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N.º 22

SESSÃO DE 18 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Conde da Ribeira Grande

(Assistiram os srs. presidente do conselho, ministro da marinha e ministro dos negocios estrangeiros).

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presente numero legal, declarou-se aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Seis officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes propostas de lei, a saber:

1.ª Fixando a despeza do estado para o exercicio de 1878-1879.

A commissão de fazenda.

2.ª Transferindo a freguezia de S. Nicolau, de Cabeceiras de Bastos, para a circurnscripção do julgado ordinario de S. Miguel de Refojos; e a freguezia de Santa Senhorinha de Bastos para o julgado ordinario de S. Martinho do Arco de Barelhe.

A commissão de legislação.

3.ª Auctorisando o governo a modificar o contrato celebrado com a firma commercial Bensaude & C.ª para as carreiras de navegação a vapor entre Lisboa e ilhas dos Açores e da Madeira.

Á commissão de marinha.

4.ª Auctorisando o governo a conceder á commissão administrativa do asylo montemorense de infancia desvalida um edificio nacional para fins de conveniencia publica.

Á commissão de fazenda.

5.ª Fixando a força de mar para o anno economico de 1878-1879.

Á commissão de marinha.

6.ª Sobre serem observadas com diversas modificações na provincia de Cabo Verde as disposições do codigo de justiça militar para o exercito de terra, approvado pela carta de lei de 9 de abril de 1875.

Á commissão de marinha e ultramar.

Um officio do ministerio do reino, participando que Sua Magestade El-Rei resolveu receber no dia 17 do corrente, pela uma hora da tarde, as felicitações por motivo do juramento de Sua Alteza o Principe Real.

Para o archivo.

Dois officios do ministerio das obras publicas, o primeiro declarando-se o sr. ministro habilitado a responder á nota de interpellação do digno par Carlos Bento da Silva; o segundo remettendo 70 exemplares dos relatorios da gerencia e administração da quinta regional de Cintra nos annos agricolas de 1873 a 1876.

Mandaram-se distribuir.

Um officio do digno par marquez de Sousa, participando que por incommodo de saude não póde comparecer ás sessões da camara; outro do digno par visconde de Portocarrero, fazendo igual participação.

Ficou a camara inteirada.

Um officio do digno par conde do Farrobo, participando que pelo mesmo motivo não póde comparecer á sessão real do juramento.

Ficou a camara inteirada.

O sr. Presidente: - Cumpre-me communicar á camara que a deputação encarregada de felicitar Sua Magestade El-Rei, por occasião do juramento de Sua Alteza o Principe herdeiro, foi recebida por Sua Magestade com a sua costumada benevolencia.

Por essa occasião proferi o seguinte discurso:

"Senhor. - O dia do juramento de Sua Alteza Real o Principe D. Carlos, como herdeiro presumptivo da corôa, juramento prescripto pelo artigo 79.° da carta constitucional, foi um dia de verdadeiro jubilo para toda esta nação. Vossa Magestade presenceou o vivo enthusiasmo com que a população da capital concorreu a esse acto, um dos mais imponentes, a que tem assistido. Os habitantes d'esta formosa cidade foram interpretes fieis dos sentimentos de todo o paiz.

"A camara dos pares, que teve a honra e a satisfação de de tomar parte n'essa grande solemnidade, vem hoje repetir a Vossa Magestade, a Sua Magestade a Rainha e a Sua Alteza Real as suas sinceras felicitações por tão fausto acontecimento, e a expressão dos votos, que ella fórma, para que a Providencia cubra de bençãos a Vossas Magestades e a toda a familia real, e inspire o joven Principe a imitar os exemplos de seus augustos maiores, conquistando assim, como todos esperam, o amor d'este povo, que tanto admira os raros dotes de intelligencia e de prudencia, que distinguem a Sua Alteza Real."

Sua Magestade dignou-se responder nos seguintes termos:

"Agradeço á camara dos dignos pares do reino a sua felicitação pelo juramento do Principe Real.

"A camara bem comprehende quanto são gratas ao meu coração de Rei e de pae as affectuosas demonstrações, que me são dirigidas por tão fausto acontecimento.

"A Divina Providencia, que tantos beneficios tem dispensado a este reino, ha de permittir, (confiadamente o espero) que meu prezado filho, educado por seus paes no santo amor da patria e da familia, ha de cumprir religiosamente os deveres que contrahiu pelo seu juramento, e a que a sua lealdade o não deixará faltar.

"Muito me penhora a camara dos dignos pares nutrindo a convicção de que meu prezado filho ha de saber corresponder ao amor que o povo lhe consagra."

Estes dois discursos, segundo a pratica, serão lançados na acta.

Consta-me, que se acha nos corredores o sr. conde dos Arcos. Convido os dignos pares marquez de Vallada e conde da Ribeira para o introduzirem na sala.

Foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Costa Lobo: - Pergunto a v. exa., como está dada para ordem do dia a interpellação do sr. marquez de Vallada, se o sr. ministro da marinha estará ou não presente á sessão.

O sr. Presidente: - Estando o sr. ministro da marinha presente, começará a ordem do dia pela interpellação do sr. marquez de Vallada.

O sr. Costa Lobo: - V. exa. póde-me dizer se elle vem?

O sr. Presidente: - Não posso dizer com certeza se s. exa. virá.

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O sr. Costa Lobo: - N'esse caso, se v. exa. me dá licença, eu vou usar da palavra para mandar para a mesa uma nota de interpellação; e a rasão porque a mando é, porque na ultima sessão deu-se um facto, praticado pelo sr. ministro da marinha, que me fez suppor que s. exa. não tem desejo de responder aos oradores, que se acham inscriptos nest'outra interpellação.

Quando iamos a entrar na ordem do dia, que era esta mesma interpellação, s. exa. retirou-se para a camara dos senhores deputados, porque, segundo a declaração que fez um dos seus collegas, havia ali negocio importante que chamava s. exa.

Ora, sr. presidente, tambem aqui havia negocio importante, e não creio que a camara dos senhores deputados seja superior á dos pares, para que, quando aqui se está tratando de uma discussão tambem de interesse publico, o sr. ministro entenda que deve abandonar esta camara e retirar-se para a outra.

Eu tive a curiosidade, no dia seguinte, de ver qual era o negocio importante que tinha obrigado o sr. ministro da marinha a ir para a outra camara, e fiquei extraordinariamente surprehendido, quando vi que o motivo que ali o tinha levado era para ouvir annunciar uma interpellação.

Não me consta, sr. presidente, que seja necessaria a presença de um ministro para se lhe annunciar uma interpellação; e como esta annunciada interpellação, por acaso e infeliz coincidencia, continua hoje na outra camara, eu não tenho a esperança de que o sr. ministro appareça ncsia, e por tanto não póde continuar a discussão pendente, o qual se vae já protrahida por tão longo numero de dias, não se póde dizer que é por culpa dos oradores, creio mesmo que ella não tem tomado quatro sessões, e essas mesmo muito incompletas.

Sr. presidente, vou dizer qual a minha nova interpellação que depois escreverei e mandarei para a mesa.

Desejo interpellar o sr. ministro da marinha sobre as declarações feitas por s. exa. n'esta camara, na sessão de 23 de fevereiro, ácerca das relações entre Portugal e a Inglaterra.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): - Peço a palavra.

O Orador: - Attenta a pouca diligencia que faz o sr. ministro da marinha para vir a esta camara, eu vou declarar desde já quaes são os pontos gcraes sobre que ha de versar a minha interpellação, e os motivos que me obrigam a fazel-a.

Faço isto por duas rasões.

A primeira é para que s. exa. possa pausadamente, se quizer, no seu gabinete, ponderar a resposta que tenha a dar; e desde já declaro que, na occasião da interpellação, não apresentarei nenhum topico novo e sómente aquillo de agora farei menção. A segunda é para que s. exa. tenha conhecimento dos aggravos que sou obrigado a formular, aggravos que eu peço ao sr. ministro que tenha a bondade de apreciar o de considerar comsigo se e sr. não um dever vir
offerecer-lhes a sua contestação.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Dá-me licença?

O Orador: - Pois não! Com muito gosto.

O sr. Presidente do Gonselho de Ministros: - Ainda hontem á noite, quando me despedi do sr. ministro da marinha, ficou s. exa. de se apresentar hoje n'esta camara para continuar a assistir á interpellação que lhe é feita.

Se s. exa. não está presente n'este momento, á por alguma circumstancia superveniente que não posso imaginar, que não sei qual seja.

Convenço-me, todavia, e asseguro ao digno par, que o sr. ministro não deixará hoje de comparecer aqui.

O sr. Costa Lobo: - Em vista da declaração cio sr. presidente do conselho, tenho concluido, nada mais direi.

O sr. Presidente: - Se o digno par quizer, póde mandar para a mesa a sua nota de interpellação.

O sr. Costa Lobo: - A minha nota de interpellação era simplesmente no presupposto do que o sr. ministro da marinha não comparecia. Agora prescindo d'ella.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Cedo da palavra.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do Peso da Regua, pedindo que não seja approvado o projecto sobre o real de agua, assim como alguns artigos da reforma administrativa.

Peço a v. exa. que consulte a camara, a fim de poder ser remetiida á commissão de fazenda esta representação; e como ella trata da reforma administractiva, peço tambem que seja enviada á commissão de administração publica.

N'este sentido, pois, e não havendo inconveniente, requeria que fosse publicada no Diario do governo, devendo mandar-se um exemplar a cada uma d'aquellas commissões.

Por esta occasiao desejo que a mesa me informe se ju foram remottidos do ministerio da marinha os esclarecimentos que numa das ultimas sessões eu pedi.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Ainda não foram enviados á mesa.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Insto pela remessa d'esses documentos, por me parecer que serão necessarios quando se tratar do projecto respectivo ao contingente do exercito e da armada.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. marquez de Sabugosa pede que se publique esta representação no Diario do governo, e seja enviada á commissão de fazenda para a considerar, quando a esta camara vier o projecto de lei relativo ao real de agua.

Os dignos pares, que approvara este pedido, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Mello e Saldanha: - Declaro a v. exa. e á camara que, em consequencia de se haver aggravado o meu padecimento, não tenho podido comparecer ás sessões.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota da declaração do digno par.

O sr. Sequeira Pinto: - O sr. visconde de Seabra encarregou-me de participar a v. exa. e á camara, que, por incommodo de saude, tem de faltar á sessão de hoje e a mais algumas.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota da declaração do digno par.

Tem a palavra o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: - Não desejava usar da palavra sem que o sr. presidente do conselho estivesse presente; s. exa. saiu agora da sala, é natural que volte, o então fallarei.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Borba, na qual pede que no projecto relativo á reforma do real d'agua sejam introduzidas certas modificações.

Não elevo n'este momento emittir qualquer opinião ácerca do que a camara pede, muito principalmente porque o negocio a que se refere ha de ser aqui affecto á discussão, e, antes d'isso, submettido ao parecer de uma commissão, que é a de fazenda.

Limito-me, pois, a mandar para a mesa a representação. De certo a camara a receberá com benevolencia, em attenção aos dignos cavalheiros que a assignaram e aos interesses que representam.

Por este motivo, e pelos termos rasoaveis em que este documento está redigido, espero que se resolverá a respeito d'elle o que se acabou de resolver a respeito da representação apresentada pelo sr. marquez de Sabugosa; isto é, que se mandará remetter á commissão competente e imprimir na folha official.

Leu-se na mesa a representação.

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O sr. Presidente: - O digno par o sr. conde do Casal Ribeiro mandou para a mesa uma representação, que acaba de ser lida. Pede s. exa. que esta representação seja remettida á commissão de fazenda e publicada no Diario do governo.

Os dignos pares que approvam o pedido do digno par, tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Barros e Sá: - Tenho a participar á camara que se acha constituida a commissão especial, encarregada de estudar as causas da ultima crise commercial, havendo nomeado presidente o sr. Martens Ferrão, para relator o sr. Carlos Bento, e para secretario o sr. general Palmeirim.

O sr. Marquez de Vallada: - Eu pedia a v. exa. que me concedesse a palavra, quando entrasse na sala o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: - Se a camara não se oppozer, darei a palavra ao digno par, quando esteja presente o sr. presidente do conselho.

Eu tinha dado para ordem do dia, em seguida á interpellação ao sr. ministro da marinha, que não está, presente, a discussão dos pareceres n.ºs 270 e 271.

(Entrou o sr. ministro da marinha.)

O sr. Presidente: - Continua a interpellação dirigida ao sr. ministro da marinha.

Tem a palavra o sr. Costa Lobo.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, o ponto especial, sobre o qual eu peço licença para chamar a attenção da camara, é para a declaração feita pelo illustre ministro da marinha com relação ao teor da nossa convivencia com a Inglaterra.

S. exa., no seu discurso pronunciado na sessão de 23 de fevereiro, resumiu os seus sentimentos a este respeito nas seguintes palavras que leio no Diario da camara que tenho na mão:

"Não nego nem renego o que disse."

E esta profissão refere-se a uma serie de artigos que s. exa. escreveu quando não era mais que um alto funccionario do estado, artigos em que denunciava a alliança ingleza, e attribuia á Gran-Bretanha intenções hostis ao nosso dominio colonial.

Quando s. exa. escreveu estes artigos, se não era ministro, repito, era um dos primeiros funccionarios do paiz, um homem publico de nomeada, e um distincto homem de letras.

O pseudonymo, com que se anteparou, não impediu que a toda a gente fosse notorio que os referidos artigos eram producção de s. exa., e que a curiosidade publica fosse vivamente excitada pelo cave dirigido ao paiz contra a nossa alliança com a Inglaterra, e com o annuncio, ainda que em termos vagos, da existencia de grandes perigos para o nosso dominio colonial. O nobre ministro, interpellado n'esta casa pelo sr. marquez de Vallada, responde que não nega nem renega o que tinha dito.

S. exa. reconhece a paternidade d'esses artigos, o que aliás era escusado, porque era uma noticia que andava nas praças.

Portanto, visto que o sr. ministro da marinha não nega nem renega o que disse, s. exa. naturalmente devia dar as rasões pelas quaes entendeu que era tão perneciosa para o nosso paiz a alliança com a Inglaterra; comtudo por mais esforços que fizesse o sr. marquez de Vallada, para que o illustre ministro da marinha apresentasse as rasões das suas declarações, não foi possivel conseguir que o fizesse. S. exa. limitou-se apenas a dar á camara rasões, que eu não serei menos correcto tachando-as de subterfugios risiveis.

O nobre ministro disse que em tudo quanto fazia era levado pelos intuitos os mais patrioticos. Eu estou certo que s. exa. é levado, como o são todos os nobres caracteres, pelos sentimentos do mais puro patriotismo, mas o patriotismo deve inspirar-se no são juizo e na boa politica, porque do contrario o patriotismo só produz desacertos tanto mais graves quanto são acompanhados de maior philaucia.

Pois porventura não se julgavam grandes patriotas os homens que no seculo XVI e XVII, como procuradores do povo em côrtes, pediam, sempre que estas se reuniam, o exterminio dos judeus?

Quem mais patriota foi n'este paiz do que El-Rei D. Sebastião cujo unico desejo era a gloria d'esta nação, e comtudo foi o homem que lhe acarretou as maiores calamidades que ella jamais padeceu.

O patriotismo não tem nada que ver para estas questões; o que nós queremos saber é qual é a politica do sr. ministro da marinha, o que tenciona fazer s. exa., e quaes são as suas opiniões, porque essas opiniões têem de ser convertidas em actos. Quanto aos sentimentos patrioticos estou perfeitamente de accordo que são os mais nobres da parte de s. exa.

