306 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
de 1886 não póde ter execução sem ser approvada pelo parlamento, e esta, sr. presidente, foi a opinião tanto do negociador como do governo, e até mesmo do Santo Padre, e para provar esta verdade, eu principio por ler algumas das passagens do Livro branco que assim o indicam.
A pagina 142, lê-se n'uma correspondencia do sr. Mártens Ferrão, o seguinte:
"Não quiz adiantar mais do que o sufficiente para mostrar que era instante a concessão da prorogação por tempo sufficiente para se chegar a fazer uma convenção e poder ser discutida no parlamento portuguez."
Isto é claro, sr. presidente, e não admitte contestação.
N'estas poucas linhas, tenho já por mim a opinião do sr. Mártens Ferrão, cujo saber e intelligencia, eu respeito e admiro ha muitos annos, pois fui seu contemporaneo na universidade de Coimbra, e folgo de ter occasião de prestar publicamente esta homenagem a s. exa.
Não sei porém, a rasão por que s. exa. depois mudou do opinião, mas procurarei indagal-a.
A grande difficuldade que havia, e que ainda hoje se diz; ser a causa por que esta concordata tão apressadamente se fez, era a ameaça de suspensão das faculdades concedidas ao arcebispo de Goa, em virtude da sua delegação apostolica extraordinaria.
Parece-me tambem que isto não e verdade, porque a pagina 157, lê-se n'uma correspondencia do sr. Mártens Ferrão, o seguinte:
"Roma, 22 do novembro de 1885. - Ao ministro dos negocios estrangeiros. - Concedida prorogação das faculdades extraordinarias, incondicional e sem limitação de tempo. Póde fazer-se communicação. = Mártens Ferrão."
Portanto; esta communicação do embaixador portuguez, não era bastante para que a grande difficuldade que se allegava, não estivesse vencida? Certamente. E estava o por tal modo que o governo não duvidou que esta prorogação tivesse sido feita incondicional, e sem limitação de tempo, e assim o fez constar.
E a Santa Sé não falta á sua palavra.
Eu faço-lhe justiça completa.
A Santa Sé tem uma politica, e não póde deixar de a ter, visto que mantem relações com todas as nações catholicas, e mesmo com outras que o não são.
A Santa Sé em que é muito escrupulosa é nas palavras, porque ella regularmente agarra-se á letra dos seus tratados ou compromissos.
Ora o sr. Mártens Ferrão affirmou que a prorogação das faculdades tinha sido incondicional, e sem limitação de tempo, portanto tinha desapparecido o perigo eminente de que o padroado estava ameaçado, e assim as negociações podiam demorar-se, não tres "u seis mezes, mas sim um anno ou mais, para que houvesse tempo da concordata ser apresentada e apreciada pelo parlamento portuguez; comtanto, porém, que essas negociações continuassem e só houvesse as interrupções, que são sempre indispensaveis n'uma negociação tão importante, como era a concordata. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, isto ainda não é tudo. O sr. Mártens Ferrão em outra correspondencia já parece duvidar do bom exito da negociação, se ella for retardada. Já não tinha em consideração que a prorogação das faculdades fôra incondicional e sem limite de tempo! Já então mostrava pressa em se acabar com ás negociações e dizia:
"Se a negociação for retardada, perderá muito, porque eu receio e mesmo presinto resistencias da parte de certos cardeaes e temo qualquer insinuação estrangeira que nos faça perder o que quasi se póde dizer ganho."
Aqui temos nós n'esta communicação do sr. Mártens Ferrão uma idéa que certamente não o lisonjeira, nem para o governo que approvou a concordata, nem mesmo para a nação portugueza. Pois haverá alguma nação estrangeira, seja ella qual for, que tenha direito de intrometter-se nos nossos negocios?
Mas qual será esta nação? Será a França? Creio que não, porque a França estava empenhada com a Santa Sé, apesar do seu governo ser republicano, em uma certa negociação, que a final venceu.
A camara deve saber que Roma quiz, até certo ponto, tirar á França o protectorado das missões catholicas na China, protectorado que em outros tempos nos pertenceu e nós perdemos, e foi tomado pela França, que o aprecia tanto, que fez d'elle uma questão diplomatica de tal ordem que estiveram para se romper as relações entre aquelle paiz e a Santa Sé.
E nós, sr. presidente, uma nação catholica e monarchica, a fidelissima nação portugueza, não podemos conseguir em toda a sua plenitude a conservação dos nossos direitos ao padroado das Indias orientaes!!! (Apoiados.}
Mas ainda aqui não pára a minha analyse. Em 11 de abril de 1886, o sr. Mártens Ferrão, declarando que tinha acceitado a concordata ad referendum, dizia no principio do seu officio dirigido ao sr. ministro dos negocios estrangeiros:
"O cardeal leu-me os artigos do projecto da concordata, que acceitei ad referendum."
E no fim do mesmo officio, confirmando que toda a negociação fôra feita, como devia sel-o, ad referendum, diz:
"Como tudo é ad referendum, o governo ponderará as rasões e resolverá na sua alta sabedoria."
Ora, o governo tinha a seu favor a prorogação das faculdades, incondicional e sem limite de tempo, que lhe permittia sustentar com vantagem os direitos do padroado e não precipitar esta negociação. Mas andou tão apressadamente n'esta questão que, em dois ou tres dias, tomou a resolução definitiva de ratificar a concordata, sem a submetter á apreciação do parlamento, como até ali affirmára ser necessario. (Apoiados).
Eu vou ler os telegrammas inseridos no Livro branco.
Em 18 de junho de 1886 participava o nosso embaixador ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que a Santa Sé exigia o praso de tres mezes para a ratificação:
"Roma, 18 de junho de 1886. - Praso para ratificação, tres mezes, do que não prescinde absolutamente.
"Resposta urgente, se posso assignar."
E no dia seguinte o governo respondeu ao nosso embaixador com o seguinte telegramma.
"Lisboa, 19 de junho de 1886. - Embaixador de Portugal em Roma. - Póde assignar, mas tendo em conta que as côrtes só se reunem em janeiro."
Por consequencia, a opinião do governo era que a concordata devia ser apresentada ao parlamento para ser discutida. E se assim não fosse para que disse o sr. ministro ao nosso embaixador. "Póde assignar, mas tendo em conta que as côrtes sómente se reunem em janeiro"?
Portanto, é porque julgava que a concordata devia ser apreciada pelo parlamento.
Mas isto passava-se em 19 de junho do 1886 e no mesmo dia respondia de Roma o sr. Mártens Ferrão:
"Roma, 19 de junho de 1886. - Não posso assignar sem estabelecer praso no artigo 12.° Pontifice disse que em outubro ha de publicar a organisação da igreja das Indias, e que Portugal tem tempo de convocar as côrtes.
"Não prescindia d'aquella publicação.
"Creio inutil qualquer insistencia."
Não era só o governo, era tambem o Papa que entendia que a concordata devia ser discutida e approvada pelas côrtes.
Os telegrammas continuaram-se e em um que o sr. ministro dos negocios estrangeiros expediu no dia seguinte ao nosso embaixador diz-se:
"Lisboa, 20 de junho de 1886. - Embaixador de Portugal em Roma. - Empenhe a maxima diligencia para conseguir praso de um anno. Quando repute impossivel conseguil-o, acceite praso marcado pelo Papa."
E o embaixador, ainda no mesmo dia, lhe respondeu com o seguinte telegramma: