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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1887 329

e supersticiosos, cujo unico crime era cairem insensivelmente nos antigos usos, nas velhas praticas. E são estas glorias de que não queremos se perca a memoria.

Affirma-se que devemos grande parte da nossa gloria e do poderio que tivemos á influencia das missões; pois não me consta que os missionarios trouxessem para a jurisdição de Portugal territorio algum, e pelo contrario o que a historia me ensina é que a Igreja não medrou, a fé não fez conquistas efficazes e duradouras, senão onde podemos estabelecer dominio effectivo e até não são raros os exemplos de ter a sua acção sido nociva ou contraria aos nossos interesses. Lembro como exemplo a missão do Japão, uma das mais gloriosas debaixo do ponto de vista religioso, das que emprehenderam padres portuguezes, uma das que mais foi regada com o sangue de martyres. Pois teve como resultado sermos d’ali rechassados, e ser tal o odio ao nome portuguez, que mesmo passado um seculo, quando os hollandezes já lá tinham obtido feitorias, e negociavam em liberdade, não podia um portuguez desembarcar nos seus portos, porque ainda eram considerados perturbadores da ordem.

Lembro ainda a má vontade e resistencia que nos jesuitas encontrou Salvador Correia de Sá, quando, depois da restauração, restituiu Angola á corôa de Portugal.

Não posso, pois, partilhar o enthusiasmo que vejo manifestar a alguns dos mais illustres membros d’esta camara pelo emprego das missões religiosas como principal meio de colonisação, porque até hoje o que tenho visto é que os resultados não correspondem aos esforços que empregam. No Canadá, por exemplo, onde as missões largamente se desenvolveram, o resultado foi a extincção quasi completa da raça autochtona. Isto não é colonisar. Do Paraguay não fallo, porque basta lembrar-lhe o nome. Nego, pois, a these aqui formulada de que sem missões não ha colonias. As missões necessarias são outras.

Eu pergunto ao digno par o sr. Bocage, porque o sabe bem, quantos missionarios eram necessarios para fazer na Africa o que tem feito um portuguez chamado Anchieta, homonymo de um distinctissimo missionario, no verdadeiro sentido da palavra, portuguez tambem que viveu no seculo XVI? Pergunto se elle com seu escalpello, com a sua lanceta, com a sua chave ingleza e os seus instrumentos de lavoura, não tem feito mais, a favor da civilisação e da cultura da terra do que poderiam fazer trinta missionarios em trinta annos? O proprio sr. ministro da marinha, dizendo-nos ha pouco quaes os serviços prestados pelos missionarios que nomeou, não sé esqueceu de nos dizer que elles ensinavam ao indigena a lavrar a terra. Ora para o fazer não é necessario ser ministro do Evangelho. E missionarios como eu quero não são só necessarios em Africa, tambem o são em Portugal, onde ás vezes estamos tão atrazados como os proprios africanos. Eu mesmo já fui missionario.

Sou agricultor, toda a gente o sabe; por muito tempo não fui outra cousa. Possuo no Alemtejo terrenos quasi tão desertos como os da maior parte da Africa. Quando pela primeira vez visitei a minha casa, reconheci que enormes tratos de terreno inculto e improductivo podiam transformar-se facilmente pela cultura da vinha, por isso que alguns hectares lá tinha eu produzindo perfeitamente. Havia, porém, uma difficuldade grande, a falta de braços para o amanho. Tentei suppril-os. Sabendo que em França, que em Hespanha, se lavravam com vantagem vastas regiões vinhateiras, tentei introduzir a lavoura das vinhas. Luctei com dificuldades, mas ao cabo de tres annos consegui o meu fim. Escusado é dizer que o meu paradoxo agricola foi recebido na Vidigueira com o mesmo favor com que é hoje recebido nesta camara o meu paradoxo politico; eram muitos os incredulos, muitos os detractores. Mas, no fim de mais tres annos, o exemplo tinha feito o seu effeito, e hoje não ha naquella região quem não lavre vinhas. Bem vêem que a minha missão não foi das mais mal succedidas.

