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tando eu inteiramente persuadido de que isto era exacto, as expressões do D. Par fizeram-me vacillar na minha opinião, que eu acreditava honrosa para a intelligencia dos membros da Junta; porque, pensava eu, que se não estivessem co-actos, como dizia o Coronel Wilde, não dariam com a sua recusa occasião ao que se seguiu.
Disse o D. Par, que a respeito da expedição que elle commandára, posto não soubesse qual seria o seu resultado, comtudo esperava entrar em Lisboa. Não me compete a mim, nem seria proprio agora fazer juizo algum sobre operações militares; mas o que posso asseverar á Camara é, que nesse tempo ouvi dizer a alguns Chefes militares (não me recordo agora dos nomes), que commandavam as tropas em Lisboa, que se o nobre Conde desembarcasse, antes de vir direitamente a Lisboa, havia de procurar organisar-se; havia de fazer alguma marcha lateral, procurando organisar-se em algum posto fortificado antes de marchar sobre a Capital. Sr. Presidente, o nobre Conde disse, que elle sómente queria vir livrar a Rainha da coacção em que estava. Nesse tempo era eu um dos Ministros de Sua Magestade, e declaro muito explicitamente — que nem eu, nem os outros meus collegas tinhamos Sua Magestade em coacção. O nobre Conde desejava, que a Rainha livremente escolhesse os seus Ministros; mas a minha opinião é, que com a chegada de S. Ex.ª a esta Capital, nomeio da carnagem dos portuguezes, nas ruas de Lisboa, correndo o sangue dos cidadãos, não era a melhor occasião essa, para fazer que Sua Magestade Nomeasse livremente os seus Ministros. (Vozes — Muito bem. Muito bem.) Tambem o nobre Conde fallou em sangue portuguez derramado pelas forças alliadas; mas a mim nunca me constou, que sangue algum portuguez fosse derramado pelas bailas inglezas. Sr. Presidente, se em differentes occasiões a Inglaterra tem feito a Portugal serviços de maxima importancia, foi sem duvida alguma esta occasião uma dellas. Concorreu para livrar o seu antigo alliado de tantas calamidades, e poz um dique á devastação, que assolava este nosso bello paiz!... (Apoiados). Este grande serviço nunca jámais nós esqueceremos; nunca o esquecerão nossos filhos! Lord Palmerston conservou intactas as tradições de Inglaterra a respeito de Portugal; Lord Palmerston mostrou ser o mesmo homem, que ha vinte annos no Parlamento se assignalou em favor da Carta Constitucional, e seus leaes defensores da Ilha Terceira; Lord Palmerston é aquelle, que assignou o Tractado da Quadrupla Alliança; e aquelle que ainda ha pouco se arriscou a ser demittido do Ministerio por causa de Portugal; e antes se expoz a esse risco, do que deixar de prestar poderoso auxilio á Causa da Rainha! (Apoiados).
Sr. Presidente, diz-se — nós haviamos de vencer, á insurreição havia de triumphar senão fosse o auxilio das Potencias alliadas! A victoria! Quereria alguem a victoria com a completa ruina do nosso paiz?! E não se lembram já do tempo em que os sectarios do usurpador diziam, que appellavam para quando os soldados de D. Pedro, esses defensores da liberdade, se dilacerassem uns aos outros? Quereriam que Roma se destruísse pela sua propria mão secundum vota Parthorum? Quereria alguem a victoria para exterminação? A victoria para Dictadura de sangue? Que bellos hymnos do victoria! Havia de entoar-se Io triumphe sobre os tumulos dos pais, e dos irmãos?
Sr. Presidente, não se creia que quanto acabo de dizer seja uma amplificação oratoria: não é de certo, porque eu sei, e todos nós sabemos, que nos dous campos contrarios militavam filhos do mesmo pai e da mesma mãi!... Que faziam aquellas espadas desembainhadas nos campos de Pharsalia? Cujus latus ille mucro petebat? Apontar-se-ia contra o peito do amigo, do irmão, e talvez do pai? E não se deveria lançar mão de todos os meios, fazerem-se todos os sacrificios para se evitarem estes horrores? E não deveremos dar graças, em primeiro logar á Divina Providencia, e em segundo ás Potencias alliadas, que concorreram para o grande bem da pacificação?
