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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 21

EM 6 DE FEVEREIRO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios — os Dignos Pares

José Vaz Correia Seabra de Lacerda
Francisco José Machado

SUMMARIO.— Leitura e approvação da acta. — Expediente. — O Sr. Presidente consulta a Camara sobre se permitte a publicação de uma representação da classe piscatoria. A Camara resolve affirmativamente.— O Sr. Presidente nomeia a deputação que ha de ir apresentar a El-Rei as leis ultimamente votadas, e o Sr. Presidente do Conselho declara a hora a que a deputação será recebida. — O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro occupa-se de factos que reputa irregulares, e se teem dado em diversos concelhos do paiz. O Sr. Presidente do Conselho promette responder na proximo sessão. O Digno Par Sr. Luciano Monteiro apresenta o parecer relativo ao, projecto que regula a liberdade de imprensa. — O Digno Par Sr. F. J. Machado requer documentos relativos á administração do hospital das Caldas da Rainha.

Ordem do aia.— O Digno Par Sr. Mello e Sousa requer que, dispensando-se o regimento, entre em discussão o projecto de lei auctorizando o Governo a dispender com os serviços publicos as verbas designadas no parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento para 1906-1907. Este requerimento é approvado. Entrando em discussão o projecto, fala sobre elle, dirigindo perguntas ao Governo, o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. Fala depois o Digno Par Sr. João Arroyo, a quem tambem responde o Sr. Presidente do Conselho. O Digno Par Sr. Luciano Monteiro requer, e é approvado, que seja prorogada a sessão até se votar o projecto. Usa por ultimo da palavra o Digno Par Sr. José de Alpoim, sendo em seguida approvado o projecto.— É levantada a sessão.

Pelas 2 horas e 50 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta

Feita a chamada, verificou-se a presença de 29 Dignos Pares.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte expediente :

Officio do Ministerio do Reino, satisfazendo requerimentos do Digno Par Sr. Francisco José Machado.

Representação da commissão de pescadores nacionaes sobre a pesca intensiva pelo arrasto a vapor.

O Sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do Governo.

Consultada, a Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. José de Alpoim:— Peço a V. Exa. a fineza de mandar communicar ao Sr. Ministro da Guerra que desejo a sua comparencia n'esta Camara.

O Sr. João Arroyo: — Faço igual pedido com respeito ao Sr. Ministro das Obras Publicas.

O Sr. Presidente: — Tenho a informar a Camara de que a deputação encarregada de apresentar a Sua Majestade El-Rei as leis ultimamente vetadas se compõe, alem da mesa, dos seguintes Dignos Pares : Ernesto Hintze Ribeiro, Francisco Beirão, Antonio de Azevedo, Julio de Vilhena, Moraes Carvalho, Sá Brandão e Pimentel Pinto.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Declaro que Sua Majestade El-Rei se digna receber a deputação d'esta Camara, ámanhã, no Paçô das Necessidades, pela hora e meia da tarde. -

(A Camara ficou inteirada).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Agradeço ao Sr. Presidente do Conselho os esclarecimentos que me deu acêrca dos differentes assumptos que versei na sessão anterior, e estimaria poder dar-me por satisfeito com esses esclarecimentos, porque o meu intuito, ao chamar para taes assumptos a attenção do Governo, não era mais do que solicitar providencias para que cessassem abusos, que sempre occorrem, mas a que se pode pôr cobro, havendo da parte do Governo certa vigilancia.

As informações do Sr. Presidente dó Conselho, em differentes pontos, estão longe de me poderem satisfazer.

Com respeito ao facto que se deu no concelho de Vieira, districto de Leiria, de terem sido riscados do recenseamento eleitoral muitos individuos d'aquella freguesia, vejo que as informações do governador civil o confirmam, allegando-se apenas que o regedor não certificou sobre a identidade d'esses individuos, porque a reclamação não foi apresentada pela propria mão de quem reclamava, e sim pelo parocho.

A lei não exige que estas reclamações sejam entregues pelos proprios. Embora haja um processo pendente, como os prazos já decorreram, é para recear que, por culpa d'aquelle regedor, muitos cidadãos fiquem inhibidos de exercer os seus direitos politicos, o que é um abuso.

Estou certo de que o Sr. Presidente do Conselho, se averiguar ter havido falta da parte d'aquelle funccionario no cumprimento dos seus deveres, exercerá a sua acção para que semelhante abuso se não repita.

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Com respeito á morosidade no pagamento das congruas aos parochos dos concelhos de Porto de Moz e da Pederneira, o Sr. Presidente do Conselho disse que em Porto de Moz o assumpto corria os seus tramites regulares, o que não condiz com os telegrammas que eu tenho nem com a resposta do Sr. governador civil de Leiria, que não se refere aos factos precisos e concretos que eu citei.

No concelho da Pederneira ha tres annos que aos parochos não teem sido integralmente pagas as congruas que lhes pertencem, o que é nocivo á boa causa da religião.

Peço, portanto, instantemente ao Sr. Presidente do Conselho que n'este assumpto, que nada tem de politico e em que certamente os sentimentos de S. Exa. são iguaes aos meus, empregue a sua acção a fim de que aquelles parochos sejam embolsados do que lhes é devido.

Acontece tambem que no mesmo concelho tem estado a exercer o cargo de administrador o presidente da camara, que é um pharmaceutico, o que é contrario á lei. Se o Sr. Presidente do Conselho se inteirar do caso e vir que effectivamente o presidente d'aquella camara municipal é um pharmaceutico, não o deixará decerto exercer funcções de administrador de concelho.

Com relação á eleição do presidente e vice presidente da Camara Municipal de Silves, tinha eu dito que o Sr. Presidente do Conselho fora ouvido sobre o assumpto e emittira a sua opinião.

S. Exa. observou que isto não era exacto, mas reconheceu que tinha havido uma consulta dirigida ao director geral de administração politica e civil, o qual, sobre o assumpto, dera a sua opinião.

Sei bem que a opinião d'aquelle director geral não é a opinião do Ministro, mas tambem é certo que é um funccionario muito antigo e experimentado, profundamente conhecedor dos assumptos que todos os dias passam pelas suas mãos, e como que sub-secretario de Estado. A sua opinião é como se fosse a opinião do Ministro.

Houve, portanto, da parte do Ministerio do Reino uma certa influencia no assumpto, embora só ao Contencioso Administrativo caiba o dirimir o pleito.

Com respeito aos corticeiros do districto de Faro, a inexactidão não foi minha.

Não pedi que elles fossem chamados para trabalhar nas obras do Lyceu de Faro ; o que pedi foi que se lhes desse passagem gratuita ho caminho de ferro para as fabricas onde possam exercer a sua laboração, á semelhança do que se tem feito em outras occasiões, o que é um acto de humanidade e de boa ordem publica.

Havendo carpinteiros, pedreiros, etc., desoccupados no Algarve, e havendo necessidade instante da construcção do Lyceu de Faro, lembrei ao Governo que os occupasse nas obras d'esse lyceu e em mister proprio do seu officio.

Com respeito á Camara Municipal de Oliveira de Azemeis, não comprehendi bem a explicação dada pelo Sr. Presidente do Conselho.

S. Exa. concedendo em 30 de novembro de 1906 auctorização áquella camara para abrir concurso para, o logar de secretario da mesma camara, verificou previamente que na lista dos addidos não havia nenhum funccionario que pudesse ser provido n'esse logar. Como é então que em 30 de janeiro d'este anno, dois mezes depois, manda para ali um addido?

