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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 25 DE FEVEREIRO DE 1867

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios os dignos pares

Conde da Ponte

Visconde de Soares Franco.

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 25 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

Não se mencionou correspondencia.

O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, talvez que eu não carecesse de pedir hoje a palavra, porque o tinha feito antes da ordem do dia da sessão passada, quando fallava o digno par o sr. visconde de Chancelleiros, e de fazer uso d'ella não desisti; creio seguramente que V. ex.ª me conservou inscripto.

Se então não insisti em tornar a fallar é porque acato devidamente as determinações de V. ex.ª, que com tanta dignidade dirige os trabalhos d'esta camara, e com muito maior rasão me cumpria faze-lo, conhecendo que V. ex.ª, quando me declarou que não podia conceder-me de novo apalavra, era por já ter decorrido a meia hora que o nosso regimento marca para se poder fallar antes da ordem do dia; mas usando da palavra n'esta occasião, farei todo o possivel para ser tão laconico quanto o exige o pouco tempo que ha, a fim de que tambem alguns dignos pares, que queiram fallar antes da ordem dia, o possam fazer dentro do praso que se acha marcado pelo regimento d'esta casa.

Sr. presidente, eu sinto não ver presente o digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, porque é a s. ex.ª que tenho de me dirigir; mas se o digno par não comparecer hoje emquanto eu estiver fallando, e por isso hoje não me podér responder, responderá depois. No entanto eu é que não posso deixar agora de dar algumas explicações em resposta ao que s. ex.ª havia dito na sessão passada;.isto não é querer eu aproveitar-me da ausencia de s. ex.ª, é desejar unicamente saír da pressão em que fiquei depois das palavras que o digno par proferiu.

Sr. presidente, na ultima sessão chamei eu a attenção do governo sobre certos actos e violencias que se estavam praticando, segundo me informaram, contra individuos que tinham distribuido alguns papeis impressos, que me parecia não conterem doutrina que podesse ser prohibida. Então o nobre visconde de Chancelleiros, tomando a palavra e lançando mão de um d'esses impressos que eu trazia e que mostrei a s. ex.ª, levado mais pelos vôos de sua phantasia e fertil imaginação, do que talvez pelos dictames de sua consciencia, declarou-me suspeito na defeza que eu tomava d'aquella causa; acrescentou depois que n'esses impressos se combatiam os impostos, e que eu defendendo essa doutrina collocava-me em muito mau terreno, porque me pronunciava contra os impostos, sem os quaes é impossivel existir sociedade alguma.

Não posso portanto deixar de perguntar a s. ex.ª com que direito e com que precedentes da minha vida publica se auctorisa a accusar-me de suspeito. O digno par no seu brilhante discurso mostrou mais uma vez os dotes oratorios que possue com tanta profusão; no entanto s. ex.ª attribuiu-me, querendo d'isso arguir-me, o professar principios que eu nem sequer enunciei, e declarou-me tambem impugnador dos impostos, quando eu não só os não combato, mas até não pronunciei uma unica palavra a respeito d'elles.

Sr. presidente, eu não tratei, como digo, de impostos, tratei de actos praticados contra alguns individuos que haviam distribuido certos papeis impressos; não me pronunciei contra os impostos, pois que julgo serem uma condição essencial da sociedade, o preço das vantagens que cada um

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aufere da mesma, e até diria, como disse Tácito, quando explicou a necessidade dos impostos, que «nenhuma nação podia existir sem exercito, que nenhum exercito podia subsistir sem soldo, e que o soldo não se podia obter sem tributos». E é esta tambem a minha opinião a respeito de impostos que não combati nem combato, mas o que combaterei é, digo o francamente, a sua má applicação; porque não basta dizer que são precisos os impostos, é necessario mostrar ao paiz que esses sacrificios que se exigem ao povo hão de ser compensados, e que similhante exigencia é filha da necessidade de satisfazer os encargos do estado, para os quaes não sejam sufficientes os demais redditos publicos, ainda depois de feitas as mais estrictas economias.

Sr. presidente, prometti ser breve, e por isso vou terminar, prescindindo de fazer largas considerações sobre um assumpto que não é agora a occasião de se discutir; porém permitta-me V. ex.ª e a camara que eu ainda por alguns minutos occupe a sua attenção, fazendo notar que a causa a que o digno par o sr. visconde de Chancelleiros, com a sua palavra tão reconhecidamente eloquente e auctorisada, pretendeu dar força, nem assim obteve sentença a favor, e que a que s. ex.ª julgou em más circumstancias foi sentenciada favoravelmente, não obstante ser eu um dos seus defensores, por cujo motivo o digno par me irrogou a suspeição. As poucas palavras que disse serão publicadas, e o digno par a quem me referi terá, depois de as ter, occasião de responder-me. Agora quereria perguntar ao digno par, se elle estivesse presente, se ainda julga que foram as más circumstancias 'da minha causa que me deliberaram a levantar, como s. ex.ª disse, uma questão politica; o triumpho obtido hontem pela opposição parece ser uma resposta bem eloquente ao que disse s. ex.ª Eu, sr. presidente, não quero abusar mais da attenção da camara, e nem quero abusar tambem da minha posição satisfactoria, porque costumo ser generoso quando tenho alcançado a victoria.

O sr. Costa Lobo: — Disse que sentia ter visto que o precedente orador ee dirigisse do modo que se dirigiu ao sr. visconde de Chancelleiros, quando s. ex.ª não estava presente para responder; e sentiu isto tanto mais, porque não faltariam occasiões em que podesse dirigir-se a elle na sua presença, pois todos sabiam que o sr. visconde era assiduo ás sessões.

O sr. Presidente: — Devo advertir aos dignos pares que esta quasi passada a meia hora, e tão depressa ella sôe declararei que se passa immediatamente á ordem do dia.

O sr. Mello e Carvalho: — Disse que tendo as suas palavras publicidade, não lhe parecia que podesse ser taxado de ter faltado á delicadeza, fallando no digno par a que se referiu, quando s. ex.ª não estava presente.

O sr. Marquez de Vallada: — Estranho ao que se passou na sessão antecedente, não entrava no merito do assumpto; mas tendo ouvido fallar em violencias praticadas pela auctoridade, entendia que era do seu dever observar que a prova de que não se tinham feito as suppostas violencias dava-a bem manifesta e poderosa o resultado que teve a eleição.

O sr. Conde de Rio Maior: — Sr. presidente, o sr. marquez de Pombal pediu-me que participasse a V. ex.ª e á camara, que negocios de gravidade o impedem de assistir á sessão de hoje.

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia que é, na primeira parte, o parecer n.° 129.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o parecer n.° 129.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, não tenho a mais pequena duvida quanto ao direito que o requerente tem de tomar assento n'esta camara, como filho do nosso collega o sr. visconde da Luz, nem quanto á sua moralidade e habilitações litterarias; a minha duvida é outra, e acho que é procedente: a minha duvida, sr. presidente, é em quanto ao rendimento, porque a lei de 11 de abril de 1845 diz o seguinte:

«... que pagar 160$000 réis de imposto e contribuição directa, nos termos que determina a carta de lei de 27 de outubro de 1840 artigo 3.°», que diz o seguinte: «os que pagarem a mesma quantia de decima de predios rusticos e urbanos não arrendados, e de quaesquer rendimentos provenientes de industria.»

Quer dizer que é necessario mostrar os conhecimentos que provem que paga as contribuições competentes, o que o requerente não apresenta.

Mas, sr. presidente, as minhas duvidas ainda são outras; não entendo que o rendimento proveniente de um ordenado possa ser levado em conta para perfazer o rendimento marcado na lei, sem o qual o par não póde tomar assento n'esta camara.

Tambem não entendo que o rendimento de quaesquer rendas provenientes de um paiz estrangeiro possa dar direito a um individuo para satisfazer as exigencias das leis a que me referi; o fim da lei quando exige um rendimento, sem o qual o par não póde tomar assento n'esta camara, é duplo; em primeiro logar, é para que essas pessoas sejam independentes e tenham meios de se poderem tratar com a decencia que requer a alta dignidade a que aspiram; segundo, para que se veja que os seus interesses estão ligados aos do paiz.

