SESSÃO DE 31 DE MAIO DE 1887 317
mós auctoridade e onde as leis portuguezas são respeitadas, comprehendo que ahi, como em todo o reino, o governo intervenha na nomeação dos que vão exercer o sagrado ministerio, sobretudo emquanto esse ministerio estiver essencialmente confundido com funcções administrativas. Ahi perfeitamente, em territorio estranho praticamos uma usurpação.
Os representantes de Christo e dos seus apóstolos na terra não somos nós, sr. presidente, nem o são os homens de estado de qualquer paiz; não foi a nós que elle disse: ide e ensinae todas as gentes. Á igreja é que foi confiada essa missão. Pôr-lhe n'ella embaraços, coarctar-lhe a sua acção, sobretudo quando nada justifica esse procedimento, quando nenhum perigo nos póde advir do contrario, é dar prova de pouca fé religiosa, é suppor, o que não é licito, que o Rei de Portugal, ou os seus ministros têem mais competencia na escolha de quem ha de propagar a fé do que o supremo pastor, o chefe supremo da christandade.
Quando o governo nomeia bispos para as dioceses, não é porque lhe pertença escolher successores para os apostolos, nomeia funccionarios que vão buscar a Roma a jurisdicção religiosa que o governo lhe não póde conferir. São cidadãos portuguezes, são funccionarios portugueses sujeitos ás leis do seu paiz, mas emquanto bispos o seu superior é o Papa e só elle, e se o governo intervem com elles em materia religiosa é em virtude de tratados e convenções negociadas e estipuladas com esse superior, e provenientes da confusão de funcções que pelos bispos são exercidas.
Não confundamos; se o bispo é nomeado para paiz onde Portugal não exerce soberania, elle não póde exercer, como no reino, funcções administrativas; desapparece o funccionario e fica só o prelado; logo, deve tambem desapparecer toda a intervenção, outra que não seja a do pontifice, na sua nomeação.
Mesmo aquelles que justamente são nomeados pelo governo, quando a vontade de Roma se achar em opposição com a vontade do imperante, devem obedecer ao Pontifice; isto póde não ser patriotico, mas é logico, e quem não quizer achar-se em tão penoso dilemma resista á vocação, não se ligue por laços que mais tarde não póde quebrar.
Não posso, pois, deixar de dizer que Roma, que incessantemente tem porfiado por nos arrancar estes direitos, tem cumprido com o seu dever, e Roma não teria talvez rasão para se mostrar tão zelosa, se podessemos ao lado d'este patriotismo, com que temos sempre defendido o padroado, provar que tão bem como o Pontifice nos desempenhamos dos deveres que voluntariamente assumimos. Podemol-o fazer?
Respondem varios membros d'esta camara, responde o sr. ministro da marinha, responde o proprio sr. Thomás Ribeiro, porque todos confessam que o nosso desleixo tem sido grande. Portugal não tem cumprido os seus deveres de padroeiro, e embora em parte isso se possa attribuir ás resistencias que tem encontrado, é facto incontestavel que a nossa iniciativa tem sido bem pequena.
E este desleixo ha de continuar; passada esta primeira influencia da concordata, em que se quer justificar a energia com que se negociou, com a brevidade com que se provêem as dioceses, os ministros da corôa hão de esquecer-se muitas vezes, e tanto como o faziam até aqui, das necessidades do padroado, para attenderem ás necessidades da fazenda e da administração publica, e não serei eu que por isso os censure.
Hão de esquecer por mais de uma vez que as dioceses estão sem bispos, os cabidos sem conegos, os seminarios sem theolgos; e quando chegarem as representações pedindo o provimento das sédes vagas, hão de ficar sem despacho porque, desde já o prognostico, os governos hão de cansar-se de ver voltar do oriente collecções de bispos resignatarios que, ou hão de ser providos nas sés do reino, quando as houver; ou hão de receber pensões do estado, se voltarem pobres, como é de esperar, porque a corôa de Portugal não ha de consentir que bispos portuguezes sejam forçados a pedir esmola para viver.
