desse juramento com todas as minhas forças.

O sr. conde do Casal Ribeiro declarou que havia de defender a questão do requerente quando aqui viesse. S. exa. é muito capaz disso, tem sustentado muitas questões importantes como par, como deputado, como ministro, como jornalista e quando estudante na universidade, onde deixou um nome brilhante, que ficará em perpetua memoria, nome que ainda hoje é proferido com respeito. Será uma honra, para mim muito grande, quando aqui se apresentar a questão o ser combatida por um athleta tão distincto como o sr. conde do Casal Ribeiro; mas isso não fará com que eu deixe de sustentar as minhas opiniões, emquanto me não convencer que estou em erro.

(O orador não reviu as suas notas n’esta sessão.)

O sr. Vaz Preto: — Eu tinha pedido a palavra quando se achava presente o sr. presidente do conselho, a quem esperava dever a amabilidade de dar algumas explicações; ácerca das perguntas que fiz com ao collega; como porém s. exa. se ausentou, cedo por agora da palavra.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Passa se á ordem do dia que é a continuação da interpellação do sr. bispo de Vizeu, e a discussão de alguns pareceres. Ficaram inscriptos os dignos pares, Ornellas, Barros e Sá, Conde do Casal Ribeiro e Marquez de Vallada. Tem a palavra o sr. Ornellas.

O sr. Ornellas: — Desisto da palavra, reservando-me para a pedir, se no decurso do debate entender que o devo fazer.

O sr. Barros e Sá: — Eu pedi a palavra, para sustentar uma certa ordem de doutrinas. Tendo, porem, o sr. Miguel Osorio sustentado, depois d’esse meu pedido, as mesmas doutrinas de um modo muito brilhante, entendo que não é agora a occasião de usar da palavra. Pedi-la-hei de novo se no decurso da discussão me vir obrigado a isso.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Por maior mal meu, sr. presidente, cabe-me a palavra depois d’esta larguissima conversação preambular, e depois de ter sido forçado inesperadamente a tomar parte n’ella. Em má hora pedi a palavra; em bem má hora. Foi audacia grande, e já começo a ser castigado d’ella pelo temor que me acobarda ao entrar na incruenta pugna suscitada entre o nobre prelado de Vizeu e o illustre ministro da justiça; nesta pugna em que tanto se tem discreteado sobre o direito canonico e sobre a prerogativa da corôa, na sua applicação a uns pobres clerigos de Bragança.

Eu sei que havendo commettido tal imprudencia devia ir para casa, e aproveitar o intervallo da sessão de hontem para hoje, consultando as leis velhas, folheando os grandes infolios do Van Espen, do Cavollario e outros, que eram auctoridade na materia nos bons tempos em que cursei a universidade. Devia renovar estudos velhos, para ao menos poder dizer alguma cousa que merecesse a benevola attenção da camara. Não procedi assim. Desviado dos livros, como ando desviado das contendas parlamentares; arredado dos partidos, vivendo só no campo, entendendo pouco do que já entendi, e quasi nada das doutrinas novas, não fiz nada d’isso. Não estudei. O pouco tempo de que pôde dispor, aproveitei-o apenas recolhendo-me em mim mesmo, consubstanciando as impressões proximas e as remotas.

As impressões proximas eram as da discussão que tinha havido n’este casa. O illustre prelado visiense, e chefe da grei politica, que se chama reformista, encetou esta discussão, devemos dize-lo francamente, com grande modestia e louvavel reserva.

N’esta questão não havia motivo de ordem politica, d’esses que tantas vezes desviam os bons entendimentos do seu natural caminho para a verdade.

Esta questão não era como a do caminho de ferro, que se tratou aqui ha dias, na qual o illustre prelado sustentou opiniões que de certo abandonaria ámanhã, se as vicissitudes da politica o levassem aos bancos do poder.

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Esta questão, porem, não era dessa ordem, e o digno par fallou com despreoccupação e notavel bom senso, discursando com grande moderação.

Mas, sr. presidente, o que me fez pedira palavra foi o ver que o nobre ministro da justiça, cujo talento e aptidão respeito altamente, saiu a campo, sem ser provocado, com arrogancia grande, elevando esta pequena questão dos clerigos de Bragança á altura de grave questão politica, e estabelecendo no preambulo do seu discurso, que toda a familia liberal o apoiava, e quem não approvava o seu procedimento pertencia sem remissão á escola reaccionaria; que a imprensa toda do paiz, só com excepção da retrograda approvava o procedimento do governo; que não era licito discordar d’elle, sem desertar das fileiras do progresso; que para ter direito a acolher-se á bandeira da sociedade moderna era indispensavel achar cousa excellente que os cónegos fossem privados da congrua, e mettido em processo o vigario capitular eleito. Quem não jura este extranho dogma de politica liberal, é logo na opinião do nobre ministro reaccionario convicto!

Pois a questão tem porventura tal alcance? É por cousas d’esta ordem que as escolas se dividem, e se taxam de reaccionarios todos que não concordam com a opinião do nobre ministro da justiça? Pretende o illustre ministro que o direito de insinuação deve entender-se por fórma, que importe decisão absoluta e obrigação correlativa de obediencia indeclinavel ao ponto do seu não cumprimento constituir crime punido pelo codigo penal. Se tal é o direito, declaro que não percebo já nada d’estas cousas; e ainda percebo menos que sejam estas interpretações subtis de uma costumeira antiga as questões de escola, que extremam os partidos!

É triste, sr. presidente, é triste, e não posso deixar de o lastimar, que proposições d’esta ordem partam dos bancos do poder, onde fica sempre bem a moderação e a reserva.

Respeito muito o talento do sr. ministro, considero em extremo a sua intelligencia; por isso mesmo lamento mais profundamente que s. exa., que não é um d’esses homens que não têem poder em si mesmo; s. exa., em quem não falta a presença de espirito e força para se poder dominar, e não deixar correr as suas expressões alem do que convem, julgasse occasião opportuna para lançar o anathema intolerante sobre os seus contrarios, quando apenas se discutia o pequenissimo assumpto da eleição do vigario capitular de Bragança.

Porventura estão ligadas á questão dos pobres clerigos de Bragança as tradições do grande partido liberal? Estão-me ouvindo alguns veteranos dos que pelejaram heroicamente no baluarte da Terceira para implantar a liberdade n’este paiz, á custa do seu sangue e pelo valor da sua espada! Se esses não concordarem agora com o sr. ministro da justiça será isso motivo para se lhes dizer: visto não entenderdes a questão como nós a entendemos, visto não estardes comnosco na idéa de processar e levar aos tribunaes o vigario, intruso na opinião de uns, legitimo na de outros, não pertenceis já á escola liberal, arredai-vos reaccionarios!

Trazendo agora mais modernas recojrdacões, não indo já j tão longe, ás origens do systema representativo entre nós, não posso deixar de lembrar aquelles tempos, em que o nobre ministro não era ainda nascido para a politica, mas era-o seu pae, cavalheiro a quem muito respeitei e estimei, que foi meu collega na camara dos senhores deputados, onde pelejámos debaixo da mesma bandeira — bandeira nova, que então se levantava neste paiz, e que levava nas mãos o sr. duque de Saldanha, acompanhando-o e inspirando-o o larguissimo espirito e grande coração de Rodrigo da Fonseca.

Estavamos juntos, o pae de s. exa. e eu, quando se votou o acto addicional á carta, á sombra do qual antigos progressistas e antigos conservadores poderam honrosa e lealmente fazer pacto. de alliança, e occupar-se das gravissimas questões de fazenda e administração, que preoccupavam principalmente a opinião sensata, e muito interessavam ao paiz. Foi á sombra d’essa politica que o sr. presidente do conselho e meu nobre amigo, o sr. Fontes, se póde illustrar, iniciando nesta terra os grandes melhoramentos materiaes, que depois outros proseguiram, mas dos quaes ninguem lhe póde contestar a gloria da iniciativa, melhoramentos que estão produzindo já saborosos fructos para o thesouro e para a economia publica.

Essas eram, no pensar de então, as grandes questões politicas, as questões de escola. E agora vém a proposito aqui outras recordações. Desculpe-me a camara; estou velho, tenho os cabellos brancos; os velhos gostam de recordar o passado.

Mais tarde, em 1859, tive eu a honra de sentar-me pela primeira vez nos bancos dos ministros da corôa, na companhia dos meus amigos os srs. Fontes e Serpa, e presididos pelo nobre duque da Terceira. Elle tambem foi mais de uma vez alcunhado de reaccionario! Elle, o typo de cavalleiro leal e de soldado brioso! Elle, o heroe da Asseiceira, que abriu caminho com a sua brilhante espada ás novas idéas, ás novas instituições e á nova monarchia, desde as praias do Algarve até á capital do reino que libertou da escravidão!

Mas, que fez esse governo de 1859 presidido pelo duque da Terceira?

Qual foi o seu primeiro acto? Foi apresentar e converter em lei um projecto de reforma eleitoral, dando garantias largas e seguras á expressão da vontade, nacional, e desprendendo os eleitores, quanto possivel, pela organisação dos circulos, da acção da auctoridade.

Porque não se restabelece agora essa lei? Porque não empenha n’essa obra o sr. ministro as suas notaveis faculdades? Porque não procura n’essa grande questão de liberdade, em vez de procurar nesta pequenissima questão de capricho, o criterio que discremine a sua politica da politica do sr. bispo de Vizeu? O illustre prelado fez em dictadura um decreto diminuindo o numero dos circules, é compondo-os em contradicção com a topographia e os interesses dos povos. Por parcimonia de dinheiro fez parcimonia de liberdade. Foi esse um acto justamente reprovado pela opinião; protestou-se, protestámos todos então contra elle. Porque não propõe agora o governo a revogação desse decreto de dictadura? Porque não volta á lei parlamentar, a lei liberal de 1859, que dava garantias a todos, e com a qual viveram e governaram ministerios de differentes matizes politicos? Estas questões é que podem e devem dividir as escolas; não a misera questão dos clerigos de Bragança!

E, sr. presidente, quando fallo da lei de 1859, que vae passando tambem a recordação historica, não me enthusiasmo, porque tive n’ella iniciativa, mas louvo-a por entender que com aquella lei póde embora o governo insinuar candidaturas, como todos fazem, mas não lhe é facil impo-las.

Continuo na resenha das minhas recordações. Mais tarde, em 1862, estava no poder o ministerio presidido pelo sr. duque de Loulé, e do qual formavam parte alguns cavalheiros, que respeito pelos seus serviços e talentos, e de quem sou amigo. Havia então n’este paiz uma questão deploravel, que tambem passou á historia; fallo da questão das irmãs da caridade. Póde ser que na opinião de muitos eu esteja dizendo inconveniencias; mas como estou fóra de todos os partidos, de todos os grupos, de todas as confrarias, como não embarco em nenhum dos barcos politicos da actualidade, como sou e só quero ser serrano, vindo accidentalmente aqui algumas vezes da minha pobre terra, as taes inconveniencias não prejudicam ninguem, porque eu estou de ha muito prejudicado pelos effeitos da minha propria e deliberada vontade.

Havia em 1862 a deploravel questão das irmãs da ca-
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ridade; e repito deploravel, porque a exaltação dos partidos e das idéas tinha dado um corpo áquella questão, que na realidade não comportava, e havia chegado a fazer-se acreditar a muitos de boa fé que a liberdade perigava de naufragar nas largas toucas d’aquellas pobres mulheres. O ministerio apresentou então um projecto radical, que não foi convertido em lei do estado. Não foi isso que decidiu a questão, ella foi decidida por outra maneira, que não preciso agora explicar.

Eu e os meus amigos politicos com quem estava então ligado, combatemos esse projecto, e declaro que nunca pratiquei um acto politico com mais força de consciencia. Não foi por opposição politica que combati o projecto, foi por convicção mais profunda.

Muitas vezes todos, e de mim tambem o digo sem vergonha, os homens politicos nas lutas da actualidade e na concorrencia do poder, sacrificam um pouco das suas idéas ás conveniencias de partido e situação.

Repito, porém, que então foi outro o caso, e nunca pratiquei acto de mais pura consciencia, do que quando escrevi um documento parlamentar, que por ahi anda assignado por alguns dos actuaes ministros, no qual combatiamos a solução do governo em nome da liberdade.

Mas por outro lado, sr. presidente, porque é preciso ser justo com todos, cumpre reconhecer que o governo d’aquella epocha não tinha criado a questão. Ella tinha crescido e augmentado por culpa de todos, ministeriaes e opposição.

A imprensa absteve se longo tempo de collocar a questão no seu verdadeiro terreno, e em vez de a encarar com desassombro preferiu discutir — sã o culpado de virem cá as irmãs de caridade era o sr. Julio Gomes, ou mais alguem.

Assim foi passando como axioma que aquellas mulheres eram a cassandra tenebrosa que faria perecer a liberdade, se a liberdade não se esquecesse do que a si mesma devia para as collocar fóra da protecção da lei.

Quando o governo d’aquella epocha apresentou o projecto que combati, estava a opinião geral formada contra as irmãs de caridade. Era uma opinião desvairada, mas existia. Hoje não é assim.

N’esta questão dos clerigos de Bragança nem isso ha, não póde allegar-se a mesma desculpa. Não havia questão religiosa, nem conflicto; creou-o o sr. ministro da justiça por uma exageração ideologica, que pouco vale, e arrogou-se a pouco invejavel gloria de levantar essa pobre questão ás alturas de uma questão partidaria, de principios e de escola.

Nunca, repito, nunca procedi mais despreoccupadamente de considerações partidarias, nunca em politica pratiquei acto de mais convicta consciencia, do que quando escrevi o parecer que tenho aqui presente, e que está assignado pelo sr. presidente do conselho, o sr. Fontes, pelo sr. Antonio de Serpa Pimentel, e pelo sr. Antonio Alves Martins, como então se chamava o nobre prelado de Vizeu.