Eu não entendo, sr. presidente, que os rendimentos que se tenham n'um paiz estrangeiro possam servir para satisfazer aos fins que as leis sobre o pariato têem em vista, para que possa occupar o logar de par do reino; pois os estrangeiros naturalisados, posto que sejam muito ricos n'este paiz, não podem ser nomeados conselheiros d'estado ou ministros, nem membros do parlamento, e os rendimentos em paiz estrangeiro podem habilitar o requerente a tomar assento n'esta camara?

Os estrangeiros naturalisados não podem exercer os empregos referidos, porque se entende que um estrangeiro, posto que já naturalisado, e com muitos interesses no paiz, receia-se que não tenha pela patria que adoptou aquella dedicação que deve ter para exercer aquellas altas funcções; e não se póde tambem receiar que quem tem os seus rendimentos em paiz estrangeiro pouco lhe importe a prosperidade da patria? Pelo menos não dá garantia sufficiente de que se ha de dedicar aos" interesses do seu paiz como devia se os seus interesses estivessem ligados com os da sua nação.

Portanto, sr. presidente, eu entendo que a camara não faz bem em tomar uma resolução sobre o importante ponto a que tenho alludido por um incidente. Este objecto deve merecer á camara o maior escrupulo e meditação; approvando este parecer, estabelece desde já um precedente de que depois póde ter occasião de se arrepender.

Estas são as rasões por que não posso approvar o parecer da commissão.

Não pretendo, sr. presidente, demorar a discussão, o que quiz foi sómente dar as rasões que me movem a votar contra o parecer da illustre commissão.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, vou dizer algumas, se bem que poucas, palavras sobre o parecer que esta em discussão. Vou dizer algumas palavras, porque me é impossivel deixar de o fazer vista a opinião que tenho sempre seguido sobre o objecto; é impossivel deixar de o fazer, porque eu não posso ser desigual na applicação dos principios que formam o meu credo.

Desde que se apresentam ante mim objectos como este, ou outros, que interessem a ordem publica ou os direitos do individuo, não deixarei de sustentar os principios de justiça e coherencia que tenho sempre guardado nos actos da minha vida publica. E por isso que, bem a pezar meu e não obstante estar o parecer assignado por tão excelsas notabilidades, não posso deixar de dizer algumas palavras para demonstrar que, continuando nas mesmas idéas que tenho sempre seguido quando se trata de objectos como este, eu não posso deixar de combater o parecer.

Sr. presidente, trata-se de pedir á camara uma decisão para habilitar ía tomar assento n'esta casa o sr. Eduardo Montufar Barreiros.

Vem o requerimento instruido com os seguintes documentos: apresenta o documento que prova que é filho legitimo do fallecido par do reino visconde da Luz; que é o varão mais velho; o documento, pelo qual prova que o seu digno progenitor tomou assento n'esta camara, e que desgraçadamente para elle e para nós todos (apoiados), deixou de existir; traz o documento, pelo qual verifica, sem a menor duvida, que é bacharel formado em direito pela universidade de Coimbra; e emfim um attestado de tres dignos pares, que para nós merecem a maior consideração, os srs. conde de Santa Maria, marquez de Sousa e D. Antonio José de Mello, pelo qual mostra o seu bom comportamento moral; satisfazendo por consequencia cabalmente ás disposições dos n.ºs 1.°, 2.°, 3.° e 5.° da lei de 11 de abril de 1845, já se vê portanto que emquanto a estes pontos não se offerece duvida, nem ha motivo, por apparente que seja, para a apresentar, porque a rasão deve curvar-se diante da verdade.

A questão pois fica limitada á materia do numero 4.° do artigo 2.° da referida lei de 11 de abril de 1845, e é com relação a ella que uso da palavra.

A lei de que trato foi uma providencia julgada indispensavel para que se evitassem certos abusos, ou, para melhor dizer, a marcha até ali seguida, não se exigindo aos que tinham de entrar por successão n'esta camara senão a condição de descendentes em linha directa, prescindindo de toda ou qualquer outra estranha condição: para se evitar esta inconveniencia, que aliás era justificada pela falta de lei preexistente, é que se fez aquella lei; tem portanto a camara obrigação de entrar na analyse da sua letra e espirito. Se a lei se achasse satisfeita quanto á materia do numero 4.° do artigo 2.° como eu considero e admitto que o esta quanto aos outros pontos, não podia por certo pôr duvida na entrada do digno cavalheiro, a que me refiro; mas não se dando este facto, não posso deixar de usar da palavra; e se bem que até certo ponto alguns precedentes pareçam justificar o parecer da commissão, eu que não sou sectario de precedentes nem de arestos, que não são muitas vezes a expressão da rasão nem da justiça; eu que sobretudo devo guardar e observar a lei na ¡sua letra e espirito, que nunca póde ser affectada na sua pureza pela erronea interpretação doutrinal, tenho para mim que seria contrasenso deter-me para não cumprir o meu dever por consideração de phantasmas improprios para abalarem a mais mediocre intelligencia (apoiados).

Sr. presidente, todos conhecem que da boa applicação das leis depende a prosperidade da republica; todos sabem, e isso é commum á jurisprudencia como á politica, que a hermeneutica manda que todas as vezes que uma lei é omissa ou pouco clara, se deve recorrer ás outras da mesma natureza e que têem o mesmo pensamento para estabelecer e determinar a sua verdadeira intelligencia; ora poderá approvar-se o parecer da commissão (o que provavelmente acontecerá, porque os nomes illustres que o firmam, alem de rasões de consideração que não vem para aqui referir, são de bastante peso para influirem no animo da camara); mas a verdade é que, respeitado aquelle pharol de interpretação, considerada a lei de 11 de abril de 1845, ponderada a sua letra e o seu espirito, e por fim examinados em face de tudo isto os documentos com que se pretende comprovar a condição exigida n'aquelle n.° 4.° do artigo 2.° da lei, não póde, por maior que seja o favor e benevolencia com que se queira considerar o assumpto, deixar de pronunciar-se um juizo desfavoravel á pretensão do peticionario.

Qual é o primeiro documento que apresenta para estabelecer o seu rendimento?

E uma nomeação do ministro dos negocios estrangeiros para segundo amanuense d'aquella secretaria. Que significa esse logar? Significa apenas um aspirante, um praticante, que não tem mais do que 240$000 réis. Que qualidade tem este logar? Será inamovivel para que se possa dizer — tenho este rendimento? Não. É completamente amovivel, e está á mercê da vontade do ministro, vontade que supponho não será injusta, mas que entretanto não constitue o direito da permanencia do ordenado que é necessario para satisfazer a quantia que requer aquella lei, e que é nada menos do que 1:600$000 réis.

Quando a lei de 11 de abril de 1845 estabeleceu que o candidato a par do reino, para ter direito a tomar assento na camara era necessario que pagasse 160$000 réis de impostos directos na fórma da lei de 27 de outubro de 1840, artigo 3.°, ou tivesse um rendimento de 1:600$000 réis, que é exactamente o mesmo, de certo não quiz estabelecer um principio phantastico, illusorio e cavilloso; quiz que se cumprisse este pensamento da lei expresso de uma maneira tão clara. Logo o pensamento da lei requerendo o rendimento de 1:600$000 réis, quer que elle seja tão real como é real o d'aquelle que paga a imposição, por isso mesmo que ninguem paga 160$000 réis de impostos directos sem ter o rendimento que lhe compete.

Ora pergunto se, principiando por examinar este documento, achâmos n'elle o caracter de perpetuidade que a lei exige? Pergunto ainda se póde admittir-se que o legislador, que procura remediar um abuso ou estabelecer uma garantia para o prevenir, póde ter a intenção de annullar os effeitos da lei admittindo a malicia, cavilação ou fraude como instrumento de sua execução? Vozes: — Muito bem. Tal é comtudo o que parece desejar-se. O rendimento é exigido para conservar a independencia dos membros d'este corpo, que é por politica independente, e para isso é que se torna indispensavel e necessario que se não cavile a execução da lei. Esta não quer que se sirvam de meios illusorios. Isto é de evidencia e dos principios da logica, da rasão e da critica, o contrario seria um absurdo de tal ordem, que proferi-lo apenas é tornar impossivel a discussão (apoiados).

