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SESSÃO N.°. 17 DE 22 DE NOVEMBRO DE 1894 209

vinculada aos destinos da monarchia, mas não lhe parecia indicar um grande apreço da vitalidade da nação portugueza o asserto de que a sua independencia desapparece com a possivel extincção de uma familia. No seu entender a independencia de Portugal está no espirito viril dos portuguezes. A maneira, porque Portugal ha de conservar a sua independencia, indicou-a ha tres séculos o cantor dos Lusíadas:

Defendei vossas terras: que a esperança Da liberdade está na vossa lança.

Mas aquella phrase está conforme com todo o resto do discurso, que rescende o olor de uma nauseante lisonjeria.

O discurso em seguida faz uma chronica das gloriosas façanhas do septemvirato no campo diplomático.

Começa pelo Brazil. Lamenta a ruptura das relações diplomáticas. Agradece, mas do socapa, á Inglaterra, contra a qual não ha muito tempo foi vomitado um oceano de impropérios, a sua mediação. Porém a chronica, n’este particular, é incompleta. O discurso devia acrescentar o seguinte: por causa da notoria incapacidade do meu governo está sujeito a um conselho de guerra o commandante da esquadra no Rio de Janeiro por occasião da ruptura.

Em continuação, o governo gaba-sé a si proprio, informando-nos que com as outras nações as relações são cordiaes, e que, até algumas nos têem dado testemunhos de sympathia. E pena que se não citem os nomes d’essas nações. Nem Job no seu muladar precisa tanto, como Portugal, de uma voz consoladora. Ë proseguindo os gabos a si proprio, diz-nos o governo que elle conseguiu resolver as questões da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes e do porto de Lisboa. Esqueceu-se da questão de Zanzibar, que não é o menor dos seus galhardos feitos. Mas estes campeões da dignidade e interesses de Portugal são tão abastados de merecimentos, que podem calar algumas das suas galhardias. Esqueceu-se tambem do concurso, que para a resolução d’estas questões lhe deu o governo francez com o seu ultimatum, intimado do alto da tribuna do senado francez na sessão de 9 de março d’este anno. O orador leu o seguinte trecho do discurso proferido n’essa sessão pelo ministro, que então era, dos negocios estrangeiros da França:

«Acrescentei que, n’estas condições é sem ir por ora até uma ruptura completa das nossas relações, eu convidaria o sr. Bihourd a regressar a Paris, julgando que a presença de um simples encarregado de negocios em Lisboa devia ser considerado pelo governo real como um acto comminatorio. (Nova approvação.)

A humilhação d’estas palavras não deve recair sobre a nação, cuja voz, que são os seus representantes, estava suffocada, mas sómente sobre o governo revolucionário, que se tinha arvorado em dictador, e que é o unico auctor das obras, que deram motivo áquelle vitupério.

Depois, o discurso da corôa occupa-se do accordo com a Allemanha. Nas palavras, relativas a este assumpto, que o orador leu e analysou, quasi que não ha uma só, que não seja antinomica com a verdade. O que é certo é que este mandarinato, que nos governa, alheou por uma simples nota diplomática uma parte do território portuguez na Africa, com affrontoso desprezo do artigo 10.º do primeiro acto addicional, o qual estatue que todo o tratado ou convénio seja approvado pelas côrtes antes de ratificado. E o que é mais indicativo de todo o desassombro moral é que elle, tanto n’aquella nota diplomática como nas palavras do discurso da corôa, que o orador leu, confessa implicitamente que, a final de contas, a Allemanha é quem tem rasão em exigir a derogação de um tratado, que tem a sua propria assignatura.

O orador disse, que não tratava d’estes assumptos se não cursoriamente, porque tencionava occupar-se d’elles mais devagar em outra occasião. Concluía, pois, esta parte do seu arrasoado, com dizer que ao governo esquecera a menção de um dos seus feitos bizarros, a suspensão, tambem por uma mera nota diplomática, de um artigo dos mais importantes do tratado com a Hespanha, aquelle que fixa para cada nação as raias da pesca. É certo que a carta constitucional determina que só as côrtes podem suspender as leis. Mas d’esses nonadas não se preoccupa o governo.

O orador passou a occupar-se da revolta do governo contra a constituição.

Essa revolta foi levada a cabo por um mandado, publicado no Diário do governo, que na vigencia do systema constitucional se chama decreto, mas para o qual no novo regimen cesáreo, de que elle foi a inauguração, é forçoso encontrar outro nome, rescripto, beneplácito, motu proprio, ou cousa similhante. Por esse rescripto, pois, em derogação do artigo 7.° § 2.° do segundo acto addicional, que, no caso de dissolução, estatue que as côrtes estejam reunidas no praso de tres mezes, foram adiadas as eleições indefinidamente; e por outro rescripto, assignado só pelo sr. ministro do reino, como convinha ao novo regimen autocrático, foi a reunião das côrtes adiada para outubro. Estes dois actos foram dois actos revolucionários, e não podem ser revalidados pelas côrtes ordinárias, desprovidas de poderes para reformar a constituição do estado. Caso que ellas emittam qualquer parecer confirmativo, similhante resolução é, por direito constitucional, completamente irrita e nulla.

É condição essencial da legitima revalidação de qualquer acto o direito, possuido pelo revalidante, de praticar esse mesmo acto. Têem as côrtes ordinárias, no caso do dissolução do parlamento, o direito de fixar do antemão o praso da reunião das novas côrtes? Não têem: esse praso foi fixado imperativamente pela constituição. Em caso nenhum a constituição confere ás côrtes o direito de fixar a data da sua reunião e a duração das suas funcções: esses prasos foram, em uns casos, categórica e precisamente determinados pela constituição, e, n’outros casos, deixados ao critério do poder moderador. Logo, as côrtes ordinárias, não têem a faculdade de confirmar um acto, que ellas não têem o direito de praticar.

E, se assim não fôsse, é claro que as côrtes ordinárias que ora funccionam, teriam o direito de adiar indefinidamente a segunda convocação do parlamento, e de annullar assim toda a constituição do estado.

Só ás côrtes, investidas de poderes extraordinários para esse fim, é que assiste o direito de reformar os artigos da constituição, relativos á epocha e ao periodo do exercicio das funcções legislativas, e, por isso, tambem só a ellas compete a jurisdicção requerida para absolver o poder executivo da infraeção de um artigo constitucional do codigo politico da nação. Se passasse em caso julgado a doutrina contraria a esta, se ficasse assentado, que do arbítrio do poder executivo depende a convocação das côrtes, se as côrtes ordinárias validassem o procedimento do governo, que se arvorou em septemvirato revolucionário, o regimen constitucional e representativo teria cessado em Portugal.

Então estava plenamente justificado o infante D. Miguel, quando em 1828 dissolveu as côrtes, sem convocar outras immediatamente, como determinava a carta constitucional. Então estava provado quanto fôra vão e infundado o protesto do imperador D. Pedro, protesto firmado no Rio de Janeiro em 25 de julho d’esse anno, protesto que appellidava os portuguezes á insurreicção contra esta prepotência do infante.

Similhante doutrina, tornava a repetir, seria a substituição do regimen representativo pelo regimen autocrático.

E certo que a nação tem o soberano direito de adoptar