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310 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Influencia mercantil? Risum teneatis.

Pois estamos a ver os productos da nossa principal, porventura unica, industria, a agricultura, supplantados, e com vantagem, n'esses mesmos mercados onde circumstancias excepcionaes nos deviam manter o predominio, estamos a reconhecer que nem os proprios mercados internos podemos abastecer, e havemos de suppor que alcançamos qualquer influencia mercantil na India, emparedados por uma nação como a Inglaterra, essencialmente commercial, poderosamente productora?

Nem vale a pena demorar-se com a hypothese. Não basta para isso ser a nossa lingua a mais vulgarisada; e já que d'isso fallo, permitta-me o digno par, o sr. Thomás Ribeiro, que eu lhe diga que o argumento que pretendeu deduzir do livro que apresentou a esta camara é contraproducente. Não prova que o padroado seja necessario para conservar o predominio á lingua portugueza, prova pelo contrario que a despeito da perda do padroado a lingua ha de conservar-se. Se não, vejamos. O que é o livro? Uma biblia, o Pentateucho, edição, se não me engano, de 1883, traduzida no portuguez corrupto de Ceylão. Para quem? Para catholicos, não, porque a estes é defezo lel-a em linguagem vulgar, ou pelo menos sem notas, e eu não lh'as vi. Logo, é para protestantes, isto é, para individuos que não pertencem ao padroado e que ainda assim fallam portuguez.

A lingua do conquistador é quasi sempre o traço mais indelével impresso na raça conquistada. Por toda a Africa, pela Asia, onde dominámos, se encontra hoje a lingua portugueza, da mesma fórma que as innumeras palavras arabes de que nos servimos são ainda hoje o mais apparente vestigio da dominação arabe em Portugal. Estos é que são verdadeiros monumentos de conquista.

Sr. presidente, o sr. Thomás Ribeiro tambem fez comparações pouco lisonjeiras entre o procedimento do governo portuguez n'esta negociação, e o do governo hespanhol no incidente das Carolinas, que tanto sobresaltou o espirito patriotico da nação vizinha. Permitta-me s. exa. que eu lhe diga que a comparação é injusta. A Hespanha viu-se atacada nos seus direitos de soberania (e esses reaes e positivos), e obrigada a fazel-os respeitar por uma potencia muito mais poderosa do que ella; nós tratavamos com o Papa, que nem tem armadas para nos bloquear os portos, nem exercitos com que nos invada o territorio. Restam-lhe, é verdade, as armas espirituaes, e do conflicto podia resultar o scisma, mas esse mesmo era pouco para receiar, porque o proprio, interesse do Pontifice, que consiste era conservar unidos á curia o maior numero de fieis, faria com que as cousas não chegassem a esse extremo. E estou bem convencido que entre a cessação de relações com uma nação catholica e a conservação de alguns milhares de almas no padroado, Roma nunca havia de hesitar. Em todo o caso nunca é vergonha ceder aos fracos.

Disse-se, finalmente, sr. presidente, que abandonar o padroado era demolir um dos monumentos do nosso glorioso passado. Admitto que o seja; não o poderemos substituir com vantagem? Não haverá outros que mais claramente fallem do dominio que exercemos? Os Lusiadas, as Devidas de Barros e de Gouto, livros immortaes; Goa, a velha, com seus palacios em ruina, que contam grandezas que não voltam; o proprio titulo de primaz do oriente, dado ao arcebispo de Goa, que ninguem lhe contesta e que diz bem claro que, o primeiro bispo que na Índia exerceu o o sagrado ministerio foi o bispo portuguez. Não bastará isto?