Alem d'estas rasões, acrescentarei ainda que o rendimento de 240$000 réis não póde ser tomado em consideração, porque o decreto com força de lei do 30 de setembro de 1852 é expresso nos seus artigos 5.°, n.° 1.°, e artigo 10.°, n.° 3.°, para exigir o caracter de inamovibilidade de qualquer emprego para a computação do rendimento no exercicio do direito politico eleitoral activo ou passivo; e pretender que o que a lei prescreve no exercicio de um direito politico temporario não prevaleça a fortiori na nossa hypothese, em que se procura habilitação para o exercicio de direitos politicos iguaes na essencia e preferentes pela natureza do mandato, é fechar os olhos á evidencia, calcando aos pés todos os luminares da interpretação (apoiados).

Por consequencia, sr. presidente, eu não posso dar validade a este primeiro documento; alem d'isto é apenas uma simples nomeação do ministro dos negocios estrangeiros sem ser autenticada por decreto real.

Depois de tudo isto, a segunda verba que se procurou para perfazer a somma de 1:600$000 réis, é o rendimento de 8:400$000 réis em inscripções, na quantia de 252$000 réis. A respeito d'esta verba direi eu que, seguindo os principios da recta justiça que me dirigem, não posso deixar de a julgar legal, porque embora a lei, muito positivamente, exija que o averbamento seja feito um anno antes — artigo 27.°, n.° 7, junto ao § 1.°, e n'este ponto tão previdente, que para acautelar que a lei não seja illudida, não reconhece os titulos ao portador segundo é expresso no § 3.°— eu noto n'aquellas inscripções que se apresentaram um motivo e circumstancia, pela qual a minha rasão se inclina a considera-los. E quer V. ex.ª saber a rasão por que aceito como legal este rendimento? Quer ainda saber V. ex.ª o motivo da differença entre o meu juizo actual e o voto que dei em outra occasião analoga? E porque estas inscripções, não é de agora, mas desde 1862, figuram no patrimonio da familia a que o digno pretendente pertence, passando do digno par fallecido, visconde da Luz, pae do requerente, para sua esposa a actual sr.ª viscondessa da Luz, e d'esta para seu filho. Não foram pois adquiridas actualmente sob capa de illusão, para perfazerem o rendimento conveniente: eram objectos que estavam nos bens da familia, e seria não conhecer os sentimentos da natureza, e deveres que a mãe tem e deve ter para com seu filho, para não ver n'esse endosso, pelo qual lhe transferiu posse e dominio, a continuação de um direito a que a lei o chamava e convidava pela sua qualidade de filho. E esta a explicação do motivo que actua, e não podia deixar de actuar, no meu animo. Nada mais justo, mais louvavel e natural do que vir a mãe em auxilio de seu filho para representar a pessoa de seu pae, e encher o vacuo» que este tinha deixado na familia. O mesmo não digo a respeito da outra verba procurada para perfazer a condição legal, a saber o titulo de divida hespanhola no valor de 820:000 reales de vellon, titulo a que corresponde o rendimento de 24:600 reales de vellon. A primeira rasão que me obriga a não tomar em conta este titulo, é porque não tem authenticidade: é um titulo estrangeiro, e ninguem ignora que para ser acreditado era e é indispensavel, que fosse reconhecido nos respectivos consulados em Madrid e Lisboa; á camara dos pares não póde ser indifferente este vicio ou falta, nem |tem poder para suppri-la.

Demais, e peior que tudo isto, o titulo de renda não pertence, segundo a sua propria letra, ao sr. Eduardo Montufar Barreiros, mas sim ao sr. Eduardo Barreiros

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Montufar. Será o mesmo, individuo? Poderá ser que sim, e póde ser que não; e bastava esta incerteza para não poder ser tomado em consideração, a fim de conferir-lhe tão elevado direito (apoiados).

Ora perguntarei eu — póde a camara na sua consciencia dizer que é o mesmo individuo? Não, de certo. Não vemos aqui uma differença de nome conhecido? E por consequencia não vemos claramente que, sem se provar a identidade, não se póde chegar á conclusão de que o que se vota com relação a esse documento é a legitima expressão da verdade? Creio que não. Perante um tribunal judicial punha-se logo similhante documento de parte; aqui não sei o que se fará, mas o que pede a prudencia, convence a rasão, e até certo ponto a lei exige, é sem contestação o mesmo juizo e o mesmo procedimento (apoiados). É um titulo de divida. Seja. Mas a favor de quem? A favor de Eduardo Montufar Barreiros não, mas sim a favor de Eduardo Barreiros Montufar. Ora eu pergunto se cada um de nós tem a certeza, quando se vê uma differença tão sensivel, de julgar, conforme a sua consciencia que é a mesma cousa?

Mas independente d'isso, sr. presidente, e ainda admittindo a segunda verba que julgo legalissima em vista, das rasões que apresentei, não acho comtudo a mesma legalidade nem na primeira nem na terceira: na primeira, pela amovibilidade do emprego; na terceira, porque sobre todos os motivos, que deixo enunciados, acresce ainda a data do titulo, que é de janeiro passado, resistindo lhe portanto a disposição do citado artigo 27.°, n.° 7.°, junto ao § 1.° do citado decreto de 30 de setembro.

Por ultimo direi unicamente, querendo ser coherente com as minhas convicções, que ainda unidas todas essas verbas, e admittindo por hypothese que esses titulos estavam em estado de legalidade e authenticidade (o que não é verdade), ainda assim não preenchiam a condição da lei, porque o seu producto em rendimento não excederia a 1:476$000 réis, quando a lei exige o rendimento de 1:600$000 réis.

Por consequencia já se vê que ainda admittindo por hypothese, e sem conceder que aquellas fontes fossem o que a lei positivamente exige, para constituir o rendimento real, e real digo eu, porque a lei não póde querer a cavilação, é claro que assim mesmo não chega ao rendimento que é necessario ter.

São estes os motivos serios, fortes e convincentes por que não posso approvar o parecer, julgando cumprir assim o meu dever.

O sr. Conde de Thomar: — Vou entrar n'esta discussão sob duas impressões, que estão em opposição uma á outra. Uma é de tristeza, a outra de satisfação. De tristeza, sr. presidente, porque tratando d'este negocio lembro-me, e tenho bem presente, a falta n'esta camara de um nosso digno collega, que aos seus elevados dotes reunia serviços importantes prestados ao paiz (apoiados), os quaes todos nós, os que estivemos nas lutas a favor da liberdade, presenciámos; todos nós vimos que o collega a que me retiro appareceu sempre n'essas lutas prestando os maiores serviços, ganhando no campo da batalha muitos dos seus postos, e muitas das condecorações que lhe adornavam o peito (apoiados). Por outro lado tenho a satisfação de ver que nos deixou um filho que, na minha opinião, esta nas circumstancias de ser membro d'esta camara, e tomar n'ella logar como nosso collega.

Sr. presidente, eu não' me admiro do que disse o digno par que me precedeu; não estranho que sustentasse as opiniões que a camara acaba de ouvir; e que, fundando-se nos principios de coherencia e de conformidade com elles, en tendesse que não podia deixar de combater este parecer.

Effectivamente pela primeira vez, e sómente depois que o digno par entrou n'esta camara, foram sustentadas doutrinas e principios conformes com os que acaba de sustentar o digno par; e em um discurso da ultima sessão, proferido por s. ex.ª, se encontram proposições e principios conformes com os que acabou de sustentar. Nunca até essa data se deu á lei a intelligencia que o digno par acaba de lhe dar. Disse s. ex.ª que — não se importa com os precedentes d'esta camara, que ha de regular-se na apreciação da presente questão pelos dictames da sua consciencia, e pela intelligencia que dá á lei que rege o ponto controvertido =. Pela intelligencia que dá á lei tem rasão: a conclusão não póde em tal caso deixar de ser contraria ao parecer da commissão; mas se o digno par tem em menos conta os precedentes, para mim tem grande força uma constante pratica de entender a lei por esta fórma desde muitos annos, e tem ainda mais força para mim os julgados e arestos dados sobre hypotheses inteiramente conformes com esta; tem para mim ainda maior e muito maior força a decisão tomada pela camara depois do discurso proferido pelo digno par n'uma questão identica, decidindo por quarenta e um votos contra dois que a intelligencia da lei era differente d'aquella que lhe dá s. ex.ª

Pelos grandes recursos que o digno par possue póde fazer parecer como boa uma causa que, na minha opinião, é má. Mas eu, sr. presidente, dirijo-me n'estas questões pelo que se acha estabelecido na lei. Vejo as disposições d'ella, e, convencido de que é clara e terminante, não posso de maneira nenhuma forçar argumentos tirados de outras leis para estabelecer uma doutrina contraria áquella que tem sido sustentada por esta camara. Tal doutrina não se admitte senão quando o texto da lei é escuro e ambíguo. (O sr. Silva Cabral: — Peço a palavra.)

