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N.° 17 SESSÃO DE 22 DE NOVEMBRO DE 1894

Presidencia do ex.mo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios — os dignos pares

Conde d’Avila

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — Correspondencia. — O digno par Vaz Preto pede que sejam requisitados novamente ao ministerio dos negocios estrangeiros alguns documentos que já pedira. — O digno par bispo de Vizeu discursa sobre a questão das juntas de parochia e a realisação dos actos eleitoraes dentro das igrejas. Responde ao digno par o sr. presidente do conselho. — O digno par conde de Thomar insiste novamente na remessa dos documentos que pedira ao sr. ministro da marinha, e occupa-se dos acontecimentos de Lourenço Marques. Responde o sr. ministro da marinha. — O digno par conde d’Avila justifica as faltas ás sessões do sr. barão de Almeida Santos.

Ordem do dia: continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso ,da corôa. O digno par Costa Lobo discursa sobre o assumpto. E lida na mesa, c admittida á discussão, a moção enviada para a mesa na sessão antecedente pelo digno par Costa Lobo. — Lê-se na mesa um officio do sr. ministro dos negocios estrangeiros. — O sr. presidente levanta a sessão, marcando a seguinte e a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 38 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão precedente, que foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do sr. ministro da guerra, enviando os documentos pedidos pelo digno par D. Luiz da Camara Leme em sessão de 6 de outubro ultimo.

Um officio da mesma procedência, acompanhando os documentos requeridos pelo digno par José Luciano de Castro em sessão de 6 do corrente mez.

Officio do sr. ministro das obras publicas, declarando que os documentos relativos ao convénio da companhia real, pedidos pelo digno par Vaz Preto, não existem na sua secretaria, por as negociações respectivas terem corrido pelo ministerio dos negocios estrangeiros. Declara mais que tão pouco existem na mesma secretaria notas de quaesquer abonos feitos aos srs. Madeira Pinto e Carrilho, pela rasão de não terem elles ido ao estrangeiro em commissão official do mesmo ministerio.

Estavam presentes os srs. presidente do conselho, e ministros da marinha e das obras publicas.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra para apresentar uma moção.

O sr. Presidente: — V. ex.a pede a palavra sobre a ordem do dia?

O sr. Marquez de Vallada: — Sim, senhor. Peço a palavra sobre a ordem para quando se entre na ordem do dia.

O sr. Presidente: — Fica v. ex.a inscripto.

O sr. Vaz Preto: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Se v. ex.a se inscreve para qualquer requerimento relativo ao officio que acaba de ser lido, tem v. ex.a a palavra.

O sr. Vaz Preto: — Não vou usar Iargamente da palavra; pedia-a unicamente para dizer a v. ex.a que eu já me tinha acautelado no pedido de documentos, isto é pedi-os ao ministerio das obras publicas e ao dos estrangeiros.

Se os documentos a que o meu requerimento se refere, não existem no ministerio das obras publicas, peço a v. ex.a que os mande requisitar ao ministerio dos estrangeiros.

O sr. Presidente: — Far-se-ha a devida requisição. Estão inscriptos da sessão anterior os seguintes dignos pares.

(Leu.)

Tem, portanto, a palavra o sr. bispo de Vizeu.

O sr. Bispo de Vizeu: — Sr. presidente, pedi a palavra para fazer a v. ex.a e á camara uma simples declaração. Declaro que me associo ás considerações feitas n’esta camara pelos dignos pares o sr. conselheiro Barros Gomes e o meu digno collega o sr. arcebispo-bispo do Algarve, a respeito das juntas de parochia, suas providencias e ainda sobre eleições dentro das igrejas.

Sobre taes assumptos fallaram distinctamente os dignos pares a que acabo de referir-me; mas visto que estou com a palavra permitta-me v. ex.a e a camara, que eu faça tambem a tal respeito algumas ligeiras considerações.

Pois tambem eu, sr. presidente, deploro que as juntas de parochia estejam n’uma situação que as impede de satisfazer ao fim para que foram creadas, situação produzida pela ultima reforma administrativa, aonde as ditas juntas encontram embargo á aquisição de meios para satisfazerem os seus encargos, mormente os que dizem respeito ao culto religioso. Eu deploro, sr. presidente, esta situação; porque é violenta, verdadeiramente lamentável, sendo, por isso, de necessidade instante que á mesma se acuda com prompto remedio.

As juntas de parochia, sr. presidente, devem ter a faculdade de adquirir receitas para a satisfação de seus encargos, principalmente no que respeita ás funcções do culto religioso; e a medida que vier tirar-lhes o meio do haver taes receitas é sem duvida um entrave ao progresso do sentimento religioso, por isso que o culto catholico é e será sempre, nas suas manifestações, o mais poderoso factor do desenvolvimento da» fé e da moralidade no seio dos povos. (Apoiados.) E jamais assentará em solidas bases a sociedade, quando lhe falte a salutar influencia da fé e dos principios da moralidade christã. (Apoiados.)

Eu desejava, pois, sr. presidente, que as juntas de parochia tivessem meios de adquirir receitas, meios legaes, já se vê, e que estejam em conformidade com a boa rasão, para que possam assim desempenhar-se de seus respectivos encargos. Desejava que na nova reforma administrativa em projecto se adoptassem providencias tendentes a acabar com uma situação intolerável, como é aquella cm que as juntas de parochia actualmente se encontram, e que os parochos sejam os presidentes natos das mesmas juntas, como eram antes das ultimas reformas administrativas. E nada mais justo do que isto. Pois será curial, sr. presidente, será conforme ao bom senso que estejam sujeitos a presidentes pouco menos que analphabetos, como tantas vezes se dará nas freguezias ruraes, os parochos

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que, alem da sua dignidade sacerdotal, têem conhecimentos que os habilitam ao conveniente desempenho das funcções parochiaes, mormente no que respeitam ao ensino das verdades da íe catholica e á direcção das consciências? (Apoiados.)

