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CAMARA DOS DIGNOS PARES

EXTRACTO DA SESSÃO DE 6 DE MARÇO DE 1861

PRESIDENCIA DO EX.™ SR. VISCONDE DE LABORIM

VICE-PRESIDENTE

Secretarios: os dignos pares Conde de Peniche

D. Pedro de Brito do Rio

As tres horas da tarde, achando-se presente numero legal declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da antecedente, declarou-se approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia: Cinco officios da presidencia da camara dos srs. deputados, um participando terem sido adoptadas por aquella camara as emendas feitas por esta, á sua proposição relativa á cobrança do imposto do sêllo, e quatro acompanhando quatro proposições: 1.ª Melhorando a reforma do marechal de campo barão da Portella; 2.ª, Reintegrando Francisco José Gomes de Matos Brazil, no posto de alferes de infanteria do exercito; 3.ª, Approvando o contrato celebrado com a companhia união mercantil para que os seus barcos a vapor toquem no Porto do Funchal, o conduzam gratuitamente seis colonos em cada viagem para a Africa; 4.ª, Auctorisando a camara municipal de Ponta Delgada a contrahir um emprestimo.

A 1.ª e 2.ª remettidas á commissão de guerra, 3.ª á de fazenda, e 4.ª á de administração publica.

—Do ministerio da fazenda enviando para serem distribuidos pelos dignos pares cincoenta exemplares dos mappas estatisticos da alfandega do Porto relativos ao anno economico de 1859-1860.

Mandaram-se distribuir.

— Do ministerio do reino enviando dois autographos dos decretos das côrtes geraes n.ºs 95 e 102. Para o archivo.

Foi lida na mesa, e approvada pela camara, a ultima redacção das alterações feitas á proposição da camara dos srs. deputados relativa a poderem os cirurgiões formados nas escólas medico-cirurgicas de Lisboa e do Porto, e os bachareis em medicina pela universidade de Coimbra, concorrer a todas as cadeiras que constituem o curso completo das ditas escólas.

O sr. Larcher: — Participo a V. ex.ª e á camara que o sr. José Maria Eugenio de Almeida, me encarregou de communicar, que por motivo de doença não tem podido comparecer a algumas sessões, nem mesmo poderá vir a algumas mais.

O sr. Conde de Thomar: — Expoz que no Diario deste dia vira publicada uma portaria, contendo na sua opinião materia mui grave, não só pelo assumpto a que se refere, como pela epocha em que é promulgada (apoiados). Julga

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que a camara deve tratar esta questão de uma maneira digna d'ella (apoiados), e entende que o não póde ser, sem que o governo remetta, com a maior urgencia, as informações e pareceres que serviram de base aquella portaria. Depois do exame d'esses pareceres e informações elle, orador, se propõe entrar n'essa questão; e espera que a camara, n'essa occasião, não fique indifferente, porque, como disse, um assumpto d'esta ordem, resolvido no momento actual, denota acontecimento de transcendente gravidade (muitos apoiados), mas desejando mostrar que da parte da camara ha a maior prudencia, por isso limita-se a fazer o requerimento que passava a lêr e que espera mereça a approvação dos dignos pares.

«Requeiro que sejam com urgencia pedidos ao governo, pelo ministerio do reino, as informações e pareceres que serviram de fundamento para a resolução que se contém na portaria de 5 de março corrente, publicada no Diario de Lisboa de 6 do dito, a respeito das irmãs da caridade. = Camara dos pares, 6 de março de 1861. = Conde de Thomar.

Não sendo a occasião propria para tratar d'esta questão, entendo todavia que o governo não póde demorar a remessa d'estes documentos, e pede á mesa que immediatamente, n'este mesmo dia, se fosse possivel, faça a devida communicação ao sr. ministro do reino, a fim de que taes documentos sejam enviados o mais breve possivel, e com a urgencia que a camara não póde deixar de votar (apoiados geraes).

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara se annue a que sejam pedidos ao sr. ministro competente, os documentos a que s. ex.ª se refere.

A camara annuiu unanimemente.

O sr. Conde de Thomar: — Continuando a usar da palavra, pediu permissão para mandar para a mesa um requerimento relativo ao projecto que se havia de discutir na seguinte sexta-feira, para cuja discussão desejava estar habilitado, e do qual pedia a urgencia, sendo do theor seguinte:

« Requeiro que o governo mande a esta camara uma relação das doações feitas por particulares aos conventos das religiosas, contendo a clausula de reversão dos bens doados aos herdeiros dos doadores, no caso de se verificar a extincção ou supressão dos mencionados conventos. j

Camara dos pares 6 de março de 1861. = Conde de Thomar ».

