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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 22

EM 15 DE FEVEREIRO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios — os Dignos Pares

José Vaz Correia Seabra de Lacerda
Francisco José Machado

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente. — O Digno Par Sr. Mello e Sousa manda para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre as emendas ao projecto de lei que reforma a contabilidade publica. Foi a imprimir. — O Digno Par Sr. Rapbael Gorjão envia para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Marinha. Foi expedido. — O Digno Par Sr. Avellar Machado manda para a mesa requerimentos de officiaes da armada pedindo determinadas modificações na lei reguladora da reforma por equiparação. O Digno Par Sr. Eduardo de Serpa Pimentel chama a attenção do Governo para os conflictos de jurisdicção que se teem levantado, desde 1902, entre os generaes commandantes de algumas divisões militares e os juizes de direito das respectivas comarcas. Responde a S.. Exa. o Sr. Ministro da Guerra.

Ordem do dia — Discussão do parecer n.° 29 sobre o projecto de lei n.° 26 que auctoriza a administração do porto de Lisboa por conta do Estado. Usa da palavra sobre a ordem o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa. A moção do Digno Par é admittida e ficou em discussão juntamente com o projecto.— Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 26 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officios:

Do Ministerio da Justiça satisfazendo um pedida do Digno Par Sr. Campos Henriques.

Á secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, enviando 120 exemplares da 1.ª parte do relatorio e propostas de lei apresentados na Camara dos Senhores Deputados em sessão de l' do corrente mez.

Mandados distribuir.

Do Ministerio das Obras Publicas, satisfazendo requerimentos do Digno Par Sr. Francisco José Machado.

Á secretaria.

Do Ministerio da Guerra, remettendo o autographo da proposição de lei relativa ao busto do escriptor Antonio Rodrigues Sampaio, já sanccionada.

Para o archivo.

Do Ministerio da Marinha e Ultramar, satisfazendo um pedido de documentos do Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Do Ministerio dos Estrangeiros, enviando 100 exemplares das contas de despesa do mesmo Ministerio, da gerencia do anno economico de 1905-1906 e do exercicio de 1904-1905.

Mandados distribuir.

O Sr. Mello e Sousa: — Sr. Presidente : mando para a mesa, por parte da commissão de fazenda, o parecer referente ás emendas ao projecto de lei da contabilidade publica.

Foi a imprimir.

O Sr. Raphael Gorjão: — Sr. Presidente : mando para a mesa um requerimento, pedindo documentos pelo Ministerio da Marinha.

Desejo tambem a presença do nobre Ministro da Marinha, para lhe fazer uma pergunta sobre um incidente acontecido em Moçambique, a que se refere um telegramma de Londres publicado em varios jornaes.

Foi lido e mandado expedir o requerimento, que é do teor seguinte:

«Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha, me sejam fornecidas com urgencia as seguintes informações e documentos :

l.° Designação, por districtos, das fazendas productoras de aguardente em Angola, e do respectivo imposto de producção que pagam por avença;

2.° Designação das fazendas da mesma provincia em que ha apparelhos de fabricação de assucar, indicando se se os apparelhos estão montados ou desmontados e os que são utilizados;

3.° Designação das fazendas que em Cabo Verde, Guiné, S. Thomé e Principe produzem aguardente, sua producção media approximada e impostos que pagam, relativos a aguardente ;

4.° Designação das fazendas do districto de Inhambane que teem plantações de canna saccharina, applicação que esta tem tido desde a promulgação da, lei de 7 de marco de 1902. Nota das fazendas que existiam antes da promulgação da mesma lei;

5.° Informação acêrca da tentativa de producção de assucar no mesmo districto de Inhambane;

6.° Indicação das grandes producções de canna saccharina ao norte do Save, producção approximada de alcool, impostos relativos a este (ou aguardente) que teem pago;

7.° Nota da exportação de alcool ou aguardente das provincias ultramarinas de Africa nos ultimos sete annos;

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8.° Copia de um relatorio do governador geral de Moçambique (a que se referem os jornaes de Lourenço Marques) acêrca do regimen do alcool na mesma provincia».

O Sr. Conde de Villa Real: — Tenho a participar a V. Exa. e á Camara que, por motivo justificado, não tenho podido assistir ás sessões d'esta Camara.

O Sr. Avellar Machado: — Mando para a mesa requerimentos dos guarda-marinhas do quadro auxiliar Antonio Venancio e José Coelho, e do segundo tenente do mesmo, quadro Thomaz de Aguiar Ritto, que pedem determinadas modificações na lei reguladora da reforma por equiparação.

O Sr. Eduardo de Serpa: — Sr. Presidente : pedi a palavra para chamar a attenção do nobre Ministro da Guerra sobre um assumpto que me parece dever merecer alguma consideração.

Desde algum tempo a esta parte teem-se levantado repetidos conflictos entre os generaes commandantes de algumas divisões militares e os juizes de direito, acêrca da competencia para o julgamento dos respectivos reus que, sendo militares, são chamados a responder por crimes commettidos antes do assentamento da praça.

Os processos n'estas circumstancias são enviados aos commandantes das divisões, que os devolvem aos juizes de direito; e d'ahi o conflicto, que em linguagem juridica se chama negativo.

Tenho presente uma nota de doze d'esses conflictos, a contar de janeiro de 1902 até ha poucos dias, dos quaes tres foram levantados na primeira divisão militar, um na terceira, seis na quarta, e duas na sexta; e o Supremo Tribunal de Justiça, a quem compete; pelo artigo 328.°, n.° 1.°, do Codigo de Justiça Militar vigente de 10 de janeiro de 1895, a revisão de taes conflictos, os resolveu uniformemente no sentido de pertencer aos tribunaes militares o julgamento dos reus nas indicadas circumstancias.

O Supremo Tribunal tem-se fundado nas disposições dos artigos 291.° e 292.° do Codigo de Justiça Militar, que dizem o seguinte:

«Art. 291.° Os conselhos de guerra são competentes para conhecer dos crimes de qualquer natureza, excepto dos de contrabando e descaminho, commettidos por militares ou outras pessoas pertencentes ao exercito, com as limitações e distincções expressamente estabelecidas n'este codigo.

Art. 292.° Estão sujeitos á jurisdicção dos mesmos tribunaes em tempo de paz, emquanto permanecerem na effectividade do serviço ou estiverem em alguma commissão especial do serviço, que as leis e regulamentos lhes incumbem:

1.° Os officiaes e praças de pret, combatentes ou não combatentes;

2.° Os officiaes e praças de pret, combatentes ou não combatentes, em serviço nas guardas municipaes e na guarda fiscal».

Este estado de desconcerto e de desaccordo, que ha entre es tribunaes militares e tribunaes civis, deve e pode acabar facilmente, adoptando-se uma providencia adequada.

Já não me refiro a um certo desprestigio que advem aos tribunaes de estarem constantemente n'estas contradições; quero tambem alludir ao prejuizo individual.

O militar sobre quem recae a imputação de um crime nas circumstancias indicadas, tem de esperar que se decidam estes conflictos ; e por mais breve, por mais prompta, por mais rapida que seja a sua resolução, não pode prescindir-se, para ella se proferir, de certas formulas, a que não é permittido faltar, formulas que são garantia da justiça e inherentes a todos os tribunaes.

D'aqui resulta a demora no julgamento dos delinquentes: se elles estão afiançados, tanto para elles, como para a administração da justiça a demora é um mal; se estão na cadeia tanto peor.

No Codigo de Justiça da Marinha Militar de 1 de setembro de 1899 estabeleceu-se a seguinte disposição:

Artigo 274.° Não estão sujeites á jurisdicção do Conselho de Guerra de Marinha, embora em actividadade de serviço.

1.° Os accusados de crimes commettidos antes do assentamento de praça.

Consigna-se, portanto, de uma forma clara e expressa a jurisdicção e competencia dos tribunaes civis para o julgamento dos officiaes e praças da armada por crimes anteriores ao seu assentamento de praça.

Reconheço que são valiosos alguns dos argumentos produzidos por parte da auctoridade militar, tambem perfilhados por distinctos jurisconsultos, quanto a pertencer o julgamento dos crimes, de que venho de occupar-me, aos tribunaes civis, tratando-se de officiaes e praças do exercito de terra.

Mas não posso acceitar o argumento deduzido d'aquella disposição do castigo da armada, a que um illustre jurisconsulto, funccionario superior do Supremo Conselho de Guerra e Marinha, se soccorre para fazer a critica aos julgados do Supremo Tribunal de Justiça a respeito dos conflictos referidos.

Direi que esse argumento é contra producente, tratando-se de jury constituido.

Não pode transplantar-se de um para outro codigo uma disposição que n'um d'elles é expressa, e omissa no outro. Harmonizem-se as disposições dos dois codigos. Isso, sim. Mas por uma providencia legislativa.

Não quebro lanças para que se continue a julgar como tem julgado o Supremo Tribunal de Justiça.