Isto mio póde ser!

Desejava, pois, sr. presidente, que na reforma em projecto se consignasse a presidencia nata dos rev.mos parochos, porque a dignidade do seu caracter como ministros da Igreja, o facto de serem os chefes espirituaes das parochias, de poderem esclarecer com as suas luzes os vogues das juntas, para que ás suas deliberações presida discrição e acerto, são condições sobremodo attendiveis para que sejam preferidos na presidencia das juntas de parochia.

Pelo que respeita ás eleições feitas dentro das igrejas o que direi eu, sr. presidente?

O que todos sabem, o que ninguem ignora. Que nas eleições dentro dos templos se praticam actos que repugnam por completo á gravidade, á decencia, ao acatamento, que são devidos aos logares sagrados, aos logares destinados á oração, á manifestação dos preitos da adoração dirigidos á magestade suprema. E quantos excessos, sr. presidente, quantos desacatos se não praticam nos templos por occasião das eleições? E serão as igrejas destinadas a serem a theatro de scenas tão repugnantes e tão dignas de censura? Certamente que não. (Apoiados.).

Entretanto, sr. presidente, eu penso que o legislador, quando estabelecera a medida de se fazerem as eleições dentro das igrejas, procedera de boa fé; mas desgraçadamente se quiz obter dos eleitores o respeito ás eleições em virtude do respeito devido ás igrejas, não logrou conseguil-o, por isso que a experiencia o tem infelizmente demonstrado. (Apoiados.)

Não ignoro, sr. presidente, as difficuldades que é mister vencer para se conseguir o termo a tão grave mal, mas afigura-se-me serem algumas d’ellas venciveis desde já nas sédes de comarcas e de concelhos, e aonde póde porventura haver algum edificio particular em que possam fazer-se as eleições sem que seja preciso recorrer ás igrejas para similhante fim. Pois nos tribunaes de justiça, aonde se salvaguarda a honra, a fazenda o a vida dos cidadãos não ha o respeito o as considerações devidas? Ha, sem duvida, c se assim é, porque não deverão realisar-se n’esses tribunaes as eleições com a garantia d’aquellas considerações e respeito? Alem d’isso se o respeito devido ás igrejas garantisse a ordem nas eleições que n’ellas tivessem logar, seria isso do mal o menos. Mas infelizmente ainda é hoje sensível a falta de respeito em nossos templos, contrastando essa falta com a ordem e decencia que presenceei em diversas igrejas catholicas de nações estranhas. A falta de respeito, pois, que ainda se observa actualmente em nossas igrejas, de modo algum póde garantir a ordem precisa nas eleições no meio de taes igrejas.

Com relação aos edifícios das camaras municipaes e edifícios particulares aonde os houver, porque se não hão de elles aproveitar para os actos eleitoraes de que se trata?

É certo, sr. presidente, que os governos que se inspiram em levantados sentimentos de moralidade não podem deixar de attender quanto deixo exposto sobre assumpto tão momentoso. Termino aqui este meu pobre e desalinhado discurso para não cansar a attenção da camara. E em nome da honra e decoro da nação portugueza, que teve sempre por timbre defender e respeitar a religião catholica, que é tambem a religião do estado, resta-me pedir e supplicar aos governos do meu paiz que se dignem adoptar as providencias necessárias para obviar a um mal que pela sua gravidade carece de prompto remedio.

Resta-me ainda agradecer á camara a benevolencia com que se dignou ouvir-me.

Tenho dito.

(O orador foi muito comprimentado,)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Sr. presidente, ouvi com respeitosa attenção as considerações, de todo o ponto auctorisadas e judiciosas, do digno par o sr. bispo de Vizeu.

Ouvi-as com tanta mais attenção quanto ellas calaram profundamente no meu espirito, e de certo tambem no animo da camara.

O digno par sr. bispo de Vizeu referiu-se especialmente a dois assumptos, ambos elles ponderosos e dignos de toda a attenção dos poderes públicos.

O primeiro diz respeito á constituição das juntas de parochia, referindo-se s. ex.a ao estado precário e de desorganisação em que as juntas ficaram em virtude da ultima reforma administrativa, a qual lhes cerceou os meios de poderem convenientemente desempenhar a sua missão, embora modesta, nas differentes localidades onde existem essas corporações, mas importante pelo alcance e influencia que ellas exercem.

O digno par sabe de certo que a reforma administrativa a que acabo de me referir, por isso mesmo que teve um caracter dictatorial, se acha hoje sujeita á apreciação do parlamento.

Já na camara dos senhores deputados se constituiu uma commissão especial para conhecer das medidas de caracter dictatorial promulgadas pelo ministerio transacto.

Precisamente uma das medidas que aquella commissão tem de considerar é essa reforma administrativa, e de certo um dos pontos que considerará com mais attenção é aquelle a que o digno par tão nobremente se referiu.

Portanto, desde que aquella commissão elabore o seu parecer e elle venha ao debate parlamentar em ambas as casas do parlamento, haverá ensejo de prover de remedio aos males que o digno par indicou.

Devo acrescentar ainda que no programma com que este governo se apresentou ao parlamento está a elaboração de uma reforma administrativa, e n’essa reforma o governo certamente attenderá ás palavras tão alevantadas o dignas que o digno par acaba de proferir.

E certo que o nobre prelado tem por si a rasão, e, ha muito, a experiencia dos factos a que alludiu.

Sem duvida, o templo das orações não deve ser o theatro das pugnas eleitoraes.

