SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1887 331
É costume dizer-se, sr. presidente, que os jesuitas de Pascal não são os jesuitas de hoje. Pois, sr. presidente, nada esqueceram nada aprenderam.
Não julgue a camara que eu venho aqui reproduzir as accusações de Pascal, e podia fazel-o, porque me dei ao trabalho de refazer o livro de Pascal; por tal forma me impressionaram as suas asserções, que uma a uma lhe verifiquei as citações e nem uma só achei errada. Não venho tambem reproduzir o livro mais recente de Paul Bert. Não cito observações feitas por outros, cito as minhas proprias. Fallo de visu.
Tenho sido testemunha das consequencias desastrosas da intervenção dos jesuitas na sociedade portugueza. Eu vi sr. presidente, eu assisti dia a dia, hora a hora, ao assassinato de uma alma; vi um homem saido do nosso meio social, com illustração não vulgar, identificado com a idéas de todos nós, partilhando-as, cair debaixo da influencia nefasta d’aquelles homens e d’ahi por diante serem a sua unica preocupação as penas do inferno; vi-o, elle cujas tradições de familia eram brilhantissimas, renegar esse passado. E tal impressão me causou este espectaculo que não ha nada que a apague do meu espirito.
Tenho visto creanças, de caracter franco, aberto e leal, entrarem para os collegios de jesuitas e sairem de lá dissimulados, traiçoeiros, com o caracter perfeitamente estragado! Chamam-lhes educadores, o que elles são é atrophiadores, e se o duvidam leiam as instrucções que distribuem aos alumnos que lhes são entregues.
Sr. presidente, tudo isto se faz, porque as leis senão cumprem. A legislação do marquez de Pombal não está revogada, teve pelo contrario a sua confirmação em 1833. Os governos, que ainda não tiveram tempo para nomear uma commissão, que tanto bastava, para reformar os artigos de guerra de 179&, que não hesitam, em applicar uma lei, que se não é obsoleta é pelo menos antiquada, e não os censuro por isso visto que ainda não foi revogada, porque é que não applicam as leis do marquez de Pombal, que ainda estão em vigor.
A companhia de Jesus teve a coragem, a audacia de annunciar urbi et orbi o restabelecimento da provincia de Portugal, nomeou provincial, abriu collegios aqui, ás portas da capital, no Bairro, em S. Fiel, não sei onde mais, onde as creanças se contam aos centos, e os governos riem-se quando se lhes falla em jesuitas!
O caso é serio, não é para rir. O trabalho é de sapa mas a mina pôde-nos cair sobre a cabeça.
Desculpe-me a camara o calor com que estou fallando, mas se ha cousa em que tenha convicções é esta.
A lei do marquez de Pombal póde não ser boa; se o não é, haja a coragem de a revogar; mas emquanto o não está é lei do estado, tem de se cumprir. Ha milhares de creanças nos collegios da ordem, pois a impressão mais funda que colhem do ensino, áquella que nunca mais se apagará é que nem todas as leis se cumprem. Não ignoram que está: proscripta a ordem a que os entregaram, e sem embargo da proscripção vêem-nos diariamente ensinando as doutrinas que muito bem querem. Como hão de futuro ter respeito á lei? E é por tudo isto, sr. presidente, que eu com franqueza e lealdade direi ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que não foi sem me preoccupar que o VI tomar conta da pasta da marinha. Respeito muito as nobilissimas qualidades dó seu caracter, o seu talento, a sua honestidade inconcussa e a força das suas convicções, e por isso mesmo como sei que s. exa. não pensa como eu, receio que essas mesmas convicções o levem à arrastar os seus collegas para um caminho que póde ser fatal ao paiz.
Organise-se devidamente a instrucção publica, fiscalisem-se as doutrinas ensinadas na escola, prepare-se o povo contra as que lhe querem incutir, dê-se depois a liberdade a todos, e não serei eu que me insurja, mas até então, não se consinta que se esteja a educar uma geração tão differente da nossa que um dia nos achemos com adversarios onde cuidamos achar filhos.