O meu fim e intuito, tomando a palavra, foi apenas chamar sobre o assumpto a attenção do nobre Ministro da Guerra, e provocar da parte de S. Exa. uma providencia, que ponha ter-a este estado de incerteza, e permitta-se-me a expressão, de indisciplina judicial, acabando-se com um constante desaccordo, que só traz inconvenientes, não sendo o menor d'elles o desprestigio dos tribunaes.

Parece-me pois conveniente que o nobre Ministro da Guerra adopte sobre esse importante assumpto uma resolução, que não se me afigura difficil e complicada; e tomarei a liberdade de lembrar o seguinte expediente:

Ou o illustre Ministro entende dever manter-se a interpretação da lei, como a tem entendido e applicado o Supremo Tribunal de Justiça em seus repetidos e uniformes julgados, e n'esse caso dá instrucções aos seus subordinados para que não levantem mais conflictos e a auctoridade militar se submetta ás decisões do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal competente para resolver, como tem resolvido, esses conflictos. Já expuz a S. Exa. que o artigo 328.°, n.° 1.°, do Codigo de Justiça Militar é expresso quanto a esta competencia. Ou se, ao contrario, o nobre Ministro da Guerra entende que isso está fora das suas attribuições, peço-lhe então que traga á Camara um projecto de lei, por virtude do qual seja introduzida no Codigo de Justiça Militar a disposição do artigo 279.°, n.° 1.° do Codigo da Armada, a que já me referi, o que em nada altera o plano, a contextura, e a propria numeração dos artigos do Codigo Militar, porque se faria essa inscripção por meio de um paragrapho ao seu artigo 252.°

Lembro qualquer d'estes dois expedientes. Mas se a S. Exa. em seu elevado criterio occorrer outro, confio em que adoptará o que lhe parecer mais adequado.

Terminando, peco desculpa a V. Exa. ar Sr. Presidente, e á Camara pelo tempo que lhe tomei em expor estas despretenciosas considerações.

O Sr. Ministro da Guerra (Vasconcellos Porto) : — Sr. Presidente: ouvi com a maior attenção as considerações do Digno Par Sr. Eduardo de Serpa

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Pimentel, attenção de que S. Exa. é merecedor, pela sua douta palavra e, n'este caso, pela sua situação de magistrado, em que a sua competencia é indiscutivel.

A questão a que o Digno Par se referiu tem sido debatida em differentes estações, o que tem dado logar a resoluções diversas, sobre a competencia que deve ter o Supremo Tribunal de Justiça para levantar o recurso; e sobre se devem considerar-se sujeitos á jurisdição militar os militares que tenham praticado um crime sujeito á lei commum, antes do seu alistamento.

Tem havido diversas opiniões sobre essa competencia; e essas divergencias teem sido, não só da parte dos generaes de divisão, mas de magistrados que teem apreciado essa competencia por forma diversa.

Comprehende-se que assim seja quando da parte do general commandante da divisão se tem procurado esclarecer uma situação que parece ser no sentido de estar de accordo com as disposições do Codigo de Justiça Militar.

Peço licença a V. Exa. para fazer estas considerações, salvaguardando o respeito que me devem merecer os accordãos dos tribunaes, que devo acatar.

Mas desde o momento em que S. Exa. se referiu ao juizo feito pelo general commandante da divisão, sobre este assumpto, e ás divergencias com juizes de direito, tenho de explicar a razão por que os generaes commandantes teem procedido sempre por esta forma, e com a qual — devo dizer — muitos juizes de direito se teem conformado.

Mas, effectivamente, quando se vê o artigo 4.°, predomina o criterio de que os crimes militares devem ser julgados por militares.

Se se tratasse de crimes commettidos por militares antes do seu alistamento, deveria ser outra essa redacção : deveria ser dos militares accusados de crimes commettidos como militares; e não de crimes commettidos antes do seu alistamento.

Serve apenas para restringir, não a competencia do Tribunal pelo que respeita á jurisdicção a que deve ser sujeito, mas, simplesmente, a qualidade dos crimes pelos quaes teem de ser julgados.

São estas as restricções do artigo 4.° a que S. Exa. se referiu.

Vê-se que o principio, a que está subordinado o referido artigo, é apenas o que trata de crimes commettidos por militares.

As divergencias d'esta doutrina teem sido muito limitadas; todavia, a legislação deve effectivamente estar feita por forma que se não dêem essas divergencias.

Eu tenho presente um documento em que um procurador regio do Porto, o Dr. Ferreira Augusto, por instrucções recebidas do Ministerio da Justiça, advertia aos differentes delegados que, quando se tratasse de crimes praticados por militares antes do alistamento, influissem por forma a que nunca os tribunaes militares julgassem d'esses crimes.

No caso do Digno Par não querer tomar a iniciativa de qualquer projecto tendente a evitar taes conflictos, eu procurarei encontrar a maneira de os remover.

(S. Exa. não reviu).

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Vae ler-se para entrar em discussão, o parecer n.° 29.

Foi lido, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 29

Senhores. — Terminando em 8 de maio proximo futuro o prazo fixado em virtude do contrato de igual dia de 1894, prorogado pela sentença arbitral de 12 de julho de 1902, para a conclusão das obras a cargo da Empresa Hersent e exploração do porto de Lisboa, tornava-se urgente determinar por que maneira deveria reger-se essa exploração e a continuação das obras, a contar d'aquelle dia. Para attender a esse fim, apresentou o Governo á Camara dos Senhores Deputados uma proposta de lei que, depois de largamente discutida e apreciada n'aquella casa do Parlamento, foi convertida no projecto de lei submettido ao vosso esclarecido exame.

Consiste elle essencialmente no seguinte: a gerencia e exploração do porto será confiada, sob a auctoridade immediata do Ministro das Obras Publicas, Commercio e Industria, a uma commissão administrativa em que serão representados os serviços da Alfandega de Lisboa, e do departamento maritimo do centro, a Associação Commercial de Lisboa, as empresas de navegação e as companhias de caminhos de ferro mais interessadas na exploração do porto. Haverá um engenheiro director da exploração, membro da commissão, que será contratado pelo Governo por forma a assegurar a sua especial competencia nos serviços de que ficará incumbido, e a sua constante acção e assiduidade indispensavel em assumptos d'esta natureza.

As attribuições da commissão e do engenheiro director, além do que se estipula nas bases annexas ao projecto de lei, serão clara e precisamente definidas nos regulamentos que o Governo fica auctorizado a decretar, e por igual forma se providenciará para assegurar rapidez e harmonia em todos os serviços da exploração, incluindo os de pilotagem e policia sanitaria, e de maneira a obter-se a melhor ordem, regularidade e simplicidade em todas as operações que os navios tiverem de executar no porto, como é muito conveniente, á semelhança do que se pratica nos diversos portos estrangeiros com que estamos em activa concorrencia.

Pela sua posição geographica e vantagens incontestaveis que offerece á navegação por barcos a vapor da maior lotação conhecida, pode o porto de Lisboa rivalizar com muitos dos que hoje são mais frequentados no mundo, mas, para isso se alcançar, mester se torna dar-lhe uma boa organização administrativa e as maiores facilidades á navegação e ao commercio, fazendo todas as obras indispensaveis para immediata atracação aos cães, carga e descarga rapidas de mercadorias e passageiros, reparação prompta das avarias de que carecerem os navios que o demandarem, e dotando o nosso porto com as installações e apparelhos necessarios para aquelles fins.

A tudo isto procurou o Governo attender na sua proposta, que com pequenas alterações foi approvada pela Camara dos Senhores Deputados.

Constituem receitas proprias da administração do porto:

1.° Uma taxa modica a estabelecer sobre todas as embarcações que entrarem no porto, proporcional á sua lotação, com. exclusão das nacionaes que forem empregadas na pequena cabotagem e na pesca. Essa taxa será levada em conta no pagamento que for devido pela atracação dos navios aos cães;

2.° As taxas que forem approvadas superiormente para embarque e desembarque de passageiros e de bagagens; deposito de mercadorias nos terraplenos e armazens, utilização das docas de reparação, officinas e planos inclinados ; uso dos guindastes; reboques; lastragem e deslastragem; aguadas, etc.;

3.° Producto da venda ou arrendamento dos terrenos disponiveis, e a renda que for paga pelas officinas de reparação, quando sejam dadas de arrendamento, o

Pequenas alterações resultarão a mais nas despesas que hoje supportam os navios que se utilizam das obras do porto de Lisboa, alem da taxa geral a que de futuro ficarão sujeitas todas as embarcações que aqui vierem, a qual será modica, e só recairá de novo, sobre as embarcações que não atracarem aos cães, ou nelles não effectuarem operação alguma.

Parece-nos sufficientemente justificada esta taxa, que corresponde aos serviços geraes de que todas as embarcações se aproveitarão durante a sua

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permanencia no Tejo, embora não atraquem aos cães nem se sirvam, especialmente de quesquer das diversas installações do porto.

É mantido o regime actual dos depositos francos, que poderão ser ampliados ; e conservar-se-ha o mesmo destino que hoje te em os armazens em que é concedida a armazenagem gratuita.

