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M.º 22

SESSÃO DE 3 DE MARÇO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. - Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares, Eduardo Montufar Barreiros, Francisco Simões Margiochi.

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão, antecedente. - Não houve correspondencia. - Approvação unanime da proposta do sr. presidente para que se consignasse na acta a declaração de que a camara dos pares se associa ao voto emittido na camara dos senhores deputados com relação a chegada a Lisboa dos exploradores de África, capitão tenente Capello, e primeiro tenente Ivens.- O sr. ministro da fazenda (Barros Gomes) associa-se, por parte do governo? a esta resolução da camara. - Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.° 23 sobre o projecto que auctorisa é governo a dar por moio de arrematação a cobrança do imposto do real de agua. - Discurso do sr. ministro da fazenda (Barros Gomes).- O sr. visconde de Chancelleiros manda para a mesa uma moção para que se adie o projecto que se discute, e para que este volte á commissão para ser de novo apreciado. - Considerações do digno par Mello Gouveia (relator do projecto).

As duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 24 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda, e entraram durante a sessão os srs. presidente do conselho e ministros do reino e da marinha.)

O sr. Presidente: - Peço á camara que tome na consideração devida a proposta, que vou ter a honra de submetter á sua apreciação.

Leu e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que se lance na acta da nossa sessão de hoje a declaração seguinte:

A camara dos pares associa-se com muita satisfação ao voto emittido na camara dos senhores deputados, com relação á chegada a esta capital dos distinctos exploradores de África, os srs. capitão tenente Capello e primeiro tenente da armada Ivens, que no desempenho dessa difficil commissão deram provas de muita inlelligencia, de muita coragem e de muito patriotismo, e tornaram-se por isso credores dos louvores e das congratulações do paiz. = Duque d'Avila e de Bolama.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que são de. voto que se consigne na acta da sessão de hoje esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada unanimemente.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes):- Pedi a palavra para declarar, em nome do governo, que me associo á manifestação de apreço que a camara dos dignos pares acaba de dar aos ousados exploradores Capello e Ivens.

Foi a Africa theatro das nossas glorias, foi ali que começou o nosso engrandecimento, e é da África que devemos esperar a nossa prosperidade futura. Por isso, aquelles que, com verdadeira coragem e abnegação, procedem como os dois distinctos exploradores, bem merecem da patria.

Nestas circumstancias, o governo faltaria ao seu dever se não se associasse á resolução que a camara dos dignos pares, por proposta do seu illustre presidente, acaba de tomar.

O sr. Rodrigues Sampaio: - O sr. visconde de Seabra encarregou-me de participar a v. exa., e a camara, que não pode comparecer a sessão por incommodo de saude.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota da participação do digno par.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da generalidade do parecer n.º 23

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Sr. presidente, v. exa. e a camara comprehendem bem que o governo, nas circumstancias em que se encontra, tendo diante de si a resolução de um problema difficil, qual é o da organisação das nossas finanças, não póde de modo algum acceitar para qualquer de seus membros um papel que repugna em todos os paizes do mundo, o de obstructor, entidade do parlamento inglez a que hontem alludiu o sr. Fontes.

Portanto, tendo usado já da palavra por duas vezes, e tomado bastante tempo á camara com a apreciação das questões que dizem respeito ao ministerio a meu cargo, faltaria ao que devo, e mostraria desconhecer as necessidades dá situação se prolongasse a discussão muito alem dos limites em que me cumpre manter a resposta, que necessariamente tenho de oppor a certas asserções contidas no discurso que hontem proferiu o sr. Fontes Pereira de Mello. E digo necessariamente porque, nós termos em que a questão foi posta por s. exa., eu faltaria aos deveres mais essenciaes inherentes ao cargo que occupo, se não levantasse bem alto um solemne protesto contra as illações que se podem tirar das palavras pronunciadas pelo digno par.

Em muitos pontos divergem as duas escolas, os dois partidos a que pertencem s. exa. e o governo, escolas e partidos que se teem gladiado nesta casa, que se têem gladiado na arena politica deste paiz, em questões administrativas, economicas e financeiras,

Mais uma vez manifestou hontem o sr. Fontes quaes eram nessas questões as suas tendencias, as suas idéas de governo, contrarias ás da actual situação, declarando ao mesmo tempo que todas essas tendencias, iodas essas idéas, as abraçava e defendia pelo amor ao seu paiz, por suppor que eram as mais conducentes ao progresso e desenvolvimento nacionaes.

Mas s. exa. deve fazer-nos justiça, e acreditar que por nosso lado tambem desejamos o bem do paiz, e que por diverso e bem diverso caminho o nosso objectivo é o mesmo.

Mas, sr. presidente, não é só na maneira de apreciar as questões financeiras e de administração que divergimos; é sobretudo na questão politica que mais se accentua e torna profunda essa nossa divergencia.

Em um pais livre, onde todos amam as instituições e a dynastia, o culto que se lhes tributa não póde nem deve ser considerado apanagio de nenhum partido. (Apoiados.) Esse sentimento está no coração de todos, ou quasi todos, os portuguezes. (Apoiados.) O que apenas poderá succeder é que se comprehenda de modo diverso esse amor pelas instituições. Podem uns entender que uma resistencia obstinada e injustificavel colloca as instituições em mau campo, por mostrar que não querem ou não podem acompanhar a

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progressiva-evolução da sociedade; podem outros julgar, pelo contrario, que o respeito por essas instituições se avi-gora quando ellas conseguem oppor-se ao desenvolvimento desses progressos, nos quaes imaginam ver, na minha opinião falsamente, o germen da sua ruina.

Estas duas escolas teem estado muitas vezes em lucta no nosso paiz, como no resto da Europa, e todos temos visto os resultados que de uma e outra se teem alcançado no sentido de conservar mais alto o nivel politico e de manter mais respeitadas as instituições. -

Filia-se o partido progressista em uma destas escolas, e em taes condições imaginam v. exa. e a camara que seria possivel que esse partido, ao subir ás cadeiras do poder, rasgasse-o seu programma e pozesse de parte/ como perigosas, as suas doutrinas, as suas crenças, o seu alvo politico? Não, sr. presidente f não somos homens, para isso; não o fizemos, não o faremos nunca, porque temos a con- vicção de que o nossp programma não consigna um unico principio que não esteja inscripto já nas constituições -mais liberaes de outros paizes que se regem por instituições ana-logas~ás nossas. Esse programma, sr. presidente, não vae alem da constituição belga, nem .é mais radical do que a constituição da Itália. E só por um sentimento que não quero classificar, é que póde pretender-se lançar constan-temente:um odioso sobre os homens que o defendem, affir-mando-se que elle está fora da ordem, que proclama a li-. cença, que ataca as instituições.

Nós" suppomos o contrario; aifirmamos e mantemos que a sua realisação gradual e successiva não só se compadece com o respeito pelas instituições, mas é a garantia mais segura de que ellas poderão, adaptando-se ás circumstan- das e conveniencias da epoeha presente, manter vivo o respeito e o culto por quanto teem de grande na tradição e no passado.

, Não careço de invocar aqui as paginas mais gloriosas da nossa historia para exprimir «clara e terminantemente o meu respeito -pela/monarchi a, a minha adhesão tão firme e plena, como-a< dos que mais alto a proclamam, a essa forma de governo que eu reputo uma eificaz garantia para a nossa independencia, e um penhor seguro para o successivo des-" envolvimento deste paiz, no sentidoda ordem, "da liberdade e do progresso.

São .grandes, são nobilissimas as tradições da nossa rno-narchia; achanv.se entrelaçadas com os fastos mais gloriosos- da nossa historia.

Não quero agora ..fazer referencias ao nosso primeiro rei, a esse. vulto viril, quasi épico, ao qual devemos em grande parte, a-constituição da-monarchia; não alludirei ás virtudes eminentes, ás acções heróicas que cobriram de gloria .um D. .João I; não fallarei nar-sagacidade politica por que, se .tornou notavel a vida de um D. João II; não mencionarei, os descobrimentos que fizeram distincto o reinado de D. Manuel; não direi que a nossa independencia se liga. á memoria de D. João IV; irei. mais perto de nós buscar assumpto para significar o modo pôr que tanto em mim como em todos, os membros deste partido classificado de anar-chicO) de^ subversivo, de contrario ás instituições, existe sincerOj devotado. culto pela monarchia, personificada em D. Pedro jy e ria. sua dynastia, que significa:hoje para to-? dos os, portuguezes, a par .do elo que nos prende á tradição e aorpassado,,xo mais seguro.ºpenhor da nossa liberdade, do.nosso progresso, e um dós mais Afirmes esteios da nossa independencia. Estes sentimentos são.cornmuns a todos os pprtuguez.es. Não pretenda nenhum «partido tomal-os para si como apanagio é^rivilegio. Era ahi que estava o perigo. (Apoiados^). Afilrmando isto,-, occorjem-me -á mente as palavras do sr. conde do Casal Ribeiro aqui proferidas iia- sessão passada,, O verdadeiro perigo das nossas instituições está em fazer suppor que só um .partido* as defende, e que nos outros se encontra o principio da subversão e dá anarchia, quando isso é absolutamente inexacto.

O perigo rnais~para temer consistia-em deixar lavrar a

falsa opinião de que podia haver exclusões systeraaticas, incompatibiiidades invenciveis, quando os factos vieram mais tarde demonstrar exuberante e eloquentemente que sinai-Ihantes exclusões e taes incompatibiiidades só existiam na imaginação dos que dellas julgavam tirar um elemento de forca politica para si, embora conquistado com sacrificio das proprias instituições que pretendiam defender.

E certo que o movimento politico não para; as transformações no modo de ser social são incessantes. - . E não tem, porventura, o proprio digno par o seu nome ligado a essa transformação da nossa existencia-politica, que se operou em 1851?

Não se empenhou s. exa. na approvação do acto addicio-nal?

Porventura, não pòz ainda ha poucos annos na boca do augusto chefe do estado as palavras tantas vezes citadas que «o espirito do seculo exigia a revisão do nosso codigo fundamental»?

Não terá, porventura, saido desta camara, que tantos e tão elevados serviços tem prestado a este paiz, a iniciativa de reformas liberaes, que alteraram profundamente o nosso modo de ser politico e social?

Não foi nesta camara que soifreram o primeiro golpe algumas instituições de formas caducas, que já não tinham rasão de ser no estado de desenvolvimento politico a que havia chegado a sociedade portugueza?

Não nasceu nesta camara, não foi aqui calorosamente defendida a abolição dos morgados?

E a extinção do monopolio do tabaco, não veiu tambem encontrar hesta casa do parlamento um eificacissimo apoio? Não foi nesta casa do parlamento que sex formularam emendas importantes a esse projecto do lei que na outra camara se adoptaram, e que tinham por fim assegurar o termo do.referido monopolio?

Porventura, não saiu já da camara dos dignos pares a iniciativa da sua propria reforma em pontos essenciallssinios e fundamentaes?

E eu não entendo que procedendo assim a camara dos dignos pares se afastasse daquelle bom e saudavel espirito conservador, que sempre tem presidido ás suas deliberações, e que é um dos mais seguros penhores do desenvolvimento progressivo da nossa organisação politica. .^___^ E é nesse espirito conservador que esta camara se ha de inspirar novamente, quando as circumstancias aconselhem qualquer reforma na sua propria constiuição.

Sr. presidente, quando fallo poi1 esta forma, quando sou o primeiro a declarar que na sabedoria dos membros desta casa está a base içais essencial, a garantia mais segura da sua conservação, cão me parece que se possa dizer com justiça que revelo menos consideração pela camara dos dignos pares, nem que pretenda imaginar-lhe cerceada a aucioridade ouindependencia. Similhante accusáção, que hontein se me .dirigiu, não tem nem póde ter base em que assente.

Sr. presidente, citam-se por difierentes vezes, para as coridemnar asperamente, algumas phrases desse programma, que muitos dignos pares julgavam que nós rasgaria-inos logo que chegássemos ao poder; mas, o que diz na realidade" esse documento tão injustamente accasado? Por1 ventura não se encontra em quasi todas as suas proposições a affirmação a mais solemne do nosso amor pelas instituições?

Nesse programma tão atacado le-se o seguinte: «Por outra parte a historia contemporanea está certificando com factos eloquentissimos quanto é conciliavel a monarchia representativa com todas as sãs idéas do progresso e liberdade, e como podem no mesmo momento de salvação publica associar-se sinceramente os niàis illustrados soberanos com os mais adiantados partidos. Podiamos citar a este proposito a Inglaterra e a Bélgica. Básia-nos a Itália cujo exemplo é tão recente como persuasivo e irrefutavel.»

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Ainda mais. Definindo as funcções do poder moderador inseriram-se no mesmo documento as seguintes palavras:

"Moderador e arbitro entre as opiniões que se disputam a supermacia politica, não raro se lhe deparará a opportunidade para pôr em relevo a sua profunda discrição, e desassombrada firmeza no apreciar e discernir os homens e os successos."

Os que escreveram isto, sr. presidente, não eram anarchicos, não investiam com as instituições nem com o rei, como todos os dias se lhes está lançando em rosto. Eram homens firmes nas suas crenças, e não deixarão de o ser por estarem hoje no poder.