D’estas é que são necessarias muitas em Africa. Ensinar a civilisação com o exemplo do homem civilisado.

Não quero dizer com isto que a missão religiosa deve ser posta de parte, mas sómente que quem só n’ella confiar póde achar se enganado. Que haja missionarios, mas que sejam portuguezes e que não pertençam a congregações. Exclusão completa e absoluta de frades; exclusão mais completa e ainda mais absoluta de jesuitas; com esses sou irreconciliavel. E dizendo portuguezes, excluiu-os a todos, porque pela lei nenhum portuguez residente em territorio do Portugal póde pertencer a uma congregação.

Disse hontem, sr. presidente, que hesitava sobre se o governo não teria dado prova de maior habilidade, oppondo ás exigencias de Roma, que lhe impunha um praso curtissimo para prorogar a jurisdicção do arcebispo de Goa, meios dilatorios que conservassem as cousas no statu quo.

A meu ver, os resultados immediatos da concordata, que o governo ratificou, são deploraveis, e dizendo-o sou coherente com a ordem de idéas que tenho sustentado.

Se Portugal tivesse as suas finanças equilibradas, sobras no seu orçamento, não havia rasão para lamentar que tivéssemos ido crear uma nova fonte de despeza sem proveito algum para a prosperidade do paiz; era rico, podia impunemente ser extravagante. Infelizmente, o orçamento que todos promettem equilibrar, está longe d’esse ideal, e quer se classifiquem de expedientes, quer se classifiquem de medidas de grande alcance, as que até hoje mais apregoadas têem sido, por emquanto tudo isto não passa de uma esperança. Portanto, emquanto este estado de cousas durar, a nossa primeira obrigação é não consentir em despezas inuteis, que se traduzem fatalmente em sacrificios penosos para o contribuinte. E dado o caso, que, apesar do nosso estado financeiro, julgássemos dever augmentar as despezas com o culto, temos muito onde o fazer proficuamente em territorio nosso, antes de o fazermos na India em territorio estranho.

Um dos oradores que me precederam sustentou e muito bem que se a Asia representa um passado glorioso, na Africa está a futura grandeza do Portugal. Pois então o dinheiro que havemos de gastar na India, gastemol-o antes em Africa. E a este respeito não posso deixar de commentar uma das asserções do digno paro sr. arcebispo resignatario de Braga, comquanto s. exa. o sr. ministro da marinha já hontem lhe tenha dado a devida resposta. Disse o reverendo arcebispo que era mais vantajoso manter, o padroado da indiado que ir despender dinheiro na Africa, por isso que os pretos são boçaes. O nobre prelado, ao fazer esta asserção, esqueceu-se de duas cousas; a primeira é que Christo, o Divino Mestre, a quem se dirigiu sempre de preferencia foi aos boçaes, aos humildes, não só de situação, mas de espirito; a segunda, e mais essencial, é que, sendo a religião christã uma instituição divina, um Deus na o podia tel-a feito de modo que de todos não fosse comprehendida. E mais teria que dizer a s. exa. se o visse presente; assim abstenho-me.

Tanto mais justificada seria esta preferencia, que eu desejaria ver dada ás nossas colonias africanas quanto é certo que é lamentavel o estado do clero em algumas das nossas possessões. O sr. ministro da marinha não ignora que a provincia de Moçambique, por exemplo, que constitue não um bispado mas uma prelazia, sujeita á jurisdicção do arcebispado de Goa, e que se compõe de quinze parochias tem actualmente onze padres. Ora se sobram em Goa, que vão para Moçambique; têem lá muito que fazer e não saem do seu bispado.

Mas se cuidámos em dar ao culto o incremento que precisa não saiamos do continente europeu; mesmo sem sair do patriarchado por falta de clero ha padres que teem licença de dizer duas missas, e no Alemtejo, ás portas de Lisboa, ha parochos que têem a seu cargo duas e tres freguezias, o que dá como resultado que os fieis que habitam