O saldo que houver depois de satisfeitas as despesas da exploração e conservação do porto, e dos melhoramentos que forem reconhecidos indispensaveis com a approvação do Ministro das Obras Publicas, será entregue nos cofres do Thesouro, como rendimento geral do Estado.

A fim de se attender desde logo á acquisição do material necessario para a exploração do porto, dragagens, reboques, carga e descarga de mercadorias, e bem assim para a execução de algumas obras complementares indispensaveis, e ampliação das actuaes installações, pede o Governo auctorização para contrahir um emprestimo interno até a quantia de 1.500:000$000 réis, com encargo para juro e amortização não superior a 82:500$000 réis, sem que o prazo de desamortização seja de mais de cincoenta annos. Este emprestimo ficará a cargo do Thesouro, como divida publica do Estado, determinando-se ao mesmo tempo que, em caso algum, as receitas do porto possam ser especialmente consignadas aos encargos de qualquer operação financeira, ou a garantir qualquer contrato.

Muitas outras disposições se encontram no projecto de lei e nas bases annexas, todas tendentes ao mesmo fim, que rios parece ocioso enumerar, bastando a sua leitura para se avaliar a utilidade e o objecto a que visam.

A vossa commissão, depois de ter detidamente discutido e examinado no seu conjunto e na especialidade todas as clausulas contidas no projecto de lei e bases que d'elle fazem parte integrante, entende que podem merecer a approvação da Camara dos Dignos Pares, por se acharem bem garantidos os direitos do Estado, e formuladas com clareza e exactidão todas as condições mais essenciaes para o funccionamento do serviço da exploração do porto de Lisboa, de accordo com as necessidades do commercio e da navegação do nosso mais importante porto de mar, dando-se para esse fim representação adequada a todas as collectividades mais interessadas no bom resultado d'esssa exploração, e no futuro desenvolvimento do nosso movimento commercial.

Igualmente se attende á execução de algumas das obras complementares, cuja urgencia se torna mais manifesta, e á ampliação das installações existentes, procurando-se d'esse modo, não só prover ao serviço de exploração e conservação do porto, tal como se acha estabelecido, mas ainda ás obras complementares que será indispensavel executar em prazo curto, para attender ao crescente desenvolvimento da navegação que já hoje se utiliza das favoraveis condições que offerece o rio Tejo, desde a sua foz até Lisboa. De futuro e á medida que a necessidade se for reconhecendo, facil será ampliar largamente os serviços da exploração, para o que no projecto se estabelecem as convenientes providencias. E, especialmente com este intuito, se declara na base 1.ª que a exploração do porto de Lisboa abrange toda a margem direita do Tejo, desde 3:500 metro à a montante da extremidade oriental do caes de Santa Apolonia até a torre de Belem.

Em vista do exposto, é esta commissão de parecer que o projecto n.° 21 e as bases annexas, já approvado pela Camara dos Senhores Deputados, está no caso de igualmente merecer a approvação da Camara, dos Dignos Pares.

Sala das sessões, 7 de janeiro de 1907. = Eduardo José Coelho = Gama Sarros = Marquez de Ávila e de Bolama = D. João de Alarcão F. Osrioo = Luis de Mello Bandeira Coelho = José Lobo = Luciano Monteiro = Manoel Espregueira, relator.

PARECER N.° 29-A

A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de obras publicas, respeitante ao projecto de lei que autoriza a administração do porto de Lisboa por conta do Estado.

Sala das sessões, S de janeiro de 1907. = Hintze Ribeiro (com declarações) = Manoel Espregueira = João de Alarcão = Gama Barros = Luciano Monteiro = José Lobo = Mello Sousa.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 26

Artigo 1.° E autorizado o Governo:

1.° A explorar por conta propria, a partir de 8 de maio de 1907, o porto de Lisboa, entregando a gerencia dos respectivos serviços a um conselho de administração, sob a auctoridade immediata do Ministro das Obras Publicas, Commercio e Industria.

2.° A dispender até a quantia de 1.500:000$000 réis com a acquisição do material mais aperfeiçoado para exploração do porto, dragagens, reboques e execução de obras complementares indispensaveis. Os recursos para isso necessarios figurarão até aquella importancia como receita extraordinaria no orçamento da exploração do porto.

3.° A levantar aquella quantia, de 1.500:000$000 réis, por meio de emprestimo interno e á proporção das necessidades da sua applicação, não podendo o encargo annual do juro e amortização do emprestimo exceder 82:500$000 réis, nem o prazo da amortização ser superior a cincoenta annos e reservando-se o Governo a faculdade de reembolsar por anticipação, no todo ou em parte, o emprestimo quando convier ao Thesouro.

§ unico. Em caso algum as receitas do porto poderão ser especialmente destinadas aos encargos de qualquer operação financeira ou á garantia de quaesquer contratos.

4.° A decretar as providencias necessarias para cabal execução d'esta lei, em conformidade das bases annexas que da mesma fazem parte integrante.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario e nomeadamente o disposto no n.° 6.° da base 3.ª da carta de lei de 14 de julho de 1899, que organizou os Caminhos de Ferro do Estado.

Palacio das Côrtes, em 18 de dezembro de 1905. = Thomaz Pizarro de Mello Sampaio, Presidente = Conde de Agueda, 1.° Secretario = Julio Cesar Cau da Costa, 2.° secretario.

Bases a que se refere a presente lei

Base 1.ª

A exploração do porto de Lisboa abrange toda a margem direita do Tejo, desde 3:500 metros a montante da extremidade oriental do cães, construido em Santa Apolonia, até á Torre de Belem e fundeadouros existentes, entre estes dois pontos.

Todos os navios que entrem na porto de Lisboa, com excepção dos nacionaes que se empreguem na pesca ou na pequena cabotagem costeira, pagarão uma taxa modica de estacionamento, proporcional á sua lotação, que será levada em conta no pagamento da de atracação para os navios que se utilizem dos muros do caes.

Na exploração do porto comprehendem-se todos os serviços do seu trafego, incluindo cargas, descargas, transportes, armazenagens, manipulações e operações semelhantes, com excepção do trafego do despacho da alfandega.

Alem da receita proveniente d'estes serviços, constituirão rendimento proprio do porto de Lisboa: as taxas que forem estabelecidas para embarque e desembarque de passageiros e de bagagens, depositos de mercadorias nos terraplenos e armazens, utilização das docas de reparação, officinas e planos inclinados, arrendamento de terrenos disponiveis pertencentes ao porto, reboques nas bacias ou fora d'ellas, lastragem ou deslastragem, aguadas, uso dos guindastes, e outras que existam

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ou venham a ser estabelecidas, bem como o producto de venda de terrenos, que não forem julgados necessarios para a exploração do porto, e a renda paga pelas officinas de reparação, quando sejam dadas de arrendamento.

Em tabellas, periodicamente revistas, serão designados os serviços que a administração do porto de Lisboa pode prestar ao commercio e navegação, com indicação dos preços correspondentes a cada um.

§ 1.° Será mantido o regime dos actuaes depositos francos e outros que poderão ser de novo estabelecidos ou ampliados, quando as conveniencias commerciaes o justifiquem.

§ 2.° A administração do porto de Lisboa conserva o mesmo destino aos armazens em que hoje são concedidas armazenagens gratuitas.

Base 2.ª

Annexas á exploração do porto de Lisboa haverá officinas de reparação de navios, tanto pelo que respeita a caldeiras e machinas, como aos cascos, mastreações e mais accessorios.

§ 1.° A montagem e exploração d’estas officinas poderá ser feita por conta do Estado, ou confiada á industria particular, dando garantias de provada competencia, mediante concurso publico e o pagamento de renda, ficando porém sujeitas ao director da exploração e ao conselho de administração do porto.

§ 2.° N’estas officinas, caso sejam exploradas particularmente, só poderão fazer-se trabalhos estranhos á construcção e reparação de navios, machinismos ou apparelhos pertencentes á exploração do porto, quando se sujeitem ao pagamento das contribuições respectivas e cumprimento das mais disposições legaes para o exercicio da industria.

Base 3.ª

N.° l

A exploração do porto de Lisboa será confiada a um conselho de administração, sob a auctoridade immediata do Ministro das Obras Publicas, Commercio e Industria, que será composto dos seguintes membros:

1.° Um presidente, da livre nomeação do Governo;

2.° O director da Alfandega de Lisboa;

3.° O chefe do Departamento Maritimo do Centro;

4.° Um representante do commercio ;

5.° Um representante das empresa de navegação;

6.° Um representante das companhias dos caminhos de ferro, mais interessadas na exploração do porto;

7.° Um engenheiro director da exploração.

§ 1.° Os vogaes a que se referem os n.os 4.° e 5.° serão escolhidos pelo Governo, em listas triplices organizadas pela Associação Commercial de Lisboa.

§ 2.° O vogal a que se refere o n.° 6.° será escolhido pelo Governo, em lista triplice organizada pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portuguezes.

§ 3.° Os membros do conselho de administração do porto, com excepção do ultimo, dividirão entre si 1,5 por cento das receitas liquidas da exploração, conforme com o numero de sessões a que cada um assista, e terão, pelo menos, uma sessão ordinaria por semana.