Disse-se aqui: "A liberdade não é a licença". Mas eu perguntarei á camara onde está a licença? (Apoiados.) Logo que este governo subiu ao poder, sr. presidente, houve quem vaticinasse como iminentes os acontecimentos mais anarchicos; affirmou-se que a liberdade ia perigar, que a ordem seria alterada, que os fundos publicos baixariam como nas epochas mais calamitosas; e por fim o que succedeu? Qual é a cotação dos nossos fundos? Eu não quero chamar para mim, nem mesmo para o governo a que tenho a honra de pertencer, glorias que nos não competem. Não é á existencia deste ou daquelle governo, mas sim ao credito que tem o paiz, á sua solvabilidade, que se deve á conservação e a alta do preço dos nossos fundos.

Não se pôde, nem se deve admittir outra doutrina, e menos1 de todas aquella que attribue a um ministerio, ou à um" homem; que, porventura, esteja á frente desse ministerio, a conservação dessa alta, porque circumstancias póde haver que afastem do poder esse homem, e nesse momento o credito poderia estremecer.

Similhante doutrina é errónea e prejudicialissima. Não é este ou aquelle ministro da fazenda, repito, que tem o privilegio de conservar a alta dos fundos; a causa unica desse facto está no credito do paiz. (Apoiados.)

Como é que se pretende isolar o paiz do governo, e sustentar, como hontem aqui se fez, que em um dado momento, em 1876, sómente o governo tinha credito em Portugal?

Sr. presidente, a resurreicão inesperada é menos conveniente de todas estas falsas accusações, tantas vezes rebatidas, foi devida a umas singelas phrases proferidas por mim a respeito de alguns dos homens mais illustres do partido progressista.

Sr. presidente, esses homens não podem, ser elogiados n'esta assembléa; porque? Por não terem assento nella? Mas como podem então ser aqui censurados?!

De mais a mais, eu alludi a factos patentes, bem conhecidos de quantos intervém na politica portugueza. Pois querem, porventura, que tenhamos a hypocrisia de fingir que os ignorámos ou que imaginemos possivel e decoroso contestar a verdade?

Pois não estará na lembrança de todos que se occupam das cousas publicas, que ha poucos dias se estreiou na tribuna parlamentar um orador eminente, proferindo um discurso notavel que foi saudado pelo paiz inteiro? Pois haverá algum acto1 na vida publica desse homem eloquentissimo ou pronunciou elle no mesmo discurso algumas phrases que tornassem impossivel a um ministro da corôa repetir aqui o seu nome?

Ninguém o poderá affirmar, e por minha parte o que eu sei é que esse homem apenas fallou no parlamento viu o seu nome levado pelos echos da fama de um a outro extremo do paiz! O que ninguem contesta é que, depois desse homem ter fallado, a interpelação que se estava debatendo cessou, logo, e que melhor homenagem, que testemunho mais pleno poderia ter sido prestado pelos oradores de todos os partidos a tamanha eloquencia?

Pois se acaso elle tivesse pronunciado no seu discurso algumas palavras que podessem reputar-se perigosas para as instituições, ou contrarias á monarchia, não estarão, porventura, na outra camara talentos notaveis pertencentes á opposição, antigos ministros da coroa, que de certo se teriam apressado a levanta-las?

Não o fizeram, nem o podiam fazer, porque nada acharam no mesmo discurso que podesse considerar-se inconveniente ou subversivo.

Por consequencia, pela minha parte, não tenho receio das censuras que me possam ser dirigidas, porque ousei na camara dos pares juntar à minha voz ás do que unanimemente saudaram aquelle talento.

Temerei eu mais essas censuras quando dirigidas contra uma outra referencia que não duvidei fazer, que não duvidaria repetir, porque ella era pura e simplesmente uma homenagem ao trabalho, á sciencia e ao desprendimento?

Para isso, sr. presidente, era mister olvidar quantas vezes, durante as nossas luctas politicas, no maior accesso das discussões partidarias, e quando os animos estavam mais excitados, se tem visto reproduzir na imprensa escriptos de homens liberaes, devotados no fundo ás instituições, mas que pela sua linguagem chegaram a parecer que queriam insultar essas mesmas instituições? Pois sem me remontar ao periodo agitado de 1846, não vi eu em 1868,e 1869, quando entrei na vida publica, sustentar em uma certa imprensa uma lucta partidaria, apaixonada, que não poupava nem as pessoas mais augustas, a uma critica mordaz, e desrespeitosa?

E o que succedeu a quem mais consubstanciou essa lucta? Viu alguem o sr. Fontes Pereira de Mello condemnar moralmente esses homens, afasta-los de si, torna-los incompativeis com as mais elevadas funcções publicas, impedir-lhes que viessem occupar um logar no seio de uma instituição conservadora?

Pois se isto se não fez, por parte daquelles que blasonam de .conservadores, como se exige que nós condemne-mos um homem de talento, e finjamos hipocritamente que menosprezámos o seu valioso apoio, só porque esse homem, no ardor de uma lucta partidaria bastamente justificada, escreveu um ou outro artigo mais violento, esquecendo-nos que elle está incessantemente dando sobejas provas da sua intelligencia politica,- do seu amor pelo paiz, de quanto é respeitador da ordem, a cuja causa tem prestado e está prestando serviços importantes.

Não é a excitação de animo, que se mostra em algumas occasiões, motivo bastante para se aniquilar um homem de merito, e pô-lo de parte, denegrindo-lhe a reputação a ponto de que se veja numa simples menção honrosa do seu nome um ataque ás instituições, e uma diminuição no prestigio, de que ellas carecem estar revestidas.

E dito isto, cumpre-me agora entrar novamente na apreciação das condições financeiras e administrativas do paiz, referindo-me á marcha que o governo tem seguido na gerencia dos negocios publicos.

Sr. presidente, fui accusado por não ter systema financeiro, e por ter lançado mão de impostos antieconómicos. Disse, porem, o sr. Fontes que eu estava preso no estreito leito de Procusto; e nesta parte disse o digno par uma grande verdade, porque realmente as condições financeiras que o governo encontrou collocam o ministro da fazenda em um verdadeiro leito de Procusto.

Mas será, como s. exa. pretende, da responsabilidade do partido a que pertenço, essa situação difficil em que me vejo collocado?

Recommenda-me s. exa. que olhe para o futuro, que me não demore um momento em estudar, o modo de resolver essas difficuldades que nos assoberbam, que ponha debanda os exames retrospectivos, com os quaes s. exa. imagina que eu sómente pretendo lançar desfavor sobre os meus adversarios.

Mas eu posso affirmar á camara que todos os meus estudos, todos os meus trabalhos teem tido por fim unica e exclusivamente, esse melhoramento futuro que s. exa. me recommenda. E se nesse caminho me vi obrigado a estudar as causas dos factos taes quaes elles se impunham á

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minha apreciação, é porque, o meu dever do falla r a verdade ao para assim o exigia, não só em nome das conveniencias financeiras, visto que tinhamos de lhe pedir impostos novos, mas tambem em nome das conveniencias politicas, porque era necessario que as responsabilidades se descriminassem, e que o governo, representante de um partido que subia ao poder em, momento tão difícil, desviasse dos amigos que lealmente o acompanhavam o peso da responsabilidade de factos, contra os quaes haviam persistentemente protestado na opposição.

Que o leito de Procusto não surgira por, causa de actos dessa opposição, mas sim pela grandeza dos encargos successivamente accumulados, e pela dificuldade natural em lhes fazer face, demonstrou-o exuberantemente o sr. Serpa Pimentel no seu relatorio publicado o anno passado, quando, alludindo á necessidade de crear receita, escreveu o seguinte:

Não vos proponho este novo augmento no imposto directo. Este, num paiz essencialmente agricola como o nosso affecta principalmente a producção da terra, e é esta valiosissima riqueza natural, que devemos sobretudo evitar ferir alem de certos é bem determinados limites.
"Sei que é opinião muito vulgar que a propriedade agricola póde pagar, entre nós, muito mais do que hoje paga. Não concordo sem uma distincção, que se traduz em completa discordancia emquanto á opportunidade.- Se me dizem que o nosso paiz, bem agricultado, applicando-se-lhe o capital, o trabalho util e a sciencia indispensaveis, é susceptível de produzir uma immensa riqueza, estou de accordo. Mas esse capital, esse trabalho util e essa sciencia só pouco apouco e em limitada extensão se vão hoje applicando. Ha, cultivadores que poderiam tirar das suas terras o dobro, o triplo e talvez o decuplo dos lucros que hoje tiram se podessem applicar-lhes o capital, a economia e os conhecimentos que lhes faltam. Pedir-lhes o imposto proporcionado a um lucro que não tiram, seria evitar que elles podessem aperfeiçoar as suas culturas, porque seria arruina-los.

"O imposto indirecto sobre os generos de primeira necessidade tambem já é entre nós suficientemente elevado, para que possam sobrecarregado sem graves inconvenientes e vexame para os consumidores de todas as classes."

Impossibilitado assim de recorrer aos impostos directos, migando inconveniente o recurso aos impostos de consumo, o sr. Antonio de Serpa encontrou como unico recurso o aggravamento dos direitos já muito elevados sobre os tabacos, para acudir assim muito incompletamente ás exigencias do thesouro.

N'estas condições, e com um déficit ainda maior, era claro que eu me deveria necessariamente encontrar em terreno muito limitado para nelle explorar novas fontes de receita, no momento em que se tornava indispensavel achar os recursos precisos para pelo menos nos aproximarmos da resolução da questão de fazenda.

São estes factos, confirmados por uma auctoridade insuspeita para o sr. Fontes, que explicam por que eu lancei mão de certos impostos.

Referiu-se o digno par, por exemplo, ao imposto sobre o carvão de pedra, e alludiu mais uma vez aos receios que se tem apresentado de que esse imposto afaste do porto de Lisboa a navegação transatlântica, fazendo com que ella se encaminhe para os portos de Hespanha, a fim dali se fornecer d'aquelle combustível.

Citou s. exa. até o artigo de um jornal hespanhol que se referia a este assumpto, e annunciava a resolução de uma importante companhia de vapores de tocar em Vigo de, preferencia a Lisboa, para fornecer de combustível esses, vapores.

Mas eu já tive occasião de dizer á camara, respondendo ao digno par o sr. conde, de Valbom,- que julgo absolutamente infundados similhantes receios1, por isso que o carvão em Hespanha paga um direito que é proximamente igual ao que eu proponho.

E pude então, ler á camara o telegramma do nosso representante em Madrid, em que terminantemente se affirma que o carvão importado sem distincção de destino, embora, portanto, o seja para a navegação, paga uniformemente o direito de 450 réis.

Já se vê, .pois, que podemos estar perfeitamente descansados a este respeito,- ainda mesmo quando vingasse, tal qual foi, apresentado, o pensamento do governo.

Sr. presidente, fui accusado pelo digno par a proposito do imposto a que me refiro, e ainda da proposta creando a contribuição sobre o rendimento - porque, diariamente declarava, que estava prompto a concordar com quaesquer modificações que podessem melhora-las no interesse da causa publica, e me fossem indicadas nesta e na outra casa do parlamento.

EÉ perfeitamente exacto que eu tenha feito essa declaração, da qual me não arrependo, e sem referir em minha defeza a historia das propostas tributarias que em outros annos nem parecer mereceram ás respectivas commissões de fazenda, apenas direi que não tenho, nem podia ter, a pretensão de haver realisado a sós, e com os poucos meios de que dispunha, um trabalho perfeito. Acato e venero todas as indicações de intelligencias cultas e elevadas, de homens competentissimos nestas materias, os quaes, pelo seu estudo, pela sua experiencia dos negocios publicos, necessariamente podem fornecer valiosos subsidios para o melhoramento dos meus projectos, os quaes nunca poderia ter imaginado que houvessem saído das minhas mãos tão perfeitos, que não podessem, e devessem mesmo, soffrer alterações mais ou menos profundas.

Pois o facto, sr. presidente, - de eu não sustentar a injustificavel pretensão de que as minhas propostas sejam approvadas taes quaes saíram do meu gabinete, estando, como realmente estou, convencido de que podem ser melhoradas, será, porventura, um motivo para ser accusado, como o fui, pelo digno par?

Asseverou o digno par, o sr. Fontes, que não organisava resistencias contra o imposto, o declarou não ter duvida em votar o augmento necessario da receita publica. - Se esta linguagem, que tantas vezes tenho visto empregar, podia por momentos illudir, não deixou s. exa. durar muito a illusão a que ella se prestava, declarando pouco depois que não podiamos contar com a sua approvação para os projectos tributarios apresentados pelo governo.

O digno par affirmou que não provocava resistencias, mas eu não sei se todos os membros do partido de que s. exa. é o chefe poderão asseverar outro tanto. Os factos de Trancoso e de Mesão Frio não serão um acto infeliz de resistencia, não o será tambem o afan com que diariamente estamos vendo com que se procura radicar a convicção, de que um augmento nos impostos actuaes bastaria para resolver á questão financeira?

Ora sr. presidente, quando se tem em um paiz a posição politica que occupa no nosso o sr, Fontes Pereira de Mello, não, basta dizer "eu não provoco resistencias". S-. exa por si bem avalia as circumstancias era que deixou o thesouro e as condições do paiz, vê que é necessario melhorar as primeiras, e, portanto, não pensa nem póde pensar em directamente provocar resistencias; mas o que eu vejo, o que todos verificámos é que ha muito quem as provoque, a não são certamente os homens do governo, nem os seus amigos politicos que se encontram á frente d'essa campanha.