Sr. Presidente, agora desejo examinar uma arguição, que se tem feito, dizendo-se, que as condições são offensivas da independencia nacional. Confesso, Sr. Presidente, que nunca entendi haver nestas condições a menor offensa da independencia nacional, Ou da independencia da Corôa; confesso que esta foi sempre a minha opinião, a qual é fundada na doutrina de todos os publicistas, e na pratica de todos os Governos; e tambem entendo, que talvez as pessoas que tem feito esta arguição, senão tivessem dado ao trabalho de examinar com madureza e sangue frio esta questão.
Offende-se a soberania, quando se cede algum dos seus direitos, ou quando se transfere simplesmente o exercicio de algum delles a uma outra Potencia, ou mesmo quando este exercicio se torna dependente da vontade do alliado; mas não se offende a Soberania, quando em certo e determinado caso se faz uma restricção a esse exercicio, ou em beneficio do alliado, ou por conveniencia que assim o exija; e neste caso restringe-se o livre exercicio da soberania como em qualquer outra promessa. Todos os Publicistas, tractando das Allianças desiguaes, fazem differença entre aquellas que são feitas com diminuição da soberania — cum imminutione imperii — e aquellas que se fazem sem diminuição da soberania — sine imminutione imperii. — Muitas vezes uma Nação poderosa faz uma alliança, em que parece haver desigualdade em favor da Nação mais fraca; mas porque lhe convêm aos seus interesses auxilia-la, e defende-la contra as outras Nações, obriga-se a prestações mais fortes: outras vezes a Nação mais fraca não póde obter os auxilios sem se obrigar a algum onus; e isto póde fazer sem diminuir, ou offender a soberania. Se em uma alliança, uma das partes contractantes se obrigar anão fazer guerra a nenhuma Nação sem o consentimento da outra, sem duvida alguma a soberania ficará offendida; e a este proposito todos mencionam o notavel tractado dos Carthaginezes com os Romanos. Se porém em uma alliança qualquer das Nações contractantes, se obrigar a não fazer a guerra a certo e determinado povo, sem o consentimento do seu alliado: não ha nessa alliança offensa alguma da soberania. Muitas vezes alguns Governos, fazendo allianças, teem estipulado que na guerra não poderá um delles nomear Commandante das suas forças, se não escolhendo-o entre os subditos do outro Governo; e nisto nunca se considerou haver offensa dos direitos da soberania, não obstante que o direito de nomear os Commandantes das forças, é um dos direitos da soberania. Eis-aqui a doutrina geralmente ensinada por todos os Publicistas, approvada, e praticada por todos os Governos; e desejaria vêr, se desde Grocio até ao Sr. Silvestre Pinheiro, algum publicista dizia o contrario, ou cousa differente do que acabo de expor á Camara.