§ 4.° As nomeações e eleição dos membros do conselho, a que se referem os n.os 1.°, 4.°, 5.° e 6.° d'esta base, serão feitas para o periodo de cinco annos, podendo comtudo ser reconduzidos.

N.°2

O director da exploração será um engenheiro de reconhecida competencia, contractado pelo Governo, que não poderá accumular essas funcções com qualquer outro serviço particular ou publico, e só poderá fazer parte de commissões que respeitem á mais conveniente exploração ou administração dos portos nacioriaes.

§ l° O engenheiro director, alem do vencimento fixo que lhe for estipulado no contracto, perceberá 1 porcento das receitas liquidas da exploração.

N.°3

Haverá um engenheiro adjunto que, alem do vencimento que lhe seja assinado em contracto, receberá 0,5 porcento das receitas liquidas da exploração.

N.° 4

Ao conselho de administração compete:

1.° Arrecadar as receitas e pagar as despesas da exploração do porto, entregando nos cofres do Estado, findo o anno economico, o saldo resultante, nos termos da base 5.ª, ficando, porem, estas faculdades sujeitas ás prescripções que, no regulamento geral da contabilidade publica, forem estabelecidas para os serviços cuja administração tem caracter descentralizador e independente ;

2.° Organizar e submetter á approvação do Governo, nos prazos regulamentares, o orçamento da receita e despesa, por annos economicos, para ser incluido no Orçamento Geral do Estado;

3.° Submetter á approvação do Governo os projectos das obras a fazer, de custo superior a 5:000$000 réis;

4.° Resolver sobre as nomeações, de missões, recompensas e aposentação dos empregados nos termos da base 4.ªe organizar o serviço braçal por tarefas;

5.° Regular a acquisição de materiaes, apparelhos e utensilios para os serviços de construcção, exploração e officinas, contractando fornecimentos e empreitadas, de importancia inferior a 10:000$000 réis, e propondo ao Governo a adjudicação das superiores;

6.° Approvar todos os regulamentos dos serviços do porto;

7.° Elaborar e submetter á approvação do Governo as tarifas de exploração e as modificações de que venham a carecer;

8.° Propor ao Governo as providencias que julgue necessarias para a boa exploração e desenvolvimento do trafego do porto, e consultar acêrca dos assumptos que lhe respeitem e que pelo Governo forem submettidos ao seu exame;

9.° Submetter á approvação superior as contas, por annos economicos, da administração do porto, para serem julgadas no Tribunal de Contas, devendo tambem organizar a conta de estabelecimento, relativa ao valor do porto, seus accessorios e material.

§ 1.° Os fornecimentos e empreitadas serão contractados por concurso publico, quando, por interesse do Estado ou urgencia comprovada, não for julgado, pelo conselho, preferivel o concurso limitado ou a encommenda directa, devendo sempre ser preferida a industria nacional, quando em boas condições fabrique os artigos a adquirir, em igualdade de preço e qualidade, levando-se em conta o agio do ouro e os direitos de importação e tendo em attenção os prazos do fornecimento.

§ 2° Das deliberações do conselho serão submettidas á approvação ministerial as que d'issso careçam e as demais serão simplesmente communicadas á Direcção Geral de Obras Publicas e Minas.

N.° 5

Ao director da exploração incumbe a preparação dos assumptos que devem ser submettidos ao conselho, o expediente e resolução dos negocios correntes, a direcção dos serviços de escriptorios officinas e quaesquer outros, collocação, licença e castigos do pessoal, de harmonia com os regulamentos e quadros, e todas as attribuições resolutivas immediatas, que sejam exigidas pela especial natureza dos serviços e não possam esperar pela reunião do conselho, a quem serão, em todo o caso, communicadas.

N.6

Ao engenheiro adjunto cabe desempenhar as commissões e serviços de que seja encarregado pelo director, substituir este nos seus impedimentos

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e assistir ás sessões do conselho de administração.

N.º 7

Em regulamentos especiaes serão definidas rigorosamente as attribuições e modo de funccionamento do conselho de administração do porto de Lisboa e do director da exploração, e bem assim se prescreverão as providencias necessarias para assegurar rapidez e harmonia em todos os serviços de exploração do porto, incluindo os de pilotagem e policia sanitaria.

Base 4.ª

O pessoal para todos os serviços da exploração, do porto de Lisboa será constituido pela parte dispensavel dos empregados do trafego da alfandega, por empregados addidos ao Ministerio da Fazenda ou das Obras Publicas, Commercio e Industria, pelo effectivo dos mesmos quadros que possa ser dispensado, ficando em serviço destacado, pelo que poderá ser mandado regressar á sua anterior situação; poderão ser admittidos, quando assim se julgue conveniente, todos ou alguns dos empregados da actual empresa que tenham mais de cinco annos de serviço effectivo.

§ 1.° O pessoal destacado dos serviços dos Ministerios não continuará a receber d'elles qualquer especie de vencimento e, em caso algum, dará logar a vaga nos quadros respectivos. Qualquer outro pessoal que, por exigencia de habilitações especiaes, não possa ser recrutado pela forma declarada, será contractado pelo conselho de administração, que lhe fixará, como aos demais, o vencimento, podendo sempre desligá-los do serviço, pois não terão nomeação definitiva.

§ 2.° Com o orçamento será publicada nota especificada do pessoal em serviço na exploração do porto.

Base 5.ª

O conselho de administração do porto de Lisboa poderá applicar, annualmente, o producto das receitas liquidas a melhoramentos indispensaveis do porto, devendo porém os projectos e orçamentos de todos os que se julgarem necessarios ser submettidos á approvação do Ministro das Obras Publicas, Commercio e Industria, que sobre elles ouvirá o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, quando dependam d'essa approvação.

§ unico. Quando não haja necessidade de dar ás receitas liquidas aquella applicação, todo o producto liquido dos rendimentos dará entrada nos cofres do Thesouro, como rendimento geral do Estado.

Base 6.ª

O conselho de administração deliberará, immediatamente á sua constituição, sobre as acquisições urgentes de material para todas as manobras de carga e descarga, atracação e camionagem, habilitando-se, com a antecipação conveniente, com os guindastes indispensaveis, cabrea fluctuante de uma potencia superior a 3O toneladas, rebocadores, dragas, material das officinas de reparação, installação de motores para fornecimento de energia e illuminação do porto, linhas ferreas, calçadas, vedações, por forma a que todos os serviços da exploração e administração possam começar no dia proprio, sem abalos ou perturbações, submettendo essas deliberações á approvação do Governo e começando pela acquisição do mais indispensavel.

§ unico. Adquirir-se-hão as dragas necessarias, não só para assegurar uma conveniente dragagem das docas e espaços juntos aos caes acostaveis, mas ainda para poderem utilizar-se nos portos do continente do reino, onde sejam indispensaveis.

Base 7.ª

Proverá, tambem, immediatamente, o conselho de administração; a construcção de armazens, em condições convenientes para as exigencias commerciaes, tanto nos depositos francos como nos mais terraplenos da exploração ; á edificação de espaços cobertos, que forem julgados indispensaveis para o movimento previsto do porto; e á construcção de obras necessarias para que o serviço, de descarga de carvão e carregamento ou deposito de toros de pinheiro, se desloque do terrapleno do caes acostavel de Alcantara para ponto mais accommodado a esses serviços.

Base 8.ª

Tambem o conselho de administração resolverá: sobre o prolongamento do caes para montante de Santa Apolonia; modificação do desembarcadouro do Cães da Fundição; desembarcadouros fluctuantes; e continuação do molhe de Santos — podendo mandar proceder a todas ou algumas d'estas obras, depois de approvados os seus projectos pelo Governo, conforme pareça mais util e conveniente á regularidade dos serviços.

Palacio das Côrtes, em 18 de dezembro de 1906.= Thomaz Pizarro de Mello Sampaio Presidente = Conde de Agueda, 1.° Secretario = Julio Cesar Cau da Costa, 2.° Secretario.

O Sr. Teixeira de Sousa (sobre a ordem) : — Discorda do projecto e vae dar as razões por que assim procede.

Antes, porém, deseja fazer uma declaração, e vem a ser que nas palavras que ha de proferir ninguem poderá ver quebra da muita estima pessoal que tem pelo Sr. Ministro das Obras Publicas, assim como ninguem n’ellas poderá ver quebra da convicção em que elle, orador, está de que o Sr. MaIheiro Reymão, ao elaborar a proposta de lei que se discute, só procurou engrandecer o seu nome, pondo ao serviço da sua intelligencia a mais sincera e honrada das intenções.

Dito isto, fica á vontade para mandar para a mesa a seguinte moção de ordem:

«A Camara, reconhecendo que é preciso esclarecer o projecto antes de sobre elle se pronunciar, passa á ordem do dia».

Bem prega Frei Thomaz; olhae para o que elle diz, mas não para o que elle faz.

