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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1887 327

de todos seja conhecido, para que seja traduzido em todas as linguas cultas; os Luziadas!

Monumento é a cidade reedificada sobre o solo conquistado embora os palacios em ruina, os templos desertos, os baluartes derrocados fallem só de passadas victorias, de grandezas que não voltam; Goa!

Monumento é o templo construido com tal harmonia, cinzelado com taes primores de arte, que ao vêl-o ninguem deixe de perguntar qual foi a acção grande que inspirou o artista; a Batalha, os Jeronymos!

Monumento não póde ser o direito, intermittentemente exercido, e que ninguem conhece!

Quem na Europa sabe que o padroado nos pertence?

Roma e a propaganda para o contestarem, e, dos inglezes, os que têem conhecimento das cousas da India, e nem todos.

Mesmo entre nós, sr. presidente, se v. exa. consultar; nove decimas partes dos portuguezes, e fallo dos portuguezes cultos, ha de ver que não sabem o que é o padroado, em que consiste, em que territorios se exerce, quando se fundou e a origem que teve.

Aqui está a rasão porque eu hontem comecei a contestar que opadroado seja um monumento de gloria nacional, e por que continuo hoje.

Perdoe-me a camara se insisto nesta ordem de idéas; mas a camara vê quanto eu sou sincero nas minhas convicções, e preciso demonstrar que não quero por fórma alguma atacar as verdadeiras glorias do meu paiz; ninguem as presa mais do que eu, nem tanto talvez, porque o meu sentimento chega a ser exagerado.

A minha opinião é que a ellas devemos principalmente o conservar hoje a nossa autonomia.

Sem ellas Portugal era uma Servia, uma Bulgaria, uma provincia de que a Europa dispunha nos seus congressos.

Mas quem se ha de atrever a destruir as fronteiras da patria de Vasco da Gama, de Affonso de Albuquerque, de D. João de Castro?

O nosso primeiro dever é pois sustentar alto as glorias nacionaes; são a nossa melhor bandeira, são o melhor estandarte para Portugal; mas d’aqui a chamar a tudo monumento de gloria vae muito longe. Eu é que lh’o não chamo.

Se insisto é tambem, sr. presidente, porque estou certo, que entre os que defendem a opinião contraria á minha, ha homens de boa fé, que eu desejava ver convencidos, porque convencido estou tambem que tomam a nuvem por Juno.

Outros ha de má fé, e esses cedem á tentação de discursar rhetoricamente ao paladar do maior numero. O seu papel é facil, o meu é difficil!

A prova que não sou só eu que não vejo no padroado um monumento de gloria nacional vou de novo buscal-a ás proprias palavras do digno par o sr. Thomás Ribeiro.

S. exa. admirou-se de ver as galerias sem espectadores, a propria camara deserta e lamentou-se porque julgou ver n’este facto um symptoma deploravel do estado do espirito publico. Ora onde s. exa. julgou ver descrença e scepticismo vejo simplesmente bom senso.

É facil demonstral-o.

Ha poucos dias, sr. presidente, um incidente desagradavel motivou nas duas casas do parlamento um debate irritante. A meu ver ha completa igualdade entre uma e outra discussão.

Então cera o governo accusado de ter violado a constituição do estado, attentando contra a liberdade de um deputado da nação.

Hoje é igualmente accusado de ter violado a constituição, ratificando um tratado em que se cede em parte uma das glorias nacionaes.

Acaba aqui a igualdade.

No primeiro caso, logo que o facto foi conhecido, levantou-se sobre elle um debate que se estendeu com a velocidade do raio, do norte ao sul de Portugal, não houve: espirito que se não preoccupasse, não houve um cantinho das galerias das duas casas do parlamento que ficasse desoccupado. A discussão do assumpto não foi só nas duas camarás, foi em todo o paiz. E isto prova que a descrença não existe, que o scepticismo é uma ficção de um espirito mal humorado, porque, como se vê, ainda ha assumptos que podem levantar a opinião publica.

Por outro lado discutimos o padroado, e esses mesmos, que habitualmente occupam essas galerias, abstêem-se de assistir ás nossas sessões. Ora, eu pergunto: o que valerá mais, a liberdade e mesmo a vida de um homem, seja elle quem for, ou uma gloria nacional? A resposta é facil: pelas glorias nacionaes costumam-se arriscar a liberdade e as vidas dos homens de valor igual ao do sr. Ferreira de Almeida.

E discute-se a perda do que se diz ser uma gloria patria, e o publico, que se sobresaltou pela liberdade de um homem, fica em casa! A conclusão é tambem facil: o publico não se, deixa illudir pelas phrases sonorosas dos oradores patriotas e diz commigo: o padroado não é monumento de gloria.

E não era para espantar que houvesse quem seguisse os passos do digno par o sr. Thomás Ribeiro e dos illustres oradores que me precederam. É essa a feição ordinaria do nosso espirito. Quando ha dois. dias o digno par o sr. Agostinho de Ornellas. que não vejo presente, usou da palavra nesta casa, notou que, sempre que entre Portugal e uma potencia estrangeira se assignava um tratado, havia logo quem affirmase que fôramos burlados, que cederamos sem compensação direitos valiosos. Se n’essa occasião tivesse estado ao lado de s. exa., ter-lhe-ia dito em aparte que o facto não era para estranhar, porque a balda nos ficara do tratado de Methuen.

Mas, se o facto é explicavel não deixa pôr isso de ser a observação de s. exa. profundamente exacta. E não se limita á occasião em que os tratados se assignam, o echo das lamurias vae-se prolongando pelo andar dos tempos.

Prova. Bombaim foi dado á Inglaterra no dote de uma Infanta de Portugal. Era então, como é hoje, uma posição maritima de primeira ordem, um porto amplissimo, accessivel em todos os tempos e segurissimo, mas era tambem, o que não é hoje, uma aldeia sem valor; e assim ficaria se continuasse a ser nossa. Pois, sr. presidente, ainda hoje ha quem visite a Índia e quem volte enthusiasmado com as riquezas de Bombaim, com os seus bazares, com o seu commercio, dizendo que poucas cidades ha na Europa que lhe sejam comparaveis, e acrescentando: tudo àquillo podia ser nosso.

Sr. presidente, comparo esta asserção com a que faria o ferreiro que, tendo vendido a Benevenuto Cellini, o ferro de que elle fazia martellos e argolas de porta, primores de arte decorativa, dissesse depois de os ver cinzelados: isto foi meu.

A comparação é exacta porque Bombaim nas nossas mãos havia de ser sempre o diamante bruto que não acidou quem o lapidasse. Bombaim parados inglez e se a cabeça da India; para nós havia de ser tuna fortaleza, derrocada, como Damão, como Diu, que tambem no seu tempo foi emporio do commercio.

Sr. presidente, eu sei que estas idéa, alheias ao convencionalismo patriotico, não agradam à muitos, mas não tenho outras, o meu patriotismo é assim e já o disse, não hesito nem hesitarei nunca em dizer o que sinto e como o sinto, logo que n’isso veja utilidade.

Outro exemplo ainda, sr. presidente, de tendencia do nosso espirito nacional.

O que «e não disse, que discursos se não fizeram, que accusações sangrentas deixaram de se formular .por causa do Congo? Pois, sr. presidente, se eu então tivesse voz nesta ou na outra casa do parlamento teria, com a mesma franqueza e a mesma ousadia de que hoje estou usando,