O facto denota uma irregularidade, ou da parte do Governo, ou da parte de quem o informou.

Dito isto, passo ao ponto que mais desejo discutir com o Sr. Presidente do Conselho, porque S. Exa. me fez uma imputação inexacta em questão de direito administrativo.

Disse eu que o orçamento ordinario do concelho de Gavião tinha sido entregue n'um determinado dia e que, passado mais do que o prazo, nenhuma communicação fora feita á Camara acêrca da resolução da estação tutelar. A isto respondeu o Sr. Presidente do Conselho que não havia prazes para a communicação das resoluções da estação tutelar, e que nenhuma deliberação municipal podia ter execução e validade sem que á respectiva Camara fosse communicada a resolução da estação tutelar.

Isto é que não é exacto.

Vou mostrar ao Sr. Presidente do Conselho que ha prazos, e que, com relação ao orçamento da Camara Municipal de Gavião, houve uma irregularidade a punir.

O artigo 56.° do Codigo Administrativo estabelece que não são executorias sem approvação do Governo varias deliberações municipaes, sendo uma d'ellas a que se refere a orçamentos.

Ora o § 1.° do mesmo artigo diz o seguinte:

«Dentro do prazo de quarenta dias, desde que sejam entregues nas administrações do concelho ou bairro as copias das deliberações enumeradas neste artigo, será, pelas competentes estações tutelares, concedida ou denegada approvação ás mesmas deliberações, no todo ou em parte, e tambem sob condição suspensiva ou resolutiva.

«§ 2.° Findo o prazo fixado neste artigo tornam-se executorias todas as

deliberações n'elle enumeradas, sobre as quaes não haja resolução tutelar».

Logo a commissão districtal tem quarenta dias para resolver o assumpto, findos os quaes ha cinco dias para fazer a communicação ao municipio interessado, e, se essa communicação não for feita, o funccionario incumbido d'ella incorre na pena marcada.

O orçamento da Camara Municipal do concelho de Gavião foi entregue em 3 de dezembro de 1906, conforme a certidão que tenho presente. Em 12 de janeiro de 1907 terminou o prazo dos quarenta dias e em 17, o mais tardar, a Camara Municipal de Gavião devia ter conhecimento da resolução da commissão districtal. Todavia esta estação tutelar só resolveu o assumpto em 19 de janeiro.

Fora do prazo determinado por lei é que a resolução da estação tutelar foi communicada á camara de Gavião.

De quem foi a responsabilidade? Foi do administrador do concelho? Foi do governador civil? Foi do secretario da commissão districtal?

Em qualquer dos casos o Sr. Presidente do Conselho tem de applicar a respectiva penalidade.

Já vê S. Exa. que ha prazos marcados e que eu não podia dar-me por satisfeito com as suas explicações.

Com respeito ao administrador do concelho de Gavião, o Sr. Presidente do Conselho não negou que elle tivesse sido excluido do recenseamento eleitoral por estar comprehendido rã classe dos criados de servir, o que disse foi que tinha exercido varios cargos.

Não o conheço, mas desde que foi excluido do recenseamento por aquelle motivo e desde que está infringindo a lei, o Sr. Presidente do Conselho verá se lhe deve manter a sua confiança.

(O Digno Par não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas do seu discurso).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Responderei ao Digno Par na proximo sessão, porque estando a dar a hora de se entrar na ordem do dia, não quero prejudicar a regularidade dos trabalhos da Camara.

O Sr. Luciano Monteiro: — Mando para a mesa o parecer relativo ao projecto de lei que regula a liberdade de imprensa.

Foi a imprimir.

O Sr. Francisco José Machado: — Mando para a mesa o seguinte requerimento :

«Requeiro que, pelo Ministerio do Reino e Administração do Hospital

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Real das Caldas da Rainha, me seja enviada nota das receitas do estabelecimento thermal durante a ultima gerencia do Sr. Conselheiro José Filippe e cada um dos annos da actual gerencia, separando:

1.° O rendimento dos banhos nas piscinas, que sempre foram gratuitos;

2.° Dos duches nas mesmas piscinas, que tambem foram sempre gratuitos;

3.° Das inhalações nas mesmas piscinas ;

4.° Dos gargarejes, que igualmente foram sempre gratuitos, pois que aquelle estabelecimento foi fundado por uma piedosa princeza que o dotou com os seus bens particulares, para beneficio dos que não tivessem meios de fortuna para se poder tratar.

O que foi sempre gratuito para beneficio dos pobres é ha tempo pago, e por isso eu desejo saber quanto tem produzido estas applicações therapeuticas. = Francisco José Machado».

O Sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia.

O Sr. Mello e Sousa: — Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que, dispensando-se o regimento, entre já em discussão o parecer n.° 31.

Consultada, a Camara resolveu affirmativamente.

ORDEM DO DIA

Foi lido na mesa o projecto de lei a que se refere o parecer n.° 31 e que é do teor seguinte:

PARECER N.° 31

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposição de lei n.° 34, vinda da Camara dos Senhores Deputados, e que tem por fim auctorizar o Governo a dispender com os serviços publicos as verbas designadas no parecer e projecto de lei da commissão de fazenda d'aquella Camara, sobre o orçamento para 1906-1907, emquanto não for approvado esse orçamento. A condição em que o Governo apresenta esta providencia claramente demonstra que elle pretende unicamente manter-se dentro da legalidade, para o que é indispensavel a promulgação d'esta medida provisoria, visto a demora que ainda deverá ter a apreciação da proposta do orçamento de 1906-1907. Pedimos, pois, a vossa approvação para o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Emquanto não for approvado o orçamento para o corrente exercicio de 1906-1907 e promulgada a respectiva lei e tabeliãs, é o Governo auctorizado a dispender com os serviços publicos no mesmo exercicio, segundo a limitação do n.° 3.° do artigo 25.° da carta de lei de 24 de novembro § de 1904, as verbas designadas para esses serviços no parecer e projecto de lei da commissão do orçamento da Camara dos Senhores Deputados, sobre a respectiva proposta n.° 8-U, apresentada ás Camaras em 17 de outubro do anno proximo findo?

§ unico. As verbas cujo pagamento foi suspenso até resolução das Côrtes, nos termos do decreto de 15 de junho de 1906, não são comprehendidas n'esta auctorização.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 5 de fevereiro de 1901 = Hintze Ribeiro (com declaração) = Teixeira de Vasconcellos = Luciano Monteiro = José Lobo = João de Alarcão Velasques Osorio = Conde de Bertiandos = M. de Espregueira - Mello e Sousa.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.º 34

Artigo l.° Emquanto não for approvado o orçamento para o corrente exercicio de 1906-1907 e promulgada a respectiva lei e tabellas é o Governo auctorizado a dispender com os serviços publicos no mesmo exercicio, segundo a limitação do n.° 3.° do artigo 25.° da carta de lei de 24 de novembro de 1904, as verbas designadas para esses serviços no parecer e projecto de lei da commissão do orçamento da Camara dos Senhores Deputados, sobre a respectiva proposta n.° 8-U, apresentada ás Camaras em 17 de outubro do anno proximo findo.

