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326 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cussão do orçamento rectificado, para tratarmos convenientemente do assumpto. (Apoiados.)

Por ultimo poço a v. exa. queira submetter á approvação da camara a seguinte proposta.

Leu-se na mesa a proposta do sr. presidente do conselho assim concebida:

Proposta

Senhores. — Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino a necessaria premissão, para que o digno par D. Miguel Pereira Coutinho possa accumular, querendo, as funcções legislacom as do seu logar de chefe da 4.ª repartição da direcção geral da contabilidade publica,

Secretaria d’estado dos negocios da fazenda, em 31 de maio de 1887, = Marianno Cyrillo de Carvalho.

Foi approvada.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto, de resposta ao discurso da corôa

O sr. Fernando Palha: — É na verdade penoso para mim ter de occupar em dois dias seguidos a attenção da camara, sobretudo para ouvir a defeza de uma these que não é sua, de opiniões que não partilha.

Se pudesse, desistindo da palavra, não continuar no caminho que encetei hontem, creia v. exa. e creia a camara que o fazia. Mas não posso. E não posso por duas rasões; primeira porque do que disse hontem alguem podia induzir que eu atacando, não as glorias nacionaes, mas o que se dizia monumento d’essas glorias, viera defender os interesses da propaganda, e eu, que tão fracabagagem tenho de precedentes, n’esta questão tenho-os; não os desminto, quero conserval-os intactos. Bastava uma sombra de duvida a este respeito para não poder renunciar a completar o meu pensamento.

A segunda rasão é que não haviam passado cinco minutos depois de eu ter exposto á camara as reflexões que o assumpto me suggeriu, quando o meu pensamento me foi devolvido inteiramente transformado. Alguem me observou, mesmo aqui n’esta casa, que eu dissera que não havia moralidade sem dinheiro. Ora eu não disse tal cousa. E se estou e estarei sempre prompto a dizer alto e claro o que penso, a sustentar e a defender a minha, opinião por mais desagradavel que for aos que me ouvirem, nunca hesitarei em rectificar as rainhas asserções quando a minha palavra, desobedecendo á vontade, levar ao animo dos que me escutarem, proposições que não quiz avançar.

Quer-me parecer que fiz uma distincção bem clara entre o estado e o individuo.
Não fallei da moralidade este.

A moralidade do individuo póde existir no mais alto grau no estado mais corrupto. Marco Aurelio era César, nem por isso é para apontar a moralidade dos Cesares.

O que disse, o que sustento, o que estou prompto a defender é que o capital constitue hoje a força, o nervo, o sangue das sociedades modernas; sem elle não existe absolutamente- nada- d’aquillo que mais presamos, que mais louvâmos, a arte, a sciencia, a, propria moral, porque á moral vem da educação, vem da escola, e sem dinheiro, e muito, não ha escolas. Referi-me á riqueza dos estados, não á dos individuos.

Negar que possa haver moralidade e virtude com pobreza, não era possivel que o fizesse eu, que, em virtude do cargo que hoje occupo, me vejo forçado a devassar todos os dias os segredos da miseria. E quer v. exa. e a camara, saber a lição que tenho tirado d’este forçado ensinamento?

Diz-se que entre nós ninguem morre de fome. É verdade, mas é assim porque a caridade dos pobres acode aos pobres a dos ricos, que é muita, não bastaria. Quando a creança fica abandonada, é a vizinha pobre, desgraçada, que partilha com ella o bocado de pão; não é p rico, esse vem depois, quando vem.

Rectificado assim o meu pensamento, vou continuar na ordem de idéas que hontem comecei a expor.

Apresentei aqui uma these nova, completamente estranha á opinião vulgar e formulei-a n’uma moção, declarando que me parecia que a melhor de todas as politicas em relação ao padroado era o seu completo abandono, por isso que a conservação d’elle não podia servir senão de embaraço á administração e á politica portugueza.

Esta these, sr. presidente, foi classificada pelos mais benévolos, de paradoxal. Acceito a qualificação se me acceitaram a definição. Paradoxo, no meu modo de ver, é a these verdadeira sustentada por uma fórma absurda ou contraria á opinião vulgar. Definido o paradoxo por esta fórma, acceito, pois, o modo como foi classificada a minha these. E, permitta me v. exa. e a camara que eu, usando da facil erudição, de diccionario, escude a minha definição com a citação de tres auctoridades que por certo a camara não recusará.

«Antes quero ser homem de paradoxos do que homem de preconceitos.»

«Nunca houve verdade que no dia da sua publicação não fosse taxada de paradoxo.»

«Os paradoxos de hoje são as verdades de amanhã.»

A primeira, sr. presidente,- é de Rousseau. A segunda é de ... não digo....

Vozes: — Diga, diga.

O Orador: — Não digo, porque receio que alguma commoção mais violenta me faça desabar sobre a cabeça algum fragmento de cimalha. Mas affirmo á camara que este segundo cujo nome não cito, foi, em materia de paradoxo notavel auctoridade.

Chegava á praça publica, atirava o paradoxo como quem dispara um tiro e depois de ter assim despertado a attenção dos ouvintes, dizia um sem numero de verdades chas e vulgares, filhas do seu espirito eminentemente pratico e racional.

A terceira citação, sr. presidente, é de Laboulaye, um homem dos nossos dias, de idéas iguaes ás que por todos nós são respeitadas como verdades, um dos mais elevados caracteres e um dos mais respeitaveis homens d’estado da França moderna.

Com tão bons companheiros acceito, pois, a qualificação de paradoxo para a minha these e como tal a vou defender.

Permitta-me ainda v. exa., e permitta-me tambem a camara que eu, antes de proseguir, faça um resumo muito breve do que hontem disse.

Provei ou julgo ter provado, o que é differente, que o direito do padroado, util e necessario na sua origem, não tem hoje justificação porque a missão do estado não é collaborar na evangelisação dos idolatras que habitam territorios estranhos, sobretudo quando um paiz, como o nosso, pobre, pequeno e definhado, não póde ter a ambição de se expandir á custa do que a outros já pertence.

Disse e sustentei que o padroado, dada a hypothese de Roma nos consentir o exercicio d’esses direitos, é encargo para que não temos os recursos necessarios.

Disse e sustentei mais que esses direitos não eram elemento de influencia e, dado que o fossem, essa influencia era completamente inutil nas nossas mãos.

Por ultimo comecei a contestar que o padroado seja um monumento das nossas glorias, porque, e isto não o disse hontem mas digo-o agora, lhe faltam os principaes requesitos que um monumento requer, nomeadamente o mais essencial: ser ou poder ser de todos conhecido. Ut sit omnes documento.

Monumento é o poema escripto com tal riqueza de linguagem, por fórma tão genial, que basta um lêl-o para que