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se annue ao pedido do sr. conde de Thomar. A camara annuiu.

O sr. Visconde de Gouveia: — Expoz, que tendo pedido para ser inscripto n'uma das passadas sessões, a fim de apresentar alguns projectos de lei, passava a manda-los para a mesa.

Leu-os, e respeitam:

O primeiro, á extincção dos juizes ordinarios e juizes eleitos; o segundo, ao estabelecimento de habilitações dos individuos que tenham de ser providos nos officios de tabelliães de notas, escrivães do juizo de direito, ou qualquer tribunal de segunda instancia.

Pediu que fosse ouvida a commissão de legislação, e como ha no parlamento dois projectos de lei que têem relação com estes objectos, pedia tambem que para o devido estudo e confronto sejam impressos no Diario de Lisboa estes que apresenta.

O sr. Presidente: — Devo dizer ao digno par, que emquanto a mandarem-se á commissão as propostas de lei que V. ex.ª apresentou, essa é a obrigação da mesa, e pelo que diz respeito ao segundo pedido de V. ex.ª, para serem impressas no Diario de Lisboa, eu vou consultar a camara.

A camara annuiu.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, eu desejava mandar para a mesa um requerimento pouco mais ou menos no teor do que apresentou o sr. conde de Thomar, por isso posso dizer que s. ex.ª me preveniu completamente. Declaro todavia que, na occasião em que estes documentos, a que se refere o requerimento do sr. conde de Thomar, vierem, hei-de fazer certas reflexões na presença do governo, e sobretudo do sr. presidente do conselho, a respeito da portaria que hoje se encontra no Diario de Lisboa, e como bem disse o sr. conde de Thomar, sobre a occasião em que foi promulgada. Eu pronunciaria phrases mais severas se porventura estivesse presente o sr. presidente do conselho; como s. ex.ª não o está, nada mais direi, porque não costumo ferir pelas costas; esperarei pela occasião em que a camara tratar d'este negocio.

O sr. Visconde de Balsemão: — Sr. presidente, sobre o assumpto a que se referiu o sr. conde de Thomar e marquez de Vallada, nada tenho a dizer, porque partilho as mesmas idéas de ss. ex.ªs; não era porém sobre este objecto que tinha pedido a palavra, mas sim para apresentar este requerimento.

Leu-o, e é do teor seguinte:

«Requeiro com urgencia que, pelo ministerio competente, se remetta a esta camara:

1. º O processo que serviu de base para a proposta do projecto de lei para o livre commercio dos vinhos do Douro;

2. ° As representações feitas por quaesquer associações, ou corporações a respeito d'esta medida.

Camara dos pares. = Visconde de Balsemão».

O sr. Conde de Thomar: — Disse que um dos objectos que o digno par tem em vista, é estudar esta materia; parece-lhe pois que o requerimento que apenas pede os documentos a favor, devia pedir tambem os contra, pois que para se estudar a questão devem vir tanto uns como outros, a fim de ver de que lado está a rasão.

O sr. Visconde de Balsemão: — Sr. presidente, eu pedi que viessem os documentos a favor porque desejo apoiar o projecto, o mesmo porque os documentos contra já têem sido apresentados por varias vezes nesta camara; fallo das representações que têem mandado para a mesa differentes dignos pares. Todavia se se entende que devem vir todos es documentos, pró e contra, eu não tenho duvida alguma em acrescentar no meu requerimento que venham uns e outros.

O sr. Visconde de Gouveia: — Não sabe se na proposta se menciona que estes, documentos sejam remettidos com urgencia...

O sr. Visconde de Balsemão: — Pedi a urgencia.

O Orador: — Fez esta observação em consequencia de pesar grande responsabilidade sobre a camara com o adiar a resolução de uma medida tão importante (apoiados). O commercio do Douro e os lavradores de toda a provincia estão em perfeita espectativa, e tanto um como outros não podem fazer transacções, nem sabem como hão de preparar o vinho, nem o destino que lhe hão de dar, visto estarem indecisos sobre qual ha de ser a base por que hão de regular-se, pois ignoram se se estabelecerá a liberdade do commercio, se continuará o systema das restricções que ora existe, ou se se apresentará um novo systema dellas; conforme for o que o parlamento adoptar assim procederão.

Acresce a isto uma circumstancia de muito peso, e que é, que a Inglaterra abriu os seus portos aos nossos vinhos, bem como aos de todo o mundo; e que os nossos para competirem com os estrangeiros devem ser preparados com antecipação; ora como está tudo suspenso com o adiamento, não se podem preparar os vinhos, do que resulta grave damno para os interesses do paiz vinhateiro.