O Frei Thomaz, n'este caso, é o Governo que prega uma doutrina, que defende com apparente convicção, mas que absolutamente contraria com factos. E até parece que os homens mais importantes que acompanham o Governo se comprazem em fazer affirmações que immediatamente o prejudicam.

Não ha ainda muito tempo, o Sr. Presidente do Conselho, como membro da outra casa do Parlamento, quando se discutia ali uma reforma militar, com aquella palavra viva e apaixonada que todos lhe admiramos e que parece traduzir por vezes convicções profundas, combatia com violencia essa medida, accusando fortemente os responsaveis das despesas publicas. S. Exa. punha deante dos olhos do Parlamento o suggestivo exemplo da Grecia que, tendo feito sacrificios financeiros para manter as suas condições de defesa terrestre e maritima, receando a invasão dos turcos, se vira antes invadida pelos credores externos.

O Sr. Beirão, hoje leader da maioria n'esta Camara, que já então commungava nos mesmos ideaes do Sr. Presidente do Conselho, ao discutir a primeira medida de Fazenda, que á Camara de 1904 foi levada, accusou com violencia o Ministro que subscrevia essa medida, a titulo de que ella não podia resolver a questão de Fazenda que, em seu entender, era a grande questão, a verdadeira questão nacional.

Hoje a questão de Fazenda deixou de ser a verdadeira questão nacional, porque deixou de governar o Sr. Hintze Ribeiro para governar o Sr. João Franco de sociedade com o Sr. José Luciano de Castro; e, todavia, a divida fluctuante, que era então de 62:000 contos de réis, eleva-se hoje a 74:000.

Para a grave doença de que então enfermavam as nossas finanças aconselhava-se como meio therapeutico o augmento de receitas. Agora o mal cresceu e os mesmos therapeutas aconselham precisamente o contrario, isto é, o aggravamento da despesa, que se

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traduz nos varios projectos de lei que teem sido votados, e para fazer face á qual se invoca a panaceia dos tabacos.

N'esta Camara já foi votada a garantia de juro á companhia do caminho de ferro do Valle do Vouga, na importancia de 102 contos de réis em cada anno; o augmento de soldo aos officiaes do exercito e da armada, elevando a despesa em mais de 500 contos de réis; a reforma da contabilidade publica, cujo augmento de despesa é consideravel, e já hoje nos pedem auctorização para um emprestimo de 1:500 contos de réis, comum encargo annual de 82:500$000réis!

E na forja, na outra Camara, tem o Governo a questão dos pinhos com um augmento de despesa de 200 contos de réis; a navegação para o Brasil com 444 contos de réis: a reforma dos passaportes com uma consideravel diminuição de receita; a marinha colonial e o material naval com augmento de despesa de centenares de contos; e para cobrir isto tudo, e o deficit, promette o Governo o contrato com o Banco de Portugal, que, na melhor das hypotheses, daria 360 contos de réis, mas em taes condições que não será lei! Para o resto fica o augmento da receita dos tabacos !

Faz isto lembrar o que aconteceu a um amigo seu, a quem muito preza, e que é membro da Camara: tendo-lhe sido premiada uma fracção de bilhete de lotaria com a sorte grande, tantas applicações lhe destinou, que, em breve, se convenceu de que mais lucraria com a adversidade do que com a sorte.

Chega a parecer que, sob o ponto de vista da boa administração financeira, mais conviria que o contrato dos tabacos se não tivesse realizado.

Quando se tratou do projecto de contabilidade publica falou-se da incapacidade do Estado para a exploração de ramos de serviço como o dos caminhos de ferro. N'essa ordem de ideias estava o Governo quando trouxe á Camara a proposta de lei que se discute. Então dizia no relatorio que o que convinha para a exploração do porto de Lisboa era uma administração autónoma, com a maior liberdade de acção.

Mas, ao legislar, o Governo logo contrariou essa doutrina, como se vê do n.° 4 da base 3.ª do projecto.

O Governo, que entendia não ter capacidade para explorar uma industria, colloca, ao legislar, absolutamente sob a sua tutela o conselho de administração das obras do porto de Lisboa!

Ainda ha pouco, quando se discutiu o projecto referente á contabilidade publica, a Camara ouviu dois discursos verdadeiramente notaveis, pronunciados pelos Dignos Pares Srs. Moraes Carvalho e Mello e Sousa, tendo este ultimo defendido o principio da unidade orçamental, o qual, dizia S. Exa., era o principio que determinava a acção do Governo.

Citaram-se então grandes autoridades na materia. Citou-se o notavel financeiro Léon Say, e o proprio Sr. Ministro da Fazenda leu-nos, no Matin, uma passagem de um discurso de Poincaré sobre a unidade orçamental.

Ora o Governo, que parece ter tal opinião, que faz com este projecto?

Deroga o principio da unidade orçamental, segundo se vê do n.° 4.° da base 3.ª

Alem d'isso, a lei da contabilidade, que ha pouco foi votada, experimenta, com a approvação d'este projecto, um duro golpe, porquanto o tal visto previo, estabelecido no artigo 30.° da alludida lei, não pode ser applicado ás contas da administração do porto de Lisboa.

E o proprio relatorio que precede o projecto em discussão que diz que os rendimentos do porto não entrem nos cofres do Estado, mas apenas o saldo que houver depois de satisfeitas as despesas de exploração e conservação. Os pagamentos referentes a essas despesas correm pela Thesouraria do Conselho de Administração, não podendo, portanto, ter logar o visto previo estabelecido no artigo 30.° da lei da contabilidade.

E chama a attenção da Camara para o seguinte facto.

A Camara recorda-se de que, pelo artigo 30.° da lei de contabilidade, toda a ordem de pagamentos de dinheiros publicos deve ser visada pelo director geral da contabilidade, sem o que o seu pagamento não poderá effectuar-se, ainda que haja sido auctorizado pelo Ministro.

Vem agora o projecto do porto de Lisboa e dispõe exactamente o contrario.

Logo pelo relatorio do Governo se vê que os rendimentos do porto que estejam captivos ao pagamento de despesas por contratos, não só não ficam sujeitos ao visto previo, mas nem sequer chegam a entrar nos cofres publicos.

É o que aliás está estabelecido na base 3.ª, n.° 4.°, 1.°, pela qual ao conselho de administração compete arrecadar as receitas e pagar as despesas da exploração do porto, entregando nos cofres do Estado, findo o anno economico, o saldo resultante.

Ainda pela base 5.ª fica o conselho auctorizado a applicar, annualmente, o producto das receitas liquidadas a melhoramentos indispensaveis no porto.

E assim, não só as ordens de pagamento para despesas do porto de Lisboa não ficam sujeitas ao visto previo

do director geral da contabilidade, mas os saldos somente são entregues ao Thesouro no fim do anno economico.

Imagine-se agora que este projecto, seguindo com bastante celeridade, é lei antes de approvadas as emendas ao projecto' da contabilidade, ou antes d'este projecto de lei do Estado.

Que succede?

A lei de contabilidade, que ficaria então como medida posterior a esta que ora se discute, revogando no seu ultimo artigo a legislação em contrario, de rogaria as disposições do projecto em discussão.

E, no caso contrario, que rude golpe soffre a lei da contabilidade com a promulgação d'esta medida!

E occorre lamentar que o Digno Par Sr. Beirão, que declarou, em nome do partido progressista, não apoiar nenhum Governo que viesse pedir auctorizações ao Parlamento, não repudie agora este projecto que, no fundo é uma perfeita auctorização ao Governo ou por outra, é um verdadeiro apontoado de auctorizações, como sejam o emprestimo de 1:500 contos de réis, a reforma da policia sanitaria e dos serviços de pilotagem, a acquisição de dragas, a construcção de installações e de officinas de reparação de navios, etc., etc.

O porto de Lisboa, no caminho para a Africa, America e Ásia, tem uma posição geographica que lhe dá grande vantagem, impondo-se por isso á consideração dos poderes publicos o remover e modificar o estado de abandono em que se encontrava ainda em 1885. O partido regenerador, ao qual o paiz deve a sua transformação material e por isso a transformação economica, não podia ficar indifferente ao porto de Lisboa. O que ha de grande em melhoramentos materiaes no continente e nas colonias é devido ao partido regenerador. Nas colonias os caminhos de ferro de Mormugão, de Lourenço Marques, da Beira, da Swazilandia, de Ambaca e de Benguella, o porto de Mormugão, o porto de Lourenço Marques, tudo isso é devido ao partido regenerador. No continente a rede de caminhos de ferro, iniciada por Fontes Pereira de Mello, o glorioso homem de Estado que de desdem encolhia os hombros aos detractores da linha ferrea de Lisboa ao Porto, foi obra do partido regenerador. O que Fontes não fez, fê-lo Hintze Ribeiro, como Ministro das Obras Publicas e como chefe de Governos.

A morte prostrou Fontes, mas com elle não morreu a iniciativa na transformação do paiz.

Circumstancias e coincidencias curiosas : os dois grandes homens de Estado, Fontes Pereira de Mello e Hintze Ribeiro, referendaram a mesma lei, a

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lei de 16 de julho de 1885, que auctorizou o Governo a abrir concurso para as obras da 1.ª secção do porto de Lisboa.