O que é que a lei exige? Exige no artigo 3.°, n.° 4.°, o rendimento de 1:600$000 réis. A lei não diz as fontes d'onde ha de saír esse rendimento; a lei unicamente quer que se prove que effectivamente se possue o rendimento de 1:600$00 réis. Se porventura fossem qualificados os documentos de inexactos e falsos, poderia então dizer-se que se estava no

campo legal para combater o parecer da commissão; mas quando na falta de tal motivo se apresentam argumentos de paridade deduzidos de materia differente, respondo que aonde a lei não distingue não podemos nós distinguir. Alem d'isto nós não estâmos tratando de jure constituendo, mas de jure constituio.

Sr. presidente, deduzir argumentos de uma lei eleitoral na parte do censo que se exige para votar ou ser votado é forçar muito os argumentos para uma questão que tem uma legislação especial. Sr. presidente, que se encontra n'esse decreto de lo de setembro, a que recorreu já hoje o digno par? Encontram-se não ha duvida as provisões que o digno par referiu; mas tambem no n.° 7.° do artigo a que se recorreu, e em que se fundou a argumentação do digno par, se diz que taes provisões são só para os effeitos d'aquelle decreto, isto é, para o objecto eleitoral. Eis o que diz o artigo (leu). É para este caso das eleições unicamente que se decretou aquella disposição, por consequencia querer applicar este argumento á camara dos dignos pares é forçar a intelligencia do decreto, para decidir uma questão que tem aliás uma lei especial. O digno par exige que as inscripções estejam averbadas um anno antes do pretendente requerer. Essa disposição esta igualmente na lei eleitoral. Eis o que diz e ta lei (leu). Mas, sr. presidente, a nossa lei organica, a lei que regula o direito ao pariato tem porventura alguma d'estas disposições? Esta lei foi muito posterior á lei que regula o direito de successão do pariato, e estabelecendo aquella disposição para as eleições geraes para deputados, nada disse, nada determinou sobre successão do pariato. Se nós estâmos portanto n'uma situação especial, ee nós temos na pratica constante, e não interrompida, de julgar sempre na conformidade do que propõe a commissão; se depois dos argumentos apresentados pelo digno par n'outra occasião, a camara por uma grande maioria de 41 votos contra 2 ainda decidiu que a lei se devia interpretar assim, não vejo rasão nenhuma, para que sempre que se apresente uma questão identica haja logar ou motivo para se fazer uma longa discussão sobre este objecto. Eu n'esta parte, conformando com a intelligencia da camara, e com os arestos por ella tomados, continuo na mesma opinião.

Agora, pelo que diz respeito ás fontes d'onde este rendimento póde ser tomado, direi que a lei não' marca quaes devam ser essas fontes, trata só do quantitativo. Se porventura quizessemos entrar n'essa questão, que rendimento se poderia julgar certo e seguro?... Um grande proprietario que ¦ na Madeira, por exemplo, tivesse ha nove ou dez. annos a sua fortuna só em vinhas, a que estava hoje reduzido?... A morrer de fome. Não se póde por consequencia discutir se o rendimento é seguro, ou se é eventual. Desde que se provar que o pretendente na occasião da decisão tem o rendimento de 1:600$000 réis, esta cumprida a lei; que seja no paiz ou fóra d'elle é a mesma cousa, porque a lei não distingue; e n'esta parte respondo tambem ao argumento do sr. visconde de Ponte Arcada; observe s. ex.ª que a lei, não faz differença nenhuma sobre local do rendimento, trata unicamente do quantitativo que se exige para poder entrar na camara dos pares.

Sr. presidente, uma unica cousa pareceu fazer impressão, e foi o ultimo argumento empregado pelo digno par que me precedeu sobre um dos titulos que o pretendente apresenta. Devo dizer que nós na commissão observámos a mesma circumstancia, mas pareceu-nos realmente pequeno este reparo, porque ninguem absolutamente duvida de que o sr. Eduardo Montufar Barreiros ou Eduardo Barreiros Montufar seja uma e a mesma pessoa; e por consequencia não tivemos duvida nenhuma em considerar aquelle documento como proprio para constatar que elle tinha effectivamente o rendimento exigido. Nem eu creio que appareça reclamação alguma contra a asserção que se faz n'aquelle documento, pois não se trata de uma cousa que seja segredo, é publico o documento como é publica a pretensão.

Pois que, sr. presidente, seria possivel que alguem se atrevesse a vir requerer a entrada n'esta camara, fundando-se em um documento falso ou pertencente a outro individuo? No documento de que se trata apenas se nota a posição de um appellido. Não o creio, nem a camara se póde convencer que haja, n'esta pequena circumstancia, motivo de duvida. As verbas reunidas do ordenado e das inscripções, incluindo a inscripção hespanhola, dão ainda um pouco mais de 1:600$000 réis de rendimento, talvez 1:648$000 réis. O digno par fez a conta como entendeu, dando ao real de velon o valor que lhe pareceu. O valor do real de vellon não se póde julgar permanente, póde haver differença de 1 ou 2 réis segundo o cambio; mas o termo medio é de 47 réis, e fazendo a conta por 47 réis ver se ha que o rendimento avulta alem do exigido pela lei.

Falta-me ainda fazer uma observação a respeito do logar amovivel, cujo ordenado é computado para fazer a quantia de 1:600$000 réis. Essa questão já o digno par tratou na occasião em que se discutiu uma proposta identica, e já então se provou que a qualidade do emprego não póde de maneira nenhuma impedir o deferimento favoravel da pretensão, porque a lei manda attender ao que se possue no momento de apresentar a pretensão a esta camara; por consequencia, sr. presidente, entendi eu e os meus collegas da commissão que se achavam satisfeitos todos os requisitos que a lei exige para o sr. Eduardo Montufar Barreiros poder ser admittido a tomar assento n'esta camara, e foi por isso que démos o parecer a que o sr. visconde de Fornes de Algodres, que se não achava presente n'essa occasião, já declarou que adheria. Creio portanto que a camara não póde nem deve ter escrupulo algum em approvar um parecer, que effectivamente esta de accordo com os precedentes e arestos constantemente adoptados por esta camara.

O sr. Visconde de Algés: —Visto o digno par o sr. Silva

Cabral ter pedido a palavra, pediria a V. ex.ª se dignasse concede la a s. ex.ª, e depois eu fallaria.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Silva Cabral.

O sr. Silva Cabral: — É para dizer poucas palavras que eu pedi segunda vez a palavra. Parece me que toda a argumentação que se fez recorrendo aos precedentes foi prevenida por mim da maneira a mais conforme com a verdade. Eu disse desde logo que alguns precedentes justificavam á marcha que o illustre pretendente, a que se refere este parecer, veiu seguir. Mas eu tenho este defeito, sr. presidente, de ter sempre presentes as verdadeiras regras da hermeneutica, pelas quaes nos devemos dirigir na applicação pratica das leis. Conservo fixas na memoria as regras non exemplis, sed legibus juãicandum est, de que é congenita a outra, non quod Romee factum est, sed quod fieri de-bet, spectandum. Procurar no exemplo o motivo para argu-, mentar a respeito da justiça de um objecto, não é senão, como diz Dupin, um recurso subsidiario que deve ceder sempre diante da rasão e da verdade.

Sr. presidente, que importa á justiça e verdade que esta' camara por 42 votos, e por 1:000 que fôsse, decidisse ser preto o que era branco, quadrado o que era redondo, se contra a sua decisão ficariam sempre protestando a logica, a critica, o bom senso, os factos e a rasão imparcial?

Que importa que homens notaveis, como Galileu, fossem ¡condemnados ás fogueiras por defenderem o que á intolerancia e ignominia pareceu uma heresia, uma negação a certas passagens do velho Testamento, se o progresso da sciencia, levando á evidencia o facto ou doutrina reputada herética, fez triumphar a verdade sem contrariar o dogma que nunca póde confundir-se com a parte historica das sagradas letras? Sr. presidente, eu não sei pensar assim. Não curvo a minha rasão a precedentes, admito-os, como aconselha Dupin, quando elles são conformes á lei, á rasão e á verdade; e rejeito-os quando são fundados na injustiça, no erro ou no favoritismo. Que quer dizer uma lei, que aliás é a cousa mais santa que existe na sociedade, e ante a qual todos nos devemos curvar, quando é interpretada de maneira que offenda a verdade, a verdade que é a primeira condição das leis?

