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fizeram á reforma das pautas, reforma da qual resultava um augmento de muitos contos de réis a favor da fazenda publica (segundo se disse e escreveu), sendo certo que tambem já n'esta camara havia dito o sr. ministro da fazenda, que tinha rasões para crer que o resultado das novas medidas financeiras havia de ser muito superior ao que se calculava.
- Foi justamente por tudo isto que eu reflecti, e disse então comigo: é occasião de apresentar o meu projecto, porque, apesar d'elle trazer um augmento de despeza, agora que temos um augmento de receita tão consideravel, não se dá por isso o inconveniente e embaraço que se daria n'outras circumstancias; porém, sr. presidente, enganei-me, porque esse augmento de receita não é para o exercito, é sim para fazer face ao augmento da despeza, consequencia das reformas que se fizeram nas secretarias, e para pagar a certos individuos que rabiscam artigos em defeza do governo, e que se occupam em desacreditar tudo e todos; o que todavia não conseguem, por isso que elles não são muito acreditados (apoiados).
É certo, sr. presidente, que todas as classes desejavam a restauração da liberdade, do throno da Rainha, e da carta constitucional; mas ninguem ousará negar que, se não fosse o exercito, provavelmente isso não passaria de desejos, porque á muita disciplinando exercito, aos muitos sacrificios por elle feitos, e á sua muita coragem, é que se deve o termos obtido tudo isso, o goso da liberdade que hoje temos: mas a liberdade está já estabelecida no paiz, e agora não é preciso o exercito para a guardar, porque não ha inimigos a combater!... Enganei-me, sr. presidente, descobriram um novo inimigo, mas inimigo que em parte nenhuma é considerado como tal: esse inimigo são as irmãs da caridade! Senhoras aliás respeitadas em todos os paizes, desde a China até Badajoz, as quaes por toda a parte exercem desveladamente a virtude da caridade (apoiados). É notavel! Até Badajoz não são ellas perigosas, mas de Badajoz para cá é o que o são! (Riso.)
Confesso que tenho muita pena de ver que o governo trema diante de tudo isso que por ahi se está passando, que mesmo mostre ter medo d'esses annunciados meetings, dos quaes me rio! Julgo porém que é isso o que deu causa á publicação da desgraçada portaria que se encontra hoje no Diario de Lisboa: mas, sendo assim, se nós fizessemos um meeting em sentido opposto aos que são contra as irmãs da caridade, succederia certamente o mesmo que succedeu com as assignaturas a favor, que foram muito superiores em tudo as que pediam a conservação: n'este caso o governo, que não podia ceder para os dois lados, teria que se sumir! (apoiados).
Voltando porém agora á questão principal, direi outra vez, sr. presidente, que de certo esse augmento de receita que dizem haver, e de que fallei já, não é para se contemplarem e attenderem os officiaes do exercito, é sim para fazer face á creação de novos empregados, a reformas de varias repartições, e para se darem bons logares a esses homens que nos guardam hoje do inimigo, avisando-nos de que com a permanencia das irmãs da caridade em Portugal periga a liberdade que elles tanto zelam (riso), mas para a qual não concorreram com qualidade alguma de serviços! (apoiados). O inimigo imaginario da liberdade são as virtudes das irmãs da caridade, e esse inimigo é para elles o maior e o mais forte de todos; com este inimigo atrevem-se elles, mas se apparecessem outros talvez não fossem fazer-lhe frente, e então appareceria o esquecido exercito!
Digo em conclusão, sr. presidente, que não tenho esperanças em que o meu projecto vá por diante, o que eu muito sinto, porque elle tendia a beneficiar uma classe que por todos os titulos o merece. Assim, como não posso conseguir tudo, hei de approvar o projecto offerecido pela illustre commissão, por isso que conserva parte do que propuz no meu; mas note a camara que já está determinado que os officiaes a que eu alludo recebam por cabimento pela tarifa de 1814; o meu desejo porém era que elles começassem a receber já desde o principio do proximo anno economico, porque muitos d'elles ha que pelo cabimento, em vista da sua avançada idade, nunca chegarão a gosar d'este beneficio. Peço pois á illustre commissão que ao menos queira aceitar o seguinte additamento ao seu projecto (leu-o). Espero que o sr. ministro da guerra se não opporá, porque s. ex.ª bem sabe que um official com tão pequeno vencimento não póde viver.