Peço licença á camara para ler algumas palavras d’esse documento, que hoje pertence á historia, e que formava então programma, programma que significava em resumo as nossas opiniões fundamentaes. Diz o parecer o seguinte:

«Allega o governo que convem extremar os campos e descriminar as posições. Mantemos a nossa posição e demarcamos o nosso campo — é o da verdadeira liberdade, sem offensa dos direitos de todos e dos direitos de cada um, liberdade ampla, sincera e forte, liberdade para todos, para os que pensam como nós, e para os que pensam de modo contrario ao nosso, para os crentes na efficacia da nossa doutrina, e para os que a desadoram, comtanto apenas que a não offendam. Repetimos com a carta lei igual para todos.»

Para não cansar a camara com citações, em demasia longas, lerei apenas a conclusão:

«Queremos o estado independente, a igreja respeitada, a familia reconhecida, liberdade com ordem, auctoridade com força, instrucção com abundancia, caridade sem estorvos, policia sem exageração, repressão sem tyrannia.

«Queremos a constituição dom estado interpretada sem sophisma e executada com lealdade.»

Eis-aqui o programma velho. Agora relendo estas palavras que escrevi ha treze annos, não pude deixar de sentir alguma cousa de triste dentro em mim, vendo que hoje os novos doutores da igreja politica, em que militei tanto tempo, vem renegar a tradição antiga, defender doutrina opposta e collocar a questão de extremar os partidos, liberal e reaccionario, em assumptos d’esta ordem.

Sr. presidente, nessa epocha tambem eu sustentei a liberdade dos cultos. Essa idéa não é de hoje, já a defendi na camara dos deputados como hoje a defendo aqui. Eu quero a liberdade dos cultos, ampla, clara e garantida, para todos; quero a liberdade dos cultos sinceramente entendida, e que cada culto seja tambem livre dentro de si mesmo, nem o artigo 6.° da carta diz outra cousa, nem se oppõe a isto. Eu sei que nas cadeiras do poder não se póde realisar tudo quanto se deseja. Mas se é verdade que no poder não se póde sempre realisar o ideal, tão pouco se devem os homens publicos limitar a seguir cegamente a rotina. Os governos teem obrigação de saber para onde vão, de mirar com segurança o fito onde se encaminha a sociedade. Ora, de certo o governo não marcha para a liberdade dos cultos, não se approxima d’ella quando entende, traduz e explica a prerogativa da corôa, exagerando as doutrinas do marquez de Pombal e de José de Seabra, e parodiando Bismark; já que fallei em Bismark direi ao meu nobre amigo o sr. Miguel Osorio, que com tanta benevolencia me tratou, que me permitia discordar completamente da s ia opinião a respeito da actual politica do chanceller allemão. Sei a reserva que convem guardar quando se falla da poliiica de outros paizes, das nações grandes e poderosas; mas sei tambem que todas as opiniões se podem exprimir sem perigo nem inconveniente, guardando as reservas precisas.

Não sou do mesmo parecer do digno par com relação ao que se está passando hoje na Allemanha. Não me parece que Bismark fosse forçado a adoptar a politica que adoptou provocado pelo procedimento do clero. Receio muito que o novo imperio allemão, levantado sobre as espadas e a força, que a unidade allemã, que aliás tem uma base solida, vá encontrar o seu escolho na questão religiosa, imprudentemente levantada, e que o grande collosso se vá quebrar n’esse antagonismo.

Muitas vezes os grandes homens desarrasoam. Bismark, que é incontestavelmente um grande homem, desarrasoou, como quasi todos os grandes homens quando tocara muito alto a méta das suas aspirações. O mesmo aconteceu a Napoleão no primeiro quarto do seculo.

Sr. presidente, eu quero e desejo a liberdade dos cultos como liberal e tambem como catholico. Quero a como catholico, porque tenho tanta fé na força expansiva da religião de meus pães sobro todas as outras, que estou convencido que na concorrencia só ao catholicismo poderá advir o mais brilhante triumpho.

E, sr. presidente, isto que affirmo não e só uma theoria. Tem por si a experiencia sanccionando o principio. Que estamos vendo no paiz vizinho? Não quero fallar dos ultimos acontecimentos, nem da desgraçada revolução que esphacelou a Hespanha, mas como não ha mal que não traga algum bem, eu creio que a revolução trouxe á Hespanha um bem, um só, na liberdade de cultos.

Vejam ali o resultado pratico desse principio. Que valem, que são, que significara os novos templos protestantes junto das velhas cathedraes catholicas? Nada. Deixemos abertos, que não affrontam ninguem.

A questão religiosa hoje não existe quasi entre catholicos e protestantes. Se não apontem-me onde estio hoje os Lutheros, os Calvinos, os Melanchtons!

A questão religiosa hoje está entre a religião catholica por um lado, e por outro o indifferentismo e o secpticismo. Hoje já não ha Luthero com o seu immenso orgulho, mas

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tambem com a sua incontestavel sciencia. Hoje é o tempo dos Renans...

(Áparte do sr. visconde de Chancelleiros que não foi ouvido.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Eu explicarei o meu áparte.

O Orador: — E eu replicarei ao digno par. Repito agora. Hoje ha Renans, que negando a divindade de Jesus Christo o consideram o mais superior dos homens, o reformador da humanidade, e ao mesmo tempo o mais miseravel dos impostores.

Com estes sabios não me entendo eu.

Sr. presidente, a que póde vir a necessidade da reforma do artigo 6.° da carta?

Que mal faz esse artigo?

Não temos nós tolerancia para todas as religiões?

Não é essa tolerancia affirmada pelos proprios actos do governo?

Não determinou por uma portaria o actual ministro do reino, que é liberal da velha escola, que se reservasse nos cemiterios publicos logar para o enterramento dos que não professam a religião do estado?

Determinou, e fez muito bem, promulgando essa providencia, porque se os catholicos têem direito a ser enterrados, não o têem menos os protestantes. Então a que vem o exagerado respeito e as exageradas interpretações do artigo 6.°? Será porventura com relação ao juramento politico? Eu não quero, como faz o sr. marquez de Vallada, prevenir questões que mais tarde se hão de tratar. Reservo-me para então; e quando se tratar da questão do juramento politico, na these ou na bypothese, eu provarei como um homem honesto, um funccionario publico honradissimo pôde, em plena consciencia, vir aqui jurar, não que era catholico, mas que, na sua qualidade de par, havia de defender a carta constitucional em todas as suas partes, comprehendida a religião catholica. Mostrarei qual foi o procedimeuto nobre e honrado desse homem, e é isso o que importa mais a quem requereu, como seu successor, para tomar assento nesta casa, do que lhe importa a sua admissão nesta camara.

A questão do juramento politico e uma questão velha. Já foi tratada na camara dos deputados por occasião da entrada de alguns homens pertencentes ao partido anti-dynastico. Por varias vezes foram levados áquella casa do parlamento pelo voto dos eleitores, e esses homens nunca entrariam se não o podessem fazer com dignidade, porque não eram pessoas que deixassem a dignidade á porta; e se o juramento politico se não entendesse do modo por que o entendeu a commissão a quem foi submettida esta questão, e o declarou em um parecer muito bem elaborado pelo sr. Antonio Rodrigues Sampaio, que é liberal da escola velha.