Sr. presidente, tendo-se instado para que o illustre ministro d'esse uma resposta decisiva a respeito das suas opiniões no ponto que estou tratando, s. exa. contentou-se com declarar que o poder moderador era livre no exercicio das suas funcções.

Ninguem negou isso; mas já õ chefe do gabinete lhe disse aqui que recaia sobre os ministros a responsabilidade dos actos do poder moderador. Em segundo logar s. exa. disse que era demasiado obscuro para que se pensasse que a sua nomeação para os conselhos da corôa constituisse uma offensa á Inglaterra.

Acrescentou mais - que nós eramos uma nação livre e independente, e podiamos, por consequencia, no exercicio da nossa autonomia, nomear os ministros que quizessemos e entendessemos.

Mas, tomando nota da sua modestia, nada d'isto tem que ver com o que se lhe pergunta.

A questão é diversa. A questão é se convem ao paiz que um ministro, que o governa, professe opiniões adversas aos seus mais relevantes interesses. A esse respeito, s. exa. não nos diz cousa alguma que nos esclareça.

Não posso deixar de alludir ao conselho de ser discreto e reservado, que aqui foi dado ao sr. ministro.

Confesso que não comprehendo como já agora s. ex.apóde ser discreto e reservado.

Acaso será discrição vir elle dizer-nos que entende que é prejudicial uma alliança tão antiga, tão proficua, e que tem o assentimento do paiz, e em não nos apresentar as rasões que fundamentem esta estravagante asserção?

Não é possivel imaginar para esta camara uma situação mais absurda do que esta que resulta da obediencia a taes conselhos.

Pois que? Ha de um homem da posição de s. exa. assumir um nome esdruxulo que provoque a attenção publica, e sob esse veu transparente que não é destinado senão a irritar a curiosidade e que a vista de toda a gente póde penetrar, ha de um homem publico, digo eu, propagar assim doutrinas nocivas ao bem do seu paiz, e não ter d'ellas responsabilidade? E quando por esta fórma adquiriu nomeada, e andou na bôca dos homens, e grangeou creditos de extraordinaria perspicacia, e attingiu o cume d'aquella justa ambição de que s. exa. se confessou dominado, não ha de esse ministro defender as suas opiniões? E opiniões que elle está na situação de converter em resoluções que influam sobre os destinos do paiz?

Desenganemo-nos. Quando um escriptor quer esconder o seu nome, com o nosso livre regimen de imprensa é-lhe isso facilimo.

Mas quando desde logo a ninguem resta a menor duvida sobre a identificação de um pseudonymo, eu estou auctorisado a acreditar que não havia o menor desejo de guardar o incognito.

Acho prepostera a admiração que s. exa. reclamou de nós, por se ter aqui confessado auctor d'aquelles escriptos.

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Havia porventura alguem que tivesse a minima duvida a esse respeito?

Que discrição é logo esta que se recommenda ao sr. ministro e que elle tão affincadamente quer guardar, e tão fóra de tempo?

Com que fim?

Para interesse do paiz?

O maior mal que s. exa. n'este caso podia fazer, já está feito, quando abertamente declara que a alliança com a Inglaterra nos é prejudicial.

Será no interesse da sua propria conservação no poder?

Então que patriotismo era aquelle a que s. exa. entoou os seus cantos lyricos?

O patriotismo do sr. ministro da marinha faz-me então lembrar, e em desfavor de s. exa., o amor que Voltaire tinha pela verdade. Voltaire dizia que era amigo da verdade até ao martyrio exclusivamente.

O sr. ministro é patriota até á perda da cadeira ministerial exclusivamente.

S. s. exa. entende que os laços de antiga amisade que nos unem á Inglaterra são prejudiciaes ao nosso paiz, e do seu dever esclarecer a camara e toda a nação sobre os fundamentos d'esta nova politica que pretende desarrelgar uma affeição tão entranhada e que profunda as suas raizes nas origens da nossa historia.

Sem me querer inculcar por profundo em conhecimentos historicos, eu creio, sr. presidente, que não ha outro exemplo na historia de uma alliança tão antiga, tão firme e tão benefica, como a da nossa alliança com a Inglaterra.

No decurso da nossa vida de nação, observâmos um facto constante. É que todas as vezes que Portugal teve de defender a liberdade d'esta terra, lá estavam a seu lado os inglezes

Devo dizer de passagem que eu não sou tão bronco que imagine que as allianças sejam o esteio da independencia de nenhuma nação.

O alicerce seguro da nossa independencia é a nossa resolução.

É o que o mestre de Aviz, nas palavras do poeta, proclamava aos seus naturaes.

Defendei vossas terras: que a esp'rança
Da liberdade está na vossa lança.

Mas sempre foi taxada de insensata a politica externa que alienava de um paiz as sympathias que lhe podiam ser uteis.

Este é o erro que os francezes exprobram ao regimen imperial.

N'este momento mesmo em que estou fallando o que procuram nações tão poderosas como a Austria a Russia, a propria Inglaterra?

Não é a conciliação das sympathias estrangeiras um dos beneficios que os allemães devem ao seu famigerado chanceller?

E havemos nós ir, com o coração ligeiro do sr. ministro da marinha, repulsar uma alliança que nos foi poderoso auxiliar em todas as crises decisivas que o nosso pequeno paiz teve de atravessar?

Consultemos a historia.

O primeiro grande perigo que ameaçou a nossa nacionalidade, foi nas guerras de D. João I com Castella. Pois já então a Inglaterra nos prestou o auxilio do seu braço.

Em Aljubarrota o grito de guerra era Portugal e S. Jorge.

O mestre de Aviz entendia que nem um santo podia procurar pelas duas partes, apeou Santiago de nosso padroeiro, e confiou-se d'aquelle que era invocado pelos besteiros inglezes que militavam na ala esquerda da sua hoste n'aquella memoravel jornada.

Depois da restauração de 1640 encontrâmos o mesmo auxilio.

Na batalha do Montes Claros, a que decidiu esta luta. de vinte e sete annos, lá se achava, sob as ordens do general Schomberg, um valente corpo de soldados britannicos.

Aos esforços da Inglaterra foi que se deveu, por fim a paz.

Assim está solemnemente reconhecido um tratado que se fez com a Hespanha. A Inglaterra recusou-se sempre a entrar em todas as negociações que a Hespanha lhe offerecia quando ahi se não consignasse como artigo fundamental a independencia de Portugal.

Não são successos reconditos que eu estou narrando á camara. São factos elementares da nossa historia, que ella conhece melhor do que eu. Mas, agora que elles parecem consignados ao esquecimento, não é sem preço traze-los á memoria do sr. ministro da marinha.

Se, 38 annos depois da paz de 1668, um exercito portuguez entrava em Madrid, vingando assim uma exigua parte das miserias que padecemos sob o dominio castelhano, quem nos ajudou a infligir esta retaliação? Que exercito estava ao lado do exercito do marquez das Minas?

No meiado do seculo passado, Luiz XV concluio com a Hespanha o celebre pacto de familia, pelo qual com a maior semcerimonia era concedido á Hespanha o senhorio da nossa patria, d'esta nossa patria que um orador popular do vizinho reino dizia o outro dia no congresso que era a carne da carne de Hespanha. Immediatamente a Inglaterra nos enviou um corpo auxiliar de 8:000 homens. E quem pedio este auxilio? O marquez de Pombal que evidentemente não tinha nem a penetração nem a dignidade nem a energia do sr. ministro da marinha. Era um pobre homem que não via os perigos que n'este seculo de luz nos são revelados pelos Thomés e Bernabés de Diu e de Carapatão.

No principio d'este seculo outro tratado, o de Fontainebleau. Outra vez era Portugal tratado como roupa de francezes e partilhado com a Hespanha.

Para que hei de eu memorar factos de todos conhecidos, mas que parece haver hoje um empenho em escurecer como se fosse digno de uma nação o desvanecer-se com lisonjerias que ella se tributa a si mesma?