§ unico. As verbas cujo pagamento foi suspenso até resolução das Côrtes, nos termos do decreto de 15 de junho de 1906, não são comprehendidas n'esta auctorização.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 1 de fevereiro de 1907. = D r. Antonio José Teixeira de Abreu = João da Silva Carvalho Osorio = Francisco Mendonça de Sommer.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Vou dizer qual o motivo por que assignei o parecer com declaração.

Votá-lo-hei se o Governo responder affirmativamente a tres perguntas que teem unicamente por fim habilitar-me a interpretar bem o projecto.

A necessidade de resposta por parte do Governo justifica a minha declaração.

São do teor seguinte as perguntas que tenho a fazer:

1.ª Julga o Governo indispensavel, para governar normal e legalmente, a approvação do presente projecto?

2.ª A auctorização para o Governo cobrar receitas e effectuar despesas nos termos d'este projecto, quer dizer nos termos do parecer que a commissão de fazenda da outra casa do Parlamento deu com respeito aos orçamentos de 1905-1906 e 1906-1907, é puramente restricta por duodecimos aos mezes que faltam para terminar o anno economico (30 de junho de 1907)? Quer dizer, este projecto dá ao Governo auctorização para cobrar por duodecimos as receitas, e applicar as despesas consoante o orçamento de 1904-1905, que está em vigor, ou consoante o parecer que já foi dado pela commissão de fazenda da outra Camara, o qual alterou as tabellas para 'o exercicio corrente?

O projecto posto em discussão refere-se unicamente a ficar o Governo auctorizado a cobrar as receitas e applicar as despesas nos mezes que decorrerem até 30 de junho?

Como a Camara sabe, a lei de 1896 manda que, quando um orçamento para o anno economico seguinte não tenha sido approvado até 30 de junho, as receitas se cobrem e as despesas se appliquem segundo o estabelecido no orçamento anterior.

De tal disposição resulta que, vigorando ainda hoje o orçamento de 1904 — 1905, é por este .orçamento que o Governo tem de reger se.

Mas, pela auctorização submettida agora á apreciação da Camara, o Governo não cobrará as receitas e não applicará as despesas segundo o orçamento de 1904-1905, mas sim segundo as tabellas da commissão da Camara dos Senhores Deputados, as quaes ficaram alteradas para o exercicio corrente.

3.ª Pode o Governo declarar se ainda na presente sessão legislativa, e tão rapidamente quanto as circumstancias parlamentares o permittam, fará discutir e approvar não só o orçamento de 1906-1907, mas o referente a 1907-1908?

Não formulo estas perguntas porque duvide das intenções do Governo, mas sim porque, estando-se n'um paiz em que a publicidade é necessaria para demover quaesquer suspeitas, bom é que fique accentuado que o Governo deseja viver normal e legalmente.

Se a resposta do Sr. Presidente do Conselho for conforme ao meu modo de ver, votarei, bem como os meus amigos politicos, o projecto sem o discutir.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho, de Ministros e Ministro do Reino (João Franca Castello Branco) :— Vou responder, o mais precisamente que ser possa, ás tres perguntas que o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro me dirigiu; e se porventura a minha resposta não for tão

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clara, e tão nitida, como S. Exa. deseja, eu de novo, a quaesquer instancias suas, farei por tornar ainda mais explicitas as minhas palavras.

Perguntou o Digno Par se o Governo julga urgente e indispensavel a approvação do projecto em ordem do dia para poder governar.

Respondo a S. Exa. que sim, e nem outro caminho tinha o Governo a seguir n'esta occasião.

Perguntou depois S. Exa. se, chegado o dia 30 de junho, e não estando approvados, nem o orçamento para o exercicio corrente, nem o do exercicio futuro, o Governo consideraria esta medida com caracter provisorio.

Declaro a S. Exa. muito categorica e terminantemente que, no modo de ver do Governo, o projecto em discussão não passa de uma medida provisoria.

Se em 30 de junho não tiverem obtido sancção parlamentar, por circumstancias absolutamente contrarias á opinião do Governo, nem o orçamento de 1906-1907 nem o de 1907-1908, não são por forma alguma as disposições d'este projecto que ficam em vigor, mas sim as do orçamento de 1904-1905.

Com. relação á terceira pergunta, direi que a intenção do Governo, o seu proposito, o seu interesse, é fazer discutir os dois orçamentos, o do exercicio corrente e o do exercicio futuro, o mais rapidamente que seja possivel, e antes de se encerrar a actual sessão legislativa.

Poder-se-ha perguntar qual a razão, o motivo, por que tendo sido já emittido pela commissão da outra Camara o parecer sobre o orçamento para o exercicio corrente, elle ainda não entrou em discussão.

As razões d'esse facto são de todos conhecidas.

Nós vivemos ha dois annos sem orçamento, e assim torna-se necessario submetter ao Parlamento, conjuntamente. os dois orçamentos, o d'este anno e o do anno proximo.

A commissão da outra Camara está trabalhando com todo o empenho e com toda a actividade no intuito de dar o seu parecer sobre o segundo orçamento, nas condições em que foi elaborado o parecer sobre o orçamento anterior, isto é, está tratando de apresentar um orçamento meditado, reflectido, não só no que respeita ás propostas do Governo, mas no que se refere ás despesas, seguindo os moldes e as formulas a que a Camara Franceza costuma recorrer para a organização de documentos analogos.

A necessidade de proceder a esse estudo tem feito demorar a apresentação do parecer; mas eu espero que elle será em breve apresentado.

Se não for na sessão de hoje, será na primeira sessão depois das ferias, e o Governo empenha-se em que elle entre rapidamente em discussão.

Parece-me poder affirmar á Camara que a discussão conjunta dos dois orçamentos começará ainda este mez.

Creio, Sr. Presidente, ter respondido clara, precisa e nitidamente ás perguntas do Digno Par, de forma a merecer a sua approvação o projecto que se discute.

Estou prompto a responder a quaesquer outras considerações que me sejam feitas por algum dos illustres membros d'esta Camara.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo : — Sr. Presidente : ouvi com a attencção devida as perguntas feitas pelo illustre chefe do partido regenerador ò Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, e a resposta que a S. Exa. deu o chefe do Governo.

Algumas considerações tenho a fazer sobre essa resposta, mas consentir-me-ha V. Exa. e a Camara que eu as enuncie na altura em que mais naturalmente possam occorrer durante a sequencia das considerações que vou expor.

Sr. Presidente: a minha attitude n'este projecto de lei é, escusado será dizê-lo, differente da do illustre chefe do partido regenerador.

Respeito muito a opinião dos meus collegas, mas revindico para mim a mesma liberdade de opinião.

A minha attitude n'este momento é de completa opposição ao projecto, e é essa opposição que ha de constituir o assumpto das considerações que tenho de fazer á Camara.

O projecto em discussão, escusamos de empregar euphemismos, é uma lei de meios de prazo limitado.

Não se reporta á totalidade de um anno de gerencia, refere-se ao mez que vae correndo e aos quatro mezes que faltam decorrer até á conclusão do anno economico.

Mais claramente: é uma lei de meios para cinco mezes.

Apesar de não ser velho, sou já antigo parlamentar. Entrei na Camara ha vinte e tres annos e recordo-me da maneira como as auctorizações parlamentares d'este genero e d'esta importancia eram discutidas no Parlamento d'esse tempo.