Mas, sr. presidente, vamos agora a considerações mais convizinhas, concentremo-nos na questão, e tratemos d’ella tão praticamente, quanto é possivel.

Como já disse, eu devia ter consultado os cannonistas, mas não o fiz, e só trouxe para aqui o diccionario de Moraes, para ler á camara a definição que elle dá á palavra insinuação.

Seja-me permittido, porém, antes de fazer essa leitura, que eu diga como lá na minha terra dos serranos se entende a prerogativa da coroa, praticamente applicada.

Vaga, supponbamos, a igreja de S. Miguel de Palhaca na da Ventosa, ou outra; ha quatro ou cinco candidatos áquelle beneficio ecclesiastico. O que lá se diz com relação ao provimento nesse beneficio, é que elle ha de recair em quem quizer o sr. Nogueira, deputado pelo cirulo, em cuja arca se acha comprehendida essa igreja. N’esta parte a prerogativa é do sr. Nogueira.

Se a igreja vaga e no districto de Vianna, ha de ser nomeado quem quizer o sr. Rocha Peixoto. Se é na Chamusca, ha de ser nomeado quem quizer o sr. Mariano de
Carvalho, apesar de ser da opposição, porque é um homem importante e redige um jornal em que póde combater o governo, por exemplo, nas questões de obras publicas, e sempre é bom não o irritar.

A prerogativa da coroa, pois, na pratica não é mais que isto: reside no deputado pelo circulo onde ha um beneficio ecclesiastico vago. Para que se estão portanto a levantar estas questões, e a eleva-las á altura de questões de escola liberal e de escola reaccionaria?

Insinuou-se ao cabido de Bragança, que nomeasse um certo e determinado individuo para, vigario capitular daquella diocese. Tem-se dito que o direito de insinuação é um direito consuetudinario. Será. Mas esse direito importa a obrigação de obediencia por parte de quem recebe a insinuação? Se importa tal obrigação, então não ha eleição? Parece-me isto claro, e tão claro que não é preciso para o comprehender consultar os cannonistas.

Deixa de haver eleção, logo que ha obrigação de eleger certo e determinado individuo. E assim que eu entendo. Todavia quiz ver se me enganava com relação ao sentido da palavra insinuação, e fui consultar o diccionario de Moraes. Rogo á camara a sua attenção para o que vou ler.

«Insinuação, substantivo feminino (do latim insinuatio): acção de insinuar; admoestação branda, advertencia, apontamento, aviso, conselho disfarçado e directo, para se fazer ou omittir alguma cousa.»

Parece-me que não ha nada mais anodino.

«Artificio, com que o orador destra e insensivelmente se insinua nos animos dos ouvintes: geito, gestos, meios com que alguem se insinua no animo de outrem, e o dispõe a seu favor; artes, astucias para este fim.»

Tudo isto é insinuar. Agora o exemplo:

«Offertou-lhe a bolsa aberta com muito carinho; vêde que insinuação para não render até as pedras.»

Aqui é que foi exactamente o contrario. O governo não offertou a bolsa aos clerigos de Bragança, cerrou os cordões della por ousarem desattender o conselho.

(Hilaridade.)

Ora, sr. presidente, se ha o direito de insinuar, porque não hade haver tambem o direito de não acceitar a insinuação?

Mas haja ou não o direito de insinuar, o governo castigou o cabido porque não annuiu á sua insinuação. Esta é que é a verdade.

O sr. ministro da justiça tinha todo o direito de dizer: «eu desejo que saia deputado tal ou tal individuo.» Creio que o fez; não o censuro por isso, porque não ha nada mais natural do que o desejo de rodear-se de homens novos de elevado talento.

É a sympathia do merito pelo merito.

Mas supponha que esse candidato insinuado não era acceito. Que havia de fazer o sr. ministro da justiça? Havia de pedir ao seu collega do reino que pozesse o circulo em estado de sitio? De certo não.

O sr. ministro do reino não poz em estado .de sitio o Algarve, por exemplo, por ter saido eleito em dois circulos o sr. Barros e Cunha, estimavel cavalheiro de quem tambem sou amigo.

Sr. presidente, é necessario reconhecer os direitos do estado; mas é tambem necessario que o estado reconheça a sua posição em relação á igreja.

Eu comprehenderia toda a arrogancia do estado, e pretensão de tudo absorver em si, quando Luiz XIV dizia: «L’état c’est moi.»

Mas hoje o estado é o sr. ministro da justiça na sua secretaria, o sr. Rocha. Peixoto em Vianna, b sr. Mariano de Carvalho na Chamusca, e assim por diante.

Não são tres, nem quatro, nem cinco, são muitos es pequenos estados, e para todos o illustre ministro é zeloso da prerogativa, porque convem traze-los favoraveis.

Chama-se a isto agora politica. Parecia-me melhor, mais

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simples, mais parlamentar, a politica antiga. Era eleger com liberdade, e á sombra de uma lei sincera, cada circulo o seu deputado; era apresentar o governo francamente as suas idéas; era, no caso de não convirem, mandar embora os deputados, consultando de novo o paiz, ou irem-se embora os ministros, fazendo logar a outros.

Mas isto não se faz hoje, e já quasi pareceria o maior dos absurdos.

Sr. presidente, exigiu-se dos conegos de Bragança que cumprissem a insinuação que lhes foi feita. Declararam elles por ventura que não reconheciam a prerogativá da corôa? Levantaram orgulhosos a bandeira da resistencia? Nada d'isso.

Disseram que na sua opinião, segundo o direito canonico, a eleição devia recair de preferencia em um dos membros do cabido, que os havia cinco, no caso de poderem ser eleitos; que dissesse o governo qual d'elles queria escolher, que o cabido o acceitaria.

Ora esta humildade não merecia as iras do sr. ministro da justiça.

Estes conflictos, sr. presidente, do estado com a igreja, na situação actual das cousas, são inconvenientes. Approximemo-nos quanto mais possivel do principio da igreja livre no estado livre, e lá se ha de chegar um dia. Mas emquanto não chegâmos a esse desideratum do seculo, é necessario que haja ao menos muito tino, que haja prudencia, que haja cordura e moderação.

O nosso clero é humilde, os proprios prelados desejam estar sempre de accordo com o governo em todas as cousas e não levantam questões. Para que estamos a fazer de leão com o cordeiro?

Eu, por mim, confesso que sou contra todos os fanatismos, contra todos. Detesto Torquemada como detesto Robespierre. Para mim é tão condemnavel a guilhotina em nome da democracia, como é a fogueira em nome da religião. (Apoiados.) Detesto, repito, todos os fanatismos, mas ainda detesto mais a hypocrisia. Robespierre e Torquemada tiveram ao menos uma desculpa; representavam a inflexibilidade da idéa absoluta.