As obras foram adjudicadas. Deviam ser apromptadas no prazo de 10 annos, e a sua inauguração foi feita com a mais festiva solemnidade.

Cabe aqui agora um triste episodio.

Emygdio Navarro, e Marianno de Carvalho, dois talentos de notavel grandeza, foram o mais forte esteio do partido progressista, o qual não saiu tão forte do pacto de 1876 que em 1881 não caisse nas mais deploraveis condições, antes de completar dois annos de Governo.

Emygdio Navarro não tinha rival como jornalista.

Não o tivera nunca na historia do jornalismo portuguez, sem falar no poder cerebral que affirmara em todos os seus actos de homem de Estado. Combatera, muito, ferira muito. Manietado ás responsabilidades do poder soffreu a mais viva e ardente campanha de que ha memoria na nossa vida constitucional, a qual certamente minou as condições de resistencia d’aquella organização athletica.

A injustiça da campanha ahi está evidente: Navarro só legou pobreza e saudades a todos quantos poderam apreciar a sua bella alma. As relações d'elle, orador, com Emygdio Navarro são uma prova de generosidade fidalga do saudoso jornalista.

Ahi por 1896 o Dia escreveu uns violentos artigos contra um Ministro seu correligionario e prezado amigo. As suas relações com o Sr. Alpoim, e a circumstancia de, por motivos que não vêem para o caso, elle, orador, poder conhecer bem o assumpto dos artigos, fizeram qua Emygdio Navarro lhe attribuisse nas Novidades as informações sob que assentara a campanha do Dia.

Era uma falsidade.

Nunca praticara uma deslealdade para correligionario seu, qualquer que fosse por vezes o seu desgosto. Mais tarde, tres annos depois, o acaso levou a Emygdio Navarro as provas de que o informador fora um funccionario do Ministerio das Obras Publicas. Navarro procurou o a elle, orador, para lhe dizer: fiz lhe uma injustiça; devo-lhe uma reparação, que encontrará em toda a minha vida. E assim for.

Fechado este parenthesis, diz que o Estado não póde tomar conta das obras do porto no fim dos 10 annos contratados, porque por motivos de novas obras, de indemnização a pagar, era prorogado o prazo de, validade ao contrato e por isso da exploração do porto. Foi feito novo contrato em 8 de maio de 1894, pelo periodo de construcção e mais cinco annos; mas, tendo sido submettidas ao tribunal outras varias reclamações do empreiteiro Hersent, foi alargado por tres annos o prazo fixado, no contrato de 1894, que terminara em 8 de maio proximo futuro.

Vejamos como o Governo, em vésperas de vagar a exploração do porto de Lisboa, procedeu e como se chegou até o projecto actual. No Governo deveriam pesar estas duas circumstancias: 1.ª saber como explorar o porto; 2.ª fazer obras indispensaveis, prolongar cães, novas docas, para o que eram precisos novos recursos. O Governo tinha que escolher um entre os seguintes quatro systemas: o Estado directamente; o Estado por intermedio de um conselho de administração, como o dos caminhos de ferro; prorogar a validade do contrato com o empreiteiro actual; entregar a exploração do porto a uma companhia, com vantagens para o Estado e com a obrigação de completar as obras necessarias para o engrandecimento do porto.

É de notar que o Ministro das Obras Publicas de 1904, o Sr. Conde de Paçô-Vieira, se determinou pelo ultimo dos systemas, fazendo o contrato provisorio de 12 de janeiro de 1904. Sob o ponto de vista da exploração conveniente do porto de Lisboa, no que propriamente diz respeito a essa industria, era o preferivel.

Não o entendeu assim a Associação Commercial de Lisboa, que logo reclamou com varios fundamentos e pedindo novas obras, um entreposto para os productos do Brasil e um cães para passageiros.

O Governo progressista não perfilhou o contrato de 12 de janeiro de 1904, antes nomeou uma commissão, por protaria de 23 de janeiro de 1900, incumbida de responder a determinados quesitos que lhe eram propostos quanto a obras necessarias e á entidade a que devia ser confiada a administração do porto.

A commissão reconheceu a necessidade de prolongar o cães de Santa Apolonia, de construir o molhe de Santos, dragar o rio até a rocha de Alcan tara, 3 docas, 4 dragas, rebecadores, desembarcadouros fluctuantes, armazens, espaços cobertos; mas, quanto á forma de administrar o porto, os vogaes da commissão discordaram; dois votaram por que se confiasse a administração a uma commissão; cinco votaram por que se entregasse á exploração feita por uma companhia, com a obrigação de fazer as obras necessarias e de adquirir o material indispensavel para uma conveniente exploração do porto.

A maioria estava na doutrina adoptada pelo Sr. Conde de Paçô-Vieira, o que lhe deve ter dado inteira satisfação.

E occorre n'este ponto dizer o que se passa no estrangeiro sobre o assumpto.

Os portos de Cherbourg, Marselha, Dunkerque, Calais, Boulogne, Havre, Rouen, Brest, S. Nazaire, Nantes e Bordéus são explorados pelas camaras de commercio; os portos de Rotterdam e Amsterdam são explorados por administrações locaes; os portos de Hamburgo e New-York, que são dos de maior importancia mundial, são explorados por companhias; Bilbau e Barcelona são administrados por entidades dependentes do Estado; e os portos de Génova e de Veneza são administrados por conselhos constituidos por membros do commercio, da engenharia, dos corpos aduaneiros e por delegados da camara municipal, dos caminhos de ferro e dos armadores, sendo esses conselhos presididos por individuos escolhidos livremente pelos Governos.

Elle, orador, não dá o seu voto ao projecto porque o conselho de administração que n'elle figura, ao contrario do que succede em Génova e em Veneza, fica sem independencia; fica constituido de forma que nem governa o Governo nem governa o conselho de administração. Não governa o Governo, porque parte das funcções do poder executivo passam para o conselho de administração; e não governa este, porque a sua acção fica dependente da acção tutelar do Governo.

O Governo, no relatorio da proposta de lei, repudiou a ideia de entregar a exploração do porto a uma empresa ou companhia com o fundamento de não poder attender ás variadas utilidades commerciaes e economicas. E na base 3.ª, n.° 1.°, o Governo e o projecto entregam a administração do porto a um conselho, approximado da forma por que são constituidas as commissões que administram os portos de Génova e Veneza. E uma situação identica á dos caminhos de ferro, que o Governo condemnou, pretendendo tirar-lhe a autonomia financeira. Votá-la-hia se a commissão tivesse mais do que um simulacro de autonomia para a administrar. De ora avante não administrará o Estado, não pode administrar o conselho de administração, e o resultado será a péssima exploração do porto com gravame profundo para a economia geral da nação.

O § 3.° da base 3.ª do projecto trata da remuneração a dar aos membros do conselho de administração, arbitrando-lhes 1,5 por cento das receitas liquidas da exploração.

É muito? É pouco? Não se sabe. Pode ser uma remuneração insuficiente e ridicula, ou ser excessiva e escandalosa. Não se sabe, pois é dependente do movimento que o porto tiver. Faz a este respeito uma declaração pessoal.

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Exerce um logar publico, a que attribuiram 5, 7 e 12 contos de réis em cada anno, e n'essas quantias ia incluida a que recebia do porto de Lisboa. É absolutamente inexacto. O administrador geral das alfandegas nunca recebeu um real do porto de Lisboa. Era confusão com o director da alfandega de Lisboa, que legal e legitimamente recebeu, até agora, uma certa remuneração pelas funcções que exerce na fiscalização do contrato. De resto, os que attribuem ao logar de administrador geral das alfandegas grossos vencimentos, ignoram que a lei de 26 de fevereiro de 1892, reconduzida em todas as leis de receita e despesa, estabeleceu que nenhum funccionario pode receber do Estado de vencimentos, ajudas de custo, gratificações e emolumentos, incluindo os aduaneiros, mais de 2 contos de réis cada anno. Faz estas declarações para que as invejas do logar, que os invejosos julgavam chorudo, lhe não tragam malquerenças.

Se não é definido o vencimento dos membros do conselho referido, não vem definido o vencimento que hão de ter o engenheiro director e o seu adjunto. O vencimento será o que lhe for estipulado no contrato que se fizer. Se a Camara votar isto, não sabe o que vota.

O Governo pretende dispender em material, dragagens, reboques e em obras complementares 1:500 contos de réis. Basta ler o parecer da commissão nomeada pelo Governo e as bases 6.ª 7.ª e 8.ª para nos convencermos de que a quantia de 1:500 contos de réis é insuficiente para o que convem adquirir ; cães, molhes, armazens, espaços cobertos, desembarcadouros fluctuantes, pontes-caes, acquisição de dragas e de reboques, dragagens, obras necessarias para a descarga do carvão, linhas ferreas, illuminação, vedações, sem falar em officinas para reparar navios, pois só essas custariam mais dos 1:500 contos de réis.