Basta, diz-se, que se prova por documentos que existe o rendimento exigido. Conforme estou; mas é exactamente que esse rendimento exista o que se não prova, porque a boa critica e hermeneutica resistem a aceitar-se como realidade a phantasia de documentos, em que respira por todos os poros a suspeita da autenticidade (apoiados).

A analogia que existe nas leis, mesmo que não existisse como aqui existe o argumento a fortiori, não é um argumento de grande valor! Não esperava ouvir similhante blasphemia no templo das leis! Diante de tão disparatada doutrina desapparecerá um dos grandes principios que regulam a applicação das leis, e que até pela nossa legislação se acha autenticamente sanccionado; será riscado do codigo da hermeneutica legal para dar entrada á confusão e á desordem! Pobre e infeliz sociedade aquella em que taes erros se proferem! O exemplo mais efficaz é aquelle que vem de cima, desde o monarcha até ao ultimo cidadão; quando esse exemplo é conforme com a verdade, com a rasão e com o respeito que se deve ás leis do paiz, fortifica a consciencia publica no bom caminho da moral; ao revez se os poderes publicos, os primeiros que devem dar os bons exemplos, pervertem as leis, interpretando-as a seu talante sem consideração com a sua letra e espirito, e só ao lume do interesse individual, não póde fazer-se juizo seguro da existencia da sociedade por tão funesto caminho desviada da sua base essencial, que é a justiça (apoiados). Com effeito, como é que a dejunctiva não ha de ser n'esse artigo da lei, que nos regula, interpretada em conformidade com a expressão anterior, para que esta tenha a sua devida significação, em perfeita e completa harmonia com o pensamento e espirito da lei, que não póde querer senão a verdade?

Quando a lei de 11 de abril principia por exigir a condição do pagamento de 160$000 réis de contribuição directa para, por direito de successão, se poder tomar assento n'esta casa, apresentando assim o caracter de realidade que deve acompanhar a' execução da lei, não nos mostra que o rendimento procedido de outras fontes deve ter a mesma qualidade da realidade e verdade? Póde admittir-se contradicção nas leis, ou que o legislador tivesse a intenção de procurar uma base falsa, cavilosa e sophistica de seu proprio pensamento?

Eu disse que no exercicio do direito eleitoral activo ou passivo a condição para se poder contar o rendimento, era e é que o emprego seja inamovivel. Como pois ha de admittir se que a lei exija menos, e tenha diverso intuito com relação á camara dos pares, ao direito do pariato, que é um direito politico, como todos sabem, não menos importante do que o da camara popular? Como é que se póde admittir que, tratando-se da verificação de uma condição censitica, não se exija pelo menos a mesma realidade, quando de mais a mais o direito n'este caso é muito mais importante, por isso mesmo que o logar n'esta camara tem o caracter de perpetuidade? Se pois o direito é pelo menos da mesma natureza, as condições da habilitação para o seu exercicio não podem em caso algum e por nenhuma fórma ser menores; é este o meu argumento e não outro o seu sentido.

Mas argumenta-se que já se decidiu de outra fórma em certa occasião; eu torno a repetir que não me importa dos precedentes que não são manifestamente escudados com a lei; portanto que se decidisse assim uma vez ou seiscentas vezes, para mim tem o mesmo valor, e nem augmenta nem diminue a força do argumento.

E depois, sr. presidente, alem da duvida sobre o rendimento, podemos nós ter o poder, deixe-se-me assim dizer, dictatorial, de dizer que a differença de nome nada faz ao

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caso para regular a identidade da pessoa? É por tal fórma que se pretende chegar á verdade? Eu vejo no requerimento um nome, nos documentos que o acompanham o mesmo nome, e quando se chega ao exame e leitura do titulo principal, que deve concorrer para a prova do rendimento, noto uma differença de nome, que realmente não era preciso ser extraordinariamente previdente, para que, reconhecendo-se que tendo-se de apresentar similhante documento a um corpo tão respeitavel como este, muito importava e muito conviria que se tratasse de harmonisar pela prova previa da identidade de pessoa, para que não offerecesse isso duvida alguma quando aqui viesse exigir o seu direito.

Qual é a rasão por que esse pretendente não se preveniu competentemente perante a repartição por onde houve o documento, para tirar a duvida que não póde aqui ser resolvida? Pois, sr. presidente, apresentar um nome differente n'um titulo que se vae buscar a um paiz estrangeiro para legalisar certo rendimento, e nós havemos de dizer por nosso poder absoluto e certa sciencia que este homem é o mesmo? Elle a primeira cousa que devia fazer era legalisar aquelle titulo pelo consul de Portugal, em seguida ao de Hespanha, tendo de mais a mais o ministerio dos negocios estrangeiros para confirmar essa legalidade. Estes são os pontos que a lei estabelece para legalisar os documentos estrangeiros, que alem d'isto não podem ser attendidos nos tribunaes do paiz sem serem traduzidos pelos competentes interpretes.

Mas pondo de lado esta irregularidade extrinseca, e fixando a nossa attenção sobre o ponto principal, vendo que no titulo, alem de falta de. legalisação, vem o nome em completa desharmonia com o requerimento e demais documentos, não sei como a camara quererá ou poderá saltar por cima de tudo isto!

Portanto, sr. presidente, eu conservo a mesma opinião e não me faz peso nenhum dois ou dois mil precedentes, porque a verdade para mim é a regra e o fim que me devem dirigir; e desde o momento que vejo que os documentos apresentados pelo pretendente não podem constituir o rendimento real que a lei exige, digo que não posso votar que o pretendente seja admittido n'esta camara como successor de seu fallecido pae. Ora, isto não obsta a que elle venha requerer quando verificar aquelle rendimento, e verificada essa condição terá o meu voto.

O seu direito é imprescriptivel, póde não ter hoje o rendimento exigido pela lei e te-lo mais tarde, e então está habilitado a pedir a execução da lei. Quem tem, como elle, vinte e sete annos de idade, tem ainda muito tempo para poder verificar esse rendimento, porque não é com o limitado ordenado de amanuense de 2.ª classe que deve ter já tão grande empenho para vir com aquelles documentos pedir assento n'esta camara, mas o reconhecimento do direito deve ser conforme a lei; esta é a minha opinião, e conforme ella será o meu voto.

O sr. Visconde de Algés: — Sr. presidente, direi apenas duas palavras, não só porque o meu estado de saude me não permitte ser muito prolixo, mas tambem porque aos argumentos produzidos pelo digno par, o sr. Silva Cabral, no seu primeiro discurso já respondeu, e creio que victoriosamente, o digno par e meu collega na commissão, o sr. conde de Thomar. Não posso todavia forrar-me á tarefa de fazer algumas considerações, porque assignei o parecer da commissão, e n'esta qualidade cumpre-me abrigar da impugnação os fundamentos em que assentei o meu voto.

Não se trata de direito constituendo, não se trata dos defeitos em que poderá porventura laborar a lei de 11 de abril de 1845; n'este terreno aonde a camara já foi chamada pela proposta do digno par, o sr. Silva Cabral, eu exporei opportunamente o que penso a tal respeito. Agora de que se trata é de confrontar as habilitações comprovadas do candidato com as indicações da lei de 11 de abril de 1845, e de nada mais (apoiados). Foi esta a unica operação que pratiquei, e da qual colhi o convencimento de que o requerente se acha nas condições que a lei exige para a investidura no pariato por direito de successão.

De todas as condições exigidas pela citada lei de 11 de abril de 1845 é só objecto de contestação, na hypothese presente, a condição do rendimento; e para impugnar o parecer da commissão, pela falta d'este requisito ou pela insufficiencia dos documentos que o comprovam, recorre o digno par, o sr. Silva Cabral, aos principios de hermeneutica, pretendendo explicar o sentido da lei de 11 de abril de 1845 pelas disposições do decreto de 30 de setembro de 1852.