Portanto, em vista da grave responsabilidade que pésa sobre a camara, e do que acaba de expor, entende que taes documentos devem ser pedidos mais que com urgencia, com muita urgencia. Não se póde dignamente adiar por mais tempo a resolução de uma questão tão grave e importante, e de que estão pendentes os interesses de quasi metade de Portugal.

O sr. Presidente: — O digno par o sr. visconde de Balsemão já havia pedido a urgencia.

O sr. Visconde de Balsemão: — Se s. ex.ª tivesse prestado attenção ao meu requerimento veria que principio pedindo a urgencia.

O sr. Visconde de Gouveia: — Estou satisfeito. O sr. Presidente: -*— Os dignos pares que approvam que com urgencia se peçam as representações pró e contra tenham a bondade do se levantar. Foi approvado.

O sr. Felix Pereira de Magalhães: — Mandou para a mesa uma representação da camara municipal do Peso da Regua, pedindo que esta camara rejeite o projecto para a liberdade do commercio dos vinhos do Douro. Requereu que seja publicado no Diario como têem sido as outras sobre o mesmo objecto.

O sr. Presidente: — Ajuntar-se-ha ás outras e irão todas á commissão respectiva.

O sr. Visconde de Athoguia: — Sr. presidente, desejo que a mesa me informe se já veiu resposta ao requerimento que fiz e a que o governo tem tido mais que o tempo sufficiente para responder. O objecto do meu requerimento era uma relação que eu queria dos officiaes de marinha que se acham empregados em terra, e quaes os vencimentos e gratificações que percebem. Tenho alguma pratica da repartição por onde estes negocios correm, e por isso posso dizer que vinte e quatro horas era tempo sufficiente para ter resposta o meu pedido; quiz porém dar cinco ou seis dias, o que de nada penso que serviu; e como póde succeder que o ministro competente, em virtude dos muitos negocios que tenha entre mãos, se haja esquecido do meu pedido, porque a não ser assim já ha muito estaria satisfeito, por isso pedia a V. ex.ª que, no caso de não terem vindo as informações que peço no meu requerimento, e que a camara approvou tivesse a bondade de mandar nova communicação ao sr. ministro, pois tenho necessidade d'essas informações para quando se tratar do projecto que está na commissão, que se tem demorado em dar o seu parecer por não ter n'ella apparecido o sr. ministro da marinha.

O sr. Presidente: — Sou informado de que ainda não vieram as informações pedidas pelo digno par.

O sr. Margiochi: — Manda para a mesa dois pareceres de commissão.

Mandados imprimir.

ORDEM DO DIA PARECER N.° 128

A commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.º 113, do digno par D. Carlos de Mascarenhas, que tem por fim abonar-se o soldo da tarifa de 1814 a todos os officiaes do exercito, qualquer que seja a sua situação.

A commissão aprecia o benefico fim a que se propunha o digno par a apresentar o indicado projecto; comtudo não póde deixar de expor que, depois de um maduro exame, teve que attender a ponderosas rasões que se offereceram para restringir as suas disposições, e é de opinião, de accordo com o sr. ministro da guerra, que o artigo 1.° do projecto deve ser applicavel só aos officiaes «que sendo julgados incapazes do serviço activo, passam á inactividade temporaria para esperarem o cabimento para a reforma, emquanto não forem reformados»; e n'este sentido a commissão tem a honra de offerecer a seguinte substituição:

projecto de lei

Artigo 1.° Os officiaes do exercito que, sendo julgados incapazes de continuar no serviço activo, passarem á inactividade temporaria para esperarem Cabimento para a reforma, emquanto se acharem n'esta situação até que sejam reformados perceberão os soldos que lhes pertenciam pela tarifa de 1814 ou pelas subsequentes.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Sala da commissão, de março de 1861. = Conde do Bomfim = Conde de Santa Maria = Barão de Pernes = Visconde de Campanhã = Visconde da Luz = D. Antonio José de Mello e Saldanha = D. Carlos de Mascarenhas (vencido).

Dignos pares do reino. — Quando em 16 de dezembro de 1790 foi promulgada a tarifa que devia regular os sol, dos officiaes do exercito desde o posto de alferes até ao de coronel, as necessidades da vida, e sobretudo os preços das subsistencias, eram bem differentes do que são actual, mente; alem d'isto, n'essas eras, a quasi totalidade dos officiaes, se não, rica, tinha pelo menos algum patrimonio, e agora pede affoutamente dizer-se que a officialidade do exercito é uma classe pobre.