Quem disciplinou e subsidiou as nossas tropas? Quem commandava na Roliça, em Vimieiro, nas cumiadas do Bussaco, nas linhas de Torres Vedras? Quem eram os nossos irmãos de armas? Quem misturou fraternalmente o seu sangue com o nosso?

Eu sei que o nosso paiz foi o campo de batalha que a Inglaterra escolheu para resistir ao despota. Mas porventura não foi por nós solicitada? Não anciava Portugal por, sacudir o jugo do estrangeiro?

Passo em silencio as nossas lutas pela liberdade.

Foi uma guerra fratricida, e esta questão interessa indistinctamente a todos os portuguezes.

Mas quando ha poucos annos uma revolução derrocava a dymnastia do reino visinho, é ou não verdade que o governo inglez, perguntado pelo nosso embaixador, se considerava como seu dever defender-nos em caso de necessidade, declarou terminantemente que reconhecia as obrigações dos tratados? O sr. ministro da marinha parece ignorar estas coisas.

Que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que se senta a seu lado, lhe de as informações de que elle carece.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Peço a palavra.

O Orador: - Não tinha eu pois, sr. presidente, rasão de dizer que não ha na historia outro exemplo de uma amisade tão velha, tão firme, e tão provada?

E tão provada, que logo volvemos os olhos para a Inglaterra, quando um grave perigo nos ameaça?

Não é acertado, sr. presidente, maldizer na bonança o santo com que nos queremos apegar na borrasca.

Que haja por vezes nas nossas relações com a Inglaterra desintelligencias, resfriamento, mutuos queixumes e aggravos, como póde isso deixar de ser?

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Ha de tudo isso muita vez nas mais unidas familias e nas mais sinceras amisades. O amor perennemente inalteravel é para a Arcádia dos poetas.

Mas quero, sr. presidente, que desprezemos a historia, as suas recordações, o seu ensino, os exemplos que nos legaram D. João I, D. João IV, D. Pedro II e o marquez de Pombal.

Pergunto eu: com que outra nação temos nós maior numero de affinidades de todo o genero?

A Inglaterra é, para assim dizer, um paiz nosso limitrophe - nas colonias e pelo mar, porque a Inglaterra é a maior potencia naval e o nosso paiz é uma orla do littoral. Na India, onde ella tem o dominio governativo, temos nós o dominio espiritual do padroado.

Affinidades politicas, porque a nossa constituição e a ingleza são da mesma familia.

Affinidades de vocação, porque Portugal foi sempre um paiz de navegantes, e não tem outro futuro. A Inglaterra tem sido a continuadora da nossa historia nas explorações, nos descobrimentos, no commercio maritimo. E é coincidencia notavel que o principe que revelou a Portugal a sua vocação, e lhe deu um impulso tão obstinado e tão feliz, era filho de uma princeza de Inglaterra - a mulher do Rei de boa memoria, a mãe de Duarte, o eloquente; de Henrique, o navegador; de Pedro, o cavalleiro; de Fernando, o martyr da patria.

E hoje em dia, sr. presidente, quem propala ao mundo os nossos merrtos de descobridores em uma lingua mais conhecida que a nossa?

São ainda os inglezes, escrevendo os feitos de nossos navegantes, como fez o sr. Major, e traduzindo os nossos historiadores e viajantes do seculo XVI, como está fazendo a sociedade Hakluyt.

Afinidades economicas. O valor total da nossa exportação é de 23:000 contos. D'estes, 12:000 vão para a Inglaterra: de maneira que a Inglaterra compra mais dos nossos productos que o resto do mundo inteiro.

Assim, sr. presidente, digam o que disserem quantos Thomés ha em Diu e em,toda a India, o mais simples criterio nos ensina que devemos continuar a estreitar cada vez mais os laços que ha tantos seculos nos prendem áquelle paiz. E tudo quanto seja em contrario, é renegar da nossa historia, apagar as recordações de uma confraternidade gloriosa, contradizer as sentimentos do nosso povo, que tributa aos filhos d'aquella nação maior consideração que a nenhum outro estrangeiro, e, finalmente, prejudicar gravemente os nossos interesses politicos e materiaes.

Assim o entendia o philosopho, o historiador, o homem de bem, cuja morte ainda ha pouco o paiz chorava como uma calamidade nacional.

A camara me agradecerá o rocordar-lhe eu as eloquentes palavras do sr. Alexandre Herculano.

"A alliança sincera de Portugal com a patria de Nelson e de Wellington é indestructivel. porque procede não só das tradições historicas e da analogia de instituições politicas, inas tambem da força das circumstancias actuaes.

"A origem d'essa intima alliança tem a sua data escripta no mais grandioso monumento do paiz. A Batalha recorda-nos que ha um pacto perpetuo assellado com sangue entre Portugal e a Inglaterra. Quando o povo portuguez deixar de ser o irmão e o amigo do povo inglez, tem que derribar primeiro o templo de Santa Maria da Victoria, e de lá, decima das ruinas, sobre os ossos de D. João I, o arauto da discordia tem a annunciar ao mundo que esse velho pacto expirou. Ha perto de quatro seculos, nos campos de Aljubarrota e em frente dos esquadrões francezes e castelhanos, a invencivel infanteria ingleza jurava com os cavalleiros portuguezes que esta terra seria livre, e uns e outros cumpriam heroicamente o seu voto."

Este é o pensar do sabio a respeito da nossa alliança com a Inglaterra a quem elle, em outra parte do mesmo escripto, chama "a civilisadora do mundo, esse paiz modelo, essa terra da nobre raça anglo-saxonia, defensora natural dos povos livres menos poderosos."

E o nome d'este pensador traz-me á memoria um outro que andará indissoluvelmente associado ao seu, o de um poeta a quem, nos dominios da imaginação, as lettras patrias devem igual quinhão de reconhecimento.

No seu poema Camões Almeida Garret dirige á Inglaterra uma saudação affeetuosa, que será applaudida por quantos conhecem aquella grande e nobre nação.

Patria da lei, senhora da justiça,
Couto da foragida liberdade,
Salve, Britannia, salve flor dos mares,
Minha terra hospedeira, eu te saudo!

O. sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Sr. presidente, v. exa. e a camara não estranharão de certo o ter eu pedido a palavra na questão especial, a que acaba de referir-se o digno par, tanto mais que s. exa. se dignou honrar-me appellando para o meu testemunho sobre essa mesma questão.

O assumpto em que fallou o digno par, tem toda a importancia que não póde deixar de dar-se a uma questão internacional, e o governo não póde em assumptos d'esta natureza ter senão uma opinião, não póde haver divergencias entre os ministros, e a opinião d'estes deve ser e é perfeitamente conforme; por consequencia as opiniões, quaesquer que ellas fossem, que em qualquer eseripto um dos actuaes membros do gabinete houvesse manifestado, quando não tinha a attender senão á sua responsabilidade pessoal, nada tem com as opiniões e os procedimentos, do governo.

N'uma discussão da imprensa os assumptos podem considerar-se sob um ponto de vista exclusivo e restricto; mas o governo é que tem de ter em conta os assumptos graves sob todos os seus aspectos, em todas as suas relações: não póde preuccupar-se unicamente de um interesse restricto e exclusivo, mas deve preoccupar-se com o interesse geral do estado, que é complexo, e até modifica essencialmente o aspecto das questões.

Citar as opiniões ou antes as impressões de um escriptor para d'ellas deduzir quaes as opiniões do ministro, é desconhecer inteiramente como varia uma posição e a responsabilidade de um homem publico, segundo a sua situação, situação que lhe impõe deveres e que o obriga a apreciar as questões nas suas mais largas relações.

Sr. presidente, o digno par fallou com o enthusiasmo que lhe é proprio, com o calor que lhe é habitual, sobre patriotismo, e disse que não sabia bem o que era... patriotismo.

Eu vou a tal respeito, sr. presidente, dizer a minha opinião.

Ter patriotismo é não prejudicar nunca os interesses da patria: é não tentar pertubar-lhe as boas relações com as nações estrangeiras para satisfazer um sentimento politico de momento, e de muito secundaria importancia.