Ao lado do Sr. Presidente do Conselho, então filiado, como eu, no partido regenerador, e de muitos parlamentares que hoje fazem parte d'esta assembleia legislativa, nós ferimos grandes batalhas, chegando até ao ultimo esforço da palavra, no se atido de, dentro da ordem, combater o pernicioso habito que tinha por fim a substituição regular das leis orçamentaes pela votação rapida, summariamente precipitada da auctorização parlamentar que se chamava alei de meios».

Ao lado do Sr. Presidente do Conselho estive eu empenhado n'essa campanha ahi por 1887 ou 1888, salvo erro.

Sustentavamos que era absolutamente necessario, para que o prestigio parlamentar se mantivesse á sua altura, e para que as funcções primordiaes que pertencem ás assembleias legislativas não decaissem em relação aos processos de uma boa normalidade, que a discussão do orçamento se realizasse.

Sustentavamos que era inconveniente, que o Parlamento abdicasse, em qualquer momento da sua vida, o direito de fixar as despesas publicas e de as compensar com as competentes e respectivas receitas.

Tenho ainda bem presentes na memoria os candentes discursos em que os oradores invectivaram o recurso a essa faculdade.

Se n'aquelle momento e n'aquella epoca a approvação de uma medida d'esta ordem já representava o desprestigio do Parlamento, no dia de hoje significa peor do que isso.

Se ha momento em que um Governo se apresente passivo da sua responsabilidade, é este em que estou falando.

Nós não temos na nossa frente um Ministerio que, modesta, normalmente, assumisse as rédeas do poder, e que tratasse comezinhamente de resolver os assumptos que interessam ao paiz e á administração do Estado.

Nós temos deante de nós um Ministerio messianico que, ao sentar-se n'aquellas cadeiras, declarou que era indispensavel estabelecer novos processos de administração e normas diversas d'aquellas que até então eram seguidas.

O Governo declarou mais que queria a discussão parlamentar, e que vivia para os debates legislativos.

Nós temos deante de nós um Governo que se apresentou como redemptor e que vinha inaugurar uma nova e propicia era.

Pois, Sr. Presidente, esse Governo, prophetico, necessario, salvador, intransigente no que respeitava aos erros e culpas das administrações passadas; esse Governo que declarava, no seu programma, e nos discursos feitos nos seus centres, pela boca dos seus correligionarios mais valentes, mais denodados e mais aguerridos, que a defesa dos dinheiros publicos, o computo das despesas, o dinheiro de todos, emfim, devia ser applicado com muita parcimonia e cem muita cordura; esse Governo que assim vinha dar-nos o deslumbramento de novos horizontes e a estupefacção resultante do convencimento de processos inteira e absoluta-

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mente originaes; esse Governo deixa passar o mez de outubro, o mez de novembro, o mez de dezembro, o mez de janeiro, sem pensar, sem se preoccupar com a discussão da lei orçamental!

São decorridos mais de quatro mezes de trabalhos parlamentares, e por isso me volto para o Sr. Presidente do Conselho a perguntar-lhe no que é que de util empregou o seu tempo; se foi para se illudir a si proprio que regulou o direito de associação; se foi para se illudir a si proprio que supprimiu a garantia administrativa; se foi para se illudir a si proprio que pensou em dotar o pai z com essa malfadada reforma de contabilidade, que está dormindo um somno, por emquanto provisorio, mas que eu desejaria fosse eterno, no seio da commissão de fazenda; se foi para fazer votar pelas Camaras essa reforma scclerada da imprensa, que provocou um movimento unanime da opinião publica.

É assim que o Sr. Presidente do Conselho utiliza o seu tempo e realiza o seu programma, quando em obediencia a esse programma de parcimoniosa economia, a esse programma que desfraldava aos quatro ventos como sendo o estandarte por elle empunhado para a defesa dos interesses publicos, quando em obediencia a esse programma o seu dever primordial, a sua obrigação era pôr de parte essas bugiarias de projectos que nem honram o seu nome nem podem introduzir a mais pequena parcella de melhoria na legislação portugueza!

O Ministerio, que temos deante de nós, é passivo de uma dupla responsabilidade, porque desaproveitou, malbaratou o seu tempo, e mais de quatro mezes depois de iniciados os trabalhos parlamentares apresenta-se n'esta Camara a pedir o que? A pedir que lhe votem uma auctorização, graças á qual ha de viver d'aqui até junho com as tabellas emendadas pela commissão de fazenda da Camara dos Senhores Deputados !

Isto é um dos momentos mais frisantes de desprestigio parlamentar que eu conheço na minha já longa vida publica.

Sempre com o respeito que devo ter pela opinião alheia, logo direi á Camara qual me parece ser a verdadeira chave d'este segredo politico parlamentar.

Mas, antes de mais nada, permitta-me V. Exa. e permitta-me o Sr. Presidente do Conselho que eu me reporte ás respostas que S. Exa. deu ao Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, respostas essas que n'este momento entram opportunamente na minha exposição.

O Sr. Hintze Ribeiro perguntou ao chefe do Governo se S. Exa. considerava indispensavel a votação d'este projecto de lei.

O Sr. Presidente do Conselho respondeu que sim.

Resta simplesmente saber porquê.

Então para que as Camaras Legislativas Portuguezas pratiquem o acto insolito, absolutamente raro de, num determinado anno economico, approvarem uma lei de meios para quasi cinco mezes; quando o orçamento está ainda em estudo na commissão de fazenda da Camara Electiva, basta que o Governo diga, ou em relatorio ou ao Digno Par que o interpelou, que considera isso necessario?

Considera necessario, porquê?

Onde está a demonstração d'essa necessidade? Onde está a prova d'essa urgencia? Então é sufficiente a allegação de que é preciso que se citem as tabellas de 1904-1900 alteradas pela commissão de fazenda da outra Camara, para que o Parlamento se curve á approvação d'esta medida?

Não basta que o Sr. Presidente do Conselho diga que o projecto é necessario ; é preciso sabermos porquê.

Peço pois a S. Exa. que me diga em que se funda para affirmar que o projecto é necessario.

Declarou tambem o Sr. Conselheiro João Franco que era seu proposito não deixar encerrar o Parlamento sem fazer discutir conjuntamente os dois orçamentos de 1906-1907 e de 1907-1908.

Sr. Presidente: eu nem por sombras quero pôr em duvida a benemerencia das intenções do Sr. Presidente do Conselho, mas tambem não desejo que S. Exa. vá para casa com a impressão de que os Parlamentos Portuguezes são dotados de um espirito por tal forma infantil, que possam suppor que os factos que estão para vir se hão de mostrar em harmonia com as intenções de S. Exa.

Isso não.

Sr. Presidente: eu entendo que o orçamento de 1907-1908, apesar das boas intenções e boa vontade do Sr. Presidente do Conselho, se alguma vez passar deante dos nossos olhos, ha de ser sob a forma de lei de meios, como a que está presente.

Considero a juncção dos dois orçamentos uma inconstitucionalidade.

A Carta Constitucional ordena que logo no começo da sessão legislativa o Governo apresente ás Côrtes o orçamento das receitas e despesas geraes para o anno economico immediato.

É, pois, attribuicão do poder legislativo, em cada anno, apreciar essas receitas e essas despesas.

Nenhum Governo, Parlamento algum tem o direito de ligar os orçamentos correspondentes a dois annos economicos, o que pode trazer a impossibilidade de, n'um futuro mais ou menos immediato, destrinçarmos a responsabilidade politica de varias situações.