A insufficiencia dos soldos de similhante tarifa foi reconhecida já em 1814, 1835 e 1837. Hoje que as subsistencias têem encarecido extraordinariamente, pagar com taes soldos aos officiaes do exercito, é condemna-los á miseria; e esta injustiça é tanto mais grave, quanto ella recáe principalmente sobre os militares que consumiram a existencia e a saude no serviço da patria, sobre os que soffrem o flagello das doenças, e que por isso mais carecem de meios para tratar-se, etc... É uma tão grave injustiça que nos proporciona o quadro lastimoso e quotidianamente repetido do official já curvado ao peso dos annos, estendendo a mão á caridade para matar a fome e a de sua desgraçada familia.

Convencido de que o paiz não quer, nem deve continuar, a ser injusto com aquelles que ainda o servem, ou que já gastaram o melhor da vida no seu serviço, vou apresentar-vos o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 113

Artigo 1.º Do 1.° de julho de 1861 em diante todos os officiaes do exercito, e qualquer que seja a sua situação, perceberão os seus soldos pelas tarifas de 1814, e pelas de datas posteriores aquellas classes a quem estas tarifas augmentaram ou fixaram os vencimentos respectivos.

§ unico. Serão exceptuados d'este beneficio os individuos que estiverem no goso de licença registada ou na inactividade temporaria de castigo, os quaes perceberão os seus vencimentos pela tarifa de 1790.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos dignos pares do reino, 21 de janeiro de 1861. =D. Carlos de Mascarenhas, pardo reino.

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: —Apesar da maior veneração, estima e respeito que tenho pelos membros da commissão de guerra, que a todos considero muito superiores a mim, em tudo e por tudo, não pude conformar-me com a opinião de ss. ex.ªs em quanto julgaram dever sómente adoptar uma parte do projecto que tive a honra de apresentar n'esta camara, e por isso assignei vencido o parecer da illustre commissão.

As rasões em que ss. ex.ªs basearam a sua opinião não me lembra que fossem senão duas (O sr. conde do Bomfim —Peço a palavra): uma era o augmento de despeza que nascia de se abolir a tarifa de 1790. Esta rasão não me fez impressão grande, porque a conservação da tarifa de 1790 reduz á miseria officiaes que fizeram muitos e bons serviços, e por consequencia a rasão do augmento de despeza não me podia fazer mudar de opinião, quanto mais que eu apresentei uma idéa que dava uma economia que faria compensar em grande parte esse augmento, o qual podia ser calculado, quando muito, em 70:000$000 réis. A minha idéa, porém, não foi attendida na commissão, com quanto não fosse combatida!

A segunda rasão apresentada na commissão, é, que os officiaes que não estavam em serviço activo vinham a ter tanto vencimento como os que estavam em activo serviço. Esta rasão era forte, em quanto a mim, para se augmentarem os vencimentos dos que estão em activo serviço, que apenas têem para viver vida affecta, porque mal chega para comer; mas não me convenceu que procedesse para deixar os outros na miseria, que é o que succede aos que vencem pela tarifa de 1790!

Que é justo acabar com a tarifa de 1790; já esta e a outra camara o manifestaram approvando o projecto que eu agora desejava ampliar, projecto que está já convertido em lei, e que eu vi publicado no Diario de sabbado, ou de antes de hontem.

O meu projecto tinha por fim tornar mais rapido o beneficio que lhes concede aquella lei, a qual determina que, por cabimento, passem os officiaes que vençam pela tarifa de 1790 para a de 1814, e subsequentes; pelo projecto que apresentei, esta passagem era mais rapida, e melhorava-se com toda a justiça a situação de muitos officiaes, que até fizeram as campanhas da guerra peninsular, alguns dos quaes estou certo que muitos dos dignos pares hão de ter encontrado a pedir esmola! Com quanto o esmolar não seja um acto despresivel, comtudo é humilhante para o militar que se vê na precisão de o fazer, e para os outros que o presenceiam: digo isto, sr. presidente, porque V. ex.ª avalia por certo, como eu, que realmente se devem magoar todos de ver um individuo, que cinge uma banda, forçado, pela falta de meios, a esmolar por essas ruas! (Apoiados).