Eu digo que muitos, officiaes que têem familia hão de viver pedindo esmola, para assim terem um auxilio para a sua subsistencia, e é para ver se elles podem melhorar um pouco a sua penosa situação que eu procuro estes meios, que de certo não é muito esta mudança ou transferencia de tarifa, a qual todavia quanto mais rapidamente se fizesse tanto melhor; por isso com quanto se diga, que já passou aqui um projecto que está convertido em lei, estabelecendo a fórma de cabimento nas vacaturas, mando em todo o caso para a mesa um additamento ou nova substituição ao projecto da illustre commissão, e a camara decidirá depois o que em tudo isso tiver por mais conveniente (leu).
O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre a admissão.
Foi admittido.
O sr. Presidente: — Está em discussão promiscuamente com o parecer da commissão e o projecto que lhe serve de base.
Tem a palavra o digno par o sr. conde do Bomfim. Entrou o sr. ministro da guerra.
O sr. Conde do Bomfim: — Eu principiarei dando algumas rasões, para mostrar como a commissão se justifica de se ter apartado dos principios genericos que apresentou o digno par o sr. D. Carlos de Mascarenhas, pois a opinião e os desejos dos membros da commissão não eram inferiores aos sentimentos que s. ex.ª tem constantemente mostrado para que seja beneficiada a classe militar. Verdade é que o digno par sustenta que se decidiu a apresentar este projecto por ter ouvido aqui dizer ao sr. ministro da fazenda, que tinha boas esperanças de poder dentro de algum tempo mais contar com maiores meios de receita; mas tambem é certo que a commissão, tendo ouvido o sr. ministro da repartição competente, e tendo feito um exame circumstanciado emquanto á cifra em que importaria o augmento de despeza que o digno par propunha pelo seu projecto, viemos todos no conhecimento de que effectivamente o nosso thesouro não comportava ainda o fazer-se esse sacrificio, que aliás todos desejaríamos que se podesse fazer, não só porque era uma prova mesmo de que as finanças estavam em melhor estado do que realmente estão, mas porque então se facilitava o meio de se realisar tão justo pensamento. Mas a commissão, por isso que é igualmente dominada desses bons desejos, achou que era possivel aproveitar alguma parte das boas idéas que o digno par apresenta no seu projecto, e assim de accordo com o sr. ministro da guerra se chegou á favoravel resolução de apresentarmos aquillo que se julga poder ser compativel com as forças do thesouro nas actuaes circumstancias. Isto pelo que diz respeito ao projecto, apresentado pelo digno par e examinado pela commissão; agora emquanto ao additamento ou substituição que s. ex.ª acaba de mandar para a mesa, devo dizer, que me parece que vae de alguma fórma contrastar uma lei que ha pouco passou nas duas camaras, e pela qual ha essa transferencia da tarifa de 1790 para a de 1814, nos casos de reforma e pela maneira seguinte. Calculou-se que da mortalidade annual proviria uma certa somma, e assim, que d'essa somma uma quinta parte fosse destinada para se ir effectuando esse melhoramento de reforma, estabelecendo-se na mesma lei que esse melhoramento começaria de preferencia pelos feridos, e depois pela classe que menos vencimento tem que é a classe dos alferes, pois que realmente o official que tem 12$000 réis não póde viver, como muito bem diz o digno par (apoiados). Assim não ha duvida que estamos todos de accordo sobre a necessidade de remediar esses males, mas não se podem remediar facilmente todos os males que se lamentam (O sr. Visconde de Podentes: — Sobre a ordem).