Sendo assim, reputando a juncção dos dois orçamentos verdadeiramente inconstitucional, e sabendo 'que, não só dentro do espirito, mas dentro da letra da nossa Carta se encontra a prohibição completa de tal medida, eu, Sr. Presidente, aguardo o orçamento de 1907-1908, e quanto ao de 1906-1907, parece-me que o melhor é não pensar mais n'elle.

Emfim, eu, a este respeito, lembro-me de que: de bonnes intentions l'enfer est pavé.

O Sr. Presidente do Conselho faz-me a justiça de suppor que eu não me louvo inteiramente nas suas intenções.

Mas, Sr. Presidente, se tudo é interessante sob o aspecto propriamente constitucional, mais interessante e mais curioso se me afigura o facto de se realizar hoje, n'esta assembleia legislativa, a approvação d'este projecto.

Se o aspecto da questão é interessante sob o ponto de vista constitucional, mais interessante é debaixo do ponto de vista politico.

A votação d'este projecto hoje, e n'este momento, representa uma enxadada a mais no prestigio parlamentar.

Este facto, reportando-me ao programma politico do Sr. Presidente do Conselho, é o desmentido formal das suas promessas feitas na opposição.

Apreciemos, pois, o facto, sob o ponto de vista politico da actualidade.

É a esta apreciação que vou proceder em phrases resumidas, para não abusar da paciencia de V. Exa.

Para tal apreciação terei de reportar-me a factos de administração portugueza, que já ficam á distancia de alguns annos.

Tratava-se da questão dos tabacos. O Ministerio progressista, da presidencia do Sr. José Luciano, persistia e teimava em se orientar n'um sentido, que derivava da adopção de dois maus principios. Eram elles a ligação da concessão do monopolio com a projectada operação financeira da conversão, e era o segundo a concessão do monopolio dos tabacos- directamente feita a uma firma qualquer.

V. Exa., Sr. Presidente, sabe muitissimo bem que tanto n'esta Camara, como na outra, houve um movimento de protesto e de opposição energica e violenta contra a orientação politica e administrativa que esse Governo tinha adoptado.

N'esta casa eu, e um collega meu, que muito sinto não ver presente, o Digno Par Sr. Baracho, tivemos ocçasião de estigmatizar no Parlamento o proposito em que o Governo teimava.

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200 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Eu disse então ao Sr. José Luciano que se elle não abandonasse a orientação a que se tinha subordinado, mal iria a S. Exa. e ao partido de que era chefe.

Na outra Camara deram-se acontecimentos que tiveram por origem a attitude da maioria da commissão de fazenda, relativamente ao projecto dos tabacos.

Em consequencia d'essa attitude, houve crise ministerial, e houve tambem a formação de um grupo politico, conhecido hoje pelo grupo dos dissidentes progressistas.

Sustentaram então todos, tanto n'esta Camara, como na outra, a necessidade primaria de que a concessão dos tabacos fosse feita em concurso publico e que se desaggregasem as duas operações.

A verdade, Sr. Presidente, é que nós vencemos, nós, aquelles que combatiamos as intenções do Governo progressista de 1904, vencemos porque, estando á beira o concurso para o monopolio dos tabacos, arrancámos essa forma de concessão á condição simultanea da conversão, prestando assim ao paiz um dos maiores serviços de que ha memoria nos annaes parlamentares.

Escuso de dizer quanto se distinguiram n'essa occasião esses homens que constituem o grupo chamado da dissidencia, homens de enormissimo valor, com altos serviços prestados na tribuna, no Parlamento e na imprensa.

Succedeu-lhe o Governo regenerador, e como eu não regateio a justiça a quem é devida, devo dizer, sem occultar a importancia do movimento que na imprensa favoreceu a separação das duas operações, devo dizer, repito, que ao Governo regenerador se deve a sua execução; e assim não posso n'este momento deixar de pôr em perfeita evidencia o nome do homem que então sobraçava a pasta da fazenda, o Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa.

Escusado será referir-me ao embale politico, ao conflicto a que no seio do partido progressista deu origem toda esta cambiante de questões administrativas.

Assim fomos vivendo até ha pouco tempo, quando ha semanas se deu um acontecimento cujo alcance immediato não foi apreciado por muita gente, ma cuja importancia deve ter um reflexo no teclado parlamentar.

Um bello dia, esse grupo de homens de talento, valor e estudo — os dissidentes — entendeu que era do seu direito reunir-se e reunindo-se fizeram-n'o na defesa do seu direito e iniciativa politica, mostrando assim que essa reunião significava ao mesmo tempo que a nitidez da comprehensão do mo mento politico que atravessamos, o direito de proseguir no esforço de uma activa lucta, como estadistas que eram e homens de acção, de quem muito temos a esperar.

N'esse momento é que o genio propriamente portuguez começou a manifestar-se á volta d'este facto de singela e legitima expansão politica.

Começaram então os racontars, os cancans, as atoardas..

Houve referencias ao nome do Sr. Julio de Vilhena, ao nome do Sr. Hintze Ribeiro e até, mercê de Deus, houve quem se lembrasse do meu modestissimo nome.

O resultado, Sr. Presidente, a pouco trecho se conheceu, e os elementos que n'este paiz se arrogam o direito supremo de intervir na governação do Estado, entenderam dever acautelar aquillo que significava o seu monopolio.

A concentração liberal formou, para uma revista geral de forças, de maneira que se estabelecesse em face da civilização moderna uma defesa inatacavel e indiscutivel, com elementos novos, para que todo aquelle que tentasse levantar a cerviz, ficasse esmagado.

O Sr. João Franco, permitta-me S. Exa. a expressão popular, é muito videiro, entendeu que para elle era esta uma excellente occasião de firmar a plenitude dos seus recursos politicos e parlamentares.

Pois que! Os meus colligados amedrontam-se ?

Ora, Sr. Presidente, a assembleia escolhida para tratar da acção foi a nossa.

Creio que V.- Exa. não teve o prazer de assistir a essa sessão, mas ha de ter conhecimento d'ella, por iodos os motivos: em primeiro legar, pela alta posição que occupa no seu partido; em segundo logar, pelo elevado cargo que occupa n'esta casa.

Sr. Presidente: o regimem do trabalho dentro d'esta assembleia legislativa é variado.

Aqui ha uns directores, leaders, ou como lhes queiram chamar, que pertencem á concentração liberal e que são os que trabalham.

Um é o meu illustre amigo, por quem tanta consideração tenho, o Sr. Mello e Sousa, que exerce as funcções de leader, acolytado peles symphaticos granadeiros Luciano Monteiro e Teixeira de Vasconcellos.

S. Exa. é que dirigem as discussões politicas d'esta casa, e muito bem. O Sr. Mello e Sousa dá-nos, no logar que exerce, a demonstração d'aquillo que vale ; eu já conhecia S. Exa. como homem de profundos conhecimentos, sobretudo em materia economica e financeira, mas aqui, n'esta casa, tenho tido occasião de mais de perto apreciar o seu valor.

O Sr. Mello e Sousa é homem pratico, de acção, de assistencia dedicada.

Quando, porem, se trata de grandes solemnidades, de dias de Lausperenne, em que seja precisa uma exhibição completa da phrase parlamentar com espectaculosidades publicas, então o Sr. Mello e Sousa descansa e vem o Sr. Beirão, que não está presente, mas como nas minhas palavras cousa nenhuma de pessoalmente desagradavel ha para S. Exa., não tenho a mais pequena duvida em me referir a S. Exa. O Sr. Beirão, não posso dizer, Sr. Presidente, que seja n'esta casa um elemento activo parlamentar.