Como obter esse dinheiro ? Por meio de um emprestimo, para que é pedida, auctorização. Em principio, o processo de que o Governo usa para obter recursos financeiros é o que ha de mais inconveniente. Revela desconhecimento do que ha de mais elementar em finanças.

O Governo vae lançar um emprestimo de 2:000 contos de réis para os caminhos de ferro, para se cobrar do que já lhes adeantou; vae contrahir um emprestimo de 211 contos de réis para edificios escolares ; pediu já auctorização para um emprestimo de 1:600 contos de réis para material naval, e no projecto que se discute propõe um emprestimo de 1:500 contos de réis. As pequenas operações financeiras por não interessarem a alta finança, são sempre caras; o lançamento no mercado de successivos emprestimos, embora pequenos, esgota o credito.

Mas se o emprestimo em principio não é bom, como se propõe não pode ser votado. Na proposta o Governo punha como uma das condições ser interno, e o encargo de juro e amortização não exceder 5 ½ por cento ao anno. Só por lapso se pode explicar o que o Governo propoz. As amortizações são funcções do tempo, e por isso não se pode marcar o encargo maximo sem marcar o prazo da amortização.

A quantia de 82:500$000 réis, de encargo maximo, pode ser de vantagem em um curto prazo de amortização e ser de usura se esse prazo for longo.

Vae a commissão de fazenda da Camara dos Senhores Deputados e modificou a proposta do Governo, conforme consta do projecto, fixando o encargo maximo de juro e amortização em réis 82:500$000 ou 5 ½ por cento e a amortização em 50 annos.

Ainda não é sufficiente, por faltar o typo do titulo a emittir, o que é importante.

Para os banqueiros o titulo é tanto mais vantajoso quanto mais baixo for o typo de juro, porque o titulo n'estas condições mais se presta á especulação e, por isso, aos jogos da Bolsa.

Em 1903, tratando se de um emprestimo de 1:500 contos de réis para os caminhos de ferro e tendo sido aberto concurso, apresentaram-se duas propostas : por uma tomava 16:000 obrigações de 4 ½ por cento de 500 francos, ao preço de 419 francos; por outra tomava 17:000 obrigações de 500 francos, mas de 4 por cento, ao preço de 395 francos.

O thesouro ficava pagando pela primeira o juro effectivo de 5,33 por cento e pela segunda 5,06 por cento. Não é tudo ainda.

O que se passou com o emprestimo do caminho de ferro da Swazilandia devia esclarecer os governantes. Este emprestimo de 2:000 contos de réis, realizado em 1905, e auctorizado pelo decreto de 15 de julho de 1903, justificado no uso do Acto Addicional de 1852, tinha por unica condição que o encargo do juro maximo seria de 5,22 por cento.

Foram pedidas propostas, sendo preferida a que offereceu fazer o emprestimo de 2:000 contos de réis, com o encargo, durante cada um dos 75 annos de 100:898$294 réis.

Como não havia typos de juro, as obrigações emittidas foram de 3 por cento com premios, entregando o Thesouro aos tomadores 270:000 obrigações de 10$000 réis cada uma, que o mercado subscreveu a 9$500 réis.

Os tomadores e seus adherentes ganharam em muito poucos dias 565 contos de réis. Foi um jubileu, e o Estado se quizer antecipar o pagamento tropeça na difficuldade de ter dado por 2:000 contos de réis titulos no valor nominal de 2:700 contos de réis.

Desejando finalizar na sessão de hoje a ordem de considerações que o projecto lhe suggere, vae a correr, e apenas se referirá a algumas disposições d'elle.

Diz o segundo periodo da base 1.ª que todos os navios que entrem no porto de Lisboa, com excepção dos nacionaes que se empreguem na pesca ou na pequena cabotagem costeira, pagarão uma taxa modica de estacionamento, proporcional á sua lotação, que será levada em conta no pagamento da de atracação para os navios que se utilizem dos muros do cães.

A seu juizo, o que se dispõe n'esta base importa uma nova autorização.

Essa taxa variará segundo a prodigalidade ou a sovinice do Ministro que tiver de dar execução á lei; porque pode parecer a uns modico, o que outros terão na conta de liberalissimo.

Entende que este assumpto é muito importante, e vae dar a razão do seu modo de ver.

Annexa á proposta de lei de receita e despesa, submettida á outra casa do Parlamento, está uma tabella, que fixa o imposto a cobrar dos passageiros que desembarquem no posto de desinfecção.

Sendo as taxas d'esse imposto já exageradas o aggravamento d'ellas só logrará afastar aquelles que desejassem vir ao Tejo.

Mesmo porque uma taxa modica é cousa que se não comprehende.

Que quer dizer isso?

A Camara poderá comprehender o que ha de inconveniente em aggravar o imposto de tonelagem, fixado na lei de 16 de setembro de 1890, quer com relação a passageiros, quer em referencia a mercadorias.

Crê nas boas intenções que presidiram á fixação d'essas taxas; mas se for transformada em lei a proposta que está actualmente submettida á consideração da Camara, pode garantir que os unicos navios de grande tonelagem que virão .ao Tejo serão os da Empresa Nacional.

É o primeiro a concordar em que a marinha mercante nacional precisa de protecção. Tem mesmo a satisfação de dizer que o seu nome está ligado á navegação para a costa occidental da Africa, por uma empresa de navios portugueses; mas é inadmissivel que se proceda por forma a evitar que venham ao Tejo navios estrangeiros.

Em 21 de maio de 1896 publicou-se uma lei destinada a proteger a navegação nacional. Essa lei reduziu a metade as taxas do imposto a cobrar dos

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navios portuguezes, mas quanto á navagação estrangeira providenciava-se por forma a não a sobrecarregar demasiadamente. Dispoz-se que ella pagaria o dobro do imposto exigido á navegação nacional, e isto era acceitavel; mas o elevar de 400a 2$000 réis essa taxa pode dizer-se que é absolutamente incompativel com a navegação estrangeira.

Crê, pois, ser lógico concluindo que ao Tejo ao aportarão os navios da Empresa Nacional, afugentando-se assim completamente a navegação estrangeira.

Discorda completa e absolutamente de tal principio de administração.

Dispõe ainda a base 1.ª que em tabeliãs?, periodicamente revistas, serão designados os serviços que a administração do porto de Lisboa pode prestar ao commercio e navegação, com indicação dos preços correspondentes a cada um.

Esta parte da base comprehende tambem uma auctorização, vasta e larga, que elle orador não sabe onde poderá chegar e que, por isso, lhe é impossivel discutir.

Diz-se na base 2.ª que, annexas á exploração do porto de Lisboa, haverá officinas de reparação de navios, tanto pelo que respeita ás caldeiras e machinas, como os cascos, mastreações e mais accessorios, e acrescenta-se que a montagem e exploração d'estas officinas poderá ser feita por conta do Estado.

Se estas officinas forem effectivamente montadas por conta do Estado, onde é que fica a doutrina que o Sr. Ministro das Obras Publicas sustenta no seu relatorio?

Se S. Exa. affiança ali que o Estado é incapaz de explorar qualquer industria, como é que lhe dá capacidade para a montagem e exploração das officinas a que se refere o projecto?

Mas não ha só a contradicção do Sr. Ministro. Ha ainda o gravissimo inconveniente que deverá necessariamente acarretar uma disposição de tal natureza.

Peça S. Exa. informações ao seu collega da Marinha, e saberá então quanto custam as officinas de reparações de navios por conta do Estado, e isto para construir navios como o D. Amelia, que não anda, e como outro que, antes de sair a nossa barra, já tinha abandonado metade das chapas.

No § 2.° do n.° 4.° da base 3.ª preceitua-se que ao conselho de administração compete organizar e submetter á approvação do Governo, nos prazos regulamentares, o orçamento da receita e despesa, por annos economicos, para ser incluido no Orçamento Geral do Estado.

Elle, orador, não comprehende como se possa executar esta disposição e crê que o Sr. Ministro das Obras Publicas, embora muito intelligente, igualmente não comcrehenderá o que se dispõe n'esta parte do projecto.

O § 1.°, do artigo 9.°, do n.° 4.°, da base 3.ª diz que os fornecimentos e empreitadas serão contratados por concurso publico, quando per interesse do Estado ou urgencia comprovada não for julgado pelo conselho preferivel o concurso limitado ou a encommenda directa, devendo sempre ser preferida a industria nacional, quando em boas condições fabrique os artigos a adquirir, em igualdade de preço e qualidade, levando-se em conta o agio do ouro e os direitos de importação, e tendo em attenção os prazos do fornecimento.

Por esta disposição o conselho fica com o direito de adquirir no estrangeiro os artigos que não possa encontrar no nosso paiz em boas condições; e importa-os, 'é claro, com isenção de direitos.

A proseguirmos n'este caminho, d'aqui a pouco não haverá direitos a cobrar nas alfandegas ; porque, não se definindo claramente quaes as condições a que devem satisfazer esses artigos de que se necessita, acabar-se-ha por decretar a isenção de direitos para todos os que tenhamos de importar.