Ainda ha pouco um dos primeiros homens politicos da Europa, o principe de Bismark, tratando-se de uma questão relativa aos ordenados dos agentes diplomaticos da Allemanha, disse - "Aqui regateia-se esta questão, aprendam com a França o que é ter patriotismo."

Quando se trata de uma questão internacional, não se levantam ali discussões no parlamento, que podem ter consequencias funestas para a dignidade da nação, nem se suscitam difficuldades ao governo.

São estes proximamente os termos justos e verdadeiramente patrioticos em que se exprimiu o grande chanceller do imperio allemão.

Ora, sr. presidente, como se trata de uma questão internacional, como é esta grave questão das nossas allianças, permitta-me o digno par que lhe lembre o conselho de um dos, primeiros politicos do mundo.

Citar a historia para mostrar as nossas velhas relações

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com a Inglaterra, e a natureza cordial e a antiguidade d'essas relações, é confirmar uma verdade que me parece não carecer de confirmação, por ser bem conhecida e bem apreciada de todos.

Assusta-se o digno par com o receio de que a entrada do sr. Thomás Ribeiro para o ministerio possa ter desgostado a Inglaterra.

Sr. presidente, a Inglaterra é um paiz essencialmente liberal e parlamentar; e sabe perfeitamente que as nações nada têem com a constituição dos governos das outras nações, mas tão sómente com a marcha politica que os governos seguem nas suas relações internacionaes.

Ora a alliança de Portugal com a Inglaterra não corre risco algum com o actual governo.

Sempre temos vivido e viveremos, se Deus permittir, na maior e mais perfeita harmonia.

A Inglaterra não é um paiz que se perturbe, como o digno par, por factos que não teeni gravidade nenhuma,, ella não se resentiu de certo por ver subir ao poder um homem que ganhou a pasta de ministro no parlamento. (Apoiados.)

A Inglaterra é um paiz essencialmente liberal, e comprehende perfeitamente o systema da discussão, a constituição parlamentar do governo, e por isso não se importa com a maneira por que se constituiu o gabinete portuguez.

Fique descansado o digno par; o que a Inglaterra deseja, como nós desejâmos, é manter boas relações com Portugal, e sendo estas ao presente as mais cordiaes, como ha pouco disse e agora repito, a Inglaterra nada tem com as individualidades dos ministros.

O sr. Thomás Ribeiro no seu pseudonimo authentico, como disse o digno par, escreveu algumas reflexões sobre factos que podiam dar-se nas nossas colonias vizinhas das colonias inglezas; as phrases d'esse escripto, porém, não eram outra cousa mais do que a expressão do receio patriotico que s. exa. tinha de que aquelles factos redundassem em prejuizo para nós.

Mas esses mesmos receios não podem nem devem, tenho essa convicção, ter logar, por isso que a Inglaterra reprova muitas vezes (quando d'isso tem conhecimento) os factos que se dão nas suas colonias que nos possam prejudicar. Pois, desapprovando a propria opinião ingleza esses factos, quando se dão, por que rasão nos havemos nós de calar?

Por que rasão devemos julgar muito bom o que a esclarecida opinião da Inglaterra e dos seus mais eminentes homens de estado confessa ser muito mau?

Não me parece, sr. presidente, que haja o menor inconveniente em nos queixarmos quando nos advem prejuizos, nem me parece porém tão pouco que seja necessario para constituir governo no nosso paiz ir consultar a Inglaterra; (Apoiados.) assim como o não precisâmos fazer para exprimirmos na imprensa, que é tão livre como é livre a imprensa ingleza, quaes são as nossas opiniões sobre qualquer assumpto da publica administração. (Apoiados.)

Não é, pois, de um paiz livre, como nós o somos, que devemos receiar malquerença por manifestarmos as nossas queixas. Pois no tempo do marquez de Pombal não havia tambem queixas contra a Inglaterra? Produziram ellas conflictos? Não.

O digno par póde estar descansado que não temos tido conflictos nem os havemos de ter, as nossas relações são cordiaes e o mais satisfactorias; as minhas proprias relações com o dignissimo e esclarecido ministro de Inglaterra em Lisboa não podem ser melhores.

Mas, como disse, no tempo do marquez de Pombal houve queixas. Se o digno par visse os despachos do tempo do marquez do Pombal, s. exa. comprehenderia que não tem rasoes para actualmente se deixar tomar de tamanhos sustos.

Sabe o digno par o que dizia o marquez de Pombal ao ministro de Inglaterra, queixando-se de varios successos, quando o ministro se admirava das nossas queixas? O marquez de Pombal dizia: "As nossas ligações com a Inglaterra?ão de tal modo intimas que somos como marido e mulher, que dentro da familia podem ter pequenas disputas, sem que por isso se cortem as relações; e se alguem de fóra lhes vem perturbar a paz domestica, logo se juntam para se defender".

E mais de uma vez, depois de grandes queixas, ácerca do commercio dos vinhos, por exemplo, a Inglaterra nos estendia braços amigos, e as relações
estreitavam-se cada vez mais; sempre assim se entendeu e se entenderá a nossa alliança com a Inglaterra, emquanto formos paiz livre, onde governa a opinião. (Apoiados.)

Queixemo-nos embora de um ou outro facto da Inglaterra, sem que n'isso haja offensa; quando tivermos rasão será ella a primeira a dar-nol-a. Tambem não ignora o digno par a maneira como se havia no que toca ás nossas relações com a Inglaterra o sr. conde de Lavradio; aquelle cavalheiro que era recebido com tanta benignidade pela propria soberana da Gran-Bretanha, a virtuosa Rainha
Victoria.

Não deixava o conde de Lavradio de se queixar quando tinhamos motivo para isso; e se o digno par lesse os despachos d'elle veria que não eram sempre muito affaveis.

Entretanto os ministros inglezes entendiam que isso não impedia de continuarem as relações dos dois paizes.

Podemos queixar-nos, repito, mas isso não impede que as nossas relações com a Inglaterra se mantenham inalteraveis.

Pedi a palavra, sr. presidente, para socegar o animo do digno par, que suppunha estarmos em risco de quebrar a nossa alliança com a Inglaterra. Enganou-se s. exa. a tal respeito. A opinião do governo é que a nossa alliança com aquella nação deve manter-se e estreitar-se cada vez rnais. É uma alliança tradicional ssmpre inalteravel, e que é no reciproco interesse das duas nações. As cousas estão hoje por tal fórma dispostas, que me parece não haver motivo para que mesmo uma sombra de dissidencia possa levantar-se nas relações do governo portuguez com o governo da Gran-Bretanha. (Apoiados.)

O sr. Marquez de Vallada: - Quando apresentei a minha moção relativamente aos negocios do ultramar, o sr. ministro da marinha ouvindo as palavras que eu então proferi, quando disse que ella não tinha caracter algum de aggressão ou censura a s. exa., mas que era apenas a expressão de um desejo ou antes de esperança de que s. exa. houvesse de tomar medidas convenientes para regenerar as nossas colonias, o sr. ministro, digo, pareceu-me duvidar nessa occasião da sinceridade das minhas palavras, acreditando talvez que eu apresentava uma censura encapotada n'aquella minha moção. Pois, se assim julgou, não julgou bem, e tanto que desejo retirar a moção, porque consegui completamente o meu fim.

Fui o primeiro a chamar a attenção do illustre ministro para a questão do ultramar, ou antes colonial, questão importantissima e momentosa; s. exa. comprometteu-se a apresentar na proxima sessão legislativa algumas medidas para melhorar a situação das nossas possessões ultramarinas, e não é tal a minha soffreguidão que venha aqui exigir providencias rapidas e impensadas com relação a essas possessões; portanto o meu fim está conseguido.

Sr. presidente, hoje descreio muito das moções, porque mais tarde os factos vem provar que ellas não exprimem o que parecem exprimir, e como eu costumo dar verdadeiro sentido ás minhas palavras, não desejo que se interpretem de modo a dar-lhes significação diversa d'aquella que realmente têem.