Devo por esta occasião declarar á camara, que me não esqueci, ao apresentar o meu projecto de lei, do estado pouco florescente das nossas finanças, porquanto, se não tivesse isso presente, então o meu projecto seria mais amplo; e francamente declaro, que a minha primeira idéa foi o apresentar uma nova tarifa, porque o meu desejo é que tenhamos um exercito muito bem pago, considerado e com justiça castigado. Um official deve ter um vencimento com o qual possa viver e sustentar a decencia que lhe é propria; se porém alguma vez faltar ao cumprimento dos seus deveres deve ser castigado. Mas, sr. presidente, o reparar eu para o estado pouco florescente em que se acha a fazenda publica, foi o que me desprendeu da minha primeira idéa, e me decidiu a confeccionar o projecto de lei que apresentei a camara, tendo antes d'isso ouvido os elogios que se

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fizeram á reforma das pautas, reforma da qual resultava um augmento de muitos contos de réis a favor da fazenda publica (segundo se disse e escreveu), sendo certo que tambem já n'esta camara havia dito o sr. ministro da fazenda, que tinha rasões para crer que o resultado das novas medidas financeiras havia de ser muito superior ao que se calculava.

- Foi justamente por tudo isto que eu reflecti, e disse então comigo: é occasião de apresentar o meu projecto, porque, apesar d'elle trazer um augmento de despeza, agora que temos um augmento de receita tão consideravel, não se dá por isso o inconveniente e embaraço que se daria n'outras circumstancias; porém, sr. presidente, enganei-me, porque esse augmento de receita não é para o exercito, é sim para fazer face ao augmento da despeza, consequencia das reformas que se fizeram nas secretarias, e para pagar a certos individuos que rabiscam artigos em defeza do governo, e que se occupam em desacreditar tudo e todos; o que todavia não conseguem, por isso que elles não são muito acreditados (apoiados).

É certo, sr. presidente, que todas as classes desejavam a restauração da liberdade, do throno da Rainha, e da carta constitucional; mas ninguem ousará negar que, se não fosse o exercito, provavelmente isso não passaria de desejos, porque á muita disciplinando exercito, aos muitos sacrificios por elle feitos, e á sua muita coragem, é que se deve o termos obtido tudo isso, o goso da liberdade que hoje temos: mas a liberdade está já estabelecida no paiz, e agora não é preciso o exercito para a guardar, porque não ha inimigos a combater!... Enganei-me, sr. presidente, descobriram um novo inimigo, mas inimigo que em parte nenhuma é considerado como tal: esse inimigo são as irmãs da caridade! Senhoras aliás respeitadas em todos os paizes, desde a China até Badajoz, as quaes por toda a parte exercem desveladamente a virtude da caridade (apoiados). É notavel! Até Badajoz não são ellas perigosas, mas de Badajoz para cá é o que o são! (Riso.)

Confesso que tenho muita pena de ver que o governo trema diante de tudo isso que por ahi se está passando, que mesmo mostre ter medo d'esses annunciados meetings, dos quaes me rio! Julgo porém que é isso o que deu causa á publicação da desgraçada portaria que se encontra hoje no Diario de Lisboa: mas, sendo assim, se nós fizessemos um meeting em sentido opposto aos que são contra as irmãs da caridade, succederia certamente o mesmo que succedeu com as assignaturas a favor, que foram muito superiores em tudo as que pediam a conservação: n'este caso o governo, que não podia ceder para os dois lados, teria que se sumir! (apoiados).

Voltando porém agora á questão principal, direi outra vez, sr. presidente, que de certo esse augmento de receita que dizem haver, e de que fallei já, não é para se contemplarem e attenderem os officiaes do exercito, é sim para fazer face á creação de novos empregados, a reformas de varias repartições, e para se darem bons logares a esses homens que nos guardam hoje do inimigo, avisando-nos de que com a permanencia das irmãs da caridade em Portugal periga a liberdade que elles tanto zelam (riso), mas para a qual não concorreram com qualidade alguma de serviços! (apoiados). O inimigo imaginario da liberdade são as virtudes das irmãs da caridade, e esse inimigo é para elles o maior e o mais forte de todos; com este inimigo atrevem-se elles, mas se apparecessem outros talvez não fossem fazer-lhe frente, e então appareceria o esquecido exercito!

Digo em conclusão, sr. presidente, que não tenho esperanças em que o meu projecto vá por diante, o que eu muito sinto, porque elle tendia a beneficiar uma classe que por todos os titulos o merece. Assim, como não posso conseguir tudo, hei de approvar o projecto offerecido pela illustre commissão, por isso que conserva parte do que propuz no meu; mas note a camara que já está determinado que os officiaes a que eu alludo recebam por cabimento pela tarifa de 1814; o meu desejo porém era que elles começassem a receber já desde o principio do proximo anno economico, porque muitos d'elles ha que pelo cabimento, em vista da sua avançada idade, nunca chegarão a gosar d'este beneficio. Peço pois á illustre commissão que ao menos queira aceitar o seguinte additamento ao seu projecto (leu-o). Espero que o sr. ministro da guerra se não opporá, porque s. ex.ª bem sabe que um official com tão pequeno vencimento não póde viver.