Diz o n.° 7 da base 3.ª que em regulamentos especiaes serão definidas rigorosamente as attribuições e modo de funccionamento do conselho de administração do porto de Lisboa e do director da exploração, e bem assim se prescreverão as providencias necessarias para assegurar rapidez e harmonia em todos os serviços de exploração do porto, incluindo os de pilotagem e policia sanitaria.

Elle, orador, o que vê neste artigo é uma auctorização para se reformar o serviço sanitario e o de pilotagem, mas isto sem bases e inteiramente ás cegas.

Como se vê, o Sr. Ministro, sanccionado este projecto, fica auctorizado a modificar, como lhe convenha, o regimen da exploração do porto de Lisboa.

O Sr. José de Azevedo: — Talvez seja isso o que se pretende.

O Orador: — A situação do porto de Lisboa tem uma grandissima importancia, como já teve occasião de dizer; mas é preciso aproveitar as suas condições naturaes.

O serviço do porto de Lisboa tem melhorado consideravelmente. O movimento é hoje muitissimo superior ao que era antes das obras iniciadas em 1885.

E para isso contribuiu a extincção do Lazareto, que se não justificava sob o ponto de vista scientifico, pois que muitos dos que desejavam visitar a nossa capital, para se subtrahirem aos horrores de uma quarentena, seguiam para Marselha, e em tres dias estavam aqui.

Com a extincção do Lazareto, veio a criação do posto de desinfecção, que pode dizer-se um grande beneficio feito ao porto de Lisboa.

Os factos de todos os dias estão a mostrar as grandes vantagens que resultaram da criação do posto de Santos, pois contam-se hoje por milhares os visitantes estrangeiros. (Apoiados).

Dê-se a gloria da criação d'esse posto a quem ella pertença, ao Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, illustre chefe do partido regenerador.

Temos hoje um Express diario, mas não é ainda tudo o que é preciso.

Torna-se indispensavel que os passageiros encontrem no nosso porto as facilidades de carga e descarga que só dá o regimen da franquia.

Não se imagine que elle, orador, trata este assumpto pelo unico desejo de encontrar materia para discursos.

E uma ideia sua que vem defendendo ha muito, a de ao lado de um posto commercial, se criar em Lisboa um porto franco, destinado aos productos das colonias e do Brasil.

Já em 1904, no relatorio com que precedeu a proposta de navegação para o Brasil, o advogou com calor, fé e confiança.

Contra o proteccionismo pautai nunca houve melhor meio de evitar o abandono dos portos do que a franquia distes.

Os entrepostos, os drawbachs e admissão temporaria exercem uma pequena influencia para aquelle effeito Assim o comprehenderam os que estabeleceram as cidades francas, onde as mercadorias estrangeiras entravam e saiam livremente para o mar, ficando sujeitas aos direitos quando introduzidas para consumo.

Foram cidades francas Messina, Livorno, Marselha, Dunkerque e Hamburgo, alem de outras. Até Lisboa foi cidade franca no seculo XIV, conforme a informação que Oliveira Martins nos deu.

Cairam as cidades francas porque a cintura aduaneira as asphyxiava, mas substituiram-se em parte por portos francos, ao lado dos portos commerciaes.

Ha um livro recentemente publicado em Lisboa, que trata d'este assumpto com grande conhecimento de causa e largo espirito critico. D'esse livro é auctor o Sr. Marcos Vieira da Silva.

Ahi se cita a definição do porto franco dado pela Camara do Commercio de Marselha: «um ponto commum onde veem. terminar, por assim dizer, os pro-

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SESSÃO N.° 22 DE 10 DE FEVEREIRO DE 1907 215

longamentos territoriaes de todas as nações».

Elle, orador, entende que não é possivel, em tão poucas palavras, condensar melhor o que seja o porto franco. Mas não é esta a vez primeira que a questão do porto franco vem á tela do debate entre nós.

O grande estadista Marquez de Pombal quiz estabelecer um porto franco em Oeiras.

Esse glorioso homem de Estado, que ainda não recebeu o titulo de gratidão devido aos largos beneficios que dispensou ao seu paiz, caiu, mas não caiu a ideia que elle concebera.

No reinado de D. Maria I tratou-se de aniquilar tudo o que pudesse salientar a iniciativa do grande Marquez; mas respeitou-se a ideia do porto franco.

Em 1797, a Rainha declarava porto franco a Junqueira, que, então, não fazia parte da cidade. Em 1808, esse porto franco acabou e o edificio que então servia de armazem, serve hoje, para receber despojos de naufragios e para arrecadação de materias explosivas apprehendidas pela fiscalização.

No nosso paiz acabou o porto franco, mas lá fora continuou a ideia, com a convicção e a fé que tinham animado o Marquez de Pombal.

Decorreram annos, e um dia, dois homens de Estado notaveis, Marianno de Carvalho e Emygdio Navarro, submetteram a consideração do Parlamento uma proposta de lei criando um porto franco entre Belem e Cascaes, alem de outros no Faial, Flores e Corvo.

A Associação Commercial reclamou contra a criação d'esse porto franco, julgando preferiveis os entrepostos e o regimen dos drawbachs, e allegava ainda que o que se projectava trazia prejuizos á classe dos fragateiros!

Chega a ser inconcebivel que se privasse o porto, de Lisboa de um tão util melhoramento, com o pretexto de que elle importava a ruina dos fragateiros !

Entretanto, emquanto nós nos entre tinhamos com os comezinhos entrepostos, criados no decreto n.°3 de 27 de setembro de 1894, lá fora os portos francos tomavam grande desenvolvimento e quasi que monopolizavam o commercio e a navegação.

A Allemanha criou portos francos em Hamburgo, Bremen, Stein, Dantzig, Ernelem; a Italia criou o porto franco de Génova, tão forte concorrente a Marselha, que esta cidade n'este momento trabalha activamente para ter porto franco; a Dinamarca criou Copenhague; a Austria-Hungria, Trieste e Fiumi; a Inglaterra, criou Gibraltar, Malta, Singapura, Hong-Kong e East-London; na França as camaras de commercio, as companhias de navegação, os conselhos municipaes reclamam portos francos para Marse lha, Bordéus, Havre e Dunkerque; a Hespanha trabalha para fazer de Cadiz um porto franco que possa offerecer aos productos do Brasil. E Portugal, em logar de criar um porto franco no Tejo, foi criá-lo em Macau!

O orador mostra em seguida a grande vantagem que alguns paizes teem tirado dos portos francos, e o desenvolvimento por elles incutido á marinha mercante.

Pelo que respeita á peninsula hispanica ha 4 portos de escala: Corunha, Vigo, Lisboa e Leixões.

A Corunha e Vigo não podem ser utilizados pela sua falta de relações ferroviarias fáceis e rapidas com a Europa central, e Leixões ,é um porto artificial e portanto sem condições de segurança.

Só resta Lisboa, que tem um esplendido porto, que reune as condições e facilidades que permittem a criação, de um porto franco.

E mister, pois, a criação de um porto franco, como é inadiavel que se trate da navegação para o Brasil, seguindo-se assim o trilho adoptado pela Italia, França e Hespanha.

Afigura-se-lhe que só assim poderiamos negociar um tratado de commercio com o Brasil.

Desde que tivéssemos um porto franco para os productos d'aquella Republica, essa seria a base que nos habilitasse á negociação do tratado, de que muito precisamos, para que a nos sa agricultura não chegue á ultima miseria.

Elle, orador, declara-se partidario de um porto franco, ao lado de um porto commercial, não para todos os paizes mas apenas para os productos coloniaes e para os do Brasil.

A criação de um tal porto daria uma situação privilegiada ao nosso Tejo, que só assim alcançaria o movimento que de outra maneira não poderá nunca conseguir, alem de servir de ponto de partida para um tratado de commercio com a importantissima Republica Brasileira.

Vae terminar as considerações que se propoz apresentar em relação ao projecto que se discute, lembrando uma passagem de um discurso proferido pelo. imperador da Allemanha, e que vem transcripta no livro de Loc-kroy — Le probleme de Ia marine marchande:

«Será sobre o mar que se jogarão os destinos do mundo.

Somente os representantes das raças anglo-saxonicas terão voz na materia.

Quanto ás raças latinas não ha razão para nos preoccuparem : ellas estão votadas a uma irremediavel decadencia e não mais contarão nas preoccupações internacionaes».

Elle, orador, sabe que Portugal, como nação pequena, não pode ter a pretensão de entrar no jogo dos destinos do mundo; mas pode julgar-se com direito à concorrer á exploração commercial dos paizes aos quaes levou pela mão os grandes e poderosas anglo-saxões.

Vozes: — Muito bem. (O Digno Par não reviu este extracto nem as notas tackygraphicas).

Foi lida, admittida, e ficou em discussão juntamente com o projecto a moção do Digno Par.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia de ámanhã, 16, é a continuação da que vinha para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 15 de fevereiro de 1907

Exmos. Srs. Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal; Condes de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Paraty, de Tarouca, de Valença, de Villa Real, de Villar Secco, Viscondes de Asseca, de Athouguia, de Monte São, e de Tinalhas, Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Coelho de Campos, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Lobo do Amaral, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

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