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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 184

Se esta camara decidir que não póde conceder o bill, evita a perda de tempo em discutir a questão com referencia ao sr. ministro da guerra, e aos decretos, que de certo hão de levantar muitas e difficeis questões.

O bill de indemnidade contido no projecto tem uma pequena historia. Este bill foi proposto pelo digno par o sr. Camara Leme e remettido á commissão de guerra. A commissão quiz ouvir o sr. ministro sobre o assumpto. Quando lhe perguntou se s. exa. acceitava um bill de indemnidade, s. exa. declarou franca e positivamente que não, por isso que era em desaccordo com os precedentes e casos analogos. Isto consta do parecer, onde a commissão refere, até em caracteres italicos, as declarações do sr. ministro.

Já se vê, pois, sr. presidente, a applicação que póde ter a questão previa no caso de que se trata.

Entro agora nos fundamentos da minha opinião, que é, como já disse, negativa.

Não vejo na carta constitucional nenhum artigo que decida a questão. Por consequencia, ella tem de ser decidida segundo os principios de direito publico, geralmente seguidos em todos os paizes onde ha governo parlamentar.

Levantada a questão de responsabilidade em qualquer das camaras sobre um facto de responsabilidade ministerial, qual é a primeira cousa que se examina?

É se o facto existiu; pois se não existiu, a questão acaba, porque do nada nada se faz; se existiu, dá-se um passo mais, e examinam-se as circumstancias aggravantes ou attenuantes que revestem o facto, e que podem influir na maior ou menor imputação do mesmo facto.

Passa-se depois á questão de direito.

Procura-se averiguar se o facto foi legal ou illegal, se houve abuso ou usurpação de poder.

Em seguida procuram-se os resultados que se devem deduzir d'esses exames. Estes resultados podem ser differentes.

Na camara dos senhores deputados o resultado é decidir se deve ou não ter logar a accusação contra o ministro, porque estas decisões são da iniciativa privativa d'aquella camara.

Temos ainda outro resultado.

Depois de declarada a illegalidade do facto, taes serão as circumstancias attenuantes que se deva relevar d'ella o ministro responsavel. Se elle se viu na necessidade de praticar um acto illegal para manter a ordem publica, ou por qualquer outro motivo de salvação publica, (é a lei dos romanos-salus populi suprema lex est) releva-se o ministro responsavel, e é a isso que se chama bill de indemnidade.

O bill parte por um lado do principio da illegalidade do acto, e por outro lado das circumstancias attenuantes que fazem com que o ministro responsavel mereça ser relevado por equidade, em vista da necessidade imperiosa em que se achou para salvar o paiz.

Quaes são os effeitos do bill com relação ao ministro? São desoneral-o de muitos incommodos.

Evita-lhe o decreto da accusação pela camara dos senhores deputados, a necessidade de vir sentar-se no banco dos réus diante do tribunal dos pares e correr o risco do poder ser condemnado, etc.

Ora, em boa philosophia é sabido que evitar um mal é um bem relativo, é um beneficio.

Não direi que é um favor; porque o favor é um bem que parte exclusivamente da pura generosidade. Mas é um beneficio, é um bem, que tem o seu fundamento nos principios de justiça; quem o recebe tem direito a pedir e a acceitar.

Por exemplo, um governo despachou um homem que lhe pediu um emprego com grande ordenado; o despacho não é um favor, porque o governo não podia fazer generosidades dos dinheiros publicos; mas é um beneficio, porque é fundado nos principios de justiça: esse individuo foi despachado porque tinha as habilitações legaes para exercer aquelle emprego; por consequencia tinha direito para pedir e para receber. Trazida a questão a este ponto pela analyse, vejamos os principios de direito que lhe são applicaveis. Muitos são elles e não admira; porque o direito é um systema, onde todos os principios estão em harmonia, e a verdade é sempre a mesma em todos os campos.

Será o primeiro, que citarei um que a sabedoria antiga redigiu em latim - invicto non datur beneficium. Este principio de direito é incontestavel, é elle que decide a questão; porque já provei que o bill de indemnidade era um beneficio para o ministro responsavel, que por isso nSo póde ssr obrigado a recebel-o contra sua vontade.

Esta regra é verdadeira tanto em moral, como em direito, e apesar de ser antiga é respeitada ainda hoje por todos os jurisconsultos e moralistas, tanto nacionaes como estrangeiros, e ninguem, que eu saiba, combateu até hoje esta grande regra.

Não falarei, sr. presidente, das rasões que justificam a regra no campo da moral, bastará dizer que ainda ninguem se lembrou de dizer que o rico podia obrigar o pobre a [...] uma esmola. Alem de que entendo que devemos apenas encaral-a no campo do direito, aonde a verdade d'ella é incontestavel, porque está em harmonia com todos os principios de direito.

O homem no campo do direito é uma pessoa juridica, porque tem direitos, e dentro d'esses direitos póde livremente obrar ou deixar de obrar, e não é obrigado a dar contas a ninguem do seu procedimento; não póde ser compellido a fazer ou deixar de fazer uma cousa contra o seu alvedrio. No uso do seu direito é livre e independente. Assim quem o quizer obrigar contra o que elle entende e quer, faz-lhe uma injuria, uma lesão e uma injustiça insoportavel.

Por consequencia como se póde sem offender estes principios incontroversos obrigar alguem a receber um beneficio contra sua vontade?

Por consequencia, não posso comprehender como esta camara possa conferir um bill de indemnidade a um ministro da corôa que não quer receber esse beneficio. E na verdade elle póde ter boas rasões para o não acceitar, e essas rasões são reconhecidas pelos principios de direito.

O bill parte do principio da illegalidade do facto; deixa em pé essa illegalidade, e só releva o ministro da responsabilidade do acto illegal para não poder ser accusado e processado. Ora suppondo que o ministro é cheio de brio e pundonor, que não quer supportar o peso da illegalidade que o envergonha, e prefere ser accusado, processado e julgado pelo tribunal dos pares. Suppondo mais que elle tem a esperança de, na sua defeza, provar que obrou legalmente, e de obter uma sentença que julgue legal, o facto e deixe a sub reputação pura e sem mancha da illegalidade; como ha de esta camara ter poder para lhe conferir um bill que para elle não é um beneficio, mas antes julga um grave prejuizo!

Como ha de esta camara com o bill de indemnidade prival-o do seu direito de defeza, que é de direito natural, de que elle quer usar?

Isto seria desconhecer o seu direito de independencia, e o que é mais, o seu direito de defeza! Seria uma especie de tyrannia insupportavel. (Apoiados.)

Sr. presidente, ha outros principios que vem confirmar esta doutrina, o unico juiz que póde melhor julgar do que convem a um homem é o proprio homem; porque só elle sabe os sentimentos que o dominam, os fins que tem em vista, os meios que deve empregar, emfim, as circumstancias em que se acha.

Os outros podem julgar um bem, o que elle com rasão julga um mal, e o é realmente nas suas circunstancias, ser obrigado a receber, como um beneficio, o que realmente é para elle um prejuizo? Porque ha de prevalecer o juizo dos outros sobre o d'elle? São elles seus tutores?