Eu digo que muitos, officiaes que têem familia hão de viver pedindo esmola, para assim terem um auxilio para a sua subsistencia, e é para ver se elles podem melhorar um pouco a sua penosa situação que eu procuro estes meios, que de certo não é muito esta mudança ou transferencia de tarifa, a qual todavia quanto mais rapidamente se fizesse tanto melhor; por isso com quanto se diga, que já passou aqui um projecto que está convertido em lei, estabelecendo a fórma de cabimento nas vacaturas, mando em todo o caso para a mesa um additamento ou nova substituição ao projecto da illustre commissão, e a camara decidirá depois o que em tudo isso tiver por mais conveniente (leu).

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre a admissão.

Foi admittido.

O sr. Presidente: — Está em discussão promiscuamente com o parecer da commissão e o projecto que lhe serve de base.

Tem a palavra o digno par o sr. conde do Bomfim. Entrou o sr. ministro da guerra.

O sr. Conde do Bomfim: — Eu principiarei dando algumas rasões, para mostrar como a commissão se justifica de se ter apartado dos principios genericos que apresentou o digno par o sr. D. Carlos de Mascarenhas, pois a opinião e os desejos dos membros da commissão não eram inferiores aos sentimentos que s. ex.ª tem constantemente mostrado para que seja beneficiada a classe militar. Verdade é que o digno par sustenta que se decidiu a apresentar este projecto por ter ouvido aqui dizer ao sr. ministro da fazenda, que tinha boas esperanças de poder dentro de algum tempo mais contar com maiores meios de receita; mas tambem é certo que a commissão, tendo ouvido o sr. ministro da repartição competente, e tendo feito um exame circumstanciado emquanto á cifra em que importaria o augmento de despeza que o digno par propunha pelo seu projecto, viemos todos no conhecimento de que effectivamente o nosso thesouro não comportava ainda o fazer-se esse sacrificio, que aliás todos desejaríamos que se podesse fazer, não só porque era uma prova mesmo de que as finanças estavam em melhor estado do que realmente estão, mas porque então se facilitava o meio de se realisar tão justo pensamento. Mas a commissão, por isso que é igualmente dominada desses bons desejos, achou que era possivel aproveitar alguma parte das boas idéas que o digno par apresenta no seu projecto, e assim de accordo com o sr. ministro da guerra se chegou á favoravel resolução de apresentarmos aquillo que se julga poder ser compativel com as forças do thesouro nas actuaes circumstancias. Isto pelo que diz respeito ao projecto, apresentado pelo digno par e examinado pela commissão; agora emquanto ao additamento ou substituição que s. ex.ª acaba de mandar para a mesa, devo dizer, que me parece que vae de alguma fórma contrastar uma lei que ha pouco passou nas duas camaras, e pela qual ha essa transferencia da tarifa de 1790 para a de 1814, nos casos de reforma e pela maneira seguinte. Calculou-se que da mortalidade annual proviria uma certa somma, e assim, que d'essa somma uma quinta parte fosse destinada para se ir effectuando esse melhoramento de reforma, estabelecendo-se na mesma lei que esse melhoramento começaria de preferencia pelos feridos, e depois pela classe que menos vencimento tem que é a classe dos alferes, pois que realmente o official que tem 12$000 réis não póde viver, como muito bem diz o digno par (apoiados). Assim não ha duvida que estamos todos de accordo sobre a necessidade de remediar esses males, mas não se podem remediar facilmente todos os males que se lamentam (O sr. Visconde de Podentes: — Sobre a ordem).

A commissão portanto convenceu-se da impossibilidade de fazermos por emquanto mais do que, isto que propomos; o nosso convencimento, alem do que tenho exposto, proveiu de outras ponderações mais, que não exponho para não cançar a camara, mas entre ellas apontarei uma que sem duvida será considerada de peso, e vem a ser, que a lei das reformas marca que tenha mais um posto o official reformado, quando tem certo numero de annos de serviço, e como a maior parte das vezes acontece, que o maior numero são os capitães que se reformam, passando elles a majores, o resultado pratico seria, que os homens que em virtude da lei das reformas iriam ter 38$000 réis, passavam para a disponibilidade temporaria com 20$000 réis, tinham mais que esperar pelo cabimento para se fazer effectiva a sua reforma; sendo certo que existe esta ultima lei que passou pelas duas camaras, senão em lei especial, foi em lei geral (a lei suprema, que é o orçamento), que estabelece esse cabimento para os reformados. Assim o capitão que tinha 34$000 réis, e que ia para a disponibilidade com 20$000 réis, em logar de passar a mais, como lhe dava a lei da reforma, que eram 38$000 réis, como já disse, vinha a ficar muito prejudicado, soffrendo muito em seus interesses. Todas estas circumstancias pois não podiam deixar de fazer peso na commissão, e á vista d'isto, e porque o sr. ministro da repartição disse, que na fórma que nós concebíamos o nosso projecto, era isso compativel com as forças do thesouro, resolvemos apresentar assim o nosso parecer, achando que já por este modo se proporciona uma boa vantagem aos officiaes do exercito, embora seja para sentir que se não possa por ora fazer tudo quanto queria o nosso nobre collega e amigo o sr. D. Carlos de Mascarenhas.