O Senhor D. Pedro, no tractado da quadrupla alliança, obrigou-se expressamente a dar amnistia; e depois daquella estipulação do tractado, depois daquella promessa, já não era livre ao Senhor D. Pedro, fossem quaesquer que fossem as circumstancias, deixar de dar a amnistia; e ainda ninguem disse que elle offendeu a independencia nacional, ou a dignidade da Corôa, porque se obrigou a exercer um acto, que immediatamente depende dos direitos da soberania Mas diz-se — a amnistia não devia ser tão ampla — e eu declaro que sempre foi minha opinião, em todas as occasiões, que as guerras civis não podiam terminar, fosse porque modo fosse, sem que immediatamente se desse a amnistia. (O Sr. C. de Lavradio — Apoiado.) A respeito do caso de que se tracta, da guerra civil de Portugal, por muitas vezes emitti essa opinião, e sempre entendi, que a condição promettida da amnistia devia ter toda a amplitude. Offereceram-se casos, em que ella não era applicavel, e não duvidei com os meus collegas fazer, por medidas especiaes, extensão dessa amnistia, aquelles a quem se julgava não poder ter applicação, e para prova disto apresentarei dous factos: o primeiro, é de alguns miguelistas que se tinham unido á insurreição, e vieram de Setubal, os quaes devendo pelo facto de se unirem á insurreição, gosar da amnistia, todavia não gosavam della, porque estavam implicados em factos de conspiração miguelista, dos quaes havia processo; mas acontecia, que aquelles homens vinham de Setubal, e vendo eu que apesar da amnistia de 28 de Abril, na fórma das condições da mediação, elles estavam comprehendidos em processos politicos, a que se não referia esse Decreto, e por tanto podiam ser presos; publicou-se uma medida especial por um novo Decreto, o qual comprehendeu expressamente os miguelistas por factos anteriores a 6 de Outubro. (O Sr. V. de Fonte Arcada — Fez muito bem.) Tambem eu assentei que tinha feito bem.
O outro facto, Sr. Presidente, refere-se a outros Officiaes tambem de Setubal. Os Ministros das Potencias alliadas, quando foram dispersadas as forças que estavam em Setubal, escreveram ao Governo: eu podia lêr os documentos, porque até me parece os tenho aqui, mas para não tomar tempo á Camara abstenho-me disso, persuadido como estou, de que ella me acreditará (Muitos apoiados): se apparecer porém alguma duvida, então os lerei. Mas dizia eu: os Ministros das Potencias alliadas escreveram ao Governo, dizendo-lhe que entre os Officiaes que tinham vindo de Setubal, se deviam fazer differentes cathegorias, por quanto uns gosavam sem duvida nenhuma da amnistia, e outros não tinham direito a ella, e se deviam considerar como refugiados politicos, tendo direito a todas as considerações que como taes lhes deviam competir. Mas que fez o Governo, Sr. Presidente? O Governo disse, que não sabia se gosavam ou não da amnistia, porque não lhe tinham sido presentes os documentos sobre os factos acontecidos; que talvez esses mesmos tivessem direito a gosar della; mas para tirar todas as duvidas, e por sua unica deliberação, o Governo publicou um Decreto em que necessariamente ficavam comprehendidos. Sr. Presidente, parece-me que estes dous factos provam bem o espirito e intenção em que estava o Governo, que só queria conseguir a paz e a conciliação, assegurando a todos o mesmo beneficio, para pôr fim a todas as discordias, e fazendo assim, por um acto seu especial, mais do que estava estipulado.