Comquanto o exercicio do suffragio popular seja muito respeitável e importante no regimen em que vivemos, é certo que muitas vezes o desencadear tumultuoso das paixões arrasta, ainda aquelles que de si são mais moderados, á pratica de actos que destoam sem duvida do augusto respeito e religiosa contemplação que deve haver dentro do recinto onde se adora o Christo, o salvador da humanidade, e onde estão as imagens dos santos, que tanto acatamento nos devem merecer.

Todavia, o digno prelado é o primeiro a reconhecer as difficuldades que se levantam para se estabelecer qualquer medida que substitua aquella que hoje vigora, isto é, que os actos eleitoraes se verifiquem em outros recintos que não sejam os templos.

Assim, o nobre prelado citou, como alvitre, o verificarem-se os actos eleitoraes dentro dos tribunaes.

Ora, o nobre prelado não desconhece que em muitas localidades, onde é costume verificarem-se esses actos, não ha tribunaes, alem de que, os tribunaes têem serviços imprescindíveis, que se devem realisar em certos prasos marcados, que poderiam ser prejudicados com os actos eleitoraes, que, como s. ex.a sabe, se prorogára ás vezes por muitos dias.

Eu ponderei isto apenas como prova das difficuldades reaes e praticas que se encontram para a substituição dos templos por outros quaesquer edifícios n’esses actos, que aliás attrahem muito povo e que por consequência exigem uma certa amplidão para se poderem realisar em ordem.

Apontando estas difficuldades, não deixo de reconhecer, como s. ex.a, a conveniência que existe, a bem da religião

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e da propria moral, em afastar dos templos, que são reservados para as orações, os combates e luctas eleitoraes.

Póde o digno prelado ficar certo de que o governo ha de procurar, em momento opportuno, attender ás reflexões que s. ex.a aqui produziu, e que são proprias de um espirito tão culto e tão illustrado como o do digno par.

(O orador não reviu.)

O sr. Bispo de Vizeu: — Pedi a palavra para agradecer ao nobre e illustre presidente do conselho de ministros as palavras benevolas com que quiz favorecer-me, c ainda para agradecer a s. ex.a o desejo que nutre de que sejam remediados os males que acabei de expor.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente agradeço a v. ex.a o ter-me concedido a palavra, tanto mais que é já pela terceira ou quarta vez que tenho usado d’ella para tratar de um assumpto que parece de pouca importância, mas que no fundo não deixa de a ter.

Felizmente eu tomei nota das palavras do illustre ministro, porque ao tempo que tem decorrido eu já me teria esquecido d’ellas.

Quando eu aqui interpellei o nobre ministro perguntando, qual a rasão por que não tinham sido fornecidos a esta camara os documentos pedidos pelo ministerio da marinha, apresentei algumas considerações, a que s. ex.a, ou porque a hora estivesse muito adiantada e não o permittisse, ou por qualquer outra circumstancia, o facto é, que s. ex.a se limitou a uma phrase curta em resposta ás minhas considerações, não refutando s. ex.a nenhum dos argumentos por mim produzidos e que me pareciam de algum valor.

S. ex.a, quando eu me referi a uma correspondencia publicada nos jornaes, limitou-se a dizer que os jornaes não faziam fé.

Ora, eu tenho visto muitas vezes nas cadeiras dos ministros citarem-se artigos de jornaes para reforçar os argumentos apresentados por s. ex.as não me parece, portanto, que se possa dizer que os artigos dos jornaes não fazem fé, e todos nós por certo devemos estar lembrados que no ministerio passado um dos actos que mereceu o elogio de toda a camara foi a resolução tomada pelo anterior presidente do conselho de cortar os subsídios dados a um grande numero de jornaes estrangeiros, os quaes tinham por fim o fazer propaganda lá fóra sobre o estado prospero das nossas finanças e secundar quaesquer operações.

N’este paiz houve governos que entenderam despender sem auctorisação do parlamento sommas avultadissimas para subsidiar jornaes; parece-me que, das duas uma: ou esses jornaes mentiram por ordem official ou fallavam verdade. Não farei sôbre isto nenhuma outra consideração; mas o facto é que os jornaes fallavam por ordem do governo, e dizer em absoluto que os jornaes não fazem fé, não póde servir de argumento para refutar as observações que apresentei, ou então era inútil prestar fé a esses jornaes subsidiados.

Eu disse que se imputava ou se suppunha, e se dizia, que uma das causas principaes que tinham dado origem á revolta dos negros contra as nossas auctoridades na costa oriental de Africa fôra o imposto de palhota. Citei mesmo uma entrevista do redactor de um jornal com o governador do Cabo, que se achava em Inglaterra. Era occasião, me parece, de s. ex.a mostrar que effectivamente não tinha sido aquella a rasão. De modo que até hoje nós ignoramos completamente qual foi a causa primordial da revolta dos negros contra as auctoridades portuguezas em Lourenço Marques. São estes assumptos graves que se devem esclarecer de modo a evitar repetição de factos bem dolorosos para o paiz, e não só dolorosos, mas que nos custam avultadas sommas, deixando-se inteiramente impunes todos aquelles que deram origem aos mesmos factos.

Na segunda vez que me concedeu a honra de me responder, disse s. ex.a que não podia ministrar á camara a correspondencia entre o governador de Lourenço Marques e o governador de Moçambique, porque essa correspondencia se achava em Africa e, por consequência, seria muito demorada a sua remessa.