Quando Cromwell levantava as mãos ao Altissimo, orando por Carlos II, cujo sangue corria no cadafalso, praticava um acto de hypocrisia, que enodoou para sempre a memoria do grande protector. Todos os meritos, todas as grandezas de Cromwell não podem justifica-lo perante a historia, e até o enorme talento de Mokeldie falha n'essa tarefa.

Mais uma vez, antes de terminar, eu quero deixar consignado um voto pela liberdade de cultos. Dirão que é difficil, que é perigoso, adopta-la. Não o é; sejam sinceros. E facil, é corrente, é feito desde que um governo bastante sincero queira collocar-se á frente da questão, e prescindir d'essa falsa protecção á igreja catholica, que é sempre capa de influencias mundanas, e ás vezes pretexto de oppressão ás consciencias.

Não é só na Hespanha que está adoptada recentemente a liberdade de cultos sem inconveniente politico; e eu faço votos para que o novo governo ali levantado pela aclamação do exercito e do povo possa manter esse principio, o unico legado bom da revolução.

Não é só ahi que existe a liberdade de cultos. Essa liberdade não tem feito mal algum á Belgica, onde tambem existe a par de uma grande fiscalisação administrativa. Será, pois, impossivel adoptar essa liberdade entre nós? Não o creio. No mera entender póde-se chegar a ella desde que o quizerem os governos, não se prendendo com o artigo 6.° da carta, nem com os receios da opinião publica, porque a opinião publica acceita-a, e o artigo 6.° não se oppõe, e por isso não é preciso reforma-lo: basta interpreta-lo racional e logicamente.

Emquanto se não chega á liberdade de cultos haja cordura, haja moderação, haja tino, haja respeito ás tradicções partidarias, haja fé nos principios, porque sem isto, sr. presidente, não se faz cousa que preste.

Reconheço grandes dotes no nobre ministro da justiça, é um grande talento, e uma vasta intelligencia; mas o nobre ministro é um homem novo, e ha de permittir que eu, como velho, lhe dê alguns conselhos.

Essas grandes qualidades do homem d'estado, essas normas de proceder, não se supprem com as subtilezas do engenho, nem com as argucias da dialectica, que podem agradar aos ouvintes, mas que não resolvem as questões, antes as deixam de pé com desprestigio do poder.

Tenho concluido.

Vozes:.- Muito bem.

(Orador foi comprimentado por alguns dignos pares.}

O sr. Ministro da Justiça: - Respondeu que não era sua a culpa de ter a questão tomado as proporções que tinha, mas de quem a tinha considerado no campo religioso.

Pela sua parte nada mais fizera do que seguir os precedentes que ha seculos sempre se praticaram, e que já eram um direito consuetudinario da corôa, e que o direito consuetudinario é reconhecido até pelo direito canonico.

Os conegos de Bragança negaram á corôa esse direito, e elegeram vigario capitular, não aquelle que a corôa tinha insinuado; era portanto illegitima essa eleição, e não podia ficar impune, pelo que suspendeu com elles todas as relações, depois de esgotados todos os meios de suasão, e mandou processar o vigario capitular, seguindo a consulta do sr. procurador geral da corôa.

Quanto a elle orador a questão não se resolvia pelo diccionario de Moraes ou qualquer outro, mas sim por a accepção scientifica da palavra insinuação. Era, pois, acceitando-a n'essa accepção, que elle sr. ministro se punha ao lado do partido liberal para sustentar os direitos da corôa e repellir as invasões da reacção ecclesiastica nos dominios da sociedade civil.

O sr. Bispo de Vizeu: - Eu não tencionava tomar novamente a palavra n'esta questão, mas depois do que aqui se passou, tendo alguns dignos pares fallado e tratado de diversas especies, e respondendo o sr. ministro da justiça com a repetição de alguns argumentos, com que eu não possa conformar-me, vi-me na necessidade de incommodar outra vez v. exa. e a camara para me occupar da questão.

Sr. presidente, eu procurei expo-la o mais moderadamente que me fosse possivel, desprendendo-me de todas as considerações politicas, collocando-a no ponto em que ella estava, e que era a eleição do vigario capitular. Fallei no modo como a imprensa tinha tratado esta questão e como o cabido a considerava; não fiz mais do que historial-a, e o sr. ministro da justiça aproveitou habilmente esta especie, para do modo por que os partidos tinham tratado o negocio tirar força para robustecer a situação em que se collocára.

O seu fito era collocar-se atrás do partido liberal, para a coberto dessa bandeira fazer passar a fazenda avariada das suas arbitrariedades e dos seus abusos do poder.

Eu historiei o que fez a imprensa liberal; mas não me fiz cargo da responsabilidade das suas opiniões.

Não discuto, nem trouxe á discussão, quaes seriam as formulas mais perfeitas para manter as boas relações entre o sacerdocio e o imperio, ahi é que teriam logar as aspirações das diversas escolas.

A minha questão é só do direito constituido; acceito o que se acha ordenado, e recebido pelos dois poderes; e o que desejo é que se mantenha o direito da igreja, e não se façam invasões por parte do estado.

Pela minha parte tenho procurado tratar esta questão só no campo dos principies, e tendo narrado desassombradamente os factos não foram elles contestados pelo sr. ministro.

O cabidlo não só não deixou de reconhecer o direito da

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corôa, mas até aguardou o tempo necessario para que chegasse a insinuação, logo o cabido não se póde considerar reaccionario, nem é legitimo o titulo de ultramontano, com que se tem querido mimosea-lo. O cabido esperou a insinuação regia, portanto não se -insurreccionou contra esse direito; e só depois de receber a insinuação é que fez sentir ao governo por um telegramma, que se não conformava com ella, não porque o indigitado não possuisse as qualidades pessoaes necessarias, mas por não ser membro do cabido, como determinam as leis canonicas.

Esta é que é a questão, no campo dos principios, onde o sr. ministro da justiça a não tem querido acceitar, tratando só de me combater com o epitheto de reaccionario.

A minha questão não é de irniandades e confrarias, nem de jesuitismo, nem de ultramontanismo; a minha questão é simples, trato só dos factos e dos principios com relação ao incidente havido com o cabido de Bragança.

O sr. ministro não se póde defender senão allegando o facto do cabido se não ter conformado com a indicação que lhe foi feita, e collocada a questão assim, estou outra, vez no meu terreno primitivo; ora a insinuação é uma simples indicação, ou uma ordem. D'aqui não se póde sair. Deixemos as outras altas questões para outra occasião mais opportuna. O sr. ministro da justiça não respondendo a esta questão, que é a capital, procurou defetrder-se dizendo que fez o mesmo que tem feito todos os seus antecessores, e que eu proprio em identidade de circumstancias faria, ou hei de fazer, o que s. exa. fez.

O que eu hei de fazer, nem eu proprio o sei. O homem obra segundo as circumstancias, e são ellas que determinam o nosso procedimento, levando-nos muitas vezes a fazer o qus fóra do concurso d'ellas não praticariamos. Ora eu confesso que não sei o que faria; mas o que posso asseverar ao sr. ministro da justiça é que, no caso de eu ter insinuado ao cabido um sacerdote que elle me recusasse, não procederia como s. exa., não suspenderia o cabido, não privaria os conegos dos seus ordenados, não os reduziria á miseria, a ponto, de ser necessario abrir-se uma subscri-pçao para os sustentar.

