216 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
das em poder do Gungunhana estavam em saccos da companhia South Africa.
Pois, senhores, o governo e os membros da commissão esqueceram tudo isto, para nos darem a segunda edição do projecto que veiu da outra camara.
Francamente, o parecer que nos apresentaram não é mais, repito, do que o que veiu da camara dos deputados subscripto por s. exas. o que não é muito e não deve ter cansado os membros da commissão para o relatar.
Parece impossivel que não houvesse entre os membros da commissão um só que se lembrasse de dizer: e o Mousinho? O Mousinho!... Deram-lhe 300$000 réis, e nada mais!... .
Já aqui se disse que o coronel Galhardo tinha recusado o posto por distincção; não é exacto, o que elle disse ao sr. presidente do conselho, foi que não acceitava o posto de accesso sem prejuizo de antiguidade, posto pintado, e fez muito bem. Nunca percebi por que o coronel Galhardo se havia de dirigir ao sr. presidente do conselho e não ao sr. ministro da guerra para declarar que desistia do posto que lhe não foi offerecido ou dado. Recusou, e fez bem.
Poderá! Pois se o que lhe queriam dar, segundo se dizia, era fazei-o general pintado, como se fazia de antes aos officiaes que iam desempenhar qualquer commissão em Africa!
Mas, pergunto eu, o facto do coronel Galhardo ter renunciado, importava a recusa de todos os outros officiaes?
De certo que só fallou em seu nome, e se fallou em seu nome, porque é que o governo não fez alguma cousa para Mousinho, o heroe da campanha de Africa?
O governo lá o sabe. Ficará sendo um ministerio da politiquice.
O nobre ministro da guerra citou-nos aqui hontem o caso do general Metzinger ter sido promovido a general segundo as leis francezas. Mas ha mais alguma cousa; o general Metzinger era o segundo commandante da expedição; no dia em que teve o primeiro recontro recebia o grau da commenda da Legião de Honra, na primeira batalha que ganhava foi promovido a general de divisão.
Ora, pergunto eu, o facto praticado por esse official foi superior áquelle que praticou Mousinho de Albuquerque?
Não, mil vezes não. Áquelle commandava uma divisão com duas brigadas, emquanto que Mousinho levava apenas quarenta e sete homens, a maior parte atacados de febres, quasi anemicos, que o acompanharam depois de lhe ouvirem dizer: "Eu vou para uma missão arriscada, de onde talvez não volte"; comtudo lá se arrastaram e foram com elle. Eram quarenta e sete contra tres mil vátuas, e lá foram buscar o Gungunhana á sua palhota, onde esteve cercado dos seus guerreiros.
Foi um acto de loucura, de arrojo, de temeridade, mas que fará passar á historia o nome de Mousinho, Miranda e todos os seus companheiros de armas.
O sr. Conde de Lagoaça: - Ouçam, ouçam!
O Orador: - S. exa. invocou os nossos regulamentos. Pois ha regulamentos para este governo, que não hesitou em atacar a constituição, em fazer uma dictadura de perto de dois annos, em reformar a lei eleitoral, em reformar esta casa, em publicar em dictadura tudo quanto quiz e lhe pareceu, não se prendendo então com os regulamentos, nem com a constituição, e prende-se agora em promover por distincção um official que praticou feitos como Mousinho de Albuquerque!
Sejamos lógicos. Ha porventura algum regulamento que possa impedir a um governo, seja elle qual for, de recompensar larga e dignamente os serviços de um official de quem o sr. Antonio de Serpa disse, em resposta a urnas observações minhas, que um homem, que se chama Mousinho de Albuquerque não precisa mais nada?
É assim que o apreciava o sr. Antonio de Serpa, e o governo, seguindo a doutrina, mas não o pensamento do digno par, porque s. exa. quando pronunciava estas palavras era para mostrar que Mousinho era um official extraordinario, o governo, tomando ao pé da letra as palavras do digno par, diz:
"Fique então com o seu nome, Mousinho de Albuquerque, e nada mais."
O sr. ministro da guerra sobre as promoções apresentou argumentos verdadeiramente extraordinarios. Citei ainda ha pouco um, em que s. exa. dizia, que se o capitão Couceiro fosse promovido a major ficavam quarenta capitães mais antigos á sua esquerda.
Ora, é o que succede num concurso, em que concorrem cincoenta ou sessenta individuos, em que quarenta são approvados igualmente, e dez ficaram esperados. Desses quarenta o governo nomeia um ou dois. Qual é a situação dos que ficam?
É a de ficarem á sua esquerda quando quatro ou cinco annos mais tarde entram na mesma carreira, apesar de terem obtido identica classificação. Aqui houve concurso de bravos.
Mas agora não se trata de um concurso, é um acto extraordinario, pelo qual o nobre ministro não deve hesitar em passar um official para a direita de outros, depois de ter praticado um feito extraordinario que o governo é o primeiro a reconhecer.
Sr. presidente, eu bem sei que o assumpto que vou tratar não é sympatico a muita gente, mas a minha opinião é que nós devemos dizer tudo que pensamos, quando sejamos justos, embora vamos ferir susceptibilidades. O governo pensou bem no projecto que trouxe á camará? Eu pergunto ao sr. relator da commissão, que naturalmente é que vae responder-me, se calculou os encargos que trazem para o thesouro todas estas pensões que estão consignadas no projecto.
Sr. presidente, sei que um medico naval de l.ª classe, que vem incluido no projecto das pensões, prestou relevantes serviços em Africa; mas pergunto, em que qualidade prestou esse medico estes serviços: como delegado do governo ou como representante da Cruz Vermelha?
Foi como representante da Cruz Vermelha, sociedade particular que não deixo de reconhecer, assim como toda a camara e o paiz, que se não fosse esta benemerita sociedade, a maior parte dos feridos e doentes teriam morrido ao abandono, porque o governo faltou com tudo o preciso.
N'esta qualidade não me parece que devesse figurar o seu nome neste projecto. Não quer isto dizer que não faça completa e inteira justiça aos relevantes serviços prestados por este distincto medico.
Pergunto igualmente á commissão se os officiaes que são recompensados são só. os combatentes, ou se não ha entre elles alguns que sejam officiaes de secretaria, e que podem ter prestado óptimos serviços, mas que não são para comparar com os serviços de campanha.
Quer v. exa. e a camara saber o calculo que fiz com relação a estas pensões, segundo o parecer da commissão? Temos duas pensões a 800$000, sete a 500$000 e doze a 300$000 réis; calculo dez officiaes inferiores que venham a receber pensão e que os soldados inutilisados devem ser por uns trezentos; quer v. exa. saber o encargo annual que traz para o thesouro? É de 31:740$000 réis, isto com relação ao que já conhecemos, mas estou certo que amanhã apparecem novos individuos a reclamarem recompensas, visto terem arruinado a sua saude em Africa ao serviço da patria; mas ainda temos mais, ha a expedição á Índia e de Timor, que não sei como o governo recompensara esses serviços, mas que por certo virá augmentar a despeza; parece-me isto uma consideração que deve pesar no animo do governo e da commissão. É facil decretar pensões, mas é difficil paga-las.
Como disse, a totalidade das pensões deve orçar por 31:740$000 réis.
Só para os officiaes mencionados no parecer em discussão temos 10:140$000 réis, para subalternos e praças