Sr. presidente, eu não vejo necessidade de interpretação quando o sentido da lei é tão claro como o da lei que n'este momento tratâmos de applicar á especie sujeita. Para que vem pois a hermeneutica? A hermeneutica é um instrumento de interpretação, e a interpretação na hypothese presente não só não é necessaria, mas é expressamente prohibida nos termos da lei de 18 de agosto de 1769, que prohibe expressamente que se recorra á interpretação quando o sentido da lei não for escuro ou ambíguo. E onde esta, sr. presidente, a obscuridade ou a ambiguidade da lei de 11 de abril de 1845? As palavras da lei são estas: Depois de enumerar diversas circumstancias que devem verificar-se na pessoa do successor ao pariato, diz: «4.°, que paga 160$000 réis de imposto e contribuição directa nos termos que determina a carta de lei de 27 de outubro de 1840, artigo 3.°, ou que tem o rendimento de 1:600$000 réis». Eu creio que não ha nada mais claro do que isto. Se pois não ha obscuridade nem ambiguidade na lei, para que vem a hermeneutica se nós não precisâmos da hermeneutica, porque não precisâmos de interpretação, e não só não precisâmos, não a poderiamos fazer na hypothese sujeita sem infringir o preceito da lei de 18 de agosto de 1769, como ha pouco demonstrei.

Mas eu concedo ao digno par que a lei que rege a especie de que se trata carece de interpretação, e que temos portanto de recorrer ás indicações da hermeneutica. Qual é o primeiro principio da hermeneutica? E descortinar qual seria a intenção do legislador. Qual seria pois a intenção do legislador de 1845, porque a lei é de 11 de abril de 1845? Seria conformar-se ou completar o sentido da lei com os preceitos do decreto de 30 de setembro de 1852? É racional presumir que os legisladores contavam em 1845 com as disposiçoes de um decreto de 1852? Parece-me que ninguem o poderá sustentar. Como quer pois o digno par que o decreto de 30 de setembro de 1852, que tem por objecto as operações de recenseamento e os requisitos de capacidade eleitoral de exclusiva applicação á eleição de deputados, que nem expressa nem implicitamente se refere ás condições de successibilidade no pariato seja applicado a restringir um preceito claramente definido na lei de 11 de abril de 1845? A lei faculta ao successor dois meios de provar o rendimento, ou pelos conhecimentos de contribuição, dos quaes conste que paga 160$000 réis de imposto, ou provando directamente o rendimento de 1:600$000 réis. O que se poderá portanto dizer não é que a lei é escura ou ambigua, mas sim que a lei é omissa quanto aos meios de provar directamente o rendimento. Mas que se deve concluir d'essa omissão? O que se deve concluir, quanto a mira, é que, por isso mesmo que o rendimento é um facto, a lei se completa n'este ponto pelo direito commum, que fornece todos os meios, que o digno par conhece muito bem, para constatar perante qualquer tribunal a existencia de um facto. E não será a prova que se apresenta uma prova de instrumento a mais solida que o direito conhece para provar o facto do rendimento? Diz o digno par «a lei exigindo o rendimento, quer que elle seja uma realidade e não uma illusão», concordo, mas pergunto ao digno par —qual é o meio de provar o rendimento, que não possa igualmente ser illudido? Não se trata de saber se o meio póde ser illudido, porque o podem ser todos, o que é preciso saber é se foi effectivamente illudido na hypothese; e isso é que eu duvido muito que o digno par possa provar; mas se provar eu serei o primeiro a retirar a confiança moral e a confiança legal que deposito nos documentos a que me refiro.

Diz mais o digno par «não posso aceitar a verba do ordenado, porque se refere a um emprego amovivel, e o decreto de 30 de setembro exige que os empregos sejam inamoviveis». Ahi vem outra vez o decreto de 30 de setembro, que eu já demonstrei que não podia ter applicação nenhuma á especie em questão; mas, ainda que tivesse, o decreto de 30 de setembro não diz o que o digno par lhe attribue; o decreto exige que o emprego seja vitalicio, e vitalicio é muito differente de inamovível. Segundo um logar, da legislação, que me não lembra agora, porque não posso ter na memoria todas as datas de todas as leis (e Deus me livre de as ter), mas que eu poderei citar em outra occasião, os empregos dividem-se em temporarios (os que são providos por certo e predeterminado tempo, como são os ouvidores do conselho d'estado, que são providos por um anno), vitalicios (os que não têem limitação de tempo), e inamoviveis (os que só por sentença podem ser retirados ao funccionario). O emprego de que se trata não é pois temporario, comquanto seja amovivel, como amovivel é o rendimento proveniente de fundos publicos, que em menos de um minuto se transmittem a dominio estranho, e como amovivel é hoje felizmente toda a propriedade com que se pretenda provára habilitação do rendimento.

Diz mais o digno par, a quem tenho tido a honra de me referir: «quanto aos titulos de divida portugueza não faço questão, porque esses, comquanto averbados recentemente, como a sua proveniencia é da familia do requerente, não se podem contestar». Perdôe-me o digno par, mas tambem não concordo; não concordo, entenda-se bem, adoptando por hypothese os principios do digno par, dos quaes abertamente discordo.

Se o decreto de 1852 deve aperfeiçoar as disposições da lei de 11 de abril de 1845, como o digno par sustenta; se, nos termos do citado decreto, para que seja contemplado o rendimento proveniente de titulos de divida publica, é preciso que estes se mostrem averbados com um anno de antecedencia; e se no mesmo decreto se não attende em parte nenhuma á proveniencia dos mesmos titulos, para que vem o digno par fazer distincções, que o direito entendido, como s. ex.ª pretende, não auctorisa? Quando disse não concordo, era na hypothese, que se não dá, de seguir os principios do digno par; adoptando principios oppostos, concordo n'este ponto quanto á conclusão, á qual ambos chegámos por caminhos differentes.

Resta -a deslocação dos appellidos; o titulo de divida hespanhola esta averbado em nome de Eduardo Barreiros Montufar, e o nome do requerente é Eduardo Montufar Barreiros; a este solido argumento já respondeu o digno par o sr. conde de Thomar, e parece-me que posso abster-me, sem compromettimento da causa, de reforçar a refutação.

Tenho exposto os fundamentos do meu voto, e tenho concluido.

O sr. Presidente;—Vae proceder-se á votação por espheras. Os dignos pares que approvarem deitam a esphera branca na urna da direita e a preta na da esquerda, e os que rejeitarem fazem o contrario, deitando a esphera preta na da direita e a branca na da esquerda.

O sr. Miguel Osorio: — Como se vae proceder á votação pedia a V. ex.ª que mandasse chamar alguns dignos pares que se acham nos gabinetes, a fim de tambem votarem.

O sr. Presidente: — Será satisfeito o pedido do digno par.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: — Entraram na urna da direita 54 espheras, sendo 33 brancas e 21 pretas, ficando portanto o parecer da commissão especial approvado por 33 votos contra 21.

Agora convido o sr. vice-presidente, conde de Castro, a tomar o logar da presidencia.

(O sr. conde de Castro tomou o logar da presidencia, e. o sr. conde de Lavradio foi sentar-se n'um logar da camara.)

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PARECER N.° 126

O sr. Presidente (Conde de Castro): — Conforme a inscripção, tem a palavra o digno par o sr. visconde de Fonte. Arcada.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, na. sessão passada o sr. marquez de Ficalho, no seu brevíssimo discurso, referiu-se aos illustres cavalheiros que formaram. o governo da ilha Terceira e aos seus agentes diplomaticos, que tanto fizeram para collocar no throno a Senhora D. Maria II, Rainha constitucional de Portugal.

Das palavras que o digno par proferiu se deduz que não é dos grandes ordenados, nem das grandes despezas que depende o bom exito das negociações; bem pobre era o thesouro da ilha Terceira para fazer grandes despezas, e bem mesquinhos eram os ordenados, se é que os tinham, dos seus agentes diplomaticos, e tal foi a sua dedicação pela causa a que do coração se dedicaram, que poderam embaraçar o reconhecimento do governo do senhor D. Miguel por Inglaterra, França, etc. e levaram ao cabo a ardua empreza»

Isto mostra, sr. presidente, que da capacidade das pessoas empregadas no serviço do estado é que depende principalmente o bom exito dos serviços de que se acham encarregados; e posto que os ordenados devam ser attendidos com toda a solicitude, comtudo estes devem ser sempre em relação com as condições financeiras do paiz.

Deriva-se d'aqui, sr. presidente, que mais alguma cousa é necessario do que grandes ordenados para os diplomatas, e que não é só esse augmento de ordenado que constitue um bom corpo diplomatico; as observações do digno par vieram ainda mais confirmar me na resolução de votar contra o projecto.