O digno par b sr. Costa Lobo, no seu empenho de satisfazer aos desejos das christandades de Cevlão, que querem continuar sujeitas ao padroado portuguez e não aos padres da propaganda, quiz hontem demonstrar-nos com a leitura de varios trechos de Diogo do Couto que só pela fé desembarcámos naquella ilha e que por consequencia o padroado ali é o unico monumento das glorias que n'ella conquistámos. E não creia, s. exa. que eu combato a sua argumentação por me querer oppor por qualquer fórma a que sejam attendidas as supplicas dos singhalezes. Não, são tão raras estas manifestações de amor desinteressado que não se devem desprezar. Amor amore compensatur. E se por qualquer fórma eu podesse contribuir para a satisfação dos seus desejos de prompto o faria, tanto mais que sendo o meu desideratum que tudo se abandonasse, desde que o abandono não é completo, pouco importa a meu ver, que seja maior ou menor, sobretudo se, como dizem, esses novos subditos não são causadores de novos gastos.

Como prova das nossas glorias, sr. presidente, contou-nos s. exa. duas retiradas vergonhosas.

O sr. Costa Lobo: - Vergonhosas não, desastrosas.

O Orador: - Vergonhosas, sustento, porque é vergonha não saber o general conservar unidas as suas forças quando em retirada atravessa territorio inimigo, e o proprio texto que s. exa. nos leu, conta que elles vinham tão separados e distantes que não se podiam soccorrer uns aos outros, quer dizer que vinham em debandada.

Os factos da historia indiana da primeira metade do seculo XVI estão tão cheios de victorias, de conquistas e de feitos de valor devidos ás nossas armas, que não teve s. exa. a mão feliz escolhendo a narração de duas retiradas para demonstrar a gloria dos portuguezes. Tanto mais que n'ellas figuraram mais de setecentos soldados, que tantos foram os que ficaram mortos. Com pouco mais de setecentos portuguezes sustentou Antonio da Silveira o primeiro cerco de Diu, com igual numero se defendeu D. João de Mascarenhas na mesma praça durante mezes, com pouco mais de setecentos destroçou D. Francisco de Almeida, não já multidões de naires effeminados e inermes mas a esquadra dos rumes, aguerrida e tripulada por gente igual á que a fortuna de D. João de Austria foi derrotar .em Lepanto para que não avassallasem a maior parte da Europa.

Eu não posso, pois, acompanhar s. exa. no enthusiasmo que lhe despertou a leitura d'aquelles trechos, como não o posso acompanhar nas conclusões que julgou dever tirar da missão que os frades franciscanos realisaram na mesma epocha no reino de Candea. Contou-nos s. exa., para provar que os ministros do evangelho preparavam o terreno aos conquistadores e negociantes, que aquelles benemeritos religiosos apenas chegados junto do principe Singhalez tinham convertido centenares de almas e fizerem com que o soberano chamasse os capitães portuguezes para junto d'elle se virem estabelecer. Mas, continuando a sua leitura com a boa fé propria do seu caracter, não nos póde occultar o resultado obtido com estas tentativas, terminando, uma sem os portuguezes chegarem mesmo ao ponto para que se dirigiam e outra com o desastre a que já me referi. Singular exemplo adduzido para provar que os religiosos sabiam conquistar as sympathias dos rajahs, singulares sympathias, que se manifestavam por logros, ciladas e traições.

E emquanto ao caso, por s. exa. tambem referido, de terem os fidalgos e auctoridades portuguezas recusado vender o dente de Budha, conquistado em Japanapatão, dando assim prova de mais prezarem as suas crenças do que as exigencias do estado, proceder que motivou os louvores de s. exa. e o levou a duvidar que hoje se procedesse assim, direi, que não tenha duvidas. Hoje vendiam a reliquia e faziam muito bem, sobre tudo se com isso resolvessem as difficuldades da administração. Vendiam, mesmo sendo catholicos ferventes, porque são felizmente menos ignorantes; vendiam, porque sabiam que aquelle objecto não era mais do que uma reliquia e não idolo, venerada não adorada; vendiam porque sabiam que Budha não é um Deus para os hindus, mas um reformador da antiga crença, venerado e não adorado; vendiam porque sabiam que nem mesmo por destruir o idolo se destruia a idolatria.

E não nos espantemos nem estranhemos esta ignorancia dos nossos maiores, porque a leitura de nossas chronicas