Parece que s. ex.a respondia a um leigo em materia official. Para quem conhece o modo por que se tratam os negocios, é evidente que sôbre factos tão importantes, como os que occorreram em Lourenço Marques, é impossível que o governador de Moçambique não tivesse mandado para o ministerio da marinha toda a correspondencia que trocou com aquelle governador. Se não o fez faltou aos seus deveres, e o sr. ministro deveria ter procedido com todo o rigor contra esse funccionario. Sobre este ponto é impossível que, ou pelo telegrapho, ou pela via postal s. ex.a não esteja informado, dia a dia, do que so passa. E se o governador do Lourenço Marques não tratou de dar conhecimento das occorrencias ao governador de Moçambique, ou directamente ao governo, esse funccionario já devia estar demittido; mas não posso acreditar que elle caísse em similhante erro.

Permitta-me s. ex.a que lhe diga: custa-mo a crer que no ministerio da marinha não exista essa correspondencia.

Quando me referi á prisão dos negros feita a cordel nas ruas de Lourenço Marques, observou-me s. ex.a: «Não ha outra forma de recrutamento em Africa.» Eu julguei que havia. Quando vejo que de Africa vem deputados eleitos por 60:000 votos, francamente devo acreditar que tudo ali está muito mais civilisado, muito mais adiantado do que entre nós. Pois em Moçambique elege-se um deputado por 60:000 votos, e faz-se recrutamento a cordel nas ruas de Lourenço Marques!? Comparando uma cousa com outra, v. ex.a ha de concordar que é um cumulo vir avançar proposições d’esta ordem no parlamento.

Disse s. ex.a que a nossa administração na Africa não póde ser igual á de Portugal, porque só a província do Moçambique é dez ou vinte vezes maior que o território da metropole.

Mas, sr. presidente, não foi sôbre o que se passou no interior da Africa que eu chamei a attenção de s. ex.a, foi sobre o que se passou na segunda capital na costa oriental, e ali exercemos de facto o nosso dominio, temos a nossa guarnição, as nossas auctoridades, os nossos tribunaes; tudo isto faz suppor que deve funccionar ali a administração como funcciona em Portugal.

Não pergunto a s. ex.a o que se passou a 100 ou 200 léguas para o interior, onde sabemos qual é o nosso dominio.

É triste dizer-se isto, mas é a verdade.

O sr. ministro da marinha tinha-me dado uma resposta mais satisfactoria se asseverasse, como eu desejava que s. ex.a o tivesse feito, que os factos que eu citei não eram exactos.

Quando fiz aquellas considerações não tinha recorrido sómente á correspondencia de um jornal, tinha recorrido ao relatorio do sr. conselheiro Antonio Ennes, e todos nós sabemos qual o caracter, capacidade e honestidade d’este funccionario.

O que diz o sr. Antonio Ennes no seu relatorio?

Que do ministerio da marinha sáe dinheiro para tudo, viagens, subsídios a jornaes, pensões, compra de livros e muito mais; por aqui, que já basta.

Era isto que eu queria que o sr. ministro dissesse que não é exacto. Se o não é, o commissario regio já devia estar demittido; mas, ao contrario, elle tem a plena confiança do governo; logo, o que se deve deduzir c que as suas affirmativas subsistem, estão de pé e são verdadeiras.

Disse o sr. ministro que os pretos, nas nossas colonias, são tão felizes que até, no seu tempo, um branco quiz fazer-se preto para gosar vantagens que não se dão aos brancos.

Não desejo abusar da benevolencia da camara, mesmo porque sei que, em conclusão, as cousas hão de ficar como estavam d’antes.

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Peço ao sr. ministro da marinha que me mande os documentos que pedi, para que se possa examinar, imparcialmente, a conducta das nossas auctoridades em Africa e a quem cabem as responsabilidades.

S. ex.a, que governou no ultramar, sabe muito bem que a maior parto dos desastres por que temos passado são o resultado da inépcia, e talvez da pouca honestidade, não digo de todos, mas de muitos dos funccionarios que para ali exportamos, quer militares, civis ou magistrados.

Não continuemos n’esta paz octaviana, aggravando as nossas circumstancias com mais sacrificios, porque já não e a primeira expedição que se organisa para a Africa para justificar e cobrir tantos erros de administração colonial.

Para o sr. ministro ter a confirmação do que digo, ainda que s. ex.a não faça muito caso do que dizem os jornaes, basta ler-lhe um trecho de um jornal que não é suspeito para o governo.

Esse jornal diz:

«É espantosa a verba que annualmente sc despende com os officiaes reformados, elevando-se á bonita cifra de réis 515:958$0000 réis!

«Só os generaes reformados são cento sessenta e oito!

«Em pouco tempo, e continuando-se a garantir os postos de accesso aos militares que são nomeados governadores para as nossas colonias, e aonde têem feito as mais desastradas e ineptas administrações, a cifra dos reformados será, ainda muito mais elevada.

«E por estes e outros processos que se esbanjam os dinheiros públicos.»

Sabe s. ex.a qual é o jornal que escreve isto? E o Correio da manhã.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Marinha (Neves Ferreira): — Sr. presidente, o digno par esqueceu-se certamente de que tinha pedido pelo ministerio da marinha, alem de outros documentos, precisamente a correspondencia entre o governador de Lourenço Marques e o governador geral de Moçambique. Ora, esta correspondencia é que eu disse a s. ex.a que podia mandar vir, mas que tinha demora em chegar a Lisboa.

(Interrupção do sr. conde de Thomar, que se não percebeu.)

A correspondencia que já tinha vindo de Moçambique, essa, está desde já á disposição do digno par; mas quanto á outra é preciso dar tempo a que venha.

Tambem o digno par diz que eu não tenho fé no que dizem os jornaes; não é isso, perdoe-me s. ex.a, que eu o outro dia lhe respondi. O que eu quero dizer é que, não se podendo acceitar como facto averiguado o que diz um jornal, e não se póde mandar proceder só em virtude de uma simples noticia, manda-se pelas repartições do ministerio informar ácerca da veracidade da noticia, e só depois, conforme as informações, se manda proceder, se ha fundamento.