Não é.

S. Exa. mostra-se pouco, vem só nas occasiões solemnes em que é necessario ouvir, através da sua tuba, não direi sonora, mas firme, a voz do Jehovah que troveja do alto da Rua dos Navegantes.

O Sr. Beirão é exhibido poucas vezes, apenas quando uma manifestação externa do poder se torna necessaria. Isto, Sr. Presidente, dá-me a impressão do ultimo dos merovingios, uma especie de Childerico do partido, que passeia pela sala, em dias de excepção, sob o pallio, com os Srs. Villaça, Sebastião Telles, Dias Costa, Espregueira e outros marechaes progressistas ás varas do mesmo.

A impressão que tenho de S. Exa., Sr. Presidente, é que S. Exa. representa uma especie de prelado orthodoxo, de fartas barbas brancas, deitando a benção ao cortejo, do alto da Presidencia, em nome do Propheta. Veio o Sr. Beirão e falou. V. Exa. sabe que isso deu origem a um incidente que, pela sua natureza especial, entendo que não deve ter a menor referencia da minha parte. As hostes progressistas reuniram-se. A demonstração de confiança, fé e adhesão ao Sr. Presidente do Conselho estava dada e o momento de se votar uma lei de meios chegara.

O Sr. Beirão tinha officiado solemnemente, de pontifical, e os fieis acudiram, como convinha, a escutar-lhe o verbo sagrado.

Eu refiro-me ao Sr. Beirão porque não me posso referir ao Sr. José Luciano.

S. Exa. só veio a esta casa, desde que abriu o Parlamento, duas ou tres vezes, e dizem me pessoas bem intencionadas que duas vezes veio para me dar a honra de me ouvir. Depois creio que só aqui veio para dar um conselho politico ao Sr. João Franco. Em seguida recolheu-se, nunca ninguem mais lhe pôs a vista em cima. E hoje venera-se no templo da Rua dos Navegantes, onde os crentes mais fanaticos vão vê-lo e adorá-lo, como os da Asia Ceritral ao Grão Lama de Thibet.

Eu já não tenho a impressão politica que tinha deante da pessoa de S. Exa.,

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mas foi tal a sensação religiosa que experimentei perante a figura d'aquelle Digno Par, que quando tornar a vê-lo n'esta casa hei de cair de joelhos e exclamar de mãos no peito : Domine, non sum dignus. (Hilaridade).

Isto quanto ao partido progressista no Governo.

Agora duas palavras pelo que respeita á opposição, que tem sido viva, real, certa e effectiva; mas não ha duvida que apesar d'essa opposição, este projecto passará aqui, como já passou na Camara dos Senhores Deputados, com uma simples declaração.

As forças opposicionistas são compostas de espiritos de primeira ordem, altamente illustrados, mas a verdade é esta: as forças opposicionistas consideraram que as decisões dos dissidentes, auxiliados por .outros liberaes, poderiam originar aos antigos partidos um compasso, não direi de recuo, mas de espera.

Esse compasso permittiria, Sr. Presidente, que os concorrentes possiveis á successão se fornecessem de todos os meios precisos e necessarios para tornar mais solida a sua posição politica.

É assim, Sr. Presidente, que explico, no meu espirito, o que se está passando, e como não desejo fazer caminho errado, vou-me calar, declarando, porem, que voto contra o projecto.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

(S. Exa. foi cumprimentado pelos Dignos Pares}.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Sr. Presidente: vou tratar de ser tão breve quanto possivel na resposta ás considerações feitas pelo Digno Par Sr. Arroyo.

Desejo evitar, pela minha parte, discussões de caracter politico e restringir a minha acção parlamentar a dai-as explicações a que sou obrigado.

O Digno Par já annunciou que este projecto seria votado, e como esse é o unico fim do Governo, V. Exa. comprehende que não deverei ser eu quem concorra para tornar mais demorada a discussão.

Sr. Presidente: n'esta ordem de ideias, sinto ter de dizer ao Digno Par que o seu bello discurso, foi de principio ao fim baseado em productos da sua imaginação, verdadeiramente criadora e artistica, verdadeiramente admiravel nas suas manifestações, como nós temos tido quasi constantemente occasião de reconhecer; mas unicamente productos da sua imaginação e da sua phantasia.

Começou S. Exa. por dizer que ia-

mos votar uma lei de meios, do genero d'aquellas que o Digno Par e eu, nos nossos principios de vida parlamentar, tantas vezes combatemos poderosa, energica e indignadamente.

É que então, Sr. Presidente, tratava-se de votar uma lei de meios, ao passo que hoje não tratamos de votar senão uma medida de caracter provisorio, que não tem os effeitos nem a significação parlamentar de lei de meios.

A lei de meios era uma medida por virtude da qual o Governo ficava habilitado a arrecadar as receitas publicas, e não uma medida de caracter provisorio que não tem os effeitos nem a significação parlamentar de lei de meios.

A lei de meios era uma medida por virtude da qual o Governo ficava habilitado a arrecadar as receitas publicas, dispensando-se da discussão e da analyse do orçamento. (Apoiados).

Ora o projecto que se discute, pelo contrario, em nada dispensa a discussão e a analyse do orçamento.

O Governo não tem nem pode ter a ideia de desviar da apreciação parlamentar o orçamento geral, porque estando convencido de que o Parlamento representa o paiz, a Nação, não lhe pode ser recusado o direito de analysar as contas do Estado, visto que é a Nação que as paga.

E como ella não pode vir toda tomar parte nas discussões das duas casas do Parlamento, são os membros d'estas assembleias que teem que emittir a sua opinião acêrca dos assumptos que lhe são commettidos. (Apoiados).

Sr. Presidente: nós não apresentamos uma lei de meios, mas apenas uma medida de caracter provisorio.

Já tive occasião de declarar no Parlamento que, quanto a esta medida, eu espero que no principio do mez, se não for discutido o orçamento para 1907-1908, ha de ser discutido o de 1906-1907; mas o desejo do Governo é que sejam discutidos ambos.

Diz o Digno Par que nós malbaratamos o tempo no exame de questões de somenos importancia, quando o podiamos ter empregado na discussão dos orçamentos.

Em primeiro logar, se a sua observação representa uma accusação ao Governo, eu tenho a dizer ao Digno Par, sem receio de contestação, que o Governo cumpriu o seu dever constitucional, no que respeita ao orçamento, quer de 1906-1907 quer 1907-1908, apresentando-o na Camara dos Senhores Deputados dentro do prazo marcado na Constituição; e que em seguida a respectiva commissão, começando a apreciar esses documentos, como já tive occasião da dizer, não se contentou em fazer um exame rapido e breve, mas, pelo contrario, fez um exame demorado, proficuo, importante, valioso, digno de ficar como exemplo e modelo, para que as commissões parlamentares de exame sobre orçamentos sejam de futuro alguma cousa mais do que effectivamente teem sido, não só pelo desejo de acertar no intuito de regeneração dos nossos costumes, mas ainda pela importancia dos resultados effectivos.

Eu não sei se a Camara dos Senhores Deputados e a dos Dignos Pares tem gasto o melhor do seu tempo em assumptos de somenos importancia, porque a direcção dos seus trabalhos pertence ás suas presidencias e maiorias, e a ellas compete apreciar se a discussão de qualquer assumpto cabe nos limites das necessidades e urgencias que principalmente occupam as suas attenções; mas creio que não vale a pena estar a renovar uma discussão politica quando se trata de um projecto que nada tem de politico.