Seria triste tarefa seguramente, querer eu dirigir uma moção de censura ao sr. ministro da marinha, seria emprehendimento esteril um similhante proposito, e por consequencia completamente inutil procurar levar a camara a votar uma censura a s, exa., como foi votada na outra

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camara ao nosso illustre presidente, quando estava á frente da administração do paiz. Não costumo proceder de similhante modo. Digo o que faço, e faço o que digo. Não voto censuras, para mais tarde fazer elogios.

Mas, torno a dizer, a minha idéa não era censurar o governo ou o sr. ministro da marinha, como s. exa. entendeu; e é notavel que, ao passo que o illustre ministro via na minha moção uma censura, um digno par encontrava n'ella a significação de uma esperança demasiada da minha parte na iniciativa do actual ministerio.

O que é certo, porém, é que não tive outro pensamento senão o de chamar a attenção do governo sobre os negocios coloniaes, e realisado esse pensamento, conseguido o meu fim, não me resta mais que pedir a v. exa. queira consultar a camara se permitte retirar eu a minha moção dita de censura. Mas retirando-a, não quero significar com isso que retiro os desejos de que o illustre ministro na sua passagem pelo poder, passagem que espero será longa, deixe de si monumento duradouro da sua iniciativa, da sua boa vontade e do seu patriotismo.

(O orador não reviu as notas ao seu discurso.)

O sr. Presidente: - O digno par o sr. marquez de Vallada tinha mandado para a mesa a seguinte moção:

(Leu.)

Esta moção foi admittida e entrou em discussão com a materia principal. Agora o digno par auctor da moção pede para a retirar. Os dignos pares, que approvam que o sr. marquez de Vallada retire a sua moção, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Ministro da Marinha (Thomás Ribeiro): - Sr. presidente, eu não exprimi opinião alguma sobre a moção mandada para a mesa pelo digno par, o sr. marquez de Vallada, e contentei-me, quando s. exa. pediu, em um aparte, a minha opinião, em guardar silencio, porque esperava occasião opportuna para dizer o que me parecesse conveniente.

Não creio que a moção de s. exa. trouxesse o intuito de lançar sobre mim uma censura, porque eu tinha sido tão explicito para com a camara dos dignos pares, tinha dito tão francamente qual era a minha opinião, e quaes as reformas que desejava apresentar num proximo futuro, que me parecia escusado chamar a auctoridade da camara para me obrigar áquillo que, pela deferencia e amizade que devo ao sr. marquez de Vallada, e aos outros dignos pares que usaram da palavra, eu já tinha promettido; entretanto, aguardava as declarações d'aquelles que tivessem de votar a moção, para, conforme o modo, mais ou menos acrimonioso, por que ella fosse encarada, então emittir a minha opinião.

Dada esta brevissima explicação do motivo que me levou a não dar logo a minha opinião, e pedindo desculpa d'esta reserva, nada mais tenho a accrescentar.

O sr. Barros e Sá: - Eu tinha pedido a palavra para mandar para a mesa uma proposta, que importava uma substituição da moção apresentada pelo digno par, sr. marquez de Vallada; como, porém, s. exa. a retirou, nada tenho a substituir, e abstenho-me de entrar na materia da interpellação, com quanto fosse chamado directamente, por s. exa., a tomar parte n'esta discussão.

Tambem me parece que devia fazer algumas observações ao discurso do sr. marquez de Sabugosa, mas reservo-me para quando se tratar de algum negocio que diga respeito ao ultramar, porque essa será a occasião mais propria.

Aproveito a occasião, já que estou usando da palavra, para mandar para a mesa um parecer da comniissão dos negocios do ultramar sobre o projecto que manda applicar o codigo de justiça militar á provincia de Cabo Verde.

Leu-se na mesa, e foi a imprimir.

O sr. Conde de Bomfim: - Sr. presidente, pedi a palavra para participar que não tenho comparecido ás sessões por incommodo de saude.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, ainda que o sr. ministro dos negocios estrangeiros me desfez objecções que eu não apresentei e me attribuiu argumentos que eu não produzi, estas considerações pessoaes não têem a menor importancia, e eu tenho muito prazer em declarar que a resposta de s. exa. foi de todo o ponto satisfactoria.

O meu intento não era collocar o sr. ministro da marinha em uma posição embaraçosa, mas fazer notorio que as idéas contrarias á nossa intima confraternidade com a Inglaterra não têem o assentimento do paiz, nem o assentimento d'esta camara, nem o assentimento do governo.

O meu fim está cumprido.

O sr. Presidente: - Está terminada a interpellação do sr. marquez de Vallada ao sr. ministro da marinha.

Agora devia começar a discussão do parecer n.° 270, sobre o projecto que diz respeito á reforma d'esta camara; mas, como não se acha presente o sr. presidente do conselho, que foi á outra casa do parlamento assistir a uma discussão, que exige a sua presença, e s. exa. deseja assistir a esta discussão, passaremos a discutir o parecer n.° 271.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Parecer n.° 271

Senhores. - As vossas commissões de fazenda e obras publicas reunidas examinaram, com a attenção que lhes merecia o assumpto, o projecto de lei
n.° 272, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por objecto a construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

A auctorisação para a construcção d'este caminho de ferro já foi concedida pelas duas casas do parlamento e convertida em lei. Esta lei auctorisava o governo a adjudicar por meio de subvenção kilometrica a construcção do caminho de ferro e a sua exploração durante um periodo determinado.

É certo, porém, que em dois concursos abertos para este fim, não se apresentaram propostas que ao governo parecessem vantajosas, em vista do custo kilometrico dado pelo orçamento e do rendimento provavel da exploração.

No projecto de lei hoje submettido á vossa approvação, pede o governo para ser auctorisado a mais uma vez, e só uma, pôr a concurso a construcção do caminho de ferro, e caso não se apresentem propostas, ou não serem julgadas vantajosas as que se apresentarem, a mandar proceder á sua construcção por conta do estado.

O projecto está modificado emquanto á directriz a seguir. O ponto de partida adoptado é a Pampilhosa, no caminho de ferro do norte, e segue depois o traçado pelas proximidades de Santa Comba Dão até á fronteira de Hespanha em Villar Formoso, ligando-se com a linha hespanhola de Salamanca á fronteira de França.

O outro projecto approvado pela camara tinha Coimbra para ponto de partida, e seguia pelo Valle do Mondego até Santa Comba Dão, com um custo kilometrico mais elevado, com mais alguns kilometros de extensão, com curvas mais apertadas e de uma construcção mais demorada do que o traçado da Pampilhosa.

Pelo ramal da actual estacão de Coimbra, no caminho de ferro do norte, ao interior da cidade e margem do Mondego, se attende ao commercio e eormnodidades d'aquella importante povoação e ao progresso e desenvolvimento das povoações marginaes ao Mondego, principalmente da Figueira, cuja barra verá augmentar o seu trafico, pela communicação do caminho de ferro com o rio.

Parece á primeira vista que o concurso será uma formalidade dispensavel, visto que as duas tentativas feitas n'esse sentido não deram resultado vantajoso. Devemos, porém, notar agora circumstancias que aconselham a que mais uma vez se tente este modo de construcção.

A rectificação do orçamento pelos dois distinctos engenheiros Matos e Eça, servindo-se para isso dos actuaes preços de construcção dos cannnhos de ferro do Minho e Douro, é uma base mais segura para as companhias poderem fazer

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os seus calculos, e não ha rasão para se dizer que a construcção deve ficar mais cara do que o que indica o orçamento rectificado.

A certeza que os concorrentes agora têem do que, não propondo um preço rasoavel e que offereça decididas vantagens ao governo, este mandará proceder á construcção por conta do estado, caso que não se dava nos dois primeiros concursos, pois que o governo não tinha auctorisação senão para construir por adjudicação, é uma circumstancia muito attendivel a favor do novo concurso.