Sobre os factos apontados por s. ex.a, de abusos de auctoridade contra indigenas, eu não acho provável que os haja de gravidade.

Não é muito natural que as auctoridades do ultramar (e muito menos todas) deixem de cumprir o seu dever.

Os funccionarios do ultramar são como os da metropole. De certo que póde lá haver bom e mau, assim como cá, porque os funccionarios do ultramar quasi todos são saídos do serviço do reino e das repartições de cá, e quanto aos magistrados sáem da universidade, como os do reino. Portanto, os funccionarios do ultramar, _ se lá forem maus, é porque já o eram cá.

Ora, acresce que não se podendo mandar vir funccionarios do estrangeiro, servimo-nos dos que temos, os quaes são punidos quando exorbitam ou prevaricam.

S. ex.a estranhou muito que nas províncias ultramarinas não se faça o recrutamento como se faz na metropole, havendo lá eleições, e eu observo a s. ex.a que em Portugal até 1855 se fazia o recrutamento a cordel, e não era porque se não fizessem eleições.

Emfim, o que eu.repito a s. ex.a, é que o governo manda informar sobre se têem ou não fundamento as noticias dos jornaes.

Não pode fazer mais nada, nem é aqui nem no Terreiro do Paço que se administra o ultramar.

Os funccionarios do ultramar é que administram as respectivas províncias emquanto o governo não os demitte, e se não os demitte é por que tem confiança n’elles.

Tenho dito.

O sr. Conde d’Avila: — Pedi a palavra, sr. presidente, para communicar a v. ex.a e á camara que o digno par sr. barão de Almeida Santos não tem comparecido ás sessões por motivo justificado.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia, e ficam inscriptos para antes da ordem do dia na proxima sessão os seguintes dignos pares:

(Leu.)

Continua em discussão o projecto de resposta ao discurso da corôa, e tem a palavra o digno par sr. Costa Lobo.

O sr. Costa Lobo (continuando o discurso interrompido na sessão anterior): — Disse que hesitara em tomar parte n’esta discussão, porque o seu desanimo lhe fazia muita força para guardar o silencio.

Tambem sabia que os males do paiz não se curam com palavras vãs, mas com bom conselho e com boas obras: mas não com aquellas obras, que o governo praticava, as quaes poderiam levar o paiz a operar elle mesmo por uma fórma violenta, o que seguramente não prosperaria a sua condição.

Como, porém, se tinha associado a um protesto publico contra a rebeldia do governo á constituição do estado, ainda que elle fôra o mais somenos dos que tinham lavrado esse protesto, entendia que não devia deixar passar esta occasião sem ainda mais uma vez o authenticar. Nem o demoviam d’este seu intento as ameaças do governo: elle estava fallando perante uma camara e não perante uma camarilha, perante um parlamento o não perante um conselho aulico.

Precisava, primeiro, anteparar-se com a declaração do que, no que ía dizer, elle se havia do referir unica e exclusivamente á acção do septemvirato, que nos governa, sem a minima allusão ao chefe do estado.

É certo, que desde o momento que se suspende a constituição, não se suspendem sómente as immunidades do poder legislativo, mas as immunidades de todos os mais poderes, que não são mais que uma creação da constituição, isto é, da vontade nacional. Mas parecia-lhe que não era n’esta camara, e sobretudo da parte de um dos menos qualificados dos seus membros, e que occupava uma posição solitaria e isolada, não lhe parecia que fosse um indivíduo n’estas condições, que podesse usar do estricto rigor do direito.

Quando elle lêra o discurso da corôa (a doença não lhe permitira ouvil-o), julgara na primeira impressão, que elle fôra escripto em tom de zombaria, impressão creada logo no principio da leitura pela amphibologia de uma phrase, que parecia dizer, que á prosperidade e independencia dos representantes da nação estão vinculados os destinos da monarchia. Reflectindo, porém, percebera que essa vinculação se referia á nação, mas separada dos seus representantes.

E assim tinha agora a observar, que estava profundamente convencido de que a prosperidade da nação estava

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vinculada aos destinos da monarchia, mas não lhe parecia indicar um grande apreço da vitalidade da nação portugueza o asserto de que a sua independencia desapparece com a possivel extincção de uma familia. No seu entender a independencia de Portugal está no espirito viril dos portuguezes. A maneira, porque Portugal ha de conservar a sua independencia, indicou-a ha tres séculos o cantor dos Lusíadas:

Defendei vossas terras: que a esperança Da liberdade está na vossa lança.

Mas aquella phrase está conforme com todo o resto do discurso, que rescende o olor de uma nauseante lisonjeria.

O discurso em seguida faz uma chronica das gloriosas façanhas do septemvirato no campo diplomático.

Começa pelo Brazil. Lamenta a ruptura das relações diplomáticas. Agradece, mas do socapa, á Inglaterra, contra a qual não ha muito tempo foi vomitado um oceano de impropérios, a sua mediação. Porém a chronica, n’este particular, é incompleta. O discurso devia acrescentar o seguinte: por causa da notoria incapacidade do meu governo está sujeito a um conselho de guerra o commandante da esquadra no Rio de Janeiro por occasião da ruptura.