Mas argue-se o Governo porque a amnistia era ampla de mais, e ia ainda além das estipulações, por se ter feito mais do que nestas se continha: Habes confitentem reum. Aqui tem o réo a confessar, mas confessando de tal modo, que não ha sem duvida ostentação nem de crime nem de virtude; porque o meu coração diz-me, que todos os que estão nesta Camara haviam, em igualdade de circumstancias, fazer o mesmo que eu fiz. (Vozes — Muito bem. Muito bem.) Declaro porém a verdade, Sr. Presidente, e é — que nós não tivemos nisso o menor merecimento; todas estas inspirações nos tinham de mais alto (Apoiados); todos estes actos de beneficencia, de humanidade, e de conciliação, não eram nossos (Apoiados repelidos); nós eramos tão sómente meros instrumentos (Apoiados); era a Rainha, que nunca achou limites á sua Clemencia; era a Rainha, cuja beneficencia para com os portuguezes Lhe dictava todos estes actos, e sugeria muito mais do que tudo quanto nós podessemos lembrar: (Apoiados repetidos). Sr. Presidente, se neste objecto se fez mais do que era de obrigação, outros actos houve em que se fez só precisamente aquillo, que se devia fazer, dando-se intelligencia á primeira condição da mediação, precisamente tal qual a requer a sua letra, e o seu espirito; e entretanto o Ministerio tambem foi arguido, quando é certo que sómente fez o que devia, e aquillo a que era obrigado: fallo a respeito dos Juizes. Não terei talvez tão depressa occasião opportuna de fallar neste ponto, e por isso aproveito esta para declarar, que é principalmente minha a culpa (posto que todos os Ministros sejam responsaveis porque todos concordaram comigo), em que os Juizes fossem mandados logo immediatamente para os logares, que occupavam quando foram demittidos. Procurei em todas as restituições dispensar, quanto podesse, quaesquer formalidades, desejando facilitar aos Juizes a entrada nos logares, e prevenir quaesquer incommodos, ou delongas; e por isso uma participação bastava, para que se lhes fizesse immediata applicação do Decreto. Bem sabia eu que alguns se tinham levantado, e haviam sido agentes da insurreição nas mesmas terras em que eram Juizes, e que portanto era conveniente que elles não continuassem a exercer ahi jurisdicção; mas o acto da restituição não se póde confundir com o acto da transferencia. O acto da restituição é uma consequencia immediata, e impreterivel do Decreto de amnistia; o acto da transferencia só póde ter logar observadas as formalidades, que estão estabelecidas nas Leis em vigor. Nem se póde dizer, que esses Juizes poderiam ficar no quadro da Magistratura, simplesmente até que fossem mandados para outros logares; porque isto seria não cumprir o Decreto, nem segundo a sua letra, nem segundo o seu espirito Restituir os Juizes aos seus logares, é colloca-los nos mesmos logares em que estavam: — será restituído ao estado em que antes era, dizem as nossas Leis quando fallam da restituição in integrum. Mas a transferencia não a podia o Governo fazer só por si, sem que precedesse o processo legal; e é por isso que eu mandei logo differentes Portarias ao Supremo Tribunal de Justiça, para consultar sobre a transferencia desses Juizes. Já eu no Tribunal votei pela transferencia de um dos reintegrados, e é provavel, que se assistisse a algumas outras Consultas votasse do mesmo modo.
Agora, Sr. Presidente, estou chegado ao ponto de fazer a declaração, que me pediu o D. Paro Sr. C. de Thomar. Declaro á Camara, que ao tempo da acceitação da mediação, o Governo não entendeu que as potencias alliadas, Inglaterra, França, e Hespanha, quizessem ter ingerencia alguma na Administração interior deste Paiz, depois da reunião das Côrtes, nem mesmo antes dessa reunião, salvo nos casos expressamente declarados nas condições. Declaro tambem, que o Governo não tinha motivo algum pessoal de indisposição contra os Srs. Cabraes, e tanto, que um destes Srs. era seu Ministro diplomatico na Côrte de Madrid. E fossem quaesquer que fossem, ou tivessem sido as opiniões de alguns membros do Ministerio, relativamente a alguns actos da sua Administração passada; nunca em caso nenhum o Ministerio concorreria para se coarctar, mesmo temporariamente, o livre exercicio da grerogativa real, na nomeação dos Ministros da Corôa, a não ser no caso de tão urgente necessidade; e o que digo a respeito da 4.ª condição, applico-o a todas as outras. Sr. Presidente, a intenção do governo inglez era conseguir a pacificação deste Paiz, e conservar a dignidade da Corôa.
