DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 183
haviam continuado ininterrompidamente no serviço militar?
Poderá suppor-se que a falta absoluta de reclamação contra taes disposições legaes, e contra os actos do governo, resultou da incuria, da negligencia ou da ignorancia dos interessados? Ninguem o dirá.
VII
Demonstrada fica á saciedade a legalidade da situação militar de Damasio, á qual corresponde a illegalidade dos fundamentos do decreto de 10 de setembro e dos mais que a este se referem, e tambem a dos proprios decretos. - Nem preciso é recorrer ao vicio da incompetencia e da falta de jurisdicção que havia no poder executivo para resolver qualquer reclamação. - Pelos decretos sobre que se disputa foram evidentemente offendidas as leis que regulam o accesso e a reforma dos officiaes do exercito. - Taes decretos são oppostos, contrarios, ás leis vigentes, e por isso torna-se forçoso e indispensavel revogal-os, ou sanccional-os legislativamente. - Annullal os seria o mais logico e o mais concludente, mas não seria talvez o mais conveniente aos interesses do estado. Na alternativa de lhes dar força de lei, sanando a sua illegalidade, ou de os revogar, a vossa commissão entende que é mais conveniente dar lhes confirmação. - Foram elles publicados e crearam direitos ou interesses. Deram causa a plausiveis esperanças, e á espectativa de posições futuras mais lisonjeiras. A vossa commissão não parece conveniente que essas esperanças e essa espectativa seja agora cortada e destruida de repente. - Com relação a alguns dos interessados aque1les decretos estão já em rigorosa execução, e para esses estão creados direitos perfeitos que não podem ser destruidos arbitrariamente por actos de pura administração. Só as jurisdicções legalmente constituidas poderiam intervir nos pleitos que, para recusar-lhe execução, fossem intentados por parte do estado. - E será conveniente lançar os officiaes do exercito na necessidade de sustentarem taes pleitos, forçando-os a distrahir-se do cumprimento de seus deveres militares e do cumprimento das rigorosas obrigações do serviço? Não haverá antes um interesse superior, um principio dominador, o da ordem publica, que se oppõem a isso? - A vossa commissão entende que sim; - que entre dois males - o da confirmação ou o da annullação - o menor mal é confirmal-os. - Mau foi publical-os, peor seria, talvez, annullal-os hoje. - Propõe-vos pois e pede-vos que pela vossa parte confirmeis os beneficios que por aquelles decretos foram concedidos a alguns coroneis do exercito, e a ampliação d'esses beneficios a todos os officiaes que estiverem nas mesmas circumstancias e na mesma posição. - Esta ampliação é indispensavel. É determinada por um principio de justiça, exigida pelo principio da igualdade; - é recommendada pela conveniencia, pela necessidade de no exercito, onde todos são iguaes para os sacrificios, não haja duas medidas para os favores e para as recompensas.
Fundada n'estas rasões, a commissão de guerra tem a honra de vos propor o seguinte
PROJECTO DE LEI
Artigo 1:° É confirmado, na parte que depende da sancção do poder legislativo, o decreto de 10 de setembro de 1880 que indemnisou, no acto da reforma, o coronel Manuel Rodrigues Affonso de Campos, e bem assim os decretos de 14 e 20 de outubro e 3 e 17 de novembro do mesmo anno, que concederam iguaes vantagens a mais vinte coroneis da arma de infanteria.
Art. 2.° É relevado o governo pela responsabilidade em que incorreu publicando os mencionados decretos.
Art. 3.° São extensivos aos officiaes de todas as armas e aos do corpo de estado maior, que tiverem a antiguidade de tenente de 14 de janeiro de 1846, as disposições do decreto de 10 de setembro de 1880, para o fim de obterem iguaes vantagens no acto da reforma, ou para lhes ser melhorada, a que têem, nos postos correspondentes áquella antiguidade.
Art. 4.° O governo apresentará ás côrtes na proxima sessão legislativa um projecto de lei para augmentar a dotação do monte pio official na importancia que se reconhecer correspondente ás melhorias de reforma auctorisadas pela presente lei.
Art. 5.° Todas as reclamações relativas ás preterições, concessões de antiguidades retroactivas, melhoramento de reforma ou collocações na escala geral dos accessos, só podem ser apreciadas e resolvidas nos termos e pela fórma determinada no artigo 75.º do decreto com força de lei de 10 de dezembro de 1868.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da camara, 17 de janeiro de 1881. = Fortunato José Barreiros - Augusto Xavier Palmeirim = José Manços de Faria = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Antonio Florencio de Sousa Pinto = A. M. de Fontes P. de Mello = D. Luiz da Camara Leme = Barros e Sá, relator.
O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade.
O sr. Ferrer: - Sr. presidente, o projecto que se acha em discussão contém muitos e differentes objectos, uma proposta para se dar um bill de indemnidade ao sr. ministro da guerra, pelos decretos que assignou; outra proposta para serem legalisados os decretos mencionados no projecto; contém ainda mais a proposta para que os effeitos d'esses decretos sejam extensivos a todos os militares, que estiverem nas mesmas circumstancias; e finalmente propõe-se que o sr. ministro da guerra na proxima sessão legislativa traga ás camaras uma dotação maior para o monte pio official, de modo que este possa fazer frente ás despezas que acrescem com a promulgação dos referidos decretos.
Ora, sr. presidente, eu não me occuparei por emquanto de todos estes diversos objectos, e occupar-me-hei apenas da proposta que tem por fim relevar o sr. ministro da guerra da responsabilidade em que se diz elle incorreu na publicação dos decreto, o que se chama bill de indemnidade.
É claro que, occupando-me apenas da parte que trata do bill de indemnidade, não preciso n'este momento (embora o faça depois) de entrar na discussão das naturezas e fins d'esses decretos, porque a minha questão é em geral, embora se deva applicar depois á hypothese do projecto em discussão.
Vou, pois, mandar para a mesa uma proposta, estabelecendo uma questão previa, que é a seguinte:
"Proponho que, como questão previa, se decida se esta camara póde conceder um bill de indemnidade a qualquer ministro da corôa que declara que o hão acceita. = F. Ferrer."
Entendo que não.
Eu peço a v. exa. e á camara que notem bem a extensão da minha questão previa. Eu não subo tão alto que vá querer saber se esta camara pôde, ou não, conceder um bill de indemnidade; a minha questão é mais restricta, é apenas para saber se esta camara póde ou não conceder um bill de indemnidade quando um ministro da corôa, a quem elle diz respeito, declara que não o acceita.
Eu proponho a questão em geral e em geral deve ser discutida. Depois se applicará á pessoa do sr. ministro da guerra e aos decretos.
Sr. presidente, quando a qualquer poder publico, a qualquer auctoridade, seja ella de que natureza for, sé apresenta uma questão para resolver, o que primeiro esse poder ou essa auctoridade tem que fazer, é verificar se tem direito para a decidir. Se o não tem, põe de lado a questão e não a decide, dá-se por incompetente. Se tem direito, decidiu e vae por diante. Portanto, importa que está camara decida primeiro se tem direito para conceder o bill de indemnidade ao ministro que declara que o não acceita.
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