Em continuação, o governo gaba-sé a si proprio, informando-nos que com as outras nações as relações são cordiaes, e que, até algumas nos têem dado testemunhos de sympathia. E pena que se não citem os nomes d’essas nações. Nem Job no seu muladar precisa tanto, como Portugal, de uma voz consoladora. Ë proseguindo os gabos a si proprio, diz-nos o governo que elle conseguiu resolver as questões da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes e do porto de Lisboa. Esqueceu-se da questão de Zanzibar, que não é o menor dos seus galhardos feitos. Mas estes campeões da dignidade e interesses de Portugal são tão abastados de merecimentos, que podem calar algumas das suas galhardias. Esqueceu-se tambem do concurso, que para a resolução d’estas questões lhe deu o governo francez com o seu ultimatum, intimado do alto da tribuna do senado francez na sessão de 9 de março d’este anno. O orador leu o seguinte trecho do discurso proferido n’essa sessão pelo ministro, que então era, dos negocios estrangeiros da França:

«Acrescentei que, n’estas condições é sem ir por ora até uma ruptura completa das nossas relações, eu convidaria o sr. Bihourd a regressar a Paris, julgando que a presença de um simples encarregado de negocios em Lisboa devia ser considerado pelo governo real como um acto comminatorio. (Nova approvação.)

A humilhação d’estas palavras não deve recair sobre a nação, cuja voz, que são os seus representantes, estava suffocada, mas sómente sobre o governo revolucionário, que se tinha arvorado em dictador, e que é o unico auctor das obras, que deram motivo áquelle vitupério.

Depois, o discurso da corôa occupa-se do accordo com a Allemanha. Nas palavras, relativas a este assumpto, que o orador leu e analysou, quasi que não ha uma só, que não seja antinomica com a verdade. O que é certo é que este mandarinato, que nos governa, alheou por uma simples nota diplomática uma parte do território portuguez na Africa, com affrontoso desprezo do artigo 10.º do primeiro acto addicional, o qual estatue que todo o tratado ou convénio seja approvado pelas côrtes antes de ratificado. E o que é mais indicativo de todo o desassombro moral é que elle, tanto n’aquella nota diplomática como nas palavras do discurso da corôa, que o orador leu, confessa implicitamente que, a final de contas, a Allemanha é quem tem rasão em exigir a derogação de um tratado, que tem a sua propria assignatura.

O orador disse, que não tratava d’estes assumptos se não cursoriamente, porque tencionava occupar-se d’elles mais devagar em outra occasião. Concluía, pois, esta parte do seu arrasoado, com dizer que ao governo esquecera a menção de um dos seus feitos bizarros, a suspensão, tambem por uma mera nota diplomática, de um artigo dos mais importantes do tratado com a Hespanha, aquelle que fixa para cada nação as raias da pesca. É certo que a carta constitucional determina que só as côrtes podem suspender as leis. Mas d’esses nonadas não se preoccupa o governo.

O orador passou a occupar-se da revolta do governo contra a constituição.

Essa revolta foi levada a cabo por um mandado, publicado no Diário do governo, que na vigencia do systema constitucional se chama decreto, mas para o qual no novo regimen cesáreo, de que elle foi a inauguração, é forçoso encontrar outro nome, rescripto, beneplácito, motu proprio, ou cousa similhante. Por esse rescripto, pois, em derogação do artigo 7.° § 2.° do segundo acto addicional, que, no caso de dissolução, estatue que as côrtes estejam reunidas no praso de tres mezes, foram adiadas as eleições indefinidamente; e por outro rescripto, assignado só pelo sr. ministro do reino, como convinha ao novo regimen autocrático, foi a reunião das côrtes adiada para outubro. Estes dois actos foram dois actos revolucionários, e não podem ser revalidados pelas côrtes ordinárias, desprovidas de poderes para reformar a constituição do estado. Caso que ellas emittam qualquer parecer confirmativo, similhante resolução é, por direito constitucional, completamente irrita e nulla.

É condição essencial da legitima revalidação de qualquer acto o direito, possuido pelo revalidante, de praticar esse mesmo acto. Têem as côrtes ordinárias, no caso do dissolução do parlamento, o direito de fixar do antemão o praso da reunião das novas côrtes? Não têem: esse praso foi fixado imperativamente pela constituição. Em caso nenhum a constituição confere ás côrtes o direito de fixar a data da sua reunião e a duração das suas funcções: esses prasos foram, em uns casos, categórica e precisamente determinados pela constituição, e, n’outros casos, deixados ao critério do poder moderador. Logo, as côrtes ordinárias, não têem a faculdade de confirmar um acto, que ellas não têem o direito de praticar.

E, se assim não fôsse, é claro que as côrtes ordinárias que ora funccionam, teriam o direito de adiar indefinidamente a segunda convocação do parlamento, e de annullar assim toda a constituição do estado.

Só ás côrtes, investidas de poderes extraordinários para esse fim, é que assiste o direito de reformar os artigos da constituição, relativos á epocha e ao periodo do exercicio das funcções legislativas, e, por isso, tambem só a ellas compete a jurisdicção requerida para absolver o poder executivo da infraeção de um artigo constitucional do codigo politico da nação. Se passasse em caso julgado a doutrina contraria a esta, se ficasse assentado, que do arbítrio do poder executivo depende a convocação das côrtes, se as côrtes ordinárias validassem o procedimento do governo, que se arvorou em septemvirato revolucionário, o regimen constitucional e representativo teria cessado em Portugal.

Então estava plenamente justificado o infante D. Miguel, quando em 1828 dissolveu as côrtes, sem convocar outras immediatamente, como determinava a carta constitucional. Então estava provado quanto fôra vão e infundado o protesto do imperador D. Pedro, protesto firmado no Rio de Janeiro em 25 de julho d’esse anno, protesto que appellidava os portuguezes á insurreicção contra esta prepotência do infante.

Similhante doutrina, tornava a repetir, seria a substituição do regimen representativo pelo regimen autocrático.

E certo que a nação tem o soberano direito de adoptar

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210 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

este regimen politico. Mas é necêssario que seja consultada a este respeito, e que dê aos seus representantes os poderes necessários para esse fim.