Ao governo inglez representava-se o partido dos Srs. Cabraes, notado, como uma facção, pelos insurgentes, e que estes empregavam os nomes dos Srs. Cabraes para animar a revolta. Disto tinha sido informado o governo inglez; e este governo que tinha de intervir com a força, se fosse necessario, quantos menos obstaculos tivesse, menos sacrificios faria para a prompta pacificação do Paiz. Lord Palmerston diz em um dos despachos de 5 d'Abril (ha mais de um dessa data) — que no presente estado de cousas em Portugal, é mais facil dizer quem não convem que seja Ministro, do que dizer quem o deve ser; que se deve formar uma Administração, que concorra para facilitar a conciliação dos portuguezes; e que já que não é possivel achar homens de uma confiança geral, ao menos se devem remover dessa Administração aquelles, que mais possam excitar a sua desconfiança — dizia pois Lord Palmerston no seu despacho — que no presente estado de cousas (isto é, em Abril passado) não convinha que nem os homens do partido dos Srs. Cabraes, nem os membros da Junta do Porto formassem a Administração. N'outro despacho diz Lord Palmerston — que elle não queria, nem se arrogava o direito, nem a competencia, de julgar de fórma nenhuma os acontecimentos, que tinham dado occasião á insurreição, e á guerra civil. O Governo portuguez, entendeu pois, que a exclusão pronunciada pelo artigo 4.º, foi unicamente procedida do principio politico — remover o obstaculo á mais facil pacificação — e não de julgamento, ou opinião alguma dos governos inglez, francez, e hespanhol, sobre o merecimento, ou desmerecimento da Administração dos Srs. Cabraes.
Sendo pois isto assim como tenho exposto, para que o dizer-se, que alguem foi condemnado nos Parlamentos estrangeiros? Não dará isso motivo a que se responda, que ninguem foi lá condemnado, e que se nesses Parlamentos houve alguma condemnação, não foi mais do que a que resulta, da approvação que deram á conducta dos governos, que tinham condemnado a insurreição a submetter-se? É assim, Sr. Presidente, que o Governo entendeu o 4.° artigo do Protocollo; e não me parece que lhe possa dar a interpretação extensiva, que por muitas vezes se lhe tem dado. Que alguem dissesse, que não approvava os actos de um ou outro Ministerio, isso não levo eu a mal; mas que se quizesse fazer extensivo esse artigo a muitas pessoas, que nunca podiam ser comprehendidas na sua disposição, e ainda mais torna-lo extensivo a qualquer systema de administração; é o que não póde admittir-se. Um systema de administração condemnado. - Tem-se dito e repetido isto; mas o que é certo é, que o principio que regulou a confecção desse artigo 4.°, foi um principio politico para aquella occasião — no presente estado de cousas — são estas ias palavras de Lord Palmerston; e accrescentou que não se arrogava o direito de julgar dos acontecimentos, que tinham dado causa á insurreição: dizer-se por tanto, que o 4.º artigo exclue qualquer systema de administração, oppõe-se sem duvida a taes declarações; oppõe-se tambem aos principios de interpretação, que regulam em taes casos. Ninguem ignora, Sr. Presidente, que quando se tracta de materias tão delicadas, só se póde seguir á risca o que está expresso na letra, o nos termos formaes da convenção. Quando se restringe de algum modo o exereicio dos direitos da Soberania de algumas das Nações contractantes, nunca póde ter logar a interpretação extensiva. (Apoiados).
Se acaso estivesse agora nesta Camara o D. Par o Sr. Tavares de Almeida, que foi meu collega no Ministerio, eu sem duvida poderia deixar de fallar em um objecto, que seria esclarecido por elle muito melhor do que por mim, a respeito do cumprimento das condições do Protocollo. Teem-se dito, Sr. Presidente, que essas condições não estão cumpridas; e além do que se tem dito nesta Camara, existe tambem uma representação feita ás Potencias alliadas sobre o mesmo objecto; representação que tem por fim obter que as Potencias alliadas, como garantes das condições, conheçam da justiça daquellas queixas; representação de cuja authenticidade senão póde duvidar, e que mesmo foi assignada por alguns Membros desta Camara. Vou pois fallar sobre alguns pontos que nella se tractam; e só o farei a respeito daquelles que se referem aos actos do Ministerio, de que eu tive a honra de fazer parte, porque em quanto aos outros, julgo que é absolutamente desnecessario que me occupe delles.