Creio ter assim respondido e justificado a commissão, entretanto se mais alguma rasão se produzir e for necessario responder ainda, eu pedirei de novo a palavra, ou o fará qualquer dos outros membros da commissão, que melhor o desempenhará do que eu.

O sr. Visconde de Podentes (sobre a ordem): — Apesar de que estou altamente compenetrado da justiça das rasões que foram expostas pelo digno par o sr. D. Carlos de Mascarenhas, entendo que depois do enunciado que s. ex.ª fez sobre um novo additamento ou substituição que apresenta, deve esta materia ser considerada de novo na commissão, o que é de certo mais conveniente do que resolver agora aqui a questão nos termos em que ella está.

Parece-me pois que é melhor que a materia seja novamente considerada pela commissão, ouvindo o sr. ministro da guerra. Se s. ex.ª porém, visto que está presente, quizer já responder, podemos ter o gosto de ouvir a opinião do governo, para depois melhor resolvermos, se o negocio se póde concluir sem que seja necessario voltar á commissão; entretanto eu penso que no adiantamento da hora em que estamos, será sempre mais prudente mandar tudo para a commissão para que com toda a meditação e mui pausadamente, se assente no que for melhor, e se combine bem a fórma das disposições novas em relação á legislação já existente.

O sr. Aguiar: — Eu tambem sou de parecer que em objectos d'esta natureza deve haver toda a circumspecção, e por isso mesmo é que me parece que nos convem primeiro que tudo ouvir o nobre ministro, não só emquanto á questão geral, mas agora mais particularmente com relação ao que ultimamente propoz o sr. D. Carlos de Mascarenhas, pois confesso que me impressionaram as rasões que o auctor do projecto apresentou para sustentar a sua opinião. Eu, á vista do que ouvi expor, sou de opinião que se não se póde remediar tanto quanto s. ex.ª queria, deve-se ver até que ponto poderemos comtudo obviar ao mal, tendo cuidado em ir pouco a pouco procurando-lhe uma completa cura.

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — O meu additamento não diz agora mais do que isto. Leu-o e é do teor seguinte:

«E igualmente os subalternos reformados, e empregados nas praças, que recebam pela tarifa de 1790, passem d'aquella data em diante, a perceber igualmente pela tarifa de 1814. = D. Carlos de Mascarenhas».

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre o adiamento proposto pelo digno par o sr. visconde de Podentes, pois que em resultado do que s. ex.ª disse, e não tendo pedido a palavra o sr. ministro da guerra, creio que são estes os termos no estado da questão.

O sr. D. Carlos de Mascarenhas (sobre a ordem): — O meu additamento deve ser proposto á camara, e se elle for approvado, não tem logar o adiamento para que o negocio volte á commissão.

O sr. Presidente: — O que eu acho que se propõe é que o projecto com o parecer e o additamento, volte tudo á commissão. E uma proposta de adiamento.

O sr. Aguiar (sobre a ordem): — Perdoe-me V. ex.ª; mas eu creio que não se propoz formalmente o adiamento; propoz sim que voltasse o negocio á commissão, mas logo em seguida se disse e concordámos todos que seria melhor ouvir primeiro o sr. ministro, particularmente sobre o additamento que hoje mesmo durante a discussão tinha sido offerecido pelo auctor do projecto primitivo (apoiados). Foi n'este sentido que eu fallei, e mesmo o meu amigo e collega o sr. visconde de Podentes, pois que reconhecemos que talvez seja possivel votar-se hoje depois das explicações que der o sr. ministro da guerra; se porém isto se não poder realisar, então deve certamente voltar o negocio á commissão, no que creio que convem o digno par.

O sr. Ministro da Guerra: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Devo dizer ao digno par o sr. conselheiro Joaquim Antonio de Aguiar, que eu não tinha entrado no conhecimento d'essa combinação em que ss. ex.ªs estavam, mas em todo o caso o que estava esperando era que o sr. ministro pedisse a palavra. Agora que s. ex.ª a pede, é certamente a primeira cousa a fazer, ouvir as suas explicações.