A nação tem a suprema soberania de adoptar o regimen do cesarismo, assim como tambem tem a soberania de adoptar o regimen diametralmente opposto, o regimen da constituição de 1822, que convertia o parlamento em uma camara unica, indissolúvel e inadiavel, e, no interregno parlamentar, vigiando, por meio de uma commissão, os actos do podér executivo.

O orador, que é adversário convicto d’estes dois systemas, associára-se ao protesto que um numero considerável de membros do parlamento, dos quaes elle era o somenos, entendera que devia formular contra estas tentativas de autocracia. Acompanhou ao paço uma commissão, que, para esse fim, se dirigiu ao chefe do estado. A resposta que o governo aconselhou ao chefe do estado, foi a de que os seus actos eram inspirados pelos verdadeiros e superiores interesses do paiz. Palavras textuaes, e que foram complacentemente reproduzidas pelos jornaes ministeriaes. Isto, attendendo ao sentido d’estas palavras, quer dizer que o podér executivo é superior á constituição do estado. E um arremedo de Luiz XIV: «a constituição sou eu.

Como aquella phrase, porém, poderia tambem indicar, que o procedimento dos reivindicadores da supremacia da constituição, não era inspirada pelos verdadeiros e superiores interesses do paiz, mas por interesses pessoaes, falsos e ignóbeis; se essa foi tambem a intenção do governo, então é indubitável que elle julga os outros por si proprio e toma como padrão do procedimento alheio o critério indefectivel dos seus actos. Não! os auctores da representação não pensavam em si, nem em nenhuma ganancia particular; não queriam vender prédios ao thesouro, nem obter concessões na Africa, nem subsídios para nenhum banco, nem o monopolio dos alcooes, nem a exploração de caes de desembarque, nem favores da pauta aduaneira. Nada d’isso: simplesmente cumpriam o seu juramento de defender a constituição. Não quizeram tão pouco appellidar o paiz para a revolta. Queriam apenas que o paiz affirmasse os seus direitos, e impedisse desmandos, cujo resultado inevitável é a revolução. Foram vencidos e apupados, segundo a opinião do sr. presidente do conselho dictatorial. Assim será. Triumpham, pois, os representantes dos verdadeiros e superiores interesses do paiz.

Esses verdadeiros e superiores interesses são, nas questões externas, tornar Portugal a fabula, o riso e a victima do todas as demais potências. Nas questões internas vae citar dois exemplos apenas, porque nem o tempo nem o ensejo lhe permittem uma enumeração completa dos verdadeiros e superiores interesses do paiz.

O primeiro é escolhido no relatorio do sr. ministro da fazenda, que precedeu a ordenança dictatorial para a cobrança dos impostos. O orador leu o seguinte trecho d’esse relatorio: «Porque acceitâmos um nominal de divida tão desproporcionado ao capital que recebemos? Porque não tinhamos de o pagar... Mas porque nos exigiam 6 por cento, quando o capital em Londres, onde principalmente se emittiram esses empréstimos, estava muito abaixo d’essa taxa? Porque era mais contingente a solvabilidade dos encargos resultantes dos empréstimos portuguezes; d’ahi a previsão, direi mais, a antecipada compensação do que n’esses juros se podia reduzir». Quer dizer: n’um documento official, o governo lança um pregão publico, apodando os portadores da divida de onzeneiros, e malsinando o povo portuguez, não de malafortunado ou mesmo de imprevidente, mas de burlão e tençoeiro. E queixam-se da imprensa estrangeira?! Toda ella aproveitou logo esta declaração official, e, apontando para nós, disse: «São elles proprios que o confessam».

Depois d’esta caroavel linguagem dirigida aos capitalistas, e d’este testemunho da nossa boa fé, o governo apresenta na outra camara uma proposta de empréstimo de de 12:000 contos de réis, hypothecando-lhe as alfandegas de Angola, Moçambique e S. Thomé. Apoz as tormentas e amarguras que o paiz tem padecido, e ainda agora padece em relação a Lourenço Marques, para salvar das garras do estrangeiro esses rostos de dominio colonial, o projecto de dar preza a esses mesmos estrangeiros nas alfandegas das colonias mais importantes do ultramar, é sem duvida nenhuma, um dos verdadeiros e superiores interesses do paiz.

Exultem, pois, os verdadeiros e superiores interesses do paiz: os seus adversários foram vencidos, recebidos com riso e com vaias, e a constituição foi atirada para o monturo.

São incansáveis estes cortezãos de poder autocrático no seu empenho de desconceituar a constituição. Que a corôa se atalaie d’elles, são os seus peiores inimigos. Desvirtuando e infamando a constituição, abalam elles os proprios alicerces do throno.

O unico fundamento legal, em que n’este paiz se firma o throno, é o artigo 5.° da carta constitucional. Esse artigo traduz, sem duvida, as tradições, os sentimentos e a vontade da nação. Mas não é conveniente desdenhar do unico titulo constitucional, em que o voto da nação está solemnemente authenticado. Tanto mais que esse artigo 5.° da carta constitucional não é em Portugal uma innovação do direito publico, é a expressão do direito publico, que sempre vigorou n’este paiz, onde nunca foi reconhecido o direito divino. Não querendo remontar a tempos mais antigos, o orador leu o assento das côrtes de 1641, onde a soberania da nação é expressamente affirmada, e invocada como fundamento do procedimento de Portugal n’essa memorável conjunctura.