Demais, foi concedida ao governo de Hespanha auctorisação para contratar a construcção e exploração da linha ferrea que, partindo de Salamanca, venha ligar com a linha da Beira Alta, no ponto da fronteira, escolhido, de accordo com os delegados do nosso governo, o que é uma garantia segura de um rendimento immediato para a exploração.

Em virtude das informações apresentadas com a proposta do governo e que estão de accordo com os fretes de outras construcções analogas, era virtude do rendimento que podemos e devemos prever para esta linha, vê-se que, da construcção por conta do estado, não devem resultar maiores encargos para a fazenda do que da construção por meio de subvenção. Isto porém depende do quantum de subvenção que as companhias pedirem, e é n'esta conformidade que pelo artigo 6.° é o governo auctorisado a construir por conta do estado, caso não appareca proposta acceitavel.

Entendem as vossas conimissões que não se póde por mais tempo adiar a realisação de um tão melhoramento material para o paiz, como é a construcção do caminho de ferro da Beira Alta. É elle de ha muito tempo reclamado pelas condições especiaes de população, commercio, industria e riqueza agricola dos districtos que atravessa. E a necessidade de nos ligarmos mais rapida e directamente com o centro da Europa está constantemente pedindo a execução d'esta linha que nos encurta 464 kilometros no actual percurso de Lisboa a França, e que é uma verdadeira linha internacional.

Em vista d'esta considerações e de muitars outras que seria superfluo enumerar, são as vossas commissões de fazenda e obras publicas de parecer que deve ser approvado o projecto de lei n.° 272.

Sala da commissão, 8 de março de 1878. = Mirquez de Ficalho = Conde do Casal Ribeiro = A. Barros e Sá = Marina João Franzini = Augusto Xavier Palmeirim = Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho = Jayme Larcher = Visconde da Praia Grande = Visconde de Villa Maior = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Carlos Maria Eugenio de Almeida = D. Affonso de Serpa Leitão Freire Pimentel, relator = Tem voto do digno par, Antonio Paiva Pereira da Silva.

Projecto de lei n.° 272

Artigo 1.° É o governo auctorisado, precedendo concurso de sessenta dias, a adjudicar em hasta publica, na fórma estabelecida no artigo 3.° da carta de lei de 26 de janeiro de 1876:

1.° A construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta, o qual, partindo de Pampilbosa na linha do norte, siga por Santa Comba Dão ou suas proximidades e termine na fronteira de Hespanha, ligando-se ao caminho de Salamanca;

2.° A continuação do caminho de ferro desde a actual estação de Coimbra até ao interior da cidade, e a construcção no local que for julgado mais conveniente de uma estação para passageiros e mercadorias.

§ 1.° O programma do concurso, será feito comforme as disposições d'esta lei.

§ 2.° A base da licitação será o quantum da subvenção kilometrica que o estado deve pagar, sendo preferido na adjudicação o licitante que menor subsidio pedir.

§ 3.° Nenhum lieitante será admittido a concurso sem ter previamente depositado a quantia de 135:000$000 réis ou o valor correspondente em titulos de divida fundada portugueza de 3 por cento, segundo o seu vaior no mercado.

Art. 2.° No programma que o governo publicar para a licitação publica, o praso marcado para a construcção não poderá exceder o periodo do quatro annos. Os trabalhos da construcção devem começar no praso de tres mezes.

Tortos estes prasos serão contados e começarão a correr da data do respectivo contrato.

Art. 3.° O deposito definitivo na adjudicação do caminho de ferro da Beira Alta será de 270:000$000 réis, ou respectivamente o valor correspondente em titulos de divida fundada, segundo o seu valor no mercado.

§ unico. No levantamento d'este deposito se observarão as regras estabelecidas no contrato approvado pela lei de o de maio de 1860.

Art. 4.° Se a empreza a quem for adjudicada a construcção e exploração do caminho de ferro tia Beira Alta, se constituir em sociedade anonyma, ficam os seus estatutos dependentes da approvação do governo, sem embarco da lei de 22 de junho de 1867.

Art. 5.° O governo não é obrigado a fazer a adjudicação, quando julgar que é prejudicial aos interesses publicos o do thesouro a proposta de menor subvenção das que forem feitas no respectivo concurso.

Art. 6.° Se no concurso não houver licitantes, ou não houver proposta acceitavel, é o governo auctorisado a construir e explorar por conta do estado, nos termos d'esta lei, e caminho de ferro da Beira Alta.

Art. 7.° As condições de construcção e exploração da linha da Beira Alta serão as mesmas que foram estipuladas no contrato approvado pela lei de 5 de maio de 1860, exceptuando aquellas que devem ser modificadas, substituidas ou additadas em virtude dos preceitos d'esta lei.

§ 1.° Este caminho será construido com leito e obras de arte para uma só via, excepto as estações.

§ 2.° Os carris empregados serão de aço e o seu peso não poderá ser inferior a 30 kilogrammas por metro corrente.

§ 3.° A construcção d'este caminho deve terminar no periodo maximo de quatro annos contados do começo dos trabalhos; e estes devera, começar dentro de tres mezes, contados da data em que findar o praso do concurso, no caso de não haver licitante, ou não haver proposta que o governo acceite.

Art. 8.° O governo, explorando por conta do estado, fixará opportunamente os preços da conducção de passageiros, gados e mercadorias, contanto que não excedam os mareados nas tarifas geraes do caminho de ferro do Minho e Douro.

Art. 9.° É o governo auctorisado a crear e emittir os titulos necessarios para o pagamento da subvenção ou para a construccão por conta do estado, das linhas de que trata a presente lei.

§ 1.° Estes titulos serão amortisaveis dentro de um periodo que não exceda cincocnta e seis annos, não podendo o encargo do juro e arnortisação ser superior a 7 por cento da subvanção concedidr, ou do custo das obras, se estas forem construidas por conta do estado.

§ 2.° O governo fará inserir annualmente no orçamento do estado os encargos dos titulos que tiver emittido.

Art. 10.° Não pagarão direitos nas alfandegas os materiaes, machinas e instrumentos importados para a construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta, e do ramal e estação do Coimbra.

§ Unico. No caso de ser construido e explorado por adjudicação, regerá sobre isenção de direitos a lei de 5 de maio de 1860.

Art. 11.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações concedidas n'esta lei.

Art. 12.° Fica revogada a legislação em contrario e de-

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signadamente a lei de 26 de janeiro de 1876, na parte que se refere ao caminho de ferro da Beira Alta.

Palacio das côrtes, em 26 de fevereiro de 1878. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido- da Monta e Vasconcellos, deputado secretario = Barão de Ferreira dos Santos, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade.

O sr. Carlos Bento: - Não pedi a palavra para impugnar o parecer, nem para apresentar qualquer emenda a algum dos seus artigos; mas unicamente para dizer ao sr. ministro das obras publicas os motivos, porque ha dias mandei para a mesa uma proposta, para se nomear uma commissão central de viação, que podesse auxiliar o governo na resolução dos negocios importantes, e muito principalmente dos que se refiram a caminhos de ferro.

Eu bem sei que ha uma corporação encarregada mais especialmente d'essa resolução, e que esse corpo é muito habilitado; mas não existe como em França uma commissão central encarregada de dar a sua opinião sobre tudo que respeita a caminhos de ferro; e lá o actual ministro não tem senão que concordar ou não concordar com essa commissão, chamada conselho superior de obras publicas, que antecipadamente se pronuncia pela directriz que tem de seguir a via ferrea cuja construcção se propõe, o que, sobretudo n'um caso analogo a este, em que ha a alternativa do caminho se construir por conta do estado ou ser adjudicado a uma companhia, dá garantias tanto ás companhias como ao estado; porque as companhias, quando têem de proceder a estudos, não o podem fazer sem entrarem em despezas preliminares e por conseguinte sempre têem que exigir algumas garantias; e no caso de ser o governo que proceda á construcção, nunca póde dispor de perfeita liberdade de acção, porque tem que resistir aos diversos interesses particulares de individuos ou de localidades, que todos exigem que o caminho passe ou por este oupor aquelle ponto que mais lhes convém.

