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210 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

este regimen politico. Mas é necêssario que seja consultada a este respeito, e que dê aos seus representantes os poderes necessários para esse fim.

A nação tem a suprema soberania de adoptar o regimen do cesarismo, assim como tambem tem a soberania de adoptar o regimen diametralmente opposto, o regimen da constituição de 1822, que convertia o parlamento em uma camara unica, indissolúvel e inadiavel, e, no interregno parlamentar, vigiando, por meio de uma commissão, os actos do podér executivo.

O orador, que é adversário convicto d’estes dois systemas, associára-se ao protesto que um numero considerável de membros do parlamento, dos quaes elle era o somenos, entendera que devia formular contra estas tentativas de autocracia. Acompanhou ao paço uma commissão, que, para esse fim, se dirigiu ao chefe do estado. A resposta que o governo aconselhou ao chefe do estado, foi a de que os seus actos eram inspirados pelos verdadeiros e superiores interesses do paiz. Palavras textuaes, e que foram complacentemente reproduzidas pelos jornaes ministeriaes. Isto, attendendo ao sentido d’estas palavras, quer dizer que o podér executivo é superior á constituição do estado. E um arremedo de Luiz XIV: «a constituição sou eu.

Como aquella phrase, porém, poderia tambem indicar, que o procedimento dos reivindicadores da supremacia da constituição, não era inspirada pelos verdadeiros e superiores interesses do paiz, mas por interesses pessoaes, falsos e ignóbeis; se essa foi tambem a intenção do governo, então é indubitável que elle julga os outros por si proprio e toma como padrão do procedimento alheio o critério indefectivel dos seus actos. Não! os auctores da representação não pensavam em si, nem em nenhuma ganancia particular; não queriam vender prédios ao thesouro, nem obter concessões na Africa, nem subsídios para nenhum banco, nem o monopolio dos alcooes, nem a exploração de caes de desembarque, nem favores da pauta aduaneira. Nada d’isso: simplesmente cumpriam o seu juramento de defender a constituição. Não quizeram tão pouco appellidar o paiz para a revolta. Queriam apenas que o paiz affirmasse os seus direitos, e impedisse desmandos, cujo resultado inevitável é a revolução. Foram vencidos e apupados, segundo a opinião do sr. presidente do conselho dictatorial. Assim será. Triumpham, pois, os representantes dos verdadeiros e superiores interesses do paiz.

Esses verdadeiros e superiores interesses são, nas questões externas, tornar Portugal a fabula, o riso e a victima do todas as demais potências. Nas questões internas vae citar dois exemplos apenas, porque nem o tempo nem o ensejo lhe permittem uma enumeração completa dos verdadeiros e superiores interesses do paiz.

O primeiro é escolhido no relatorio do sr. ministro da fazenda, que precedeu a ordenança dictatorial para a cobrança dos impostos. O orador leu o seguinte trecho d’esse relatorio: «Porque acceitâmos um nominal de divida tão desproporcionado ao capital que recebemos? Porque não tinhamos de o pagar... Mas porque nos exigiam 6 por cento, quando o capital em Londres, onde principalmente se emittiram esses empréstimos, estava muito abaixo d’essa taxa? Porque era mais contingente a solvabilidade dos encargos resultantes dos empréstimos portuguezes; d’ahi a previsão, direi mais, a antecipada compensação do que n’esses juros se podia reduzir». Quer dizer: n’um documento official, o governo lança um pregão publico, apodando os portadores da divida de onzeneiros, e malsinando o povo portuguez, não de malafortunado ou mesmo de imprevidente, mas de burlão e tençoeiro. E queixam-se da imprensa estrangeira?! Toda ella aproveitou logo esta declaração official, e, apontando para nós, disse: «São elles proprios que o confessam».

Depois d’esta caroavel linguagem dirigida aos capitalistas, e d’este testemunho da nossa boa fé, o governo apresenta na outra camara uma proposta de empréstimo de de 12:000 contos de réis, hypothecando-lhe as alfandegas de Angola, Moçambique e S. Thomé. Apoz as tormentas e amarguras que o paiz tem padecido, e ainda agora padece em relação a Lourenço Marques, para salvar das garras do estrangeiro esses rostos de dominio colonial, o projecto de dar preza a esses mesmos estrangeiros nas alfandegas das colonias mais importantes do ultramar, é sem duvida nenhuma, um dos verdadeiros e superiores interesses do paiz.

Exultem, pois, os verdadeiros e superiores interesses do paiz: os seus adversários foram vencidos, recebidos com riso e com vaias, e a constituição foi atirada para o monturo.

São incansáveis estes cortezãos de poder autocrático no seu empenho de desconceituar a constituição. Que a corôa se atalaie d’elles, são os seus peiores inimigos. Desvirtuando e infamando a constituição, abalam elles os proprios alicerces do throno.

O unico fundamento legal, em que n’este paiz se firma o throno, é o artigo 5.° da carta constitucional. Esse artigo traduz, sem duvida, as tradições, os sentimentos e a vontade da nação. Mas não é conveniente desdenhar do unico titulo constitucional, em que o voto da nação está solemnemente authenticado. Tanto mais que esse artigo 5.° da carta constitucional não é em Portugal uma innovação do direito publico, é a expressão do direito publico, que sempre vigorou n’este paiz, onde nunca foi reconhecido o direito divino. Não querendo remontar a tempos mais antigos, o orador leu o assento das côrtes de 1641, onde a soberania da nação é expressamente affirmada, e invocada como fundamento do procedimento de Portugal n’essa memorável conjunctura.

É por isso, é porque elle sabe que o paiz nunca acceitaria a proclamação clara e franca do cesarismo, que este governo revolucionário procede por caminhos tortuosos e subrepticios. Afivela a mascara e esconde o punhal no seio. É por isso que, no discurso em discussão, elle alardeia que o principio da auctoridade, o qual elle suppõe exclusivamente encarnado no poder executivo, foi sempre mantido. É por isso que elle fez vir do Porto e fez receber com especial agrado uma commissão de homens opulentos, que aconselhavam o desprezo do que elles chamavam formalismos inúteis. É por isso que elle prodigalisa incenso ao exercito, de quem tem medo, e vitupérios á armada, que nunca se revoltou.

Revolucionários cesaristas e revolucionários anarchistas, ambos professam os mesmos principios. Uns e outros arvoram em dogma o desprezo das leis; ambos se apoiam na força, uns na força das turbas e das bombas de dynamite, os outros na força do dinheiro e das espingardas. Ambos promettem um futuro regorgitando de todos os com modos e confortos da vida.

É por isso que, para engodar o paiz com o simulacro de uma falsa prosperidade, tem andado até agora este governo anarchico promovendo festas por toda a parte, para que todos se convencessem de que, desembaraçado das côrtes, Portugal seria um paiz de Cocagne, onde não haveria senão refestela e folgança, e onde os benefícios de estradas, avenidas e subsidies de toda a casta estavam só em pedir.

O que elles têem causado em resultado final é um mal incalculável. Têem feito uma fructuosa propaganda de desprezo pela lei, aguilhoado desejos insaciáveis, pervertido a consciência publica.

O orador concluiu dizendo que o projecto de resposta d’esta camara ao discurso da corôa o não satisfaz. Não tem a presumpção de propor á approvação da camara uma substituição sua, mas o seu voto seria por uma resposta redigida pouco mais ou menos nos seguintes termos:

«Senhor. — As condições internas e externas do paiz são desgraçadas. Alem d’isso, a constituição do estado, que o governo do Vossa Magestade tem empenhado o ultimo