A commissão portanto convenceu-se da impossibilidade de fazermos por emquanto mais do que, isto que propomos; o nosso convencimento, alem do que tenho exposto, proveiu de outras ponderações mais, que não exponho para não cançar a camara, mas entre ellas apontarei uma que sem duvida será considerada de peso, e vem a ser, que a lei das reformas marca que tenha mais um posto o official reformado, quando tem certo numero de annos de serviço, e como a maior parte das vezes acontece, que o maior numero são os capitães que se reformam, passando elles a majores, o resultado pratico seria, que os homens que em virtude da lei das reformas iriam ter 38$000 réis, passavam para a disponibilidade temporaria com 20$000 réis, tinham mais que esperar pelo cabimento para se fazer effectiva a sua reforma; sendo certo que existe esta ultima lei que passou pelas duas camaras, senão em lei especial, foi em lei geral (a lei suprema, que é o orçamento), que estabelece esse cabimento para os reformados. Assim o capitão que tinha 34$000 réis, e que ia para a disponibilidade com 20$000 réis, em logar de passar a mais, como lhe dava a lei da reforma, que eram 38$000 réis, como já disse, vinha a ficar muito prejudicado, soffrendo muito em seus interesses. Todas estas circumstancias pois não podiam deixar de fazer peso na commissão, e á vista d'isto, e porque o sr. ministro da repartição disse, que na fórma que nós concebíamos o nosso projecto, era isso compativel com as forças do thesouro, resolvemos apresentar assim o nosso parecer, achando que já por este modo se proporciona uma boa vantagem aos officiaes do exercito, embora seja para sentir que se não possa por ora fazer tudo quanto queria o nosso nobre collega e amigo o sr. D. Carlos de Mascarenhas.
Creio ter assim respondido e justificado a commissão, entretanto se mais alguma rasão se produzir e for necessario responder ainda, eu pedirei de novo a palavra, ou o fará qualquer dos outros membros da commissão, que melhor o desempenhará do que eu.
O sr. Visconde de Podentes (sobre a ordem): — Apesar de que estou altamente compenetrado da justiça das rasões que foram expostas pelo digno par o sr. D. Carlos de Mascarenhas, entendo que depois do enunciado que s. ex.ª fez sobre um novo additamento ou substituição que apresenta, deve esta materia ser considerada de novo na commissão, o que é de certo mais conveniente do que resolver agora aqui a questão nos termos em que ella está.
Parece-me pois que é melhor que a materia seja novamente considerada pela commissão, ouvindo o sr. ministro da guerra. Se s. ex.ª porém, visto que está presente, quizer já responder, podemos ter o gosto de ouvir a opinião do governo, para depois melhor resolvermos, se o negocio se póde concluir sem que seja necessario voltar á commissão; entretanto eu penso que no adiantamento da hora em que estamos, será sempre mais prudente mandar tudo para a commissão para que com toda a meditação e mui pausadamente, se assente no que for melhor, e se combine bem a fórma das disposições novas em relação á legislação já existente.
O sr. Aguiar: — Eu tambem sou de parecer que em objectos d'esta natureza deve haver toda a circumspecção, e por isso mesmo é que me parece que nos convem primeiro que tudo ouvir o nobre ministro, não só emquanto á questão geral, mas agora mais particularmente com relação ao que ultimamente propoz o sr. D. Carlos de Mascarenhas, pois confesso que me impressionaram as rasões que o auctor do projecto apresentou para sustentar a sua opinião. Eu, á vista do que ouvi expor, sou de opinião que se não se póde remediar tanto quanto s. ex.ª queria, deve-se ver até que ponto poderemos comtudo obviar ao mal, tendo cuidado em ir pouco a pouco procurando-lhe uma completa cura.
O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — O meu additamento não diz agora mais do que isto. Leu-o e é do teor seguinte:
«E igualmente os subalternos reformados, e empregados nas praças, que recebam pela tarifa de 1790, passem d'aquella data em diante, a perceber igualmente pela tarifa de 1814. = D. Carlos de Mascarenhas».
O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre o adiamento proposto pelo digno par o sr. visconde de Podentes, pois que em resultado do que s. ex.ª disse, e não tendo pedido a palavra o sr. ministro da guerra, creio que são estes os termos no estado da questão.
O sr. D. Carlos de Mascarenhas (sobre a ordem): — O meu additamento deve ser proposto á camara, e se elle for approvado, não tem logar o adiamento para que o negocio volte á commissão.
O sr. Presidente: — O que eu acho que se propõe é que o projecto com o parecer e o additamento, volte tudo á commissão. E uma proposta de adiamento.