Eu peço desculpa de tomar tempo á camara com estas minhas observações, mas se as fiz foi por entender que na occasião, em que a associação dos engenheiros civis está a discutir qual é a melhor rede de caminhos de ferro, não devemos ser nós que vamos discutir qual a directriz que se deva dar a este, nem mesmo o governo deve tomar o encargo de se pronunciar a esse respeito.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): - Creio que a indicação feita pelo digno par, o sr. Carlos Bento, tem, para assim dizer, um fim duplo.

O primeiro intuito de s. exa. é que o governo se habilite com o estudo, tão perfeito quanto possivel, das condições em que deverá acceitar alguma das propostas offerecidas na conformidade do concurso a que se proceder para a construcção do caminho de ferro da. Beira Alta, de maneira que a sua resolução seja, debaixo de todos os pontos de vista, a mais conveniente ao interesse geral do paiz.

S. exa. comprehende bem que eu, ou qualquer outro ministro das obras publicas, não podia deixar de me associar inteiramente a esse pensamento, no sentido de procurar sempre, por todos os meios ao meu alcance, formar uma opinião bastante elucidada, bastante segura, sobre este, sobre todos os assumptos de manifesta utilidade publica.

Parece-me ser este o primeiro intuito das considerações que o digno par apresentou, e, como digo, não posso deixar de lhe prestar toda a minha adhesão, porque, no fim de contas, traduz um pensamento que desde muito tempo ha sido a minha norma, e a que hei de subordinar as minhas resoluções como ministro da corôa, em quanto gosar d'essa honra.

O outro intuito parece-me tender a habilitar o governo, quanto ao modo, plano ou systema por que a viação publica, e especialmente a accelerada, deve ser projectada e executada dentro do nosso paiz.

Não creio, como o digno par não crê, de modo algum conveniente que a fixação das linhas e directrizes que hão de constituir a nossa rede accelerada, ou sejam de primeira ordem ou de viação complementar, deva estar subordinada á inspiração fortuita, isolada, e até certo ponto filha de interesses que não representam o interesse geral, mas andam ligados á iniciativa particular.

Julgo absolutamente indispensavel fixar de uma maneira categorica, segura e procedente de um aturado estudo, o systema ou plano de vias que devemos construir, e a fórma por que devemos proceder a essa construcção.

Eu já, na camara dos senhores deputados, tomei de certo modo o compromisso de apresentar na proxima sessão legislativa, se tiver ainda a honra de ser ministro, um trabalho n'este sentido, trabalho a que procurarei dar toda a perfeição possivel, não contando só com os meus recursos, mas com o auxilio, concurso e subsidio de todos os homens competentes para avaliarem esta questão. E quando digo competentes, não julgue s. exa., não julgue a camara, que me limito exclusivamente aos homens da profissão, aos technicos; eu entendo que a competencia para tratar d'esta questão não está só nos engenheiros, está igualmente nos homens de amplos conhecimentos, que possuem largas informações estatisticas, e portanto habilitados a conhecerem bem os assumptos economicos, porque, no fim de contas, os caminhos de ferro não são mais do que um elemento poderosissimo de desenvolver a riqueza. Associo-me, pois, ao pensamento do digno par, debaixo d'este ponto de vista: em primeiro logar, de que o governo procurará por todos os meios ao seu alcance formar opinião segura sobre quaesquer propostas que se apresentem no concurso para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta; em segundo logar, procurará tambem cercar-se das pessoas competentes e ouvir todos os homens illustrados que possam dar parecer sobre esta questão muito importante e muito urgente, e que eu, quanto em mim couber, tratarei de encaminhar para uma solução.

Creio que s. exa. ficará satisfeito com estas explicações, que significam sinceramente o meu modo de pensar e as minhas intenções com relação á questão.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, eu tinha que dizer algumas palavras ácerca d'este projecto, que não julgava que entrasse hoje em discussão, não tendo feito por consequencia um estudo particular sobre elle; entretanto ha n'elle dois artigos a respeito dos quaes não posso deixar de exprimir a minha opinião, porque discordo completamente das suas disposições.

O artigo 6.° diz o seguinte:

"Se no concurso não houver licitantes, ou não houver proposta aceitavel, é o governo auctorisado a construir e explorar por conta do estado, nos termos d'esta lei, o caminho de ferro da Beira Alta."

Eu tenho muito receio d'estes contratos, a que se refere o artigo 6.°, porque me fazem lembrar o que aconteceu a respeito da penitenciaria, de funesta recordação, e por isso não posso conformar-me com a sua doutrina.

Sr. presidente, talvez fosse mais conforme com as praxes deixar correr a discussão, e pedir a palavra quando se tratasse de discutir na especialidade os artigos do projecto; mas como eu não queira demorar-me em emittir a minha opinião, eis porque, talvez com alguma irregularidade, me apressei a expor á camara as observações que tenho a fazer contra as disposições dos artigos 6.° e 10.° do projecto.

Este ultimo artigo, que eu tambem não posso approvar, diz:

"Não pagarão direitos nas alfandegas os materiaes, machinas e instrumentos importados para a construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta, e do ramal e estação de Coimbra."

Eu não posso conformar-me com esta excepção de modo algum. Dir-se-ha que d'esta fórma sairá mais barato o ca-

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126 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

minho de ferro; eu entendo, pelo contrario, que pagando os direitos respectivos os objectos, que vierem para o caminho de ferro, ficará elle muito mais barato, pelos impostos que o governo haja de receber.

É preciso evitar tudo quanto possa dar occasião a qualquer traficancia em despachar, isentos de direitos, objectos que, não teem applicação ao caminho de ferro.

Á vista d'isto não posso approvar estes dois artigos; do primeiro receio sempre os contratos do estado com os particulares para obras publicas, e do segundo temo as rasões que acima apontei.

Isto, sr. presidente, fez que eu, independentemente das considerações que expuz, ácerca da maneira inesperada como se apresentou o projecto que não tinha sido dado para ordem do dia, dissesse algumas palavras para explicar a minha opinião a respeito d'estas duas disposições que julgo da maior importancia.

O sr. Presidente: - Está acabada a inscripção. Vae votar-se o projecto. Os dignos pares que approvam o projecto de lei n.° 272 na sua generalidade tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Visconde da Praia Grande: - Mando para a mesa dois pareceres, um da commissão de marinha e outro da commissão de fazenda.

Lidos na mesa, mandaram-se imprimir.

O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do projecto na sua especialidade. Vae ler-se o artigo 1.°

O sr. Secretario: - (Leu).

Posto á votação foi approvado sem discussão, bem como todos os outros artigos do projecto.

O sr. Presidente: - Falta só para completar a ordem do dia de hoje a discussão do parecer n.° 270. O sr. presidente do conselho manifestou desejo do assistir a esta discussão, mas s. exa. foi á outra camara e não póde voltar hoje a esta, porque tem ali objectos importantes que exigem a sua presença. Por consequencia, perguntarei á camara se quer que se levante a sessão, não se podendo agora discutir mais cousa alguma. (Apoiados.)

Em vista da manifestação da camara, vou dar a ordem do dia para ámanhã, 19 do corrente, que é a continuação da que estava dada para hoje, isto é, o parecer n.° 270.

Está fechada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 18 de março de 1878

Exmos. srs. Duque d'Avila e de Bolama; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Pombal, de Sabugosa, de Vallada; Condes, das Alcaçovas, dos Arcos, de Cabral, do Farrobo, do Casal Ribeiro, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Linhares, da Louzã, de Paraty, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre; Bispos, de Bragança, do Porto; Viscondes, d'Algés, de Fonte Arcada, dos Olivaes, da Praia Grande, do Seisal, de Soares Franco, de Villa Maior, da Praia, da Silva Carvalho; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Moraes Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira da Silva, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Barreiros, Andrade Corvo, Mártens Ferrão, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Franzini, Menezes Pitta.

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