Seria tempo malbaratado.

Vê, pois, V. Exa. que o 'Governo cumpriu o seu dever constitucional e a Camara dos Senhores Deputados estudou o diploma com o maior cuidado, attenção e detido exame, como se ha de ver quando esse documento se discutir.

As Camaras não estiveram ociosas, mas eu fui sincero quando disse que em discussões de caracter politico, se gastou grande parte da sessão anterior.

O Governo desde a primeira sessão não deixou de fazer apresentar na Camara dos Senhores Deputados protas em numero bastante para que a attenção parlamentar pudesse estar occupada em mais alguma cousa do que discussões inuteis, em que gastou tempo que melhor podia ter sido applicado na apreciação de assumptos proveitosos.

O Digno Par disse que o Governo impunha a urgencia d'este projecto ser votado, mas que não mostrou ainda a razão justificativa d'essa urgencia.

Bastava o simples confronto entre as tabellas do orçamento de 1904-1900, com que este Governo tem governado, e aquellas que foram agora apreciadas pela commissão da Camara dos Senhores Deputados, tabellas com que o Governo ha de realizar o seu pensamento e viver dentro das auctorizações parlamentares, sem recorrer a operações de thesouraria, moldando quanto possivel a sua gerencia financeira pela maior regularidade de processos, bastava esse confronto, dizia eu, para responder ao Digno Par.

Ha muitos pagamentos de despesas que teem de ser feitos dentro da gerencia e alguns dos quaes até não são da responsabilidade do Governo.

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E não quero referir-me senão a uma despesa que só por si demonstra a necessidade da medida que trouxemos ao Parlamento: é a do caminho de ferro de Malange.

Emquanto o Governo pôde, dentro das auctorizações que tinha, satisfazer o pagamento dos fornecimentos vencidos, fê-lo; mas vendo que appareciam exigencias superiores ás forças do Thesouro, e que só podiam ser attendidas ou por meio de operações de thesouraria ou por meio de suprimentos, achou melhor vir ás Côrtes solicitar a devida auctorização, não só para gastar aquillo que constava do orçamento, mas ainda o que tinha sido additado pela commissão da outra Camara.

N'esta resolução, attendeu o Governo ao nosso credito, pois que os estrangeiros poderiam suspeitar que não era um espirito de legalismo que presidia ao procedimento do Governo, mas, pelo contrario, a dificuldade de encontrar os meios necessarios para satisfazer esse pagamento.

Não será isto, Sr. Presidente, uma demonstração clara e evidente de que o Governo quer que os dinheiros publicos sejam bem applicados e que haja uma boa administração?

Creio bem que sim.

Escusado é dizer, Sr. Presidente, que poderiamos recorrer a processos seguidos pelos Governos anteriores e até por alguns de que eu fiz parte; e digo isto para que se me não attribuam desejos de ser desagradavel para com qualquer dos meus antigos collegas.

Mas entendi que devia estabelecer este precedente legalista de harmonia com as leis da contabilidade publica.

Circumstancias que se deram e em que nem sempre se seguiu á risca o que dispõe a nossa Carta Constitucional, fizeram que decorressem dois annos sem discussão do orçamento, e bom foi que se apresentassem as difficuldades a que me referi, para mostrar assim a necessidade de se porem de parte maus precedentes e para que se tornasse evidente a necessidade de respeitar a acção do Parlamento.

Sr. Presidente: por esta forma tenho respondido a todo o discurso do Digno Par, que foi tão eloquente como todos os seus discursos.

"Não ha palavra mais brilhante do que a do Digno Par, não o digo agora, sempre o disse; não o faço para captar a sua benevolencia, porque de nenhuma maneira eu a posso captar. Mas o seu discurso, como já tive occasião de dizer, foi baseado n'uma pura phantasia do seu espirito.

Disse o Digno Par que o orçamento não será discutido.

Deus nos livre da prophecia de S. Exa.

Essa discussão ha de ser longa, mas em todo o caso não levará todo o tempo que vae desde a presente occasião até 30 de junho.

O orçamento terá uma discussão larga, decerto, como é indispensavel num diploma d'aquella ordem.

Quanto a discutirem-se os dois orçamentos conjuntamente, já declarei que é esse o pensamento do Governo.

Diz o Digno Par que a discussão assim é inconstitucional; e eu entendo que inconstitucional é não discutir o orçamento.

Dadas as circunstancias anormaes em que o Governo se encontra de não terem sido votados durante dois annos os orçamentos geraes do Estado, foi proposta e acceita a ideia de aproveitar tempo, discutindo os dois orçamentos conjuntamente.

Isto não é mais que demonstrar que time is money, e que o meu desejo é que não o malbaratemos.

Os prolongados debates parlamentares a mim pessoalmente não me contrariam nem prejudicam.

Se ha alguma cousa de que eu goste no exercicio das funcções de Presidente do Conselho são os trabalhos parlamentares.

É o momento em que mais descanso aquelle em que estou ouvindo os Dignos Pares e os Senhores Deputados que me atacam e os que me defendem, ou em que eu tenho de usar da palavra para me justificar.

De todas as laboriosas e duras funcções de Presidente do Conselho como eu as tenho exercido, é para mim essa a mais grata.

Eu trabalho dezaseis horas por dia, e V. Exa. pode ter a certeza de que d'essas dezaseis horas as de maior descanso são aquellas em que estou sentado n'esta ou na outra Camara.

Julgo indispensavel que, alem de concorrer para que se approvem no Parlamento as leis que o Governo tenha apresentado ou apresente ainda, possamos fazer ao mesmo tempo a administração meuda das cousas de todos os dias nas Secretarias de Estado.

Emquanto o Parlamento estiver aberto não se pode fazer o expediente burocratico com a precisa regularidade.

O meu desejo é, pois, que o Parlamento não alongue as suas discussões para que eu mais possa trabalhar em proveito publico; mas estou resolvido a concorrer para que elle esteja aberto o tempo indispensavel para approvação das medidas que o Governo julga necessarias para poder governar.

Não me resta senão referir-me á parte final do discurso do Digno Par, a parte politica, que foi de uma forma encantadora, mas sempre phantasista.

Em resposta ás referencias do Digno Par posso dizer com toda a verdade, porque de outra forma me vexaria de o dizer, que pelo que respeita á concentração liberal, ella ainda não deixou, desde que subi ao poder, de encontrar-se a meu lado por forma a prestar ao Governo o auxilio mais completo que um homem politico pode desejar.

Se eu tenho feito uma administração que de qualquer forma possa merecer, já não digo o apreço, mas emfim uma benevola critica do meu paiz, devo dizer que para isto tem concorrido poderosamente a concentração, liberal.

Folgo de o declarar, tanto mais que não faço senão dizer ao Parlamento o que tantas vezes tenho dito aos meus amigos politicos: por parte do chefe do partido progressista, desde o primeiro dia em que se organizou este Governo até hoje, tenho encontrado sempre boa vontade de me esclarecer sobre qualquer assumpto para que tenho julgado de conveniencia solicitar esse esclarecimento.

Elle não tem criado o mais pequeno obstaculo, a mais infima difficuldade ao Governo, na orientação a que nos subordinamos e no trilho que percorremos no intento de realizar o nosso programma.