E de tudo que se tem dito, e incessantemente se está repetindo, a idéa que reputo mais perigosa é a de não ser necessario recorrer a novos impostos de bastar uma melhor administração nos actuaes para melhorar a situação; tal idéa reputo-a completamente falsa, como já demonstrei por mais de uma vê com algarismos que me parecem irrefutáveis.

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Sr. presidente, na historia financeira dos ultimos annos ha um facto muito importante, que na minha opinião se não tem feito1 sobresair bastante: o paiz nunca se tem recusado a pagar impostos, dadas certas condições nos governos que se conservam á frente delle circumstancias têem havido, administrações teem estado á frente dos negocios publicos, que conseguiram augmentar consideravelmente a receita do estado por meio de um augmento tributario. Póde o digno par interpretar como quizer este facto para a sua administração, e ver nas resistencias das opposições as causas do pouco exito nas diligencias empregadas nesse sentido pelos governos de que tem feito parte; mas é licito, a mim e aos que me acompanham, interpretai-o de modo inteiramente diverso, e ver nas tendencias e nos actos desses governos a causa efficiente de um facto politico por mais de um titulo notavel.

Em que dolorosas circumstancias se não encontrou este paiz em 1868 e 1869, por exemplo? E a v. exa., sr. presidente, foi possivel, com a prudencia e tino de estadista adquiridos em uma larga pratica dos negocios publicos, encaminhar a situação e dispor o paiz para acceitar os sacrificios tributarios.

O ministerio que depois subiu ao poder não encontrou já essas resistencias, que haviam provocado a queda do governo em janeiro de 1868, e conseguiu por isso elevar a receita publica, por meio de novos impostos, na cifra de réis 2.0OO:000$000; e conseguiu-o, sobretudo, porque demonstrou que podia e sabia realisar economias, o que representava uma legitima satisfação ao contribuinte, e um elemento de grande força moral para o governo.

É verdade que s. exa. alludiu tambem á impreterivel necessidade das economias, mas apreciando as que o governo tem tratado de realisar, e fazendo justiça ás nossas intenções, acrescentou comtudo que taes economias nenhum valor tinham, e que por seu lado, para se auctorisar em 1867 e 1872 a pedir augmento de impostos, entendera indispensavel e conseguira realisar economias pela cifra avultada de centenares de contos de réis.

De facto, porem, o que s. exa. conseguiu em 1867 foi sobretudo uma reducção na despeza, providencia aliás que achei muito conveniente, e que haveria approvado, se nessa occasião tivesse um logar na outra casa do parlamento; mas que não representava uma economia, que nem mesmo era uma reducção effectiva, mas pura e simplesmente um adiamento de despeza, pois outra cousa não significava o contrato feito com o banco de Portugal, e mais tarde ampliado a outros bancos para o pagamento dos vencimentos das classes inactivas. Não era, pois, uma economia verdadeira essa que s. exa. apresentou, não representava um daquelles actos que, pelas tendencias que revela e significação effectiva, póde ter grande importancia no animo de contribuinte, para o levar a acceitar com menor reluctancia o aggravamento do imposto.

Outras verbas havia em que o sr. Fontes esperava conseguir reducção na despeza orçamental, mas do mesmo modo que as que primeiro mencionei, não significavam ellas economia, visto que não eram mais do que um deslocamento de despezas que estavam a cargo do thesouro, e que passavam pela reforma administrativa para cargo das localidades. Ora nestas condições poderá sustentar-se, porventura, que taes alvitres servissem para inspirar ao contribuinte um sentimento de menos repugnancia para com os novos encargos que era mister exigir-lhe?

Uma valiosa economia, e essa o foi realmente, realisou o sr. Fontes com a creação do monte pio official. Foi uma providencia que eu de certo tambem teria applaudido calorosamente se tivesse assento então no parlamento. Mas o ministerio actual, que é tão fortemente accusado de descurar o recurso das economias, de só as apresentar numa escala insignificante, sem alcance, sem significação, não propõe tambem uma economia similhante áquella a que acabo de me referir, realisada pelo sr. Fontes? Alludo, escusado é dize-lo, á caixa gerai de aposentações e reformas, para a instituição da qual sabe a carcará que eu submeti ao exame da parlamento uma desenvolvida proposta de lei.

É um passo mais, é importante, no caminho brilhantemente encetado peio sr. Fontes, e que assegura para o futuro uma grande reducção na despeza publica, uma verdadeira economia, que ha de attenuar consideravelmente os encargos do thesouro. E lisonjeia-me a esperança que s. exa. se associará a esta economia, já porque tem as proporções a que s. exa. se afeiçoa de certo, de contos de réis, já porque, apresentando-a, não faço senão seguir o excellente exemplo deixado pelo digno par.

Parece me, pois, que o governo não tem deixado de procurar, por todas as maneiras, attenuar as difficuldades com que luctamos, propondo os meios de elevar a receita, e reduzindo ou indicando o modo de reduzir as despezas. Mas se, para acudir de prompto ás urgências do thesouro, de nada valem as economias que temos apresentado, como s. exa. declarou; se mesmo, em vista do que eu assevero no meu relatorio, se não póde esperar que ellas produzam um resultado muito" consideravel, todavia o que se não póde dizer é que o governo rasgou, o seu programma, e que não tom cumprido, nesta parte, as suas promessas. - Para contrariar essa asserção, tantas vezes repetida, releve-me acamará que eu enumere mais uma vez o que temos feito emquanto a economias immediatas - reducção nas gratificações; reforma dos correios e telegraphos; reforma da instrucção secundaria; reducção nas quotas dos exactores da fazenda, nos emolumentos dos empregados das alfandegas; extincção dos taifeiros; reformada secretaria da justiça; proposta de lei do funccionalismo, da caixa gera! do aposentações; e suppressão das quotas aos governadores civis.

Creio que procedendo assim, realisando ou propondo estas reducçSes1 de despeza, embora muito insignificantes, no dizer dos dignos pares, o governo não esqueceu o programma do partido que representa, nem faltou aos compromissos que tomara quando opposição.

E quando mesmo estas economias nada valham, debaixo do ponto de vista em que s. exa. as encara, valem comtudo e muito, sob o ponto de vista desse eifeito moral para o contribuinte, a que ha pouco alludi, e é por esse lado, sobretudo, que o governo-as considera. Mas vamos ainda, a proposito de economias, ao ministerio da guerra. É o meu collega accusado de não fazer as economias promettidas, ficando tudo quasi rio mesmo estado, que tantas censuras nos merecera era tempo. Ora, eu já tive occasião de dizer que com aquelle ministerio despendeu o estado, no ultimo anno economico, a enorme somma de 5.393:973$000 réis, limitando este anno à despeza a 4.486:126$881 réis, cifra auctorisada e que o respectivo ministro declara não querer ultrapassar, não terá o governo, só por esse facto, obtido uma reducção do 910:000$000 réis? Pois isto não significará cousa alguma? (Muitos apoiados.)

Significa, de certo, o proposito firme, torno a dizer, em que o governo está de não desmentir nas cadeiras do poder as idéas que os seus membros sustentaram quando oram opposição; significa que desejamos por todos, os modos mostrar ao contribuinte quanto zelamos os seus dinheiros, e quanto assim se justificam os sacrificios que é mister exigir-lhe.
Mas não basta isto.

As economias, sr. presidente, são de. muitas ordens. Já referi algumas daquellas que dependem da sancção do parlamento para se poderem effectuar; mas o governo realisa diariamente outras economias que estão na sua alçada, por simples actos de administração, o que não impede, comtudo, que a somma dellas possa significar uma. reducção na despeza de centos de contos de réis.

Sr. presidente, eu não posso deixar de explicar neste momento, e mais uma vez, por que é que tenho alludido e

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julgo dever alludir ainda a alguns dos actos da administração transacta.

Não é como se assevera por um espirito mesquinho de deprimir adversarios, mas sim com o intuito muito natural e muito legitimo de separar responsabilidades, e de justificar perante o paiz os sacrificios que nos vemos forrados a pedir-lhe, que eu procedi e procedo pela forma que mereceu as censuras do digno par. E é bom que o paiz saiba, que seis ou sete homens, alguns dos quaes pouco experimentados nos negocios publicos, não poderá e conseguir em poucos mezes de gerencia o que não obteve durante annos de governo um grupo de estadistas tão illustrados como sem contestação possivel o são os membro a do gabinete a que presidiu o sr. Fontes Pereira de Mello.

Digamos, pois, affoutamente, sr. presidente, em que situação encontrámos a administração publica quando entrámos no poder. Pelo que diz respeito ao meu ministerio, eu já tive a honra de expor á camara em que situação achei, por exemplo, o serviço das alfandegas. A fiscalisação externa estava, bem póde dizer se, totalmente desorganisada, porque s. exa. o sr. Serpa, sem destruir legalmente a organisação do decreto de dezembro de 1869, quasi que acabara de facto com a fiscalisação dos corpos auxiliares no interior do paiz, não conseguindo substituir-lhe uma fiscalisação effectiva e valiosa junto á raia, apesar da creação de um grande numero de guardas por simples despachos ministeriaes, sem que houvesse lei alguma em que se baseassem. Nestas condições o contrabando era necessariamente muito grande, e não affirmo que ainda hoje o não seja, mas o que é certo é que, apenas entrado no poder, procurei logo melhorar a fiscalisação organizando o serviço das rondas volantes, para combater esse contrabando, e diligenciando por essa forma o crescimento da receita das alfandegas.

Quer v. exa., sr. presidente, saber que estado era esse em que encontrei a fiscalisação externa das alfandegas? Consta elle de uma informação emanada de um funccionario que é tido por um dos empregados mais inteligentes do serviço externo das alfandegas, O fiscal a que me refiro, e que eu mandei para Traz os Montes, essa provincia a que o sr. Fontes allude agora como sendo das mais necessitadas e dignas de que se olhe pelos seus melhoramentos materiaes, o que s. exa. não fez durante a sua longa permanencia no poder; esse fiscal, repito, escrevia em 12 de outubro de 1879, para a direcção gerai das contribuições indirectas, o seguinte:

"A facilidade com que se introduz o contrabando pela fronteira prova bem o modo deficiente como é desempenhada ali a fiscalisação e a importancia que deve resultar da indispensavel fiscalisação no interior do paiz; mas tambem é indispensavel que, tanto aqui como na raia, façam todos a diligencia por se desempenharem condigna mente das suas obrigações, porque v. exa. não póde avaliar approximadamente o desleixo e abandono quasi criminoso a que este ramo de serviço publico havia chegado nesta provincia."

Eu, sr. presidente, não venho aqui de proposito discutir as administrações transactas; tenho, porem, de responder ás accusações que se me fazem, e para isso vejo-me per vezes forçado a fazer a exposição de certos factos. Não me lançassem para um campo em que eu não entrara, forçando-me e a fazer taes comparações.

O digno par, o sr. Serpa Pimentel, tratou a questão, que estamos discutindo, no unico campo em que me parece que ella podia e devia ser tratada. Digo isto pedindo desculpa áquelles que julgarem dever encara-la por outra forma.

Mais tardo um outro digne par, estadista e financeiro experimentado, tratou-a não só nesse campo, mas tomou-a para ponto de partida de largas considerações financeiras e politicas, e posteriormente o sr. Fontes Pereira de Mello, que aliás já encontrou a questão no campo da politica, quasi se limitou a discutir n'esse campo sob esse aspecto.
Portanto, sr. Presidente, eu, que não quero condemnar o modo de pensar de cada um, nem irrogar censura a ninguém, devo comtudo, achando a questão collocada neste terreno, acceita-la n'elle, discutindo largamente administração e politica. E tanto mais me vejo obrigado a proceder assim, quanto não são unicamente os dignos pares, que parecem exigir do governo, que melhore rapidamente os defeitos da nossa administração, e corrija abusos tão profundamente arraigados.

É isto precisamente o que tambem se está affirmando a cada momento nas representações das corporações e individuos que protestam contra, as propostas cio fazenda, e que mostram estar de accordo com o que, nos ultimos dias, tenho ouvido repetir a alguns dos membros d'esta camara, que têem tomado parte no debate. Mas será justo que só diga que é possivel melhorar rapidamente a administração da fazenda a ponto de conseguir um prompto e effectivo allivio para o thesouro?

Nós, que temos obrigação de conhecer os negocios publicos, que conhecemos o estado em que se encontra essa administração, não podemos nem devemos affirmar que basta melhorai-a, e que é desnecessario recorrer ao imposto.

Se procurei, quanto em ruim cabia, melhorar o serviço da fiscalisação externa, não descurei tambem o serviço interno das alfandegas. Teve esse intuito uma portaria que publiquei no Diario do governo, mandando recolher ás alfandegas, a que pertenciam, os empregares que, em grande numero dellas, andavam desviados. No Porto quasi que se não podia fazer o serviço peia falta de verificadores, e eram por isso geraes as reclamações do commercio; na raia apenas se apenas se achavam alguns poucos empregados, e contra lei prestavam ali serviço interno os guardas, porque, na sua grande maioria, os empregados das alfandegas da raia prestavam commodamente serviço nas alfandegas de Lisboa e do Porto, onde se aglomeravam de um modo inconveniente e pouco justificável.