Tem a palavra o sr. ministro da guerra.

O sr. Ministro da Guerra (Visconde de Sá da Bandeira): — Sr. presidente, parece-me que tudo se póde conciliar indo o projecto novamente á commissão com a proposta do digno par, porque eu apresentarei n'este intervallo uma relação dos individuos a quem diz respeito, e então á vista d'ella verá a commissão se a verba é muito grande, porque n'este caso não approvará, e se não for grande a admittirá.

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — A verba não póde ser muito grande, nem sei o que é, eu não chamo verba muito grande aquella applicada para tirar os militares da miseria em que estão pela tarifa de 1790. Já em vista do parecer da commissão restringi o meu projecto, e parece-me que esta verba não póde exceder a 20:000$000 réis; não é muito grande, considerando que resulta em beneficio dos homens que fizeram distinctos serviços ao paiz. —Eu fiz aqui um requerimento ha cinco dias, ou seis, pedindo uma relação dos officiaes que estão em commissões fóra do ministerio da guerra, ainda não veiu, e ella era necessaria para esta discussão.

O sr. Visconde de Balsemão: — Sr. presidente, eu voto tambem que vá á commissão, pois vejo na prompta resolução outro inconveniente que ainda aqui se não ponderou, e vem a ser em relação á lei que já passou n'esta camara, que dava o cabimento aos capitães na quinta parte do todo, e não se fazendo esta declaração a respeito dos subalternos havia o inconveniente de prejudicar aquella lei que dava um direito ao cabimento, mas só na quinta parte, e admittindo agora os subalternos, deve ir á commissão para harmonisar o projecto de modo que não vá destruir a vantagem do outro projecto que já foi aqui approvado. Isto é um beneficio, e eu realmente sou da mesma opinião do digno par, que não se deve olhar ao estado financeiro do paiz quando se trata de fazer um beneficio a uma classe a quem devemos a liberdade, tendo já votado muitas outras cousas menos attendiveis, e então entendo que não ha inconveniente em que este projecto volte á commissão para o harmonisar e não prejudicar o beneficio que se fez no projecto de lei que veiu da outra casa.

O sr. Presidente: — Queira o digno par mandar o seu requerimento para a mesa.

O Orador: — Eu não tenho requerimento a fazer, e peço que vá á commissão.

O Presidente: — Queira reduzir essas palavras a um requerimento.

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — O digno par tem receio que este meu additamento vá fazer transtorno aos officiaes reformados, em consequencia da lei que se votou aqui. É exactamente o contrario, a lei é para passarem para a tarifa de 1814 os que estão na tarifa de 1790, de maneira que é uma vantagem muito grande, porque aquelle cabimento que principiava pelos alferes vae principiar pelos capitães. Para os alferes reformados pela tarifa de 1790 passarem por cabimento para a tarifa de 1814 é preciso cinco ou seis annos, e por este meu projecto desde julho d'este anno todos começavam a receber pela tarifa de 1814, e em vista d'isto os receios de s. ex.ª devem acabar, porque o que eu faço é sómente tornar mais rapido o beneficio.

O sr. Presidente: — De tudo quanto sobre este objecto se tem dito, parece-me que terá logar a indicação do digno par

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o sr. visconde de Balsemão, para voltar este negocio á commissão de guerra (apoiados), e a commissão na presença do projecto e do additamento do digno par o sr. D. Carlos de Mascarenhas, apresentará um novo parecer para entrar em discussão. Portanto eu consulto a camara n'este sentido. Approvou-se.

O sr. Presidente: — Estão terminados os trabalhos dados para ordem do dia. Amanhã é quinta-feira, os srs. ministros não podem assistir á discussão, portanto teremos sessão na sexta-feira, e dou para ordem do dia o parecer sobre o projecto da desamortisação. Eu peço aos dignos pares que, visto não haver ámanhã sessão, se reunam nas commissões para promptificarem pareceres; e está fechada a presente sessão.

Eram quatro horas e vinte minutos.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 6 de março de 1861

Os srs.: visconde de Laborim; Cardeal Patriarcha; marquezes, de Alvito, de Fronteira, das Minas, de Ponte de Lima, de Vallada, de Vianna; condes, das Alcaçovas, do Bomfim, do Farrobo, da Graciosa, de Peniche, da Ponte, da Ponto de Santa Maria, de Rio Maior, de Thomar; viscondes, de Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Gouveia, da Luz, de Podentes, de Sá da Bandeira; barões, de Pernes, de Porto de Moz, da Vargem da Ordem; Pereira Coutinho, D. Carlos de Mascarenhas, F. P. de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, Izidoro Guedes, Brito do Rio.

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