Tenho dito.
(O orador foi muito cumprimentado.)
O sr. Marquez de Rio Maior (relator):—Tarde entro no debate, porque, infelizmente, o meu estado de saude me tem impedido de assistir ã esta importante discussão; mas ainda venho a tempo de cumprir o meu dever de relator, o dever da minha consciencia.
A resposta ao discurso da coroa, que eu tive a honra de redigir, refere-se ás questões de politica interna e ás negociações internacionaes. Quanto ás primeiras, todos os oradores, mesmo os chefes da opposição, julgaram que se deviam abster, e o debate tem-se concentrado na concordata, assignada em 23 de junho ultimo com a Santa Sé, que definiu os direitos do padroado nas Indias orientaes, já regulados pela concordata de 21 de fevereiro de 1857. Sobre este assumpto, tambem eu apresentarei com toda a lealdade e com todo o desassombro o meu modo de ver, e o meu pensamento completo; assim o tenho feito sempre, desde que sou membro do parlamento.
Dignos pares do reino, o homem, que falla neste momento perante vós, não é um reaccionario. (Apoiados.)
Não bebeu elle taes idéas no leite maternal, nem ainda nas lições, que de pães e mestres recebeu na adolescencia! Os meus estiveram no exilio nas masmorras, e foram mal feridos nos campos de batalha, combatendo pela liberdade! (Muitos e repetidos apoiados.)
Essas tradições mantenho-as todas! Ainda nas luctas constitucionaes de 1846 e 1847 os meus estiveram do lado da junta do Porto! Portanto, se me vierem chamar reaccionario, respondo a esses, que tiverem tal ousadia, que lhes rejeito o epitheto. Onde, nesta já um tanto larga carreira parlamentar, se encontram palavras ou actos, demonstrando tamanha culpa?! As minhas convicções são profundas, sinceras as minhas crenças, nobilissimas as tradições de familia; é dever de todos respeital-as.
Sou portuguez e sou catholico! Catholico com todos os adjectivos, que se encontram na formula do juramento prestado ao tomar assento n’esta camara, juramento que é o meu e de todos os meus dignos collegas. Não assisti á sessão de hontem por falta de saude, mas li nos jornaes, e, embora com ligeiras attenuantes, ouvi hoje repetir ao digno par, Fernando Palha, a doutrina perigosa, falsissima a meu ver, que s. exa. durante dois dias aqui encareceu, e que se resume na apotheose do Bezerro de Oiro! Desculpa o digno par, ferio-me dolorosamente a manifestação de taes opiniões. (Apoiados.) Para traz o Bezerro de Oiro! Para traz!
Não, não é esta, graças a Deus, a força unica, mesmo principal das sociedades modernas! O oiro cria caminhos de ferro, contribue, poderosamente, para todos os progressos materiaes das nações e povos do universo. A industria, o commercio e as artes devem-lhe muitas das suas mais grandiosas manifestações, mas acima d’elle está uma força superior, que nos governa e rege. O sentimento, do justo, do bem e do dever, é que eleva o homem, e guia a sua alma immortal distinguindo o dos seres irracionaes. (Apoiados.)
Hontem ardia em Paris o theatro da Opera Comica, lá estavam os heroicos bombeiros da grande cidade disputando á violencia das chammas as vidas de centenares de creaturas humanas.
Não era o oiro, que os levava a tão arrojadas emprezas, com risco de suas proprias vidas, porem incitava lhes á valentia uma voz interior, que lhes bradava, ali, no meio d’esse incendio, está o caminho que vos leva ao cumprimento do vosso sublime dever! Não hesitavam elles perante o perigo dos ferimentos e da morte, obedecendo satisfeitos aos dictames das suas rectas consciencias! (Apoiados.)
Sr. presidente, hoje mesmo vemos a prova, n’esta camara, que o Bezerro de oiro não é o unico e principal factor