Queria eu que o sr. ministro respondesse ás rainhas preguntas, e me dissesse se a insinuação é um pedido ou umdireito absoluto: mas s. exa. não quiz responder a estes quesitos, e nada disse sobre elles. Pois eu folgaria de saber se s. exa. entende a insinuação por um pedido, porque nesse caso não podia haver castigo, por não obtemperar a uma rogativa que se faz ao cabido, como praticou o sr. ministro. Porém a insinuação, apesar da formula rogatoria, é um direito, que a corôa exerceu em plena prerogativa, como asseverara o sr. ministro; contra essa interpretação protesto eu, em nome da logica, da justiça, e da rasão, e até em nome dos mais sanhudos regalistas, que nenhum d'elles assim a entendia nem se lembrava de lhe dar alcance tal.

O sr. Ministro da Justiça: - Disse que a fórma rogatoria que reveste a insinuação não lhe faz perder a sua qualidade de mandato, que deve ser obedecido. E o resultado de um direito da corôa, que o cabido negou, como se ve do seu manifesto, que é um acto reaccionario.

O Orador: - Então se a insinuação é uma ordem, não ha eleição. E melhor n'esse caso que o governo use de outras formulas, nomeie directamente o vigario capitular e acabe com a hypocrisia da eleição. Ordem e eleição repugnam. Isto é que é logico, e d'aqui não se deve sair.

Todos sabemos que para haver eleição é preciso que haja liberdade de escolha. Quem elege é que é o juiz competente das qualidades da pessoaem quem quer que recaia a sua escolha, e não quem insinua. Quem diz eleger, diz escolher; a faculdade de eleger importa a faculdade de escolher; não se póde comprehender uma sem a outra. O sr. ministro insinua um individuo para vigario; ao cabido compete ajuizar das qualidades desse individuo, porque é elle quem tem de eleger, e não o sr. ministro.

Disse s. exa. que o cabido tinha achado muito digno o sujeito que foi insinuado para ser nomeado vigario capitular.

Esta declaração colloca o cabido n'uma situação ainda, mais favoravel para aquella corporação. O cabido disse que a pessoa insinuada era excellente e muito digna, mas ao mesmo tempo declarou que a não podia eleger porque se oppunha a isso a lei por onde se rege. Não reagiu por causa das qualidades do individuo, mas porque tinha obrigação de executar a lei a que deve obediencia. O sr. ministro sabe muito bem qual é a lei que para os cabidos regula estes negocios. Se o cabido a não cumprisse é que mereceria castigo. Os ecclesiasticos devem obedecer ás leis da igreja, e foi o que os cónegos de Bragança fizeram. Vejamos qual é essa lei.

Quando morre um bispo, a jurisdicção passa para o cabido, o qual durante oito dias governa a diocese. Ao fim d'elles perde a jurisdicção, se não elegeu vigario capitular, mas logo que o elege transmitte a jurisdicção para o vigario, que não póde ceder por sua livre vontade esse direito, que resulta da eleição, e só por causa de impossibilidade physica ou moral é que póde deixar a jurisdicção, e assim mesmo não é elle o juiz competente para decidir se ha ou, não essa causa de impedimento, e se a jurisdicção deve reverter para o cabido. Este é que é o direito. O sr. ministro da justiça sabe muito bem que são estas as determinações do concilio, e deveria obrar mais cordatamente respeitando esse direito, pelo qual o cabido se rege, nem podia deixar de se reger.

O sr. conde do Casal Ribeiro para interpretar a palavra insinuação trouxe para aqui o diccionario de Moraes. Parece-me que a camara percebeu, e era facil de perceber o que significava este acto do digno par, significava que s. exa. queria condemnar a doutrina que o sr. ministro da justiça aqui apresentou, e da qual se deprehende que s. exa. encara o direito de insinuação como constituindo uma obrigação, que importa obediencia. Se assim é, se o sr. ministro da justiça dá uma tal interpretação ao que chama direito de insinuação, eu protesto contra ella, porque s. ex.a vae n'isso mais adiante que o marquez de Pombal, que reconheceu sempre aos cabidos o direito de fazerem a eleição.

Vae alem do ferrenho despotismo d'esse ministro, porque vae até ao absurdo. Protesto contra similhante interpretação.

O marquez de Pombal, quando fez insinuações, reconheceu no cabido o direito de fazer a eleição, e ordenou-lhe que cumprisse esse direito na fórma do concilio de Trento, mas lembrava-lhe que a sua magestade seria muito agradavel que o cabido se não esquecesse do individuo que elle-insinuava. Não elevou a insinuação á categoria de direito, e nunca ninguem se lembrou de tal, senão o actual sr. ministro da justiça. Esta é que é a verdade e s. exa. castigando o cabido de Bragança, por elle não obedecer á sua insinuação, obrou inconvenientemente, faltou ao direito e ao dever. Se a insinuação é um pedido, esses individuos, não podiam ser castigados; se é um direito, não devia haver a eleição, e o cabido, tendo faltado aos seus deveres, devia ser entregue aos tribunaes para lhes ser applicada a pena correspondente ao seu delicto.

O sr. ministro da justiça, porém, nada disse a este respeito, porque s. exa. bem sabe que abusou do poder, applicando uma pena que não podia applicar. O que é certo é que o sr. ministro fez uma inutilidade, fez um abuso de poder inutil, com o qual nada alcançará, porque tudo quanto fizer é nullo; e ainda mesmo que o cabido cedesse agora á insinuação o acto da eleição já não se podia annullar. S. exa. sabe isto muito bem; eu é que não sei coma classificar este seu procedimento. O que digo ao sr. ministro é que, apesar das iras que desenvolveu contra os clerigos e vigario capitular de Bragança, apesar de se julgar legalmente auctorisado para os castigar a seu livre arbi-

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trio, os actos do cabido são validos; s. exa. ha de acceita-los como taes. E se o sr. ministro se collocou n'esta posição faltou aos deveres de ministro constitucional, praticando um abuso de poder. E em vista d'isto, ninguem poderá dizer que s. exa. foi cordato.

Outra circumstancia. O sr. ministro da justiça apresentou já um argumento, a que tambem já respondi, e ainda ha pouco o repetiu, a respeito das escolas liberal e reaccionaria.

S. exa. é assim. Se os argumentos são fortes, passa por cima d'elles, e vae entretendo o publico com differentes cousas, e se não lhe fazem conta, diz que elles pouco valem.

(Hilaridade.)

Quando eu me referi ás escolas liberal e reaccionaria, s. exa. aproveitou logo este ensejo para declarar que estava filiado na escola liberal.

Eu podia dizer ao sr. ministro da justiça o que era a escola liberal, mas não estou aqui para fazer definições; o que queria, ou pelo menos o meu desejo, era tratar a questão sem involver as questões politicas.