O paiz acha-se em circumstancias muito difficeis; isto mesmo affirmaram os srs. ministros em diversos documentos; ora, será n'estas circumstancias que a primeira lei que sáe do parlamento deva ser uma lei de augmento de despeza? Será uma lei d'esta natureza que o paiz reclama? De certo que não; elle tinha direito a esperar outra cousa.

Sr. presidente, o digno par que encetou esta discussão com a sua facundia costumada, e á vista de documentos que não podem ser contrariados, mas só illudidos, mostrou não só a inconveniencia, mas até o perigo, de publicar novas leis que augmentem a despeza; que as circumstancias do paiz, reconhecidas pelos srs. ministros, pedem a mais severa economia; e igualmente provou que a despeza que de novo se vae fazer é muito maior do que a calculada de 129:000$000 réis.

Tive, sr. presidente, a ousadia de pedir a palavra, depois do que disse o digno par, não porque entenda que possa illustrar a questão mais do que fez s. ex.ª, mas sómente porque nas graves questões que se tratam n'esta camara costumo dar a rasão do meu voto.

O sr. ministro da fazenda, logo que entrou no ministerio, na sessão de 5 de setembro de 1865, a primeira vez que se apresentou á camara dos senhores deputados, prometteu levar a todos os ramos da administração publica a mais severa economia, e disse o seguinte:

«Convem não se deixar apoderar da febre immoderada de querer fazer tudo ao mesmo tempo»; e como ministro da guerra disse que = havia muito a fazer n'aquelle ministerio, e que faria as reformas que fôssem convenientes.

Esta palavra «reforma», sr. presidente, tem sido entendida entre nós de uma maneira singularissima; quando alguem reforma a sua casa, ou o seu modo de viver, sempre se entende que isto quer dizer diminuição de despeza, e por ahi começa a reforma; mas entre nós não se entendem as cousas d'este modo; aqui as reformas não são para diminuir as despezas, antes pelo contrario quasi todas ellas a têem augmentado; e chama-se a isto fazer reformas!

Sr. presidente, em outro documento importante, fallo do relatorio sobre o projecto de contrato com a companhia do caminho de ferro de 14 de outubro, assignado pelos srs. conde de Castro e Fontes, dizem ss. ex.ªs o seguinte:

«O credito não tem sido só empregado em despezas extraordinarias, mas para encargos ordinarios e para attenuar o deficit que sempre tem augmentado (disse o orador, e continuou.); o credito, dizem ss. ex.ªs, é um instrumento poderoso de que se não deve abusar; é preciso não abusar d'elle para lhe não destruir as qualidades nem tirar a força. Algum descanso n'este appello constante aos seus milagres, e te-lo hemos ainda ao nosso serviço, quando altos interesses publicos o exigirem imperiosamente; até então façam-se todas as economias compativeis com o serviço, e entreguemos á industria particular os nossos melhoramentos.»

As palavras exaradas n'este documento, que ss. ex.ª proferiram quando queriam que se approvasse o contrato de 14 de outubro, desejava eu ver seguidas e convertidas em realidade; infelizmente porém não acontece assim. Eu bem sei, sr. presidente, que a base do systema indicado por ss. ex.ªs era o contrato de 14 de outubro que se não realisou; mas não se poderiam fazer independentemente d'este contrato algumas economias, para mostrar que deveras se queria seguir o caminho que ss. ex.ª tinham indicado?

Estariam de tal fórma ligadas todas as economias com o contrato, que independentemente d'elle se não podessem fazer algumas? Não me parece que isto assim seja, e se houvesse boa vontade da parte do governo, tinham-se feito algumas economias, embora não fossem tão importantes como se desejaria que o fossem.

Sr. presidente, o deficit attenuado, diz o relatorio do sr.

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ministro da fazenda, é de 5.657:000$000 réis, e este deficit é pouco mais ou menos um têrço do rendimento do esta do; e n'estas circumstancias apresentou-se uma lei que augmenta a despeza! Entre as verbas de despeza relativas a obras publicas, vejo a quantia de 697:939$000 réis que se gasta com trezentos e onze engenheiros e conductores encarregados de dirigir as obras publicas, tendo-se dito no relatorio alludido que os melhoramentos se entregassem á industria particular! Se devem deixar-se á industria particular os nossos melhoramentos, como é que são necessarios tantos engenheiros e conductores de obras publicas subsidiados pelo governo? Parece-me, sr. presidente, que isto é uma contradicção flagrante.

Se a minha saude m'o permittisse seria mais extenso n'este assumpto, e trataria de apresentar n'esta discussão os objectos mencionados em um artigo publicado no Jornal de Lisboa, de 2 de dezembro, por um cavalheiro que se diz membro do parlamento; porque concordando eu em geral com a doutrina contida n'aquelle notavel artigo, desejava expo-la perante a camara, visto o referido membro do par lamento, que diz ser, não ter tido, como lhe cumpria, a nobre franqueza de trazer á discussão da camara, de que é membro, aquelle importantissimo assumpto, no que fazia um grande serviço ao paiz. Mas não o fez. Escreveu o artigo, publicou-o, e assignou-se « um membro do parlamento», e nada mais fez!

No relatorio de 14 de novembro dizem os srs. Fontes e conde de Castro que = se façam todas as economias compativeis com o serviço =.

Estas palavras, sr. presidente, não podem soffrer contradicção; mas como é que se tem realisado? E empregando o credito para occorrer ás despezas ordinarias, e para attenuar o deficit, que por isso mesmo tem sempre crescido,

Algumas nações têem abusado do credito, mas o castigo não se tem demorado; e quando o abuso se dá, esta elle perto

Algumas nações passaram por grandes crises, esta é a sua desculpa; mas nós não a podemos ter, porque não tinhamos Catilina ás portas de Lisboa; não nos deviamos ter deixado apoderar da febre de querer fazer tudo de repente, como muito claramente disse o sr. ministro da fazenda.

Sr. presidente, Law, para o bom resultado do seu systema, de todos bem conhecido, fundava-se nos lucros que daria uma vasta companhia exploradora e de commercio (a do Mississipi), e representou estes lucros por acções que deviam servir para pagar as dividas do estado da França.

A revolução franceza quiz pagar os empregos abolidos, as dividas da monarchia, e as despezas de uma guerra universal, com os bens nacionaes que se não podiam vender por serem immensos e por falta de confiança, e representou antecipadamente estes valores por assignados.

O banco de Inglaterra n'aquelle tempo, pelos emprestimos feitos ao governo e por descontos de papeis de credito, aceitou como reaes duas qualidades de valores, papeis commerciaes representando immensas quantidades de generos coloniaes de muito difficil venda e obrigações sobre o estado, valores estes infinitamente variaveis, e dependendo do bom resultado da guerra e da politica, que n'estas circumstancias eram valores duvidosos, porque os generos coloniaes se deterioravam e o pagamento das obrigações do estado era duvidoso; por estes diversos motivos resultaram á França, no seculo passado, e á Inglaterra no principio d'este, as calamidades financeiras que nós temos visto, e que a historia d'aquellas nações nos refere, seguindo-se as crises por que passaram esses dois paizes.

As acções de Law representavam lucros commerciaes que se não realisaram, e depois productos fiscaes incertos. Os assignados representavam valores que se não podiam realisar. As notas do banco de Inglaterra, por que respondiam generos avariados, e os titulos sobre o estado eram tambem valores incertos.

As nossas inscripções, sr. presidente, representam valores fundados sobre a possibilidade que o contribuinte tem de poder pagar os impostos que lhes servem de garantia; mas como a sua emissão tem sido illimitada, e não sabemos ainda a que ponto ha de chegar, é muito para receiar que a sua emissão seja tal em uma epocha, mais ou menos remota, que os impostos não cheguem para satisfazer os juros do capital que as inscripções representam.

E então o que ha de acontecer? Uma crise como aquellas a que alludi.

Espero que os srs. ministros não digam, como dizia Luiz XV: «Après nous le déluge.» E o diluvio chegou, de que foi victima o infeliz e virtuoso Luiz XVI, e sua familia, bem como milhares de cidadãos.

A desamortisação, isto é, subrogar bens de raiz reaes, cujos rendimentos independentemente do estado, sem que sejam pagos pela nação, vão ser substituidos por valores e rendimentos, que só o são devidos aos impostos onoresissimos que toda a nação vae pagar.