O sr. Aguiar (sobre a ordem): — Perdoe-me V. ex.ª; mas eu creio que não se propoz formalmente o adiamento; propoz sim que voltasse o negocio á commissão, mas logo em seguida se disse e concordámos todos que seria melhor ouvir primeiro o sr. ministro, particularmente sobre o additamento que hoje mesmo durante a discussão tinha sido offerecido pelo auctor do projecto primitivo (apoiados). Foi n'este sentido que eu fallei, e mesmo o meu amigo e collega o sr. visconde de Podentes, pois que reconhecemos que talvez seja possivel votar-se hoje depois das explicações que der o sr. ministro da guerra; se porém isto se não poder realisar, então deve certamente voltar o negocio á commissão, no que creio que convem o digno par.
O sr. Ministro da Guerra: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Devo dizer ao digno par o sr. conselheiro Joaquim Antonio de Aguiar, que eu não tinha entrado no conhecimento d'essa combinação em que ss. ex.ªs estavam, mas em todo o caso o que estava esperando era que o sr. ministro pedisse a palavra. Agora que s. ex.ª a pede, é certamente a primeira cousa a fazer, ouvir as suas explicações.
Tem a palavra o sr. ministro da guerra.
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de Sá da Bandeira): — Sr. presidente, parece-me que tudo se póde conciliar indo o projecto novamente á commissão com a proposta do digno par, porque eu apresentarei n'este intervallo uma relação dos individuos a quem diz respeito, e então á vista d'ella verá a commissão se a verba é muito grande, porque n'este caso não approvará, e se não for grande a admittirá.
O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — A verba não póde ser muito grande, nem sei o que é, eu não chamo verba muito grande aquella applicada para tirar os militares da miseria em que estão pela tarifa de 1790. Já em vista do parecer da commissão restringi o meu projecto, e parece-me que esta verba não póde exceder a 20:000$000 réis; não é muito grande, considerando que resulta em beneficio dos homens que fizeram distinctos serviços ao paiz. —Eu fiz aqui um requerimento ha cinco dias, ou seis, pedindo uma relação dos officiaes que estão em commissões fóra do ministerio da guerra, ainda não veiu, e ella era necessaria para esta discussão.
O sr. Visconde de Balsemão: — Sr. presidente, eu voto tambem que vá á commissão, pois vejo na prompta resolução outro inconveniente que ainda aqui se não ponderou, e vem a ser em relação á lei que já passou n'esta camara, que dava o cabimento aos capitães na quinta parte do todo, e não se fazendo esta declaração a respeito dos subalternos havia o inconveniente de prejudicar aquella lei que dava um direito ao cabimento, mas só na quinta parte, e admittindo agora os subalternos, deve ir á commissão para harmonisar o projecto de modo que não vá destruir a vantagem do outro projecto que já foi aqui approvado. Isto é um beneficio, e eu realmente sou da mesma opinião do digno par, que não se deve olhar ao estado financeiro do paiz quando se trata de fazer um beneficio a uma classe a quem devemos a liberdade, tendo já votado muitas outras cousas menos attendiveis, e então entendo que não ha inconveniente em que este projecto volte á commissão para o harmonisar e não prejudicar o beneficio que se fez no projecto de lei que veiu da outra casa.
O sr. Presidente: — Queira o digno par mandar o seu requerimento para a mesa.
O Orador: — Eu não tenho requerimento a fazer, e peço que vá á commissão.
O Presidente: — Queira reduzir essas palavras a um requerimento.
O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — O digno par tem receio que este meu additamento vá fazer transtorno aos officiaes reformados, em consequencia da lei que se votou aqui. É exactamente o contrario, a lei é para passarem para a tarifa de 1814 os que estão na tarifa de 1790, de maneira que é uma vantagem muito grande, porque aquelle cabimento que principiava pelos alferes vae principiar pelos capitães. Para os alferes reformados pela tarifa de 1790 passarem por cabimento para a tarifa de 1814 é preciso cinco ou seis annos, e por este meu projecto desde julho d'este anno todos começavam a receber pela tarifa de 1814, e em vista d'isto os receios de s. ex.ª devem acabar, porque o que eu faço é sómente tornar mais rapido o beneficio.
O sr. Presidente: — De tudo quanto sobre este objecto se tem dito, parece-me que terá logar a indicação do digno par