Agora veiu o sr. Casal Ribeiro fallar na lei eleitoral de 1859, que foi reformada quando fiz parte do ministerio que alterou essa lei. Não fui poupado das censuras por esse acto.

Eu reformei a lei eleitoral só em dois pontos; no resto não toquei; foi quanto aos circulos, e limitei o numero dos deputados; eram 179 e ficaram em 100.

Eu fiz esta reforma e os meus collegas, pelo lado economico, porque a politica antecedente tinha tornado a situação affrontoija, havia um deficit de 7.000:000$000 réis, achamos o thesouro vasio, com creditos a nacionaes e estrangeiros, e sem meios para os satisfazer, nem para pagar os ordenados aos empregados publicos. Não quero com isto dizer que foi só esta a causa, mas do que nos occupâmos foi em seguir outro rumo de governar, para poder chegar ao estado em que hoje felizmente nos achamos, porque antes d'isso se tinha gasto muito, sem conta, nem peso, nem medida. Era por conseguinte o principio economico que noa dominava.

Mas esta reforma não foi só para poupar 30:000$000 ou 40:000$000 réis, foi tambem um pensamento politico, foi porque nós entendemos que a camara dos deputados tinha maior numero do que devia ter proporcionalmente á sua população, porque se attendermos a que a nossa população é de quatro milhões de habitantes, se tanto for, havemos achar que 179 deputados eram um numero demasiado em comparação com o de nações mais populosas. E o caso é que os governos que se seguiram das differentes cores politicas ainda não alteraram o que nós fizemos.

O sr. ministro da justiça disse ha pouco que havia de ser executor da lei e mantenedor das prerogativas da corôa, pois tinha obrigação para isso. Eu não lh'o levo a mal, pelo contrario dou louvor, mas a questão está no modo de exercer esse dever, porque para manter a prerogativa da corôa é necessario que a corôa possa usar d'ella de maneira que possa fazer executar as medidas que impõe.

S. exa. póde fazer o que quizsr, póde anuullar o acto da eleição, e chamar illegitimo a esse acto que castiga, mas nunca poderá alcançar o seu fim, ainda que invoque todas as prerogativas da corôa, e por mais sagradas que as considere nunca poderá fazer boa essa prerogativa da corôa, senão quando se conformar com ellas o cabido; em não havendo harmonia, a prerogativa da corôa ficará calcada aos pés, e os ministros, mantenedores d'ella nunca a poderão fazer executar. É o que ha de acontecer sempre, porque com arbitrariedades, com abusos do poder, com perseguições tyrannicas aos que obedecera ás leis canonicas, não é possivel sustentar prerogalivas algumas; e mal iria á escola liberal se tomasse á sua couta o dignidade o manter e sustentar similliantea prerogativas.

Outro argumento que o sr. ministro da justiça repetiu foi o da carta.

S. exa. é muito habil n'estas subtilezas e gosta muito de empregar logares communs, e essas palavras euphonicaa que sabe pronunciar admiravelmente e a proposito. É de justiça prestar esta homenagem a s. exa. e tambem aos seus collegas.

A carta constitucional, as prerogativas da corôa, tudo isto são ramagens de eloquencia, que podem ser muito bem empregadas, mas que a tnim me não arrastam já, porque não estou em idade d'isso.

Para que vem aqui a carta, como eu hontem perguntei? Deixemo-la estar deacançada.

Para que vem para aqui o artigo 6.°? Que tem tudo isto com a questão, para que o sr. ministro tauias vezes fallasse n'estas cousas? A carta constitucional é innocente em tudo isto, porque ella só faz reverter para a corôa o padroado em geral, porque d'antes havia tambem padroado particular da fidalgos, dos cabidos e outras corporações. Todo o mundo sabe o que é o padroeiro.

Dos, edificatio, fundare fuit patronum.

O direito de padroeiro envolve a obrigação de manter a igreja; o padroado é um direito, e não uma prerogativa? porque é oueroso, porque o padroeiro gasta o seu dinheiro na edificação e sustentação da igreja. Todo o mundo sabe isto, e nós não vimos para aqui para fazer reflexões sobre principios geraes.

A carta constitucional arrogou a si todo o padroado, a os padroeiros que tinham feito despezas e gastaram o seu dinheiro foram por ella esbulhados dos seus direitos sem se lhes dar indemnisação alguma, e a corôa ficou sendo padroeira de todas as igrejas, absorvendo todos os padroados.

O padroeiro tem direito de apresentar os que hão de exercer os beneficios ecclesiasticos, os bispos, os parochos, os conegos, etc.

Isto é o que diz a carta, que não trata senão do provimento dos beneficios ecclesiasticos, e não da eleição do vigario capitular, que é uma commissão temporaria, como aquella que eu posso exercer, sem pedir licença ao sr. ministro da justiça, quando morre um parocho e interinamente nomeio o seu coadjutor para parocho encommendado, e elle exerce plenamente, em toda a sua larguesa, os direitos parochiaes pela minha nomeação, até que haja parocho collado.

Ora o que tem o padroeiro com isto? Não tem nada, assim como não tem com a commissão temporaria do vigario capitular.

Sr. presidente, disse o sr. conde do Casal Ribeiro que os padroeiros hoje são os deputados pelos circulos. Eu não trato d'esta questão.

Agora pergunto eu, o encommendado será um beneficio?

Para que havemos de ir incommodar a carta por causa de um encommendado?

Todo o mundo sabe que um encommendado e um vigario não têem outras funcções distinctas, a não ser as inherentes á sua jurisdicção.

Para que vem pois o argumento sediço da carta? Para que vem dizer-se que quem póde o mais, póde o menos?

O sr. ministro da justiça póde apresentar um parocho, mas não ma póde insinuar o encommendado, que eu, como bispo, tenho que nomear.

Argumentar por esta fórma é rebaixar muito as prerogativas da corôa.

Ora, o sr. ministro da justiça defende-se com bastante habilidade, devemos confessa-lo, mas a logica passa por cima das habilidades, como os irmãos Davenport. (Riso.} A logica é inexoravel.

O cabido não procedeu levianamente, nem se insurreccionou contra a prerogativa, quando se recusou a acceitar o indicado, por lhe faltarem requisitos necessarios. O cabi-

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do não proeedeu assim por capricho. Eu não conheço nenhum dos membros d'aquella corporação, mas a cordura do seu manifesto obriga-me a respeita-lo. O cabido não obrou arbitrariamente, o que fez tão sómente foi tratar de cumprir a sua lei, porque os cabidos têem uma lei.

Infelizmente, sr. presidente, nós estamos sempre a fallar em liberdade, queremos usar d'ella, mãs não a concedemos aos outros. Isto é um andaço. Muita republica e pouca liberdade, como dizem os heapanhoes. Nós queremos ampla liberdade, mas é para nós; para os outros a tyrannia.

Ora, a verdadeira escola liberal é a que admitte os principios, e os applica e respeita na pratica, tornando-os extensivos aos seus proprios inimigos, embora estes conspirem contra elles. Mas não se pratica em geral assim, e a consequencia é a morte dos principios.