Esta é a verdade, que só serve para fazer justiça a quem me tem auxiliado n'esta administração.

Posso affirmar ao Digno Par que da concentração liberal não dimanou acto algum ou qualquer circumstancia que impedisse a approvação das medidas que o Governo tem submettido á sancção parlamentar. A todas essas medidas tem prestado o partido progressista o seu apoio sincero, e posso accrescentar que continuará a dá-lo a todas as providencias que o Governo entregue ao exame do Parlamento. (Apoiados).

A concentração liberal realizou-se debaixo de um ponto de vista superior aos interesses dos homens e ás paixões dos partidos.

Essa concentração deve-se a um alto sentimento patriotico e os homens que n'este accordo entraram teem a plena consciencia das responsabilidades que assumiram perante o paiz.

Pode o Digno Par ter a certeza de que a concentração liberal ha de honrar a iniciativa que tomou e ha de proceder por forma a não merecer a menor censura.

Entendo que mais nada preciso dizer para mostrar o que é o projecto em ordem do dia, as suas intenções, as consequencias politicas que derivam da sua approvação.

Aproveitei este ensejo para declarações, que ha muito eram conhecidas d'aquelles que me prestam o seu apoio, mas que bom é que tambem sejam conhecidas do paiz. (Vozes: — Muito bem ! Muito bem!}

(S. Exa. não reviu).

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O Sr. Luciano Monteiro: —Requeiro a V. Exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que a sessão se prorogue, caso seja necessario, até se approvar o projecto em discussão.

Consultada, a Camara approvou este requerimento.

O Sr. José de Alpoim: — Creio que era desnecessario o requerimento que o Digno Par Sr. Luciano Monteiro apresentou, porque sou eu o unico orador inscrito, e o meu discurso será muito breve.

Seria até em extremo conciso, se não fosse a resposta que o Sr. Presidente do Conselho deu ao Digno Par Sr. Arroyo.

Limitar-me-hei a simples aclarações, porque o assumpto foi largamente esplanado na outra Camara pelos meus bons e queridos amigos.

Em primeiro logar, noto a circumstancia de ter o Sr. Presidente do Conselho usado da palavra duas vezes, quando o assumpto devia ser especialmente versado pelo Sr. Ministro da Fazenda.

Disse o Sr. Presidente do Conselho que trabalhava dezaseis horas por dia para se occupar de questões miudas. Os collegas de S. Exa. que lhe agradeçam estas palavras.

Pode d'ellas deduzir-se que o Sr. Presidente do Conselho se substitue-a todos os seus collegas, como ainda hoje substitue o Sr. Ministro da Fazenda na discussão do assumpto que está em ordem do dia.

S. Exa., dizendo que trabalha dezaseis horas por dia, parece querer insinuar que os seus collegas lhe não prestam o mais pequeno auxilio.

Acrescentou o chefe do Governo que cumpriu os seus deveres constitucionaes, e que ninguem mais do que S. Exa. tem o desejo de que seja discutido o orçamento.

São boas palavras, na verdade; são excellentes phrases, não ha duvida; mas contra essas affirmações está a verdade dos factos.

Se o Sr. Presidente do Conselho queria cumprir os seus deveres constitucionaes, não devia ter dissolvido a Camara dos Senhores Deputados, só porque o Digno Par Sr. Pimentel Pinto apresentou aqui umas simples declarações.

Se S. Exa. queria governar com a lei, se pretendia cingir-se á Constituição do Estado, não podia, nem devia dissolver o Parlamento, sem ao menos fazer uma tentativa no sentido de fazer votar a lei orçamental.

Baseando-se n'uma declaração apresentada n'esta Camara pelo Sr. Pimentel Pinto, dissolveu S. Exa. a outra Camara, sem estar votado o orçamento e sem tentar ou procurar obter a discussão d'esse diploma.

Se S. Exa. tivesse o apego que apregoa ás boas praticas constitucionaes não teria procedido como procedeu.

Reuniu-se depois a Camara em outubro, e nem n'esse mez, nem nos mezes de novembro e dezembro, se1 em pregou a menor diligencia no sentido de fazer approvar o orçamento, e pró cura-se agora, se bem que por uma forma indirecta, essa approvação.

É pois uma affirmação inexacta aquella que se destina a mostrar que o Governo se inspirou no desejo de cumprir os seus deveres constitucionaes.

Diz o Sr. Presidente do Conselho que a apresentação da medida que hoje entrou em ordem do dia se impõe pela urgencia.

Mas por que é urgente no mez de fevereiro e não o foi em outubro, novembro, dezembro e janeiro ?

Que razões especiaes concorrem para que se preencha hoje uma formalidade que já ha muito podia estar preenchida? Pois não pode dar-se, em virtude de determinadas circumstancias, a impossibilidade de se votar o orçamento!

S. Exa. declara que é sua intenção fazer votar esse diploma.

Mas então porque não acceitou a emenda apresentada na outra Camara pelo illustre Deputado Antonio Centeno?

Que importam e o que valem as declarações do chefe do Governo, se acima d'ellas está a força das circumstancias?

Quem garante ao Sr. Presidente do Conselho que ámanhã, em razão de qualquer circumstancia que se apresente, se não veja obrigado, a abandonar os bancos do Governo, e que por isso se encontre á frente dos destinos do paiz uma situação diversa d'aquella que hoje existe?

As cousas são o que são; e a verdade é que o projecto não passa de uma auctorização liberrima, e que só tem a delimitação do tempo, se é que a tem.

Não posso deixar de protestar contra esta providencia, que é absolutamente contraria ás affirmações do Sr. Presidente do Conselho quanto aos desejos de manter illesos os bons principies liberaes.

Não desejo tomar mais tempo á Camara. Disse as razões que me levam a votar contra o projecto.

Desde que elle importa uma auctorização que prende com a arrecadação das receitas e sua applicação, os dissidentes progressistas não podem dar-lhe o seu apoio.

Neste ponto não faço mais do que respeitar as afirmações feitas solemnemente pelo Digno Par Sr. Beirão.

S. Exa. declarou, em nome do partido progressista, que nunca mais votaria auctorizações aos Governos.

Respeito muito as palavras do Sr. Presidente do Conselho, mas acima d'ellas está o projecto que se discute.

Pode ámanhã surgir um conjunto de circumstancias que obriguem o Sr. Presidente do Conselho a mudar a sua carreira politica, ou a encerrar o Parlamento.

Por todas estas razoes os dissidentes progressistas não podem de maneira nenhuma votar o projecto. Disse.

(O Digno Par não reviu).

Esgotada a inscripção, foi o projecto approvado.

O Sr. Presidente: — Como a hora está muito adeantada, vou encerrar a sessão.

A segunda será no dia 15 do corrente, e a ordem do dia a discussão dos pareceres n.ºs 27 e 28.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 6 de fevereiro de 1907

Exmos Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal e de Sousa Holstein; Condes : de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, do Cartaxo, de Lagoaça, de Margaride, de Paraty, de Samodães, de Tarouca, de Villar Sêcco; Viscondes: de Asseca, de Athouguia, de Monte-São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Costa e Silva, Santos Viegas, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Coelho de Campos, Dias Co ata, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco de Medeiros, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, João Arrojo, Mello e Sousa, Avellar Machado, José Dias Ferreira, José E. de Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Poças Falcão, Affonso de Espregueira, Raphael Grorjão e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

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