Passando do ministerio a meu cargo para o das obras publicas, o que se encontra? Ainda ha poucos dias foi apresentada, na outra casa do parlamento, unia, proposta relevando o governo por ter incómodo na responsabilidade de effectuar- sem auctorisação a reforma dos serviços d'aquelle ministerio, Sobre essa proposta recaiu um parecer da commissão respectiva, no qual se têem, entre outros periodos, os seguintes:

"Sendo reconhecidos os inconvenientes deste systema, deveria ter-se proposto ás côrtes que fossem regulados por outra forma os vencimentos dos engenheiros ao serviço das obras publicas; mas, em vez de se proceder legalmente, preferiu-se estabelecer por despachos ministeriaes, abertamente contrarios ás leis, que aos directores dos districtos, aos de obras especiaes, aos engenheiros encarregados dos serviços principaes de estudos, construcção e exploração de caminhos de ferro, se abonasse como vencimento certo, permanente e independente de jornadas, a ajuda de custo eventual concedida pelo decreto de 30 de outubro do 1868 para despezas de deslocamento e jornada. Foi a ajuda de custo fixada em quinze dias por mez, e assim foi transformada num verdadeiro augmento de ordenado concedido por despachos ministeriaes.

"Como, porem, o augmento por tal arte creado fosse ineficaz sem mais disposições complementares, tambem por simples despachos ministeriaes foram creadas ajudas de custo denominadas extraordinarias, as quaes eram pagas pelos dias effectivos de jornada e se acumulavam com as ajudas de custo ordinarias transformadas em vencimentos fixos.

"Finalmente ainda para certos serviços extraordinarios se concederam por simples despachos ministeriaes, variados abonos descriptos com as denominações de supprimentos, etc.,
Um outro ponto d'este trabalho mostra o estado em que se encontrava o serviço telegraphico:

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"Com effeito o pessoal telegraphico, que a reforma de 8 de abril de 1869 tivera como sufficiente para 116 estações, de modo nenhum podia bastar para o serviço de quasi 200. A unica pratica regular fora propor ás côrtes o augmento e a remuneração de novos empregados á proporção que as necessidades do serviço o exigissem. Mas ainda neste ponto se preferiu recorrer ao arbitrio de, por meio de portarias e despachos ministeriaes, augmentar os quadros, crear novas classes de empregados e fixar-lhes vencimentos sem approvaçao provia do poder legislativo. Creada, porem, essa situação, era impossivel supprimi-la, tanto porque seria forçoso fechar as estações com grave transtorno de todas as relações administrativas e economicas, como porque seria iniquo privar inesperadamente dos meios de subsistencia muitas dezenas de empregados que serviam bem."

Este paragrapho prova a situação anómala em que se achava a administração dos telegraphos.

Vejamos agora qual era a situação em que se encontrava a quinta regional da Granja:

"O artigo 5.° do decreto de 30 de julho de 1879 refere-se a numerosos empregados, que, com as mais variadas denominações e remunerações, tinham sido successivamente admittidos para o serviço do ministerio das obras publicas em nome de motivos mais ou menos justificados. Assim, por exemplo, succedia que a quinta regional da Granja devia ter um agrónomo chefe de serviço, mas que em nome das necessidades do serviço lhe tinham sido concedidos mais quatro, os quaes, comtudo, não serviam todos na mesma quinta."

Pois estiveram os nossos antecessores largo espaço de tempo no poder, deixando a administração neste estado, e nós, que apenas temos alguns mezes de governo, somos accusados por não conseguirmos em poucos mezes aquillo que s. exas. não poderam obter durante oito annos?! (Apoiados.)

Nós, sr. presidente, tratámos, da indispensavel organisação dos serviços, e, por consequencia, procuramos conhecer e determinar bem os encargos necessarios para os custear.

Não podemos, não devemos, recorrer a um systema de illusão, a uma systematica occultação dos factos, carecemos dizer a verdade toda, porque só com o conhecimento della é que poderemos levar ao animo do contribuinte à convicção da indispensabilidade de augmentar os impostos.
Se o paiz suspeitasse que atrás do que lhe dizemos continuava- a abrigar-se como até aqui o desconhecido, o illegal, poderia com rasão entender que todos os sacrificios que fizesse nunca seriam bastantes, e oppor-se assim terminantemente a acceita-los.

Continuando, pois, sr. presidente, neste exame do estado geral em que se encontrava a administração, passemos agora ao ministerio da marinha, e sem me referir ao estado da sua contabilidade, a que já alludi no meu relatorio, sem entrar no exame da questão magna das obras publicas no ultramar, direi apenas neste momento que o arsenal tem a sua escripturação atrazada trinta mezes.

N'estas circumstancias é. quasi impossivel conhecer o que ali se tem feito. Foi tambem a secretaria de marinha reformada em virtude de uma auctorisação, que estabelecia a clausula que dessa reforma não resultaria augmento de despeza. De facto, porém , o que succedeu? Promoviam-se empregados com a condição de logo em seguida pedirem a reforma, resultando assim um consideravel augmento de despeza, effectuando-se nomeações de novos empregados, e apparentando-se o cumprimento rigoroso das clausulas da auctorisação.

Ora, sr. presidente, será isto o meio de predispor o contribuinte para augmentar os redditos do thesouro?

Sr. presidente, voltando ao ministerio das obras publicas, mas não á questão do pessoal, não posso deixar de referir ainda á camara alguns factos, porque é necessario mostrar ao paiz que é absolutamente indispensavel mudar os processos

de administração, porque nessa mudança deve encontrar-se a mais segura garantia do melhoramento da nossa situação financeira.

S. exa. alludiu ao que eu tinha dito relativamente aos encargos que nos custaram os caminhos de ferro do Douro e Minho, e acrescentou que ficando o estado com a propriedade dos caminhos de ferro se não devia olhar para taes encargos e eram por isso falliveis os meus cálculos.

Ora, é justamente nisto que não concordo, porque desde o momento que nós podemos construir linhas ferreas mais baratas sem fugir .ás condições technicas em que devem ser feitas, que necessidade ha de irmos gastar muito maiores sommas sem rasão alguma que justifique uma tal despeza. Os caminhos de ferro do Douro e Minho custaram, não duvido repetil-o, uma somma exagerada; e eu, referindo mo, em outra sessão, a esse facto, acrescentei que neste ponto p meu collega das obras publicas tinha sido muito feliz por ter podido contratar a construcção de uma linha férrea por um custo kilometrico inferior a 700$0OO réis.

E este facto, que é a prova manifesta de que o governo não dispensa os melhoramentos materiaes, não demonstrará tambem que, neste ponto, como em todos os actos da administração, nós procuramos cingir-nos aos principios mais rigorosos da economia?

Em breve serão presentes ao parlamento alguns documentos muito importantes que estão na imprensa, e que são o resultado das syndicancias a que o sr. ministro das obras publicas mandou proceder. Fornecem elles interessantes esclarecimentos com relação ao preço consideravel que nos custaram aquelles caminhos de ferro. Antecipando-me á publicação desses documentos, vou referir alguns factos e alguns algarismos que constam dessas syndicancias. Peço á camara a sua attenção. Assim, por exemplo, na sétima secção do caminho de ferro do Douro concedeu-se, sem hasta .publica e sem as garantias previas exigidas pela lei, uma empreitada de 400:000$000 réis para movimento de terra e muros de supporte.

O que aconteceu foi que o empreiteiro começou a construcção pelas regiões que offereciam menos difficuldades, e apenas realisada uma certa extensão, obteve augmento de preço e restituição parcial dos decimos de garantia, que nos termos da lei se lhe tinham retido por occasião dos pagamentos, deixando assim para trás as regiões mais difíceis.

O resultado foi não se completarem as obras, e p governo ver-se em difficuldades, porque o empreiteiro não tinha meios para as realisar; e o governo nem sequer encontrava, para fazer valer os seus direitos, a garantia constituida pelos decimos depositados pelo concessionario, que successivamente o fora retirando na" maior parte, sem lei que auctorisasse um tal procedimento.

O meu collega das obras publicas, mudando de processos administrativos, e limitando-se a mandar observar a lei, ordenou logo que se pozesse em praça a construcção dessas obras, que estavam incompletas, e teve a fortuna de obter para a sua conclusão condições de preço mais favoraveis do que tinham sido aquellas por que sé realisará a construcção unicamente das regiões mais fáceis.

Aqui está, portanto, outra prova, e concludente, de quanto o governo tem a peito o principio das economias, e de como deseja contribuir para que as despezas sejam reduzidas, e os dinheiros do contribuinte escrupulosamente aproveitados.

Tem-se alludido por vezes ao elevado custo das estradas do Algarve. A este respeito os documentos a que me referi conteem igualmente esclarecimentos muito interessantes.

Peço tambem a attenção da camara para este ponto.

"O lanço de Loulé, a Boliqueime, na estrada districtal n.° 130, tem de extensão 12:954 metros.

"Pagaram-se nelle movimentos de terra correspondentes a 320:174 metros cúbicos; mas, segundo a syndicancia effectuada, como a camara sabe, por tres distinctos enge-

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nheiros, os movimentos de terra effectivamente realisados não excederam 104:282 metros cubicos. Pagou-se, portanto, a mais, 215:892 metros cubicos, isto é, o thesouro desembolsou 89:670$885 réis, quando deveria ter gasto apenas 25:335$837 réis. resultando dahi um prejuizo efectivo de 64:335$048 réis.

"Esta estrada já estava em 11:000$000 réis por kilometro, e ainda faltava, completar o pavimento."

Já vê à camara o dispendio enorme, e não justificado, que se fez com estas obras. Faço inteira e plena justiça aos sentimentos que levaram os membros do gabinete anterior a dar largo impulso á construcção dás estradas do Algarve.

Aquella provincia atravessava uma crise dolorosa: as circumstancias em que se encontrava deviam inspirar aos poderes publicos a desejo de minorar os soffrimentos daquelles povos, e um, dos meios principaes para lhes valer, embora com sacrificio do thesouro, era promover na mesma provincia o desenvolvimento das obras publicas. Mas pergunto: justificará este pensamento a circumstancia de se haver despendido, com uma determinada obra, improficuamente, em beneficio exclusivo, não posso saber de quem, 64:000$000 réis, que poderiam ter sido gastos, em beneficio dos mesmos povos, conseguindo um desenvolvimento mais effectivo das obras publicas emprehendidas? Parece-me que não.

N'estes termos cumpria, e muito, que se fosse mais parco nas censuras ao governo; e que se não pretendesse lançar-nos em rosto o não terem sido effectuadas mais economias; obras desta ordem não as tem realisado este governo, o que não significa que não possa ainda haver um ou outro abuso; não se consegue tudo de repente, e não se obtem em seis meses aquillo que outros, cheios de experiencia dos negocios, com amplos conhecimentos e sincero desejo de acertar, não conseguiram alcançar em oito annos, como amplamente o demonstram os factos pouco brilhantes que, acabo de narrar á camara.

A estrada, a que me referi, já estava em 11:000$000 réis por kilometro. Não sei em que proporção de despeza ficará depois de completa a sua construcção.

Mas similhante facto não é isolado.

A estrada districtal n.° 128, no lanço de Alportel ao Barranco do Velho, tem uma extensão de 10:658 metros. Custou 277:806$906 réis, foi assim a despeza, por kilometro de 26:000$000 réis, quasi tanto como um caminho de ferro, e note-se que as obras de arte e as terraplanagens ainda se, achavam incompletas!

Os exemplos multiplicam-se.

O lanço de Tavira a Martim Longo, na estrada districtal n.° 127, tem de extensão 8:243 metros, e custou 142:573$505 réis. Neste lanço foi, pois, n'esta estrada de 18:000$000 réis o custo kilometrico, sem contar as pontes e o pavimento que ainda faltam, achando-se concluida unicamente a terraplanagem.

Nestas circumstancias se gastaram no Algarve réis 1.603:000$0OO em obras publicas, desde junho de 1875 até junho de 1879!

Significarão estes factos unica e exclusivamente amor pelo fomento, paixão por que se desenvolvam as obras publicas, cuja iniciativa s. exa. o sr. Fontes. Pereira de Mello, parece querer monopolisar para si?

Quando hontem eu ouvia o digno par com aquelle agrado e admiração que a fluência da sua palavra e os seus altos dotes parlamentares justificam, parecia-me comtudo, que s. exa. se limitava a repetir idéas que se encontram exaradas, quer nos seus relatorios como ministro, quer nos seus discursos, e sobretudo num que proferira em 1869 em circumstancias muito analogas ás actuaes, e, defendendo a administração de que fizera parte.

Era então ministro da fazenda o meu illustre antecessor, o sr. conde de Samodães, que tambem foi accusado de traçar um quadro demaziadamente negro da situação do paiz, de assustar com elle os nossos credores e de promover a baixa dos fundos publicos. Esse illustre ministro, ao qual já hoje se presta-a justiça que lhe é, devida em alguns dos jornaes que mais o arguiram reconhecendo agora esses jornaes que elle effectivamente conseguiu melhorar de modo sensivel a nossa situação com as providencias que propoz, e que successivamente foram sendo adoptadas esse homem muito distincto, que eu ouvi accusar de comprometer os interesses do seu paiz, porque ousou revelar-lhe a verdade, teve na capara electiva um debate com o sr. Fontes? que, em resposta, a s. exa. teve occasião, fazendo-o quasi nos mesmos, termos em que hontem-me respondeu nesta casa, de desenrolar, ante o paiz inteiro as glorias dessa rede de- melhoramentos materiaes, cuja realisação o digno par teima em attribuir ao seu partido com exclusão de todos os outros.