O que mais tem concorrido para a queda dos imperios, das realezas e das republicas tem sido o abuso, que é o maior inimigo de todas as instituições. Esta é que é a verdade.

O sr. Mello e Carvalho: - Peço a palavra para requerer que seja prorogada a sessão.

O Orador: - Eu pela minha parte só direi ao sr. ministro da justiça, que o cabido de Bragança não é reaccionario, como se vê do seu proprio manifesto, mas o governo é que o classifica assim, porque quer a obediencia cega de uma corporação em menosprezo do que estabelece o proprio concilio de Trento.

Entre Cesar e Deus o cabido obedeceu a Deus. Foi isto o que eu disse; mas o sr. ministro logo engendrou sobre estas expressões um episodio para me depreciar.

Eu não me afflijo, nem me distraio com taes subtilezas, e vou seguindo o meu caminho.

O cabido obedeceu ao concilio de Trento, ao que elle estatuiu para a eleição dos vigarios capitulares, era essa a sua obrigação e não podia fugir a ella, porque era lei da igreja e tinha de a cumprir.

As determinações do concilio de Trento dizem que a eleição do vigario capitular deve recair n'um dos membros do cabido, se entre elles houver pessoa habilitada com os graus de doutor em theologia ou em cannones. Se houver um unico membro com essas habilitações, esse é que ha de ser eleito. Isto é que manda a lei a que tinham de obedecer os conegos de Bragança, que o sr. ministro da justiça castigou, por isso mesmo que deram cumprimento a essa lei, e pelo que os vae metter em processo.

O sr. ministro disse que mandára processar sómente o vigario eleito; mas n'esse procedimento igualmente se commette uma inqualificavel desigualdade.

O sr. Ministro da Justiça: - Repetiu que tinha mandado proceder contra o vigario capitular, porque era illegitima a jurisdicção que elle estava exercendo em virtude de uma eleição nulla.

O Orador: - Então porque não mandou s. exa. processar tambem os conegos que foram os auctores da eleição? Se o eleito é criminoso, mais criminoso é quem o elegeu.

Não se comprehende, mas não admira, porque se trata de manter as prerogativas da coroa, exagerando os processos do marquez de Pombal; mas devo dizer ao sr. ministro que foi muito a sangue frio buscar dificuldades que não sei como ha de vence-las.

Supponha-se que, apesar da incompetencia de um juiz leigo para julgar uma questão de jurisdicção espiritual, ha um juiz que processa o vigario capitular, e o mette na cadeia, ha de elle governar a diocese entre ferros? Ha de ella ficar privada do governo? Em qualquer dos casos, perturbação das consciencias. E não ha meio de sair desta. difficuldade, porque não póde o vigario capitular nomear um ecclesiastico para substitui-lo no governo, nem o cabido póde avocar a jurisdicção para passa-la a outro.

O sr. Ministro da Justiça: - Deu alguns motivos para explicar o seu procedimento.

O Orador: - Temos, pois, julgado criminoso o eleito e não quem o elegeu. Isto parece-me uma tyrannia. O sr. ministro ha de ter escrupulos de consciencia quando vir aquellas pobres victimas das suas iras a morrerem á fome por não receberem os seus ordenados. Realmente é falta de caridade, e em nome d'ella, e em nome da religião, imploro alguma misericordia em favor;dos infelizes conegos, aes quaes não sei por que tambem s. exa. não metteu em ppoeesso.

Sr. presidente, depois que hontem aqui usei da palavra, recebi uma carta, não sei de quem, com os seguintes esclarecimentos, que agradeço. (Leu.)

Vê a camara que é um apontamento que me mandou alguem que eu não conheço, para me ajudar a responder ao sr. ministro da justiça.

O concilio de Trento determina que a escolha do vigario capitular se faça d'entre os membros d'essa corporação, havendo n'ella pessoa habilitada, e na falta d'ella não póde ir buscar nenhum estranho que resida fóra da capital da diocese: tem de escolher entre os parochos residentes na sede. Ora, sendo isto assim, de certo que o cabido, tendo entre os seus membros cinco doutores, não podia acceitar a insinuação do sr. ministro da justiça, que não se coadunava com as prescripções do concilio. Mesmo que não houvesse doutores entre os membros do cabido, este não podia escolher o insinuado pelo governo, por isso que não se dava n'elle a circumstancia de ser parocho na capital da diocese.

Por consequencia o cabido cumpriu com a sua obrigação obedecendo á lei.

O sr. ministro da justiça tem quem o apoie. Muito bem. Vá seguindo o seu caminho, mas deixe os mais seguirem esta doutrina, que é a verdadeira.

Por ultimo, peço-lhe que tenha caridade e não seja tão severo para com os pobres ecclesiasticos, que só cumpriram com o seu dever. Não seja exagerado; não queira manter uma cousa que não póde sustentar. Isto é que é logico.

Não digo mais nada.

O sr. Mello e Carvalho: - Como ha só um orador inscripto, parecia-me conveniente que se acabasse hoje esta discussão, e por isso requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que se prorogue a sessão até terminar este debate.

O sr. Presidente: - Os dignos pares, que approvam que se prorogue a sessão até esta discussão terminar, tenham a bondade de se levantar.

Havendo duvida na votação, alguns dignos pares pediram a contraprova, e procedendo-se a ella, verificou se ter sido approvado o requerimento do sr. Mello e Carvalho por 30 votos contra 18.

O sr. Carlos Bento: - Não tendo a indiscreta coragem de querer impor a minha oratoria a esta camara, cedo da palavra.

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum digno par inscripto, portanto está terminada esta discussão.

Vão ler-se alguns officios vindos ha pouco da camara dos senhores deputados.

Leram-se na mesa

Tres officios da presidencia da camara dos senbores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

1.ª Sobre a organisação do corpo de marinheiros.

Á commissão de marinha.

2.ª Auctorisando o governo a considerar de nenhum effeito para a liquidação do tempo da reforma a clausula imposta, a dois capitães tenentes reformados, pelo decreto de 25 de setembro de 1851.

Á commissão de marinha.

3.ª Concedendo aos amanuenses do tribunal de contas o augmento de vencimento por diuturnidade de serviço.

Á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será na sexta

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feira, e a ordem do dia a que já estava dada para a sessão de hoje e mais os pareceres n.ºs 27, 28 e 29.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas.

Dignos pares presentes á sessão de 3 de março de 1875

Exmos. srs.: Custodio Rebello de Carvalho; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Pombal, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, do Bomfim, de Cavalleiros, do Casal Ribeiro, de Fonte Nova, de Linhares, da Louzã, de Podentes, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Sobral, da Torre; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Benagazil, de Chancelleiros, das Laranjeiras, de Monforte, dos Olivaes de Portocarrero, da Praia Grande, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de S. Pedro; OrneLlas, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Gamboa e Liz, Barres e Sá, Mello e Saldanha, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Paiva Pereira, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Larcher, Andrade Corvo, Mártens Ferrão, Lobo d'Ávila, Braamcamp, Pinto Bastos, Pestana, Lourenço da Luz, Sá Vargas, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio.

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