Esta representação é concebida em termos improprios, e insolitos: fallarei della, mas não imitarei o seu estylo (Apoiados). O meu fim é examinar o que nella se diz, relativamente aos actos do nosso Ministerio, e em especial ao Decreto de 12 de Agosto sobre as eleições. — Não pertendo entrar agora no exame das irregularidades, que se dizem ter havido nas eleições, o que é uma das principaes queixas desta representação. Não discuto se nos recenseamentos foi excluido quem o não devia ser; se foi recenseado quem não estava habilitado; se um mesmo eleitor foi recenseado em mais de uma Freguezia; não examino tambem, se nas eleições houveram fraudes, e violencias, ou se o que se tem dito a este respeito é declamação vaga; se ha factos provados, ou se ha sómente asserções genericas. Este exame é alheio do meu proposito.
Mas, Sr. Presidente, o Decreto de 12 de Agosto, do qual eu tinha a persuação de que era talvez o melhor que se havia feito sobre eleições, em conformidade com a Carta, sem interpor o meu juizo ácerca do de 27 de Julho, porque este não é feito em conformidade com ella; foi violentamente atacado. Com satisfação acreditava, que o Decreto tinha agradado a todos; mas esta representação veio descubrir não só defeitos e erros naquelle Decreto, mas até intenções nos Ministros de abrir as portas ás fraudes, e vicios nas eleições, empregando expressões de que logo terei occasião de dar leitura á Camara. Esta reclamação, Sr. Presidente, absolve na verdade o Decreto de 12 de Agosto de não infringir a Carta Constitucional, em quanto a serem indirectas as eleições, e a serem por Provincias os Collegios eleitoraes. Estas questões, se os Collegios eleitoraes não devem ser por Provincias, e se as eleições devem ser directas ou indirectas, não são para ser agora tractadas; ha opiniões de uma e outra parte; e nós as tractaremos um dia se Deos nos der saude. Quando redigimos este Decreto (e um D. Par que me ouve concorreu para a sua redacção), eu disse e concordamos todos em que não era possivel, fosse qual fosse a nossa opinião, alterar o ponto da eleição indirecta, e dos Collegios eleitoraes por Provincias, porque essa era a disposição da Carta. A respeito dos Collegios eleitoraes, tinha sido esta sempre a intelligencia que se tinha dado á Carta, em todos os Decretos publicados desde o seu estabelecimento sobre eleições, e nós não deviamos separar-nos desta pratica, porque o uso constante de praticar a lei, é o melhor interprete da mesma lei. Ás providencias que os Decretos anteriores continham, nós accrescentamos aquellas, que nos pareceram necessarias para melhor garantir o livre exercicio do direito eleitoral. Quando eu julgava que o nosso trabalho tinha merecido algum apreço, appareceu esta reclamação em que se diz, que todas as medidas foram calculadas, e se dispozeram de antemão, para destruir as maiorias eleitoraes! E para demonstrar esta asserção começa a examinar as faltas, e omissões cavillosas do Decreto de 12 de Agosto.
Diz-se em primeiro logar, Sr Presidente, que o Governo não incumbiu os recenseamentos a quem devia, pois as Camaras Municipaes nem Corpos Electivos se podem chamar, porque tendo sido dissolvidas pelo Ministerio Palmella em 1846, restituiu-as depois da reacção de 6 de Outubro o Ministerio Saldanha, e não o voto popular. Portanto, a primeira arguição é — que o Decreto de 12 de Agosto não encarregou os recenseamentos aos corpos administrativos, que a elles deviam proceder.
Sr. Presidente, o Decreto de 12 de Agosto mandou fazer o recenseamento pelos corpos municipaes que existissem legalmente, ao tempo em que esse recenseamento para a eleição de Deputados se fizesse; e para que se esclareça este objecto direi, que o Decreto do Ministerio do Reino, datado de 27 de Junho, mandou proceder logo á revisão do recenseamento para a eleição das Camaras Municipaes, e proceder immediatamente a esta eleição, antes de chegar a época determinada pelo Codigo Administrativo, que era em Novembro, alterando assim o mesmo Codigo: esta é a disposição principal do Decreto de 27 de Junho; e o Sr. C. de Lavradio era Ministro neste tempo, e sabe muito bem que isto é exacto. O Decreto de 12 de Outubro disse — que aquella
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