É por isso, é porque elle sabe que o paiz nunca acceitaria a proclamação clara e franca do cesarismo, que este governo revolucionário procede por caminhos tortuosos e subrepticios. Afivela a mascara e esconde o punhal no seio. É por isso que, no discurso em discussão, elle alardeia que o principio da auctoridade, o qual elle suppõe exclusivamente encarnado no poder executivo, foi sempre mantido. É por isso que elle fez vir do Porto e fez receber com especial agrado uma commissão de homens opulentos, que aconselhavam o desprezo do que elles chamavam formalismos inúteis. É por isso que elle prodigalisa incenso ao exercito, de quem tem medo, e vitupérios á armada, que nunca se revoltou.

Revolucionários cesaristas e revolucionários anarchistas, ambos professam os mesmos principios. Uns e outros arvoram em dogma o desprezo das leis; ambos se apoiam na força, uns na força das turbas e das bombas de dynamite, os outros na força do dinheiro e das espingardas. Ambos promettem um futuro regorgitando de todos os com modos e confortos da vida.

É por isso que, para engodar o paiz com o simulacro de uma falsa prosperidade, tem andado até agora este governo anarchico promovendo festas por toda a parte, para que todos se convencessem de que, desembaraçado das côrtes, Portugal seria um paiz de Cocagne, onde não haveria senão refestela e folgança, e onde os benefícios de estradas, avenidas e subsidies de toda a casta estavam só em pedir.

O que elles têem causado em resultado final é um mal incalculável. Têem feito uma fructuosa propaganda de desprezo pela lei, aguilhoado desejos insaciáveis, pervertido a consciência publica.

O orador concluiu dizendo que o projecto de resposta d’esta camara ao discurso da corôa o não satisfaz. Não tem a presumpção de propor á approvação da camara uma substituição sua, mas o seu voto seria por uma resposta redigida pouco mais ou menos nos seguintes termos:

«Senhor. — As condições internas e externas do paiz são desgraçadas. Alem d’isso, a constituição do estado, que o governo do Vossa Magestade tem empenhado o ultimo

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Sessão n.° 17 de 22 de novembro de 1894 211

esforço para desconceituar, continua suspensa; o parlamento funcciona por mercê do poder executivo. O mando da lei cessou; governa o desmando do arbitrio. Possa o auxilio da Divina Providencia, invocado por Vossa Magestade, desviar os males com que o futuro ameaça a nação portugueza.»

Repete que seria da sua parte indesculpável arrogancia o pretender substituir o projecto elaborado pela commissão; por isso contenta-se em mandar para a mesa uma moção de ordem affirmando os principios fundamentaes da constituição do estado.

Esses principios são a condição impreterivel da ordem social; são a diametral contradicção da anarchia cesarista. Esses principios foram formulados na constituição do estado, a fim de que Portugal fosse regido pela vontade do seu povo o não por nenhuma opinião individual, pelo império da lei, e não pela brutalidade da força, pela dignidade da consciência e não pela abjecção do servilismo.

O sr. Antonio de Serpa (relator): — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. Costa Lobo.

Leu-se na mesa?

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á discussão esta moção, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida, e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Presidente: — Vae ler-se um officio que acaba de chegar á mesa.

Leu-se na mesa o seguinte:

Officio

Um officio do sr. ministro dos negocios estrangeiros, declarando que os documentos relativos ao convénio apresentado pela companhia real dos caminhos de ferro aos seus credores, e pedidos pelo digno par Vaz Preto, estão a imprimir e que em breve será remettido ás duas casas do parlamento o Livro branco respectivo. Em resposta a um outro pedido do mesmo digno par, diz que não tendo os srs. Madeira Pinto e Carrilho ído a Paris em commissão do governo, nenhumas despezas foram a estes abonadas por o seu ministerio.

O sr. Presidente: — A camara fica inteirada.

A hora está muito adiantada, pois faltam apenas quatro minutos para se encerrar a sessão. Se o digno par, relator da commissão, deseja aproveitar o tempo que nos resta, tem s. ex.a a palavra, de contrario fica com a palavra reservada para a sessão seguinte.

O sr. Antonio de Serpa: — Peço a v. ex.a que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, eu pedi a. palavra sobre a ordem para mandar para a mesa, no uso do meu direito...

O sr. Presidente: — Fica o digno par com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa, que está em discussão, estão inscriptos os seguintes dignos pares.

(Leu.)

A palavra ha de ser dada ao digno par, o sr. marquez de Vallada, na altura em que s. ex.a estiver inscripto.

O sr. Marquez de Vallada: — É justamente o que eu desejava saber.

O sr. Presidente: — A primeira sessão terá logar ámanhã, 23 do corrente, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes á sessão de 22 do novembro de 1894

Ex.mos srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, Antonio José de Barros e Sá; marquezes, de Penafiel, do Pombal, de Vallada, de Fontes Pereira de Mello; arcebispo de Evora, arcebispo do Algarve, arcebispo-bispo de Portalegre; bispo conde de Coimbra; condes, d’Avila, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, do Casal Ribeiro, de Castro, de Castro e Solla, do Juncai, de Lagoaça, de Magalhães, de Paraty, de Thomar; bispos de Beja, de Bethsaida, de Vizeu; viscondes, de Athouguia, de Silva Carvalho, de Soares Franco; Moraes Carvalho, Rocha Peixoto, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Homem de Macedo, Antonio José Teixeira, Lopes Navarro, Boavida, Jalles, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Augusto Cunha, Bernardino Machado, Palmeirim, Carlos Eugenio do Almeida, Cypriano Jardim, Montufar Barreiros, Ernesto Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Coelho de Campos, Costa e Silva, Margiochi, Barros Gomes, Henrique de Mendia, Jeronymo Pimentel, João Chrysostomo, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Jorge O’Neill, Gomes Lages, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, José Maria da Costa, José Maria dos Santos, Soares de Albergaria, Julio de Vilhena, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Sousa Avides, Vaz Preto, Franzini, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Calheiros, Thomás de Carvalho.

O redactor — João Saraiva,

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