É, embora o digno par e reverendo arcebispo resignatario de Braga diga que nenhuma nação nos póde contestar o direito que vamos exercer, eu não posso partilhar a confiança de s. exa. Não se trata da jurisdicção inherente á soberania, que toda a nação civilisada conserva sobre os seus nacionaes, mesmo quando elles residem em paiz estrangeiro, por via dos seus funccionarios, consules ou embaixadores, e em virtude de tratados mais ou menos priviligiados, ou simplesmente em virtude do direito das gentes respeitado por todas as nações cultas. Trata-se, pelo contrario, de exercer sobre subditos de uma nação amiga e alliada, porque o são na grande maioria, uma jurisdicção que nação alguma do mundo exerce fora do seu territorio. A Inglaterra, até hoje, coherente nisso com a sua politica religiosa, nenhum obstaculo tem posto ao exercicio dos nossos direitos, mas, como os precedentes não a obrigam, como não ha tratados que a liguem a assim continuar a proceder, pois, se não me engano, apenas quando Bombaim foi dado em dote de uma princeza portugueza, se fez relativamente a esta cidade reserva dos direitos do padroado, as circumstancias podem mudar, e causas que não posso prever, mas facilmente admissiveis, podem-no levar a proceder de outra fórma. Lamentaremos então, mas fôra de tempo, o não ter afastado o pretexto de violencias a que não podemos resistir.
De mais tenho respondido a quem chamou ao padroado uma parte da soberania de Portugal.
Houve tambem quem disesse que era um meio poderoso de estendermos a nossa influencia. Pergunto: que influencia? Colonisadora? Ha quem queira voltar ao tempo das aventuras? Ha alguem que supponha a possibilidade de podermos representar de novo o papel que desempenhamos no oriente? Suppondo mesmo uma convulsão politica na India, suppondo uma invasão possivel de russos que viesse abalar e mesmo destruir a dominação ingleza, eu ainda assim não creio na possibilidade de augmentar os nossos dominios nem desejaria que o tentássemos; seria voltarmos aos tempos das emprezas aventurosas, para colhermos mesmos fructos que d'ellas colheram os nossos maiores. Bem gloriosas foram e comtudo tiveram por conclusão logica Alcacer Kibir e sessenta annos de dominação estrangeira. Hoje não póde haver Alcacer-Kibir, porque tambem já não póde voltar um D. Sebastião, que em tal empreza empenhe e arrisque todas as forças vivas do paiz; mas ha a bancarrota, o Alcacer Kibir das nações modernas, e sobretudo das nações pequenas, cujos desastres não são menos para temer que os do campo da batalha. (Apoiados.) Levam igualmente á perda da nacionalidade e se custam, menos vidas, se são menos ensaguentados, causam ruinas mais completas, mais duradouras, aggravam a pobreza do pobre e abalam profundamente toda a constituição interna de um paiz.
O digno par o sr. Costa Lobo fallou no bezerro de oiro como que estranhando que houvesse quem o adorasse. Pois eu direi que quem hoje o adora faz o que deve porque não desconhece qual é maior força da moderna sociedade.
Sem o oiro, que elle symbolisa, sem essa poderosa alavanca faltaria nos estados modernos tudo quanto nos é mais caro, tudo quanto contribuo para engrandecer e enobrecer o nosso viver social, a arte, a sciencia, a instrucção e a moralidade. De que serve mandar, com grosso despendio, educar artistas nas escolas mais afamadas se ao regressarem, o esculptor tiver de fazer-se santeiro e o pintor tiver de pintar taboletas para viver?
Como havemos de figurar dignamente no mundo, scientifico se nem tivermos escolas bastantes para que todos aprendam ao menos a ler? E não as temos (Uma voz: - Muito bem.)