Até agora as misericordias e tantos centos de estabelecimentos de caridade e beneficencia viviam dos seus bens, independentes do credito do estado, que por uma guerra ou outro qualquer desastre publico, póde ser muito abalado ou destruido, e assim aquelles estabelecimentos ficarem impossibilitados de fazerem face ás suas despezas.

Estes estabelecimentos viviam do rendimento das suas propriedades, e hoje, como acabo de dizer, pela desamortisação a sua fortuna está ligada ao credito do governo, de que fica inteiramente dependente!

Mas, sr. presidente, dizem os srs. ministros que a prosperidade publica ha de tomar grande incremento, e que isto obstará aos graves males que aponto; mas notem ss. ex.ª que a prosperidade publica não crescerá tanto na proporção arithmetica, e os impostos e as despezas publicas na geometrica nunca se encontrarão, e nada poderá nivelar o o profundo intervallo que as separa, e cada vez mais.

Sr. presidente, quero suppor que os pesadíssimos tribu tos com que, segundo as propostas do governo, o povo vae ser onerado, não são já destruidores de familia; mas não embaraçarão elles desde já o seu progresso moral e material? E as economias da familia que lentamente se vão accumulando para formar capital para ser empregado nos melhoramentos agricolas, artísticos, etc.; este capital, sr. presidente, é um capital moralisador, e sáe muito mais barato do que aquelle que se vae buscar aos bancos, ainda que haja um a cada porta.

A illustre commissão, para nos animar, diz no seu relatorio que = os 129:000$000 réis de augmento de despeza (O sr. Silva Cabral: — Calculo-a em muito mais.) serão suppridos por uma receita, embora eventual, que não póde me recer menos confiança do que outras receitas inscriptas no orçamento do estado, abonadas até pelo progresso dos rendimentos, etc. Como se conforma isto com o que no orçamento diz o sr. ministro da fazenda a respeito das alfandegas do Porto e Lisboa? O que eu vejo é que a alfandega do Porto de 1865-1866 rendeu menos 209:879$320 réis do que de 1864-1865, e a de Lisboa n'esta mesma epocha rendeu de menos 37:938$295 réis. A vista d'isto, que se vê no orçamento, como póde ella dizer no seu parecer que a receita, embora eventual, não póde merecer menos confiança do que outras receitas inscriptas no orçamento?

Por consequencia a base que a commissão tomou para dizer que os rendimentos embora erentuaes, pagavam a nova despeza, é uma base incerta e duvidosa, que não póde merecer confiança alguma.

Sr. presidente, só a mais severa e restricta economia, pondo-se termo á desgraçada emissão de inscripções, é que poderá attenuar o estado em que o paiz se acha, e evitar uma crise financeira funesta; mas, sr. presidente, quando vejo que apenas se toca na diminuição de qualquer despeza, abolindo, por exemplo, alguns governos civis, surgem de toda a parte representações, apresentadas ao parlamento por diversos cavalheiros contra esta economia, que esperança posso eu ter que se façam outras? O que prova este facto é que assim que o governo quizer, como lhe cumpre, fazer nas diversas repartições da administração do estado outras economias, ha de acontecer o mesmo.

Se o governo quizer fazer economias no exercito, diminuindo as divisões militares que são demasiadas, e por este modo levar a economia a todos os ramos de administração do estado, ha de acontecer-lhe o mesmo.

Não é este governo que ha de poder fazer economias.

Outras circumstancias, diversas d'aquellas em que o governo esta collocado, são necessarias para que elle podesse effectuar as economias de que o paiz carece.

Sr. presidente, um governo que segue uma politica e que faz algumas concessões, ainda que pequenas, nem por isso satisfaz á opinião e aos que o combatem, ao mesmo tem po que o partido que o sustenta (principalmente quando se trata de fazer economias contra os seus interesses) abandonado, porque querem o antigo systema, porque com elle lucravam, e o governo fica só e morre, porque a uns não satisfazem as concessões que lhe fizeram, e aos outros por que nem estas queriam por serem contra os seus interesses e indicarem que virão outras. O governo acha-se forçosa mente só; e quanto a este acontecer-lhe-ha o mesmo, alem de que é contra a sua indole fazer economias; e quando por acaso as queira fazer na extensão de que o paiz as precisa, cáe, porque até os seus amigos se voltam contra elle.

Os srs. ministros sabem perfeitamente que eu não tenho indisposição alguma pessoal contra elles. Não preciso fazer profissões de fé a este respeito; mas não posso deixar de dizer que o systema que se tem seguido, não é senão a continuação de outros, e que a elle devemos o estado em que estamos, que todos reconhecem ser mau, critico e perigoso.

Sr. presidente, o governo tem andado a procurar dinheiro por toda a parte, tem-se dirigido aos diversos bancos do Porto e Lisboa e casas bancarias, todos se têem negado por não poderem emprestar-lhe quaesquer quantias; até o mesmo banco de Lisboa a isso se recusou. Por esta maneira quando achasse os capitaes pedidos, constituia-se assim um concorrente com todos aquelles que os precisam para melhoramentos agricolas, fabris e para descontos de letras; esta concorrencia é terrivel, e embaraça que possa haver importantes melhoramentos na producção do paiz.

Até o banco do Minho, que foi instituido com o fim especial de promover a agricultura e outros melhoramentos n'aquella provincia, não escapou aos srs. ministros, porque lá foram buscar algum capital, que effectivamente o banco emprestou, na quantia, se bem me recordo, de 40:000$000 réis, quantia que fôra tirada á exploração da provincia, ao progresso da sua agricultura, e aos melhoramentos publicos'; esses melhoramentos que os srs. ministros dizem nos seus relatorios quererem deixar para a industria particular! Tirados os capitaes d'aquelle banco, que tinham uma applicação immediata e particular á provincia, não é possivel que os seus melhoramentos deixem de se atrazar em consequencia d'este emprestimo ao governo.

Não achando o governo dinheiro em a nossa praça recorreu ás estrangeiras, que lhe emprestaram dinheiro com grande juro, e só a seis mezes. Póde isto continuar? Não póde. Eu estou resolvido a combater todas essas medidas que tenho visto indicadas. Em minha consciencia não as posso approvar, e só approvaria algum augmento de imposto quando as economias fossem tantas e taes que mostrassem ao paiz que effectivamente tinha chegado o momento de se olhar pelos seus verdadeiros interesses; não vejo isto, por consequencia rejeito os impostos. Votaria algum imposto quando este fosse acompanhado de todas as economias necessarias para que o povo o pagasse com satisfação, e para que effectivamente se podesse tirar dos esforços que se fazem todo o interesse, todo o resultado, que evitasse o continuarmos no estado desgraçado em que nos achâmos. Até que veja isto conservo-me no meu logar, embora tenha poucas pessoas n'esta camara que me sigam; estou certo de que as minhas opiniões não são cerebrinas, e sei qual é a opinião do paiz, e que muitas pessoas as seguem, e que conhecem que d'ellas se póde tirar grande resultado para a administração do paiz. Tenho concluido.

O sr. Presidente (Conde de Castro): — A deputação, encarregada de levar alguns autographos á sancção real, é composta dos seguintes dignos pares:

Jayme Larcher.

Visconde de Villa Maior.

Barão de S. Pedro.

Barão de Villa Nova de Foscôa.

José Augusto Braamcamp.

José Bernardo da Silva Cabral.

O sr. ministro indicará á camara o dia em que Sua Magestade tenciona receber esta deputação.

A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 25 de fevereiro de 1867

Os ex.mos srs.: Condes, de Lavradio e de Castro; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Sabugosa, de Sousa, de Vallada, de Vianna o de Alvito; Condes, das Alcaçovas, de Alva, de Avilez, de Azinhaga, de Cavalleiros, de Farrobo, de Fonte Nova, de Fornos, da Louzã, de Mesquitella, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral e de Thomar; Viscondes, de Algés, de Benagazil, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, de Monforte, de Ovar, de Seabra, da Silva Carvalho, de Soares Franco e de Villa Maior; Barões, de S. Pedro e de Villa Nova de Foscôa; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Pereira Coutinho, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Margiochi, Larcher, Moraes Pessanha, Braamcamp, Silva Cabral, Izidoro Guedes, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Eugenio de Almeida, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Fonseca Magalhães, Canto e Castro, Miguel Osorio, Menezes Pita, Fernandes Thomás e Ferrer.

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