Alludiu então s. exa. aos caminhos de ferro, ás vias de communicação ordinarias, aos telegraphos eléctricas, as obras de barras portos e rios, aos subsidios para a navegação; emfim, a esses emprehendimentos que explicam o grande progresso da riqueza publica.

O digno par Apresentou-nos hontem quasi a reprodução daquelle discurso e a renovação dos argumentos então adduzidos.

Mas, sr. presidente, por muito seductoras que sejam as palavras do sr. Fontes não levemos o nosso amor pelos melhoramentos materiaes a ponto de que nos custe sessenta ou quarenta aquillo que nos póde custar vinte ou dez. Não pretendo affirmar que nós governo actuai, não possamos tambem enganar-nos podemos ser infelizes, mas o que é certo que pela nossa parte diligenciaremos que se não repitam factos como aquelles que acabo de expor á camara, e cujo conhecimento serve como voz de aviso para evitar a sua repetição.

Não sei se o conseguiremos mas se o não conseguirmos, ha muitas vozes, eloquentes nesta casa, que nos lançarão em rosto termos prometido seguir rumo diverso, para a final conservarmos as cousas no estado em que as encontrámos.

Mas voltando ainda ao meu ministerio e sobretudo aquella these que me preoccupa tanto, e que foi, defendida pelo sr. conde de Valbom refiro-me á possibilidade de obter de prompto pela melhor administração do imposto o remedio para o mal financeiro de que padecemos não posso deixar de dizer ainda algumas palavras que tem referencia com esse assumpto.

Accusam-me severamente por eu ter proposto o meio de arrecadação de que trata o projecto que se discute, e até se fallou a proposito da arrematação do real de agua, na intervenção infeliz do espirito da localidade, na administração da fazenda, e nas successivas e inconvenientes transferencias feitas pelo meu ministerio para satisfazer aos, desejos e imposições desses centros e clubs a que estamos subordinados, na palavra dos nossos adversarios politicos com sacrificio da nossa propria dignidade, e esquecendo o decoro que devemos ao logar que occupamos.

N'esta parte seja-me permittido declarar terminantemente que - o governo, não obedece a nenhumas influencias locaes, debaixo do ponto de vista que se pareceu querer inculcar. As influencias locaes, todavia, podem muito bem, dadas certas condições, intervir com vantagem na marcha administrativa de um governo qualquer, concorrendo com a sua iniciativa ou com as suas indicações para a melhor gerencia dos negocios publicos no seu conjuncto geral, será que dahi provenha desaire para quem tem a seu cargo a suprema direcção desses negocios.

Demais, todos os governos obedecem a essas influencias, e não vejo que o digno par, quando esteve no poder apesar da sua energia e incontestavel elevação de caracter conseguisse sempre repelli-las para longe de si.

Mas se é certo que nos deixamos dominar por esses circulos e centros, se para lhes obedecer fazemos transferen-

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das inconvenientes resultando dahi necessariamente diminuição na cobrança dos impostos; o que se póde suppor, em vista de tal procedimento por parte do governo, é que nós desprezamos os recursos do que podiamos dispor, e perdemos assim a forca moral de que tanto carecemos para exigir do paiz novos sacrificios, que em tal caso cousa alguma podo justificar.

Esta doutrina poderia ser de natureza a causar grandissima impressão no animo dos que a ouvem expor, se não partisse de um facto absolutamente inexacto, o decrescimento accentuado na cobrança dos impostos directos este anno.

A tal respeito cumpre-me informar a camara do seguinte. Os impostos directos renderam nos annos do 1874-1875 o 1878-1S79 o seguinte:

Em 1874-1875 6.187:681$470
Em 1875-1876 6.022:913$548
Em 1876-1877 6.105:890$196
Em 1877-1878 6.062:787$890
Em 1878-1879 6.001:742$765

Mas ainda ha mais. Em 30 de junho de 1872 a importancia dos documentos de cobrança não realisada por contribuições directas era de 3.593:000$000 réis, em 30 de junho de 1874 subia a 3.746:000$000 réis, o augmento era, pois, de 153:000$00,0 réis, correspondente a uma medida de 75:000$000 réis por anno. Em. 30 de junho de 1879 o atrazo subia, porem, a 4.527:000$000 réis, o accrescimo anual médio desse atrazo na cobrança, verdade é que sobre uma somma liquida maior, duplicava, pois, elevando-se a 156:000$000 réis por anno:

Ora já vê a camara que tem havido um decrescimento no producto destes impostos, filho, em parte, de um atrazo maior na cobrança, e que esse decrescimento se tem accentuado regularmente de anno para anno, no periodo de que fiz menção. Poderá, portanto, em presença deste facto, asseverar-se, com justiça, que algum atrazo na cobrança, quando comparada com a do anno anterior, atrazo que de mais a mais se vae vencendo de mez para mez, como o demonstram as notas respectivas publicadas no Diario do governo, resulte de que o governo descure a administração, e possa ser atribuída a uma influencia perniciosa das localidades e ás transferencias dos funccionarios, cuja origem se quer ver nessa influencia?

A que vem, pois, andar-se dizendo e espalhando por toda a parte, tomados para base os factos a que me refiro, que podiamos, melhorando a fiscalisação, conseguir os mesmos resultados que queremos ir buscar ao aggravamento do imposto?

Esta doutrina, tenho-o dito muitas vezes, e repito-o agora, reputa-a perigosa, e hei- de combate-la sempre.

Disse o digno par, o sr. Fontes que nunca recusara o imposto, e se gabava de ter ajudado a incutir no animo do paiz a convicção da sua indispensabilidade.
Já por minha parte declarei á camara quaes as circumstancias em que o paiz se prestou a sacrificios, e por que rasão em outras mostrava reluctancia para os acceitar. Houve uma epocha em que as receitas publicas augmentavam de facto, numa rapida progressão, e por motivo de aggravamento do imposto, melhorando-se assim sensivelmente a situação do thesouro como se prova do modo mais terminante pelos algarismos que tenho apresentado á consideração da camara.

O déficit que em 1868-1869 andava por uma somma superior a 6.000:000$000 réis, quatro annos depois achava-se reduzido a metade daquella somma.

Em 1872, ainda o sr. Fontes, que assumia o poder no meado do anno anterior, conseguiu melhorar, por diferentes propostas que chegaram a ser convertidas em lei, a situação da fazenda publica.

Mais tarde, porem, tudo mudou, e ou se não fallava em impostos, ou se encontrava reluctancia no paiz para os acceitar.

Como explicar este facto?

Alludindo ao seu procedimento em materia de creação de receita, acrescentou ainda s. exa:

"Pois, quem tem ajudado, como eu o tenho feito sempre a luctar com o déficit, póde com justiça ser accusado de o crear? O déficit não desappareceu nunca, nem ha de desaparecer tão cedo pela forca das circumstancias, o déficit nunca se extinguira."

E eu que ainda conservava na memoria alguns periodos dos relatorios do sr. Serpa, em que oficialmente se declarava o déficit extincto; eu que me recordava da singela, mas eloquente epigraphe em typo miúdo, á ingleza, epigraphe que se ha ao lado do texto do mesmo relatorio, e que resava da extincção do déficit, desse déficit que representava o preço das nossas conquistas liberaes, e dos grandes melhoramentos publicos; eu que me lembrava que nesse anno, era que o tal déficit se extinguia, elle aparecera resuscitado gloriosamente no fim da gerencia, na importancia de 2:000 e tantos contos não pude deixar de me admirar muito do que ouvia, dizer hontem ao sr. Fontes. Se o déficit chegou a estar extincto em tempo de s. exa., e se reapareceu, quem o creou? Necessariamente quem, estando no poder, não tratou de aproveitar circumstancias? tão favoraveis, e só curou de o augmentar em uma tão grande proporção.

Eu peço desculpa a v. exa. e á camara se me vejo Abrigado a repetir alguns factos e algarismos do meu relatorio; mas sou levado a fazel-o porque esta discussão deve ter uma grande publicidade, e considero que aquelle documento não póde tão facilmente chegar .ao conhecimento de todos. Talvez entenda mal, mas creio que é indispensavel que nestes assumptos a opinião publica tenha todos os elementos para se pronunciar com conhecimento de causa.

O tal déficit extincto não só resurgiu, mas cresceu e medrou de facto nas seguintes proporções:

Tendo sido em 1873-1874 de 2.266:000$000 réis, subiu successivamente a 2.551:000$000 réis, 4.051:000$000 réis e 5.000:000$000 réis, para chegar em 1878-1879 a 5.259:000$000 réis, algarismo que se teria elevado ás vertiginosas proporções de 7.759:000$000 réis se não tivesse havido a antecipação da receita do tabaco.
Portanto, quem creou o déficit?

Se s. exa. foi ò proprio a declara-lo extincto e elle reapparece na importancia de 7.000:000$000 réis, não nos accuse a nós por esse facto.

Fazendo coro com outros dos meus accusadores, censurou-me o digno par por eu ver as cousas em negro, embora fizesse justiça ás minhas intenções, porque s. exa. foi, como sempre, eminentemente cortez, respeitador de todas as conveniencias parlamentares, ferindo o adversario não com doestos mas com argumentos que significavam a traducção do seu pensamento, e o resultado de um estudo serio e consciencioso.

Na sua ordem de idéas o digno par declarou, pois, que eu. vendo tudo em negro, commettia nisso uma grave inconveniencia, porque fazia lavrar a descrença no paiz; mas a verdade felizmente é que o credito não está affectado, nem em Lisboa, nem em Londres, e o facto animador, o facto que torna realmente injustificavel essa descrença, é o de ter o paiz supportado. virilmente a exposição que lhe foi feita, com o intuito unico de obter remedio para o mal.

Não é isso devido de certo aos homens que compõem este governo, não se arrogou elle tamanho merecimento, esse facto é devido ás forças vitaes .do paiz, ás virtudes cívicas dos portuguezes. Seria erro e falta de patriotismo confiar nellas, e expor a verdade?

Fui accusado deter comettido um erro quando escrevi no meu relatorio que a importancia dos juros e encargos da divida publica era de 14.604:000$000 réis.

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S. exa. notou, e muito bem, que dessa importancia, havia a abater 766:000$000 réis de juros dos titulos na posse da fazenda, e entre elles dos bonds cancellados e depositados no banco de Inglaterra desde 1845, com o fira de iniciar uma amortisação que as circumstancias ainda não permittiram levar a effeito.

Fiquei realmente contristado quando ouvi o digno par, porque ao escrever aquelle relatorio pesava sobre a minha consciencia um profundo sentimento de responsabilidade, e só desejava dizer a verdade ao paiz, não lhe occultando nenhum elemento indispensavel para avaliar a situação; diligenciei, porem, fazel-o com a maxima segurança, não avançando proposições que não podessem firmar-se em documentos e algarismos officiaes, e por mim transcriptos como documentos no mesmo relatorio.

Por forma alguma desejava que se suppozesse que o que eu pretendia sómente era lançar qualquer desfavor no animo do publico, contra os nossos antecessores, ou aggravar sem necessidade um quadro já de si bem pouco agradavel.

Não podia ser esse o meu pensamento; o que eu queria era descrever o estado das cousas, para que o paiz, conhecedor delle, me não faltasse com o seu apoio.

Affligiu-me, pois, muito a accusação de s. exa; entretanto, sr. presidente, quando mais tarde, no remanso do meu gabinete, pensei no caso, fiquei bem mais descansado.

O que procurava eu, no periodo incriminado pelo digno par? Procurava comparar, com o algarismo representativo da receita geral do thesouro, a totalidade das despezas que não significavam retribuição de nenhum dos serviços activos do estado; isto é, juros da divida publica, encargos a satisfazer ás chamadas classes inactivas, e os vencimentos dos servidores do estado aposentados.

Nestas circumstancias, eu achava que a addição de todas estas parcellas representava uma totalidade de réis 16.206:245$574, para oppor a uma receita de réis 26.106:491$000: ficava-me, portanto, para occorrer a todas, as despezas ordinarias dos diversos serviços publicos, a, somma exígua de 9.900:000$000 réis; e era este, note bem a camara, o elemento que eu procurava determinar e que está perfeitamente exacto; porque se não deduzir da cifra dos encargos da divida publica os 766:000$000 réis de titulos na posse da fazenda, foi por outro lado acrescenta-los como compensação ao algarismo representativo da receita geral do estado, que constituia o segundo termo da comparação.

Não é, pois, por este facto que tanta impressão parece ter produzido no animo do digno par, que eu posso ser censurado de ter sido narrador menos fiel, de haver descripto com cores mais negras a situação da fazenda publica, do que na realidade ella devia ser descripta.

Para corroborar esta ultima accusação, ainda s. exa. o sr. Fontes, repetindo tambem por seu lado proposições e argumentos, muitas vezes produzidos nos seus relatorios e nos seus discursos, observou que parte da nossa divida publica representava as sommas que o paiz levantara para occorrer ás despezas da implantação do systema constitucional; e que o resto na sua maxima parte significava o pagamento dos encargos que o estado tinha contrahido para dotar o paiz com os elementos da sua progressiva civilisação e dos seus importantes melhoramentos materiaes.

Comtudo, sr. presidente, se eu olhar para a historia financeira de outros paizes, e a comparar com a do nosso, mal poderia attribuir só a essas causas os embaraços financeiros com que luctamos, nem contentar-me com uma tão commoda explicação.

Bastaria para destruir essa illusão attentar no que se tem passado em Itália e na França, e nos sacrificios extraordinarios que uma e outra tiveram de supportar, a primeira para constituir a sua unidade, e a segunda para custear e sofrer as consequencias terriveis de uma guerra tão desastrosa como o foi a guerra franco-prussiana. Pois não obstante isso serão, porventura, as dividas da Itália o da frança, proporcionalmente tão avultadas como as de Portugal? Estarão as suas finanças em condições tão precarias como as nossas? Pois poderá esquecer-se o facto de que ao passo que o encargo médio da divida publica, entre nós attinge 3$000 réis, em Franca era ha pouco tempo, e á depois da guerra, de 4$426 réis; na Inglaterra do réis 3$359; na Áustria, de l$975 réis; na Bélgica, de 1$559 réis, e na Prussia de 500 réis.

Não posso, portanto, deixar de lamentar a situação desfavoravel em que encontro o meu paiz, onerado com um déficit avultado e com uma divida tão consideravel, que o digno par debalde tenta explicar pelos sacrificios inherentes á conquista da liberdade, e ao desenvolvimento dos melhoramentos materiaes. E ao menos eu pediria ao digno par que eliminasse a primeira d'estas explicações, mesmo porque ninguem é menos proprio para recorrer a ella do que s. exa. Pois o preço da conquista da nossa liberdade não se encarregou o sr. Fontes de, em grande parte, o liquidar em 1851? E não se veja nestas minhas palavras uma censura a s. exa. O sr. Fontes prestou um serviço eminente ao paiz em 1851, deu garantias reaes aos nossos credores, assentou em bases mais solidas o nosso credito, praticou um acto de arrojada iniciativa, que muito o honra! (Apoiados.) Mas qual seria o ministro da fazenda que ousasse hoje propor uma liquidação similhante a de 1851?

Não venham, pois, dizer-nos que a nossa divida representa o preço de beneficios politicos e sociaes. É preciso reconhecer que não convem continuar a ir muito longe neste caminho, devemos lembrar-nos que não é possivel como nos ultimos seis annos pedir ao credito 42.000:000$000 réis, do que resultava um encargo médio de 460:000$000 réis annuaes, encargo que não encontrava para o compensar nenhuma creação de nova receita.

Não ha obras publicas, não ha fomento que possa com um similhante systema de administração.

A Itália, cuja raça e costumes são tão identicos aos nossos, e que passou por guerras como as de 1859 e 1866, que venceu muitos perigos e fez collossaes despezas para constituir a sua unidade, tinha em 1861 uma receita do 517.000:000 francos, e uma despeza de 932.000:000 francos, o que representa a existencia de um deficit de francos 415.000:000.

Pois esse paiz que não só constituiu a sua unidade, que tem duas linhas ferreas paralelas uma ao longo do Adriático, outra que segue o golphc de Leão, communicando ambas entre si por custosas obras de arte através dos Apeninos; esse paiz, que tem obtido tão extraordinarios resultados no campo da politica e da administração, apresenta hoje o seu orçamento equilibrado, e anuncia reformas economicas importantes e a supressão dos seus impostos mais vexatorios. E nós que ternos gosado ha trinta annos uma paz permanente, paz que o sr. Fontes, no primeiro ministerio regenerador ajudou, com o seu valiosissimo préstimo, a firmar; nós que temos gosado esta paz tão benéfica, como podemos explicar pela conquista da liberdade verificada, ha tantos annos a grandeza da divida que nos opprimo? E como é que não podemos deixar de receia ir agravando dia a dia, e pela forma por que teve logar nos ultimos annos, o estado da fazenda publica?

Sr. presidente, eu entendo que não devemos deixar de progredir nas obras publicas, mas devemo-lo fazer com mais moderação, e sobretudo olhando mais pelo seu custo.

Que se peçam annualmente dois ou tres mil contos para obras publicas, de accordo, mas que se votem logo os meios de occorrer aos encargos que resultam desse pedido, e não estejamos a augmentar o déficit, a aggravar a situação da fazenda, para não chegarmos a termos de fazer uma liquidação como a de 1851, que hoje nenhum ministro proporia. (Apoiados.)

Sr. presidente, diz-se que este governo não governa, que está entregue ás inspirações dos centros provincianos, que

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a maioria parlamentar que o apoia não tem significação partidaria não é uma maioria de governo consubstanciada com o pensamento deste, que essa maioria emfim é um producto do estreito espirito das localidades, que o domina é lhe tolhe o elevar-se á comprehensão dás elevadas idéas de governo.

Mas, sr. presidente, a historia de ha mezes não póde facilmente apagar-se da memoria de todos nós S. exa. a tinha uma maioria, que em grande parte escapava a essas perniciosas influencias locaes, mesmo porque desconhecia as localidades que representava; era, pois, uma maioria correspondendo de modo cabal ao desideratum do digno par, uma verdadeira maioria dó governo; nestas circumstancias pergunto eu, e perguntarão todos, porque largou s. exa. o poder? Para que abandonou a sua maioria? (Apoiados.)
Mas, justamente por ser á maioria que apoia o governo actual, composta de cavalheiros que conhecem as localidades, é que mais facilmente poderá fazer-lhes conhecer a necessidade dó imposto, e por consequencia concorrer do modo mais seguro para o melhoramento da fazenda publica.

Nós não queremos maioria, reflexo apenas do pensamento do governo, queremo-la que seja conhecedora das necessidades publicas; é só assim, inspirando-se na opinião, que se póde governar, e é por tal forma, que o governo espera e confia obter os melhoramentos na administração de que o paiz tanto carece.

Fui alcunhado de radical, tendo-o sido muitas vezes de reaccionario, confesso que realmente a accusação me espantou. Pergunto pois: verdadeiramente, em que campo me acho? No campo ultramontano ou no dos radicaes intransigentes? Bem sei que, segundo, as idéas adoptadas por alguns espiritos que pretendem ler muito fundo na consciencia humana, e na opinião de homens que se julgam muito conhecedores da politica, que os dois extremos se tocam. Ora, havendo na opinião desses homens duas ordens de demagogia, a demagogia vermelha e a demagogia negra, 1 sempre desejava que me dissessem em qual destas duas fazem a mercê de me julgar filiado? O que eu digo, sr. presidente, é que me podem alcunhar como quizerem, de radical ou reaccionario, porque, estando eu certo da consideração dos meus amigos e dos meus collegas tendo a consciencia tranquilla com respeito aos meus actos, pouco me importam taes accusações, é se me dou ao trabalho de tomar conhecimento dellas, é para as esquecer desde logo completamente.

Sr. presidente, quando ouvi o sr. Fontes Pereira de Mello affirmar com aquelle entono, com aquella declamação animada que são peculiares de s. exa. é caracteristica dós seus altos dotes oratorios, apontando para nós, que este governo não estava no poder por que o houvesse conquistado, dando a entender que o estava pelo simples favor de alguem, não pude deixar de sentir que s. exa. proferisse taes palavras. Nós estamos aqui em virtude das indicações da opinião publica, que levaram o poder moderador, que sabe discernir perfeitamente entre a lucta dos partidos quaes são os indicies seguros dessa opinião, a chamai- aos seus conselhos os homens que se sentam nestas cadeiras, e que representavam e representam um partido que conserva o prestigio perante essa mesma opinião. Nem de outro modo se deve julgar á formação deste ministerio.

O augusto chefe do estado, que tão bem sabe manter o fiel da balança politica, não deixou, creia-o s. exa. de attender na formação deste gabinete sobretudo ás indicações da opinião.

Por mais importante que seja um tomem que se ache á frente de um partido, por muito altas que possam reputar-se as suas qualidades, por mais eminentes que sejam os seus talentos, embora em um paiz constitucional como o nosso, não póde nunca deixar como legado o poder a quem quizer.

Isto não póde acontecer, não deve acontecer nunca em uma nação onde vigora o systema parlamentar. (Muitos apoiados.)

Nós não estamos aqui por condescendencia do sr. Fontes, nós estamos aqui, repito, por virtude das indicações da opinião pública, em resultado de uma legitima comprehensão do mechanismo constitucional.

O digno par declarou que não concorria á successão do poder. Creio tambem que isto se não póde dizer num paiz que se rege por um systema como o nosso.
Acho muito perigosa á doutrina de s. exa., e não posso deixar1 tambem n'este ponto de levantar um protesto, contra as suas palavras. Fallo perante uma assembléa composta de homens representantes em grande parte das grandes tradições da aristocracia fallo perante os representantes da grande propriedade, diante de estadistas eminentes, de oradores distinctos de homens publicos conhecedores de todas as necessitardes do paiz. Não admira que em taes circumstancias eu experimente um natural acanhamento, e o meu espirito se ressinta de uma melancolia explicável pelo aspecto augusto d'este recinto.

Alem de que, por parte de algum dos oradores que tem entrado no debate, tem-se-lhe imprimido um tom funebre, que hão é proprio para destruir no meu animo esta notavel impressão.

Um digno par alludiu, por exemplo, ás aves de presa que ordinariamente se aproximam, quando a morte já tomou posse da sua victima. Após estas palavras tão fúnebres, tão repletas de sinistros precentimentos, levanta-se outro digno par, e discute mansa serenamente a successão do poder. O sr. Fontes desejaria que os ministros se conservassem, mas desde já declara, para socego dos mesmos ministros, e dos seus amigos que n'esta conjunctura s. exa. não virá ao concurso do poder. Eu, permitta-se-me comtudo observar a s. exa., que não vae a esse concurso quem quer, mas sim aquelles que as circumstancias indicam. Nós vivemos num paiz constitucional, e não ha entidade alguma que possa ir ou deixar de ir ao concurso dá poder por seu simples alvedrio. (Apoiados)

O governo está n'estes logares em virtude do livre jogo das instituições constitucionaes (Apoiados.) Ninguem lhe póde intimar antes de tempo a retirada. (Apoiados.) Não julgue s. exa. que consideramos proximo o termo da nossa governação. Sentimo-nos com muita vida. Na outra casa do parlamento temos maioria, cheia de convicções e de crenças firmes que nos apoia com a maxima dedicação. Não ha prova alguma de que esta camara nos recuse a sua confiança; esperamos mesmo que não ha de faze-lo, porque esta camara representa um principio altamente conservador, e não é no momento actual, quando parece que todas as indicações da opinião, todas as conveniencias estão mostrando a necessidade de se conservar este ministerio, não é agora que ella, mentindo ás suas tradições, irá intimar-nos, com uma votação sua, a que saiamos do poder.

O ministerio não se arreceia nem das aves de presa imaginadas pelo sr. conde de Valbom, nem do concurso ao poder a que o digno par alludiu.

Não quero por modo algum tomar mais tempo a camara, não discutirei por isso hoje a arrematação do real de agua com á largueza com que s. exa. o discutiu unicamente no fim do seu discurso, creio que na intenção de o prolongar até que soassem as cinco horas, poupando-me assim o desgosto de protelar por duas sessões a minha resposta a s. exa.

Estão inscriptos muitos oradores notaveis, a maior parte delles a favor do projecto. Conhecem s. exas., bem as suas disposições, sabem o espirito que as inspirou, a s. exas., entrego a sua defeza.

Termino, pois, aqui o que tinha a dizer.

Fiz o que me cumpria: levantei algumas phrases que considero injustas, delimitei os campos que realmente nos separam, confrontei as escolas a que ambos pertencemos.
(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.)

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O sr. Visconde de Chancelleiros: - Usando da palavra sobre a ordem, não tenho o intuito de preterir nenhum dos oradores inscriptos sobre a materia. Não pretendo por este meio tomar a palavra de assalto.
Tratarei apenas de justificar a moção que vou ter a honra de mandar para a mesa.
É a seguinte:
(Leu)
Creio que o regimento me confere o direito de abonar com breves reflexões esta moção. Se as disposições regimentaes me garantem esse direito, v. exa., o dirá, e nesse caso, apenas por alguns minutos usarei da palavra.

O sr. Presidente - É exactamente essa concisão o que eu recommendo ao digno par. O regimento permite-lhe sustentar a sua moção, e nada mais.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Justificou o adiamento do projecto em discussão, dizendo que, se as declarações do sr. ministro na commissão eram, como affirmou o parecer, de que não faria uso da auctorisação pedida senão com referencia aos conselhos onde a cobrança do real de agua por conta do governo fosse inferior á cobrança municipal do mesmo imposto, nem o governo nem a maioria podiam deixar de o acceitar, por isso que o que propunha era que o governo não usasse da auctorisação depois de ser conhecido o resultado do novo serviço de fiscalisação e cobrança do real de agua. Disse que era isso o que a prudencia pedia, porque era arriscado juntar o ensaio às arrematação com o do novo regulamento, sem vantagem conhecida, por isso mesmo que se o que se pretendia era fazer com que as camaras municipaes se avençassem com o governo, esse mesmo fim se conseguia pelo regulamento que concede ás camaras essa faculdade.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do digno par o sr. visconde de Chancelleiros.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho o adiamento do projecto em discussão, e que este volte á commissão para que de novo ella aprecie o pensamento e disposição delle, confrontando-o com o resultado pratico da cobrança e fiscalisação do real de agua, executado o regulamento de 29 de dezembro de 1879.= Visconde de Chancelleiros.

O sr. Presidente: - O nosso regimento determina que estas propostas sejam previamente admittidas, por isso vou consultar a camara sobre se admitte esta proposta á discussão.

O sr. Barros e Sá: - Desejava que s. exa. me dissesse se, votada a admissão do adiamento, elle é discutido como questão previa, ou se entra em discussão conjunctamente com o projecto. No caso que seja admittido para entrar em discussão com prejuizo do projecto, eu voto contra.

Parece-me tambem que a palavra deve ser concedida a um orador que falle a favor do projecto, visto que o sr. visconde de Chancelleiros acabou de fallar contra.

O sr. Presidente: - Quando tratava de consultar a camara sobre a admissão da proposta do sr. visconde de Chancelleiros. o digno par, o sr. Barros e Sá, desejou ser informado se a votação que ia ter logar era para discutir conjunctamente o adiamento com a materia principal; e então devo observar que é costume da camara, e appello para a reminiscência dos dignos pares, que as propostas de adiamento entrem em discussão conjunctamente com a materia principal. N'este sentido vou consultar a camara.

Quanto á última inscripção, é o sr. relator que provavelmente falia, a favor, e depois segue-se um digno par que falla contra, que é o sr. conde de Valbom.

Consultada a camara, resolveu admitir á discussão a proposta do sr. visconde de Chancelleiros conjunctamente com o parecer n.° 23.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Mello Gouveia, relator do projecto.

O sr. Mello Gouveia: - Relator d'este projecto de lei, que um acaso de distribuição entregou ao menos hábil e ao menos competente dos membros da commissão da fazenda d'esta casa, corre-me o dever de expor á camara os motivos que levaram a commissão a adopta-lo, e imperaram no meu animo para associar o meu voto ao da maioria dos meus collegas.

S. exas., têem todos a palavra, e por corto que hão de desenvolver esses motivos com mais proficiencia e maior esclarecimento da camara, o que me não dispensa a mira de desempenhar esta obrigarão do officio, que espero a camara se dignará patrocinar com a sua alta benevolencia.

Sr. presidente, este debato a que eu não soube calcular os voos, subiu tão alto e alargou-se tanto pelos horizontes da politica e da administração, que abriu mais uma pagina brilhante nos fastos parlamentares d'este paiz, e conquistou para a tribuna do senado mais um titulo de respeito á sua cordura e a sua alta missão ... protectora desapaixonada e serena dos interesses sociaes.

Pairando o debate nas alta; regiões dos principies e doutrinas que governam os interessa economicos dos povos, sinto que não posso levantar-me a essas espheras superiores da discussão, e que tenho de deixar a analyse dos systemas tributários e do plano financeiro do governo, a que assisti com verdadeira admiração pelos [...] e illustração dos precedentes oradores, para me restringir ao thema, do debate, que não deixou tambem do ser largamente elucidado pelos dignos pares que atacam o projecto, e pelo nobre ministro e meu amigo que o defende com distinctissima aptidão parlamentar, comquanto me pareça ora que a discussão se tem desviado um pouco de ponto de vista do projecto, tratando-o em these, como se elle se dirigisse a realisar uma reforma radical no systema das arrecadações publicas, e não na hypothese dos casos excepcionaes a que tem de ser applicado. Este reparo tambem já aqui foi feito por alguns dignos pares, e nomeadamente pelo meu illustre amigo e collega o sr. Visconde de Chancelleiros, que, não obstante, tambem pela sua parte se deixou prender n'elle, occupando-se especialmente de pulir as agruras do regulamento do imposto de 29 de dezembro do anno passado, e de atacar o rendeiro, que ainda agora está em gestação nos seios d'esta discussão.
Sr. Presidente, desprendo-me do debate das theorias economicas, porque não tratamos agora de crear um imposto mas simplesmente de regular, direi melhor, de auctorisar uma forma de cobrança para casos especiaes previstos no parecer da commissão.
E desprendo-me ainda porque a camara conheço a fundo essas theorias; e quando quizesse ouvir prelecções sobre tal assumpto desejaria naturalmente escuta-las a professores auctorisados, e não a um fraco discursador como eu, que não saberia dizer-lhe cousas dignas da sua atenção.

De facto, sr. presidente, ninguem hoje desconhece as criticas que dividem as escolas economicas das imposições directas e das imposições indirectas.

Sabem iodos que es sectárias das imposições directas esgotaram já o vocabulário das affrontas que se podem fazer ás contribuições indirectas, especialmente ás do consumo de substancias alimentícias.
Segundo elles, esta forma de tributo é de todas as mais nocivas porque é a mais desigual, porque é um imposto que os pobres pagam pelos ricos, porque encarece as subsistências e dizima as populações pela deficiencia da alimentação ou pela adulteração d'ella, porque perturba a economia da produção elevando os salarios, porque estimula a fraude e anima a falsificação, e finalmente porque é em muita maneira um dos agentes mais poderosos da desmoralisação pública.
Já vê a camara que se não pode ir mais longe nas injurias feitas aos impostos indirectos.
Pela sua parte dizem os partidários do imposto indirecto que a contribuição directa é uma velharia dos tempos feu

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daes, dessas epochas do immobilidade e de estacionamento social; que guardem lá isso, se quizerem, para os encargos locaes, que são de um caracter mais fixo e permanente; porque o verdadeiro imposto geral das sociedades modernas é o imposto indirecto, que alcança todas as manifestações é toda a evolução da riqueza movei, que se insinua insensivel e proporcionalmente por todas as fortunas, grandes e pequenas, e com ellas cresce, que todos pagam sem dar por isso, e por taes qualidades tem uma facilidade de cobrança que os outros não offerecem.

Assim dizia hontem, se me não engano, o digno, par o sr. conde de Valbom, e assim pensava um dos maiores vultos historicos e politicos que nos foi contemporaneo, o sr. Thiers, já citado neste debate, que na sua predilecção pelo imposto indirecto, quando queria accentuar a extensão da sua incidencia, dizia que "a sua diffusão era como a diffusão da luz".

A camara sabe tudo isto, sr. presidente, e sabe mais que no longo periodo de- combate que levam estes systemas ainda nenhum triumphou, do outro; e que em toda a parte se encontram as contribuições directas e indirectas, predominando umas sobre as outras com mais ou menos desenvolvimento, segundo as condições economicas e politicas das sociedades em que se acham estabelecidas.

Ora, o que a camara não encontra de certo em parte alguma, senão nos nossos usos e costumes, é quem governe sem cobrar nem umas nem outras. Que assim se pode dizer pelo mal que, entre nós, se cobram ambas ellas.

Sr. presidente, se estas theorias ainda não chegaram, a uma solução, é porque a sciencia fiscal ainda não achou a formula do ideal do imposto que procura apurar nas suas locubrações. E se um dia a encontrar, o que é mais que duvidoso, ainda assim lhe ficará para resolver o problema da sua applicação pratica. As condições economicas e politicas dos povos modernos são tão complexas, tão contingentes e variáveis no tempo e no espaço, que é mui difícil conceber a possibilidade de uma formula de imposição absoluta e de valor constante.

Mas, sr. presidente, não é disto que se trata. Não nos occupamos de syndicar dos vicios do imposto de consumo, nem de glorificar as virtudes do imposto directo. Não é esta a questão; é não é a questão, porque eu tenho para mim que a camara não quer modificar ou attenuar os defeitos do imposto do consumo pela relaxação da sua cobrança nem pela tolerancia dos desvios que aqui temos lamentado. Seria esse o maior dos males, que faria de um imposto mau um imposto detestável, aggravando-lhe as desigualdades inherentes á sua natureza viciosa com os arbítrios do favor ou da tyrannia. Não, não póde ser esse nem será nunca o pensamento da camara. O que a camara quer de certo e o que eu tambem desejo é que, vista a necessidade de termos em a nossa economia fiscal este imposto, que o paguem todos os que o devem, e que por todos se reparta com a possivel igualdade o sacrificio do tributo,

Pedindo desculpa á camara desta curta digressão, e dizendo de passagem que tambem me não faço cargo de responder ás apreciações do plano financeiro do governo, que tem nos srs. ministros os seus, naturaes defensores (e o gr. ministro da fazenda já mostrou que não descura a sua, causa), plano que tem de ser aqui julgado em occasião opportuna, sobre o exame de outra ordem de documentos: eu entro na materia do projecto, porque a camara o que naturalmente ha de querer saber da commissão é o que elle é no seu principio legislativo, - e nos seus effeitos, a que se propõe e em que condições se applica. E já não é cedo para ella lho dizer.

Permitta-me, porem, a camara observar previamente que eu não venho aqui propor-me á defensor do rendeiro das contribuições publicas, nem a sustentar a arrematação como norma de administração fiscal. Sei que o estado deve fiscalisar directamente os seus impostos, e não admittiria nunca, como regra, o aluguel destes serviços. Alem disto conheço o desfavor com que a opinião olha este intermediário da arrecadação dos rendimentos publicos, e não me quero fazer solidario com ella das antipathias que o perseguem; mormente nesta casa aonde tive a honra de vir occupar uma cadeira, penetrado do mais profundo respeito por esta augusta assembléa, invariavelmente resolvido a concorrer com o meu voto para lhe guardar o seu decoro e a sua, auctoridade, em todas as circumstancias, e para sustentar as instituições politicas á sombra das quaes me eduquei e fiz a minha carreira. (Apoiados.)
Mas nem por- isso devo obtemperar a prevenções que se me afiguram exageradas, e tendem a afastar uma medida que me parece póde ser util e talvez necessaria em determinadas circumstancias.

Entrando na materia do projecto, e tendo de sustentar o* parecer da commissão com algumas das rasões, que lhe serviram de fundamento e se explicam, em parte, por documentos da minha curta gerencia do ministerio da fazenda, a que os meus illustres amigos e successores naquelle ministerio, os srs. Serpa e Barros Gomes, assim como o meu illustre amigo e collega o sr. visconde de Chancelleiros, se referiram com palavras de estrema benevolencia eu começo por agradecer a s. exas. a sua urbanidade o delicadeza, que muito me penhoram, e sem perigo de desvairar a minha vaidade, porque conheço bem a distancia a que me encontro do merecimento dos meus illustres amigos e do valor dos seus trabalhos de governo.

Sr. presidente, se foi grande o sentimento que a commissão teve em ver separar-se do seu voto o meu illustre amigo o sr. Antonio de Serpa Pimentel, porque não só é sempre desagradavel estar em desaccordo com as pessoas que se estimam e respeitam, mas porque, em questões desta natureza, o parecer de um homem- de estado tão distincto, tão, experimentado em cousas de fazenda, tem tal auctoridade, que detém em serios reparos qualquer opinião contraria; é muita a sua satisfação por ter ouvido que s. exa. aceita como procedentes algumas das rasões determinantes do seu voto e só se separa d'elle porque entende que este projecto é improductivo, e, portanto, não vale a pena de se infringir com elle o principio da, fiscalisação publica dos impostos.

Assim, s. exa. dá nos o gosto de reconhecer que a fiscalisação actual do real de agua é insuficiente para vigiar a boa cobrança deite imposto; que as vexações receiadas da arrematação já hoje não são proprias (neste ponto discorda o sr. conde de Valbom), mas affirma que isto não são motivos bastantes para sanccionar um projecto de lei de resultados absolutamente nullos para o fisco, e que vae alterar é methodo de. arrecadação existente, que é o verdadeiro e o unico sanccionado pelos bons principios de administração; porque, acrescente s. exa. se o projecto podesse dar algum resultado financeiro venceria a sua repugnancia e dar-lhe-ia o seu voto.

Foi desta mesma opinião o digno par, o sr. Fontes Pereira de Mello, de quem me honro de ser amigo, que tambem affirmou não recusaria passar por cima das suas repugnancias se o projecto podesse dar resultados apreciáveis para a fazenda, publica; e eu folgo de registar aqui este parecer do digno par, pela maxima auctoridade e responsabilidade, que tem nas resoluções parlamentares, sendo como é de um homem eminente no seu paiz, e chefe illustre de um dos partidos politicas militantes, que muito respeito e admiro peias suas altas qualidades de cavalheiro e de homem d'estado.

Sr. presidente posta a questão nestes termos, julgo que posso congratular-me com os meus collegas da commissão pôr estarmos todos de accordo com o sr. Antonio de Serpa. Porque nem a lei que resultar deste projecto se ha de executar com effeitos nullos, senão com elles valiosos, previstos é seguros, em conformidade da declaração do governo, consignada no parecer da commissão; nem ella levanta a arrematação em systema de arrecadação dos impostos,

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resuscitando as velhas praticas de administração, porque apenas auctorisa, por excepção, esta forma de arrecadação para casos especiaes e transitorios, que já aqui foram aludidos, e que vou repetir á camara em demonstração do meu asserto.

Sr. presidente, ha já uma larga serie de annos que cobramos o imposto do real de agua, e até agora com muito pouca fortuna na sua fiscalisação.

O producto deste imposto fora da alfandega do consumo em Lisboa pouco tem subido de 800:000$000 réis. Nestes ultimos annos tem elle decrescido alguma cousa. Sabem-se as causas a que se póde attribuir esta diminuição; e não serão nunca de estranhar n'este e n'outros rendimentos as oscillações para mais e para menos dentro de certos limites, porque são numerosos e frequentes os accidentes que influem no movimento da producção, do consumo e do commercio e que se reflectem naturalmente nas receitas publicas.

O que é, porem, digno de reparo é o algarismo maximo em que se tem fixado a cobrança, e que está muito longe de representar a importancia do consumo da materia sujeita ao imposto.

Quando uma vez quiz comparar o facto e o direito que assistiam ao lançamento deste imposto, isto é, ao registo dos manifestos e avenças, que é o seu verdadeiro processo de lançamento, para apreciar a distancia que separa estes dois elementos da cobrança e da receita, procurando conhecer não o consumo exacto do paiz, o que seria impossivel, mas uma approximação segura das quantidades e qualidades dos artigos que entravam com certeza no consumo publico e escapavam ao imposto: colligi os poucos e pouco exactos elementos estatisticos que possuímos e que podem derramar alguma luz sobre a questão; e achei, em relação aos artigos sujeitos ao imposto, pela comparação do que se sabe da conjectura da producção nacional, do destino conhecido de uma grande parte dessa producção, das importações e exportações, dos despachos de consumo na alfandega de Lisboa, do consumo na cidade do Porto, dos manifestos no reino, e emfim das quotas alimentícias pessoaes que os sabios attribuem ao consumo do povo portuguez; achei, digo, que no consumo do paiz entrava com as maximas probabilidades de exactidão uma quantidade de artigos não tributados, que offerecia ao imposto do real de agua uma massa colectável correspondente & mais de 1.800:000$000 réis de direitos de que o fisco não alcançava um ceitil.

A camara sabe que não lhe posso offerecer numeros authenticos, em abono deste conceito, sobre o producto do imposto, porque os não temos; mas quem reflectir um pouco sobre o que póde ser o consumo de um paiz, que conta perto de cinco milhões de habitantes, em generos que entram mais ou menos na alimentação de toda a gente, e tributados com taxas que se não podem dizer multo moderadas, poderá facilmente ajuizar, da approximação destes cálculos, que aliás muito justificam as considerações que se podem deduzir do que se sabe authenticamente, do consumo de certas agglomerações de população, e que convem notar como elementos de comparação.

Consta, por exemplo, dos registos publicos que a cidade de Lisboa despachou em certo anno para consumo da sua população (200:000 habitantes) 14.400:000 kilogrammas de carne; e o Porto para a sua população (100:000 habitantes) 4.600:000 kilogrammas do mesmo genero.

Quer dizer, que as duas cidades que tem barreira foram obrigadas a manifestar e despachar para o consumo da sua população, que pouco mais somma de 300:000 habitantes, 19.000:000 kilogrammas de carne, emquanto que o resto do paiz manifestava, no mesmo anno, para consumo dos seus 4.400:000 habitantes, que povoam as provincias e districtos, fora do Porto e Lisboa, apenas 13.100:000 kilogrammas de carne!

Ora nós sabemos todos que a população das nossas provincias consome incomparavelmente muito menos carne do que as duas cidades a que me tenho referido; mas esta proporão de 19.00O:000 kilogramas para 800:000 habitantes, e de 17.000:000 kilogramas, para 4.400:000 habitantes, é que se não póde admittir, sem a presumpção de que o paiz anda entregue a um jejum muito fervoroso.

Se fixamos a attenção no vinho achamos a mesma anomalia. Lisboa despacha para o seu consumo 18.400:000 litros, o Porto despacha 10:200:000 litros, total 28.600:000 litros para 300:000 habitantes.

Todo o paiz fora destas cidades manifesta para consumo da sua população 44.600:000 litros, apenas 16.000:000 litros a mais, quando é certo que, se as provincias consomem muito menos carne do que o Porto o Lisboa, em vinho não lhe ficam a dever nada, aonde as não excedem.

O que se nota de incongruente e disparatado nos despachos e manifestos de consumo destes dois generos, que entram por maiores quantidades na alimentação do povo, observa-se em todos os outros sujeitos ao imposto do real de agua: e já vêem v. exa. e a camara quanto andámos longe de uma fiscalisação seria do imposto.

Foi determinado por este pensamento, e pela idéa de que a acção do fisco era frouxa e incapaz de dar conta deste vasto, complicado e arriscado serviço, por deficiencia de pessoal e de organisação, que eu tive a honra, ha já dois annos devolvidos, quando pastei pela secretaria do fazenda, de pedir ás côrtes auctorisação para reorganisar este serviço sobre certas bases, pedindo ao mesmo tempo a faculdade de elevar a despeza de fiscalisação até 12 por cento da receita arrecadada.

Esta proposta foi convertida na lei de 4 de maio de 1878 pelo meu illustre amigo, o sr. Serpa, e acaba de ler regulamentada pelo meu nobre amigo o sr. ministro da fazenda actual.

Eu sinto que o sr. Serpa não chegasse a dar á lei o respectivo regulamento, porque veiu assim encontrar, som execução, uma situação politica, que por coherencia com as suas doutrinas e por obediencia ao seu programma de governo, não póde aproveitar-lhe o unico recurso efficaz de fiscalisação que ella contem, que é a barreira.

Fallo da barreira por ter já sido chamada a esta discussão mais de uma vez, e porque era uma das bases da minha proposta, sem a intenção de vir agora discutir aqui como acho illogico, injusto e sem rasão conservai-a nas duas maiores agglomerações de população que tem o reino, Porto e Lisboa, e recusa-la nas terras sertanejas, villas ou cidades, aonde nem a todas as horas se vê na rua um transeunte ou na estrada um viandante, e aonde, portanto, a acção fiscal não daria á circulação das cousas e pessoas a milésima parte do incommodo que dá nas duas grandes cidades, tendo aliás algumas dessas terras já a barreira por conta dos municipios.

O sr. conde de Valbom poz o dedo na ferida. É o consumo em grosso, para não dizer o desvio em grosso, que é preciso alcançar. Oxalá que os regulamentos do sr. ministro da fazenda e melhor as suas boas diligencias, em que eu confio mais, o passam alcançar. E demais como esto imposto ha de durar, ha de dar tempo a que as idéas nesta parte se modifiquem, como espero, reconhecendo todos que em materia de impostos, especialmente nestes de consumo, não ha meio termo entre abandona-los ou sujeita-los a uma fiscalisação seria. E a fiscalização seria é a barreira.

Sr. presidente, a exposição dos fundamentos daquella minha proposta de que acabo do fallar, continha a noticia de um certo numero de factos, já aqui alludidos muitas vezes, que confirmavam o meu juizo sobre a importancia dos desvios do imposto e a debilidade da sua fiscalisação.

Eram as camaras municipaes cobrando por taxas proporcionaes das mesmas imposições 100, 200 e até 500 por cento mais do que obtinha o estado pelo consumo dos mesmos generos e nos mesmos logares.

Ora esta forma de administração, que ainda existe, se-

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gundo aqui nos disse o sr. ministro da fazenda, era intolerável, era uma irrisão da acção publica, chamava a seria attenção do governo e reclamava promptas providencias, que a minha proposta lhe quiz dar, que lhe deu o sr. Antonio de Serpa pela lei de 4 de maio de 1878, e que o sr. ministro da fazenda procura dar-lhe no seu regulamento, e neste projecto de lei que tem especialmente por fim reforçar os seus meios de fiscalisação para os casos resistentes a toda a acção fiscal directa do estado, mostrando a persistência das mesmas anomalias que o meu relatorio manifestou ao publico.

E aqui está o ponto de applicação e de execução da lei que se projecta.

Por exemplo, ha uma camara municipal que cobra dos generos sujeitos ao imposto do real de agua 400$000 réis, quando o estado recebe só 200$000 réis dos mesmos artigos consumidos nos mesmos logares, ou em outros das mesmas condições de população, attendidas as proporções das taxas do imposto; este vicio está inveterado, resiste a toda a correcção administrativa, ou não ha pessoal ou recursos pecuniarios para melhorar esta arrecadação, o governo manda pôr em praça o imposto; se o lanço preenche a differença revelada pela cobrança municipal com aquella approximação que se póde desejar, attendidas as despezas de cobrança do rendeiro e a sua rasoavel remuneração, o governo arremata, se não, não.

É isto o que o governo disse que faria no seio da commissão, e está escripto no parecer. Ora aqui tem o meu illustre amigo, o sr. Serpa, como a lei ha de por força dar um resultado vantajoso para o fisco, ou não ha de ser applicada; e como esta forma de cobrança, que é uma excepção para estes casos especiaes e transitorios, não póde ser invocada como uma revogação do systema fiscal em vigor, póde muito bem viver com elle, servindo-lhe de reforço e contra prova.

Não vejo realmente o que haja nesta providencia que mereça tão viva impugnação dos dignos pares. Ê uma arrematação por dois annos com um producto notavelmente superior á cobrança publica, tempo em que o estimulo do interesse privado vae domesticar essas resistencias que o fisco não soube ou não quiz vencer, e reivindicar os desvios que a administração não soube descobrir. Depois, vencidas as difficuldades, entra de novo a renda sob a acção fiscal da administração publica. Bem sei que me podem dizer que no texto da lei não está esta- forma de execução, affiançada á commissão pelo sr. ministro da fazenda, que s. exa. póde por qualquer incidente retirar-se do governo, e cessa ipso facto o compromisso.

Não acho procedente esta objecção. É certo que nos tempos em que vivemos nada ha de mais precario do que a vida ministerial. Mas guid inde? O sr. ministro póde sair do governo em duas hypotheses, ou porque separa delle a sua individualidade, e neste caso fica a responsabilidade do gabinete, porque é em nome do governo, e como orgão delle que tomamos a declaração do sr. ministro da fazenda; ou porque o gabinete se retira, e esta hypothese é que menos póde inquietar os illustres adversarios do projecto, a quem provavelmente tocará a successão do governo, ficando então inteiramente á sua vontade para não usar da lei, e mesmo propor in continenti a sua revogação, se tiverem isso por mais seguro.

Portanto, sr. presidente, este modo de arrecadação não é a regra, é a excepção; e como excepção, longe de offender os bons principios de administração, está com elles. O que a boa administração exige na arrecadação dos rendimento publicos é que esta se faca quanto ser possa economica e efficaz, e que se guarde ao contribuinte o seu direito. É exactamente numa idéa eminentemente economica de levantar consideravelmente o rendimento e de diminuir o encargos da cobrança que a commissão dá a sua approvação a este projecto. Pelo que toca ao respeito devido aos direitos do contribuinte, o arrematante, dado o caso de arrematação, que fica subrogado nos direitos dá fazenda, não os terá melhores do que ella; e não poderá fazer extorsões e violencias reprovadas pelas leis, ficando o contribuinte na posse de todos os recursos legaes de opposição que o governo lhe* ha de ainda1 garantir mais eficazmente nas instrucções para as arrematações; e o rendeiro, a meu ver, muito mais embaraçado do que o estado para todo o procedimento coercivo, em que terá de recorrer á intervenção dos officiaes publicos, que provavelmente não hão de timbrar em zelo pelo seu serviço.

Com isto respondo á generosa indignação manifestada por alguns dignos pares contra os vexames que, no entender de s. exa., são de receiar do arrematante do real de agua.

Sr. presidente, o rendeiro dos impostos, que tanto preoccupa os dignos pares, não é uma novidade, nem uma resurreição do antigo regimen, porque o temos ahi, vive comnosco, está nos municipios; e póde tambem ser admittido nas circumstancias excepcionaes já indicadas.

Se o contratador dos impostos é um personagem temeroso e assolador, não sei porque ordem de idéas queremos com tanta vehemencia guardar delle o estado, e o deixamos devastar os municipios, devastados os municipios o que ficará do estado?!

Sr. presidente, hoje já a ninguem, mette medo o rendeiro do fisco. As tradições ominosas dessa entidade odiosa que explorava impunemente o povo (e nem sempre foi impunemente) em seu proveito e beneficio das classes privilegiadas, isentas de todo o imposto, e indifferentes aos clamores dos opprimidos, porque interessavam em guardar a sua isenção á custa delles, já nem sequer são uma ameaça, são uma lenda!

Eu voto o projecto.

(O orador foi comprimentado por varios dignos pares.)

O sr. Conde de Valbom:- Sr. presidente, em má hora me cabe a palavra, porque a sessão está a terminar; faltam apenas alguns minutos. Se v. exa. e a camara quizessem ter a condescendencia de me conceder que ficasse com a palavra reservada para amanhã, eu ficaria muita agradecido. Peço a v. exa. que consulte à camara sobre se consente que me fique a palavra reservada para a primeira sessão.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre o pedido do digno par, o sr. conde de Valbom. Os dignos pares que são de opinião que o sr. conde de Valbom, attendendo ao adiantado da hora, comece o seu discurso na proxima sessão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira, 5 de março, é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 3 de março de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Vallada, de Sabugosa; Arcebispo de Évora; Condes, dos Arcos, de Avilez, de Bertiandos, de Cabral, de Castro, do Farrobo, da Fonte Nova, de Gouveia, da Lousa, de Linhares, de Paraty, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre, de Valbom, de Bomfim; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Algés, Alves de Sá, de Bivar, de Chancelleiros, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, de S. Januario, da Silva Carvalho, de Villa Maior, de ^Borges de Castro, da Borralha; Barão de Ancede; Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Montei-

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ro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona do Freitas, Xavier da Silva, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Margiochi, Fortunato Barreiros, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Trigueiros Martel, Braamcamp, Pinto Bastos; Castro, Reis e Vasconcellos, Cardoso, Lourenço da Luz, Mello e Gouveia, Mexia Galema. Camara Leme, Luiz de Campos, Daun e Lorena, Castro Guimarães; Seixas, Vaz Preto, Franzini, Canto e Castro, Miguel Osorio, Ornellas, Mathias de Carvalho, Placido de Abreu, Calheiros, Ferreira do Novaes, Ferrer, Seiça e